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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 32

EM 1 DE MARÇO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Sebastião Custodio de Sousa Telles

Secretarios - os Dignos Pares

José Vaz Correia Seabra de Lacerda
Francisco José Machado

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, manda para a mesa uma representação de alguns barbeiros e cabelleireiros de Villa Real de Trás-os-Montes, adherindo ao projecto de lei relativo ao descanso semanal. - O Digno Par Sr. Francisco José Machado envia para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio do Reino. Foi expedido. - O Digno Par Sr. Raphael Gorjão refere-se ao engajamento de indigenas para o Transvaal. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha.

Ordem do dia (continuação da discussão do projecto de lei que regula a liberdade de imprensa). - Usa da palavra o Digno Par Sr. José Dias Ferreira e responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça. - O Digno Par Sr. E. Hintze Ribeiro apresenta um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda e, em seguida, dirige perguntas ao Governo, acêrca de acontecimentos em Coimbra, que produziram viva excitação entre os academicos. Responde o Sr. Presidente do Conselho. O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro pede ao chefe do Governo que trate de colher mais amplas informações acêrca d'esses acontecimentos. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 23 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Fazenda relativo a um pedido de documentos do Digno Par Sr. Mattozo Santos.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio da Marinha referente a documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Visconde de Monte-São.

Para a secretaria.

O Sr. Antonio de Azevedo Castello Branco: - Envio para a mesa uma representação de alguns membros da classe de barbeiros e cabelleireiros de Villa Real de Trás-os-Montes, adherindo ao projecto de lei sobre o descanso semanal, e pedindo o encerramento dos seus estabelecimentos á segunda feira ou em qualquer outro dia, que não seja o domingo.

O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa o requerimento seguinte:

«Tendo terminado o periodo de dois mezes - janeiro e fevereiro - em que o director do Hospital das Caldas da Rainha teve aberto aquelle estabelecimento thermal, contra a opinião das pessoas competentes e entendidas no assumpto:

Requeiro, para meu esclarecimento, que pelo Ministerio do Reino e administração d'aquelle estabelecimento me seja enviada:

1.° Nota do numero de doentes inscriptos para tratamento nos dois mezes de janeiro e fevereiro;

2.° Nota de quantos fizeram tratamento gratuito e quantos pagaram; o 3.° Nota do nome do clinico que lhes prescreveu o tratamento;

4.° Nota da receite proveniente dos tratamentos ministrados nos dois mezes referidos;

5.° Nota da despesa feita com o serviço hydrotherapico n'estes dois mezes.

Foi mandado expedir.

O Sr. Rafael Gorjão: - Sr. Presidente: na ultima sessão procurei demonstrar primeiro, que o processo de engajamento de indigenas de Moçambique para o Transvaal, feito como até agora, era preferivel ao processo dos contratadores, e mais util para a provincia, para a industria e até mesmo para o Transvaal; em segundo Jogar que o Sr. Ministro da Marinha, nomeando, por intermedio do governador geral de Moçambique, um contratador privativo, prejudicou a base essencial, o processo que até hoje tem estado em vigor, por isso que criou um regimen de excepção para um determinado agrupamento; em terceiro logar que, embora esta questão da nomeação do contratador pareça de somenos importancia, o certo é que ella produziu um profundo alarme, não só no Transvaal, mas nos circulos financeiros mais importantes da Europa e, sobretudo, em Londres, Paris e Berlim, o que não me admira, visto tratar-se de uma questão que contende com a exploração da povoação mineira mais rica do mundo, que já hoje representa uma importancia superior a cem mil contos de réis por anno.

Por ultimo eu disse que não só na imprensa, mas até em correspondencia official, se asseverava que esta nomeação tinha sido contra a vontade do Governo, obedecendo a pressões do Governo inglez.

Sr. Presidente: neste ponto não posso deixar de fazer uma pequena rectificação a extractos publicados.

Eu não asseverei que o Governo tivesse procedido assim em virtude de pressões do Governo inglez. Não o podia dizer, e espero que o Sr. Ministro

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da Marinha, a tal respeito, dê uma resposta cabal.

O que eu disse foi como tinha sido interpretado o procedimento do Governo, lá fóra, e oxalá esta interpretação seja contrariada.

Se bem me recordo, quando chegou a hora de se passar á ordem do dia, eu estava em via de dizer até o contrario, isto é, que não fazia ao Governo a injuria de suppor que elle fosse indifferente a uma questão d'esta ordem, mas que, ainda que assim fosse, não podia explicar o procedimento do Governo, porque isso representaria uma questão irritante na politica de um paiz amigo e independente, e indispunha contra nós os grandes grupos financeiros.

Nós iamos ser agradaveis no Transvaal a um grupo que não representa 6 a 7 por cento da importancia total das minas.

Seria, portanto, inadmissivel tudo isto, e ainda pela razão de que, tratando-se com uma nação briosa e altiva como a Inglaterra, não é por processos d'esta ordem, nem por transigencias injustificaveis, que se podem estreitar as relações de amizade e tornar mais intima a nossa alliança; pelo contrario, com processos d'estes só se conseguem benevolencias deprimentes.

Sr. Presidente: haverá talvez quem julgue que a questão é melindrosa de mais para ser trazida para esta casa. Se alguem assim pensa, eu responderei que procedo d'este modo, não só no exercicio de um direito, mas no cumprimento de um dever.

Este quadro deprimente da nossa situação tem muitos inconvenientes.

Ha pouco, em virtude de uma conferencia commercial, deliberou-se desprezar tudo que fosse portuguez, e, portanto, é preciso que o nosso prestigio se mantenha n'aquellas regiões.

Agora permitta-me V. Exa. e a camara que, em poucas palavras, me refira á minha individualidade.

Eu, Sr. Presidente, estive em contacto permanente com as possessões inglezas, estive em relações constantes e quotidianas com as auctoridades inglezas, e sempre mantive com ellas a melhor harmonia governativa, fazendo quanto possivel para conservar a nossa tradicional alliança.

Segundo uma noticia que recebi, começa-se a dizer que o governador geral da provincia de Moçambique é de opinião que o Governo Portuguez intervenha no engajamento dos indigenas.

Eu, Sr. Presidente, não assevero a veracidade da noticia; mas se assim é, a questão assume bastante gravidade.

Entendo, Sr. Presidente, que o Governo Portuguez não tem que intervir no engajamento dos pretos; tem de proteger por todos os meios ao seu alcance os seus legitimos interesses, porque são portuguezes, e estão sob a nossa protecção.

Espero, pois, que o Sr. Ministro da Marinha me diga que esta noticia não tem fundamento, mas se o tiver, eu desde já declaro que hei de combater esse expediente, tanto quanto me for possivel, por que é prejudicial ás nossas relações com o Transvaal, relações que convem manter, não só agora como de futuro.

Posto isto, vou formular as minhas perguntas, que são as seguintes:

1.ª Quaes as razões justificativas da nomeação de um engajador privativo do grupo de minas Robinson?

2.ª Pode o Governo enviar para a camara a correspondencia sobre este assumpto do Ministerio dos Negocios Estrangeiros com o da Marinha e com a nossa legação em Londres, ou permittir que seja examinada nas Secretarias de Estado?

3.ª Concorda o Sr. Ministro da Marinha com a opinião attribuida ao Sr. governador geral de Moçambique acêrca da intervenção do Governo no assalariamento dos indigenas?

4.ª Foi ou vae ser nomeada uma commissão mista para investigar acêrca dos processos de recrutamento de indigenas em Moçambique? Qual é a constituição d'essa commissão?

Uma pergunta desejo ainda fazer, e a essa poderá o Sr. Ministre da Marinha responder de uma maneira precisa: é se na politica intercolonial da Africa do Sul o Governo entende dever seguir os processos e a orientação dos dois ultimos Governos regeneradores?

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Apesar do Digno Par me haver deixado a liberdade de não responder ás perguntas que formulou, porque o assumpto de que se trata é d'aquelles que mais importam ao desenvolvimento futuro da provincia de Moçambique, nada me custa dar as razões do que se fez, quando se tem a consciencia dos proprios actos, e quando se procura, da melhor forma possivel, salvaguardar interesses tão capitães como os que á nossa guarda estão confiados.

A primeira pergunta que S. Exa. fez foi qual tinha sido a razão justificativa de se dar uma licença privativa para engajamento de indigenas ao grupo Robinson.

Da maneira como S. Exa. redigiu a pergunta, se vê o alheamento, que a serie de opiniões apaixonadas na Africa do Sul sobre este ponto, determinou no espirito tão lucido e baseado em conhecimentos tão especiaes do Digno Par.

Por isso., se S. Exa. e a camara m'o permittem, em muito poucos minutos historiarei o que se passou desde que o Governo Portuguez foi approximado - permitta-se-me a maneira de dizer - da questão que se trata.

Foi no mez de julho do anno passado que o Governo Inglez dirigiu ao Governo Portuguez um pedido que tinha por fim obter uma licença de engajamento para um seu subdito, de nome Mr. Holmes.

Não teve duvida o Governo Portuguez, baseado no artigo 9.° do regulamento de novembro de 1897, em fazer a concessão pedida, por isso que, sendo essa licença pessoal. e intransmissivel, segundo os termos expressos do regulamento, em nada alterava o existente, nem estabelecia o recrutamento livre nem a competencia de engajadores, por tantos titulos prejudicial.

Tempo depois, em outubro ou novembro, o Governo Inglez dirigiu-se novamente ao Governo Portuguez, dizendo que a licença concedida não servia para nada, e mostrando desejos de que a Mr. Holmes fosse concedida uma licença nos termos em que a exercia a W. N. L. A.

A isto respondeu o Governo Portuguez, dizendo que tinha dado o que pudera em face do seu regulamento, e que nada mais podia conceder.

Entendia, e entende o Governo, que o que tinha dado era o melhor, assim como não podia ir mais alem.

Todos os que conhecem a Africa do Sul sabem perfeitamente que o Governo Portuguez nunca fez concessão tal como a que em novembro era pedida, nem deu essas faculdades a quaesquer grupos mineiros.

Desde que o grupo Robinson entendia que a W. N. L. A. não aproveitava todas as fontes de recrutamento ao seu dispor, allegando que era possivel alargar esse recrutamento, não só de maneira a ampliar-se o fornecimento de trabalhadores ás minas como tambem por forma a poderem ser dispensados os contratados chinezes, a licença concedida a Mr. Holmes era de facto sufficiente para que, montando a cavallo e seguindo para o mato, esse delegado do grupo Robinson pudesse verificar por seus olhos a exactidão dos factos.

O Digno Par sabe tudo quanto a imprensa tem feito propalar, não só na Africa do Sul, e em Inglaterra, como tambem entre nós, acêrca dos monopolios concedidos á W. N. L. A., e como essas noticias são inexactas.

Antes da publicação do regulamento de 1897 é que havia numerosos engajadores por canta dos diversos grupos, e que se contrariavam uns aos outros no angariamento da mão de obra.

O Governo reconhecia no regresso

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a este systema de concorrencia um processo muito inconveniente aos interesses da provincia, e mesmo aos do Transvaal.

No decurso da campanha de Gaza, na qual tive a honra de ser um dos soldados, apurou-se, sem duvidas, que uma das causas da revolta tinha sido aquella concorrencia a que acabo de alludir.

Assim vê S. Exa. que se ha alguem que se interesse pelo assumpto, é quem tem a honra e a responsabilidade de estar falando n'esta cadeira.

Entretanto dava-se um facto novo que tinha de ser considerado no estudo da questão; e esse facto novo consistia na saida do grupo Robinson da W. N. L. A.

Esse facto novo, a realidade da saida do grupo Robinson do agrupamento que a W. N. L. A. representava, não podia ser postergado; e, affirmando sempre que em caso algum assentiria a qualquer systema que de perto ou de longe pudesse estabelecer concorrencia, não podia o Governo Portuguez deixar de reconhecer que havia deveras razão para estudar algo de novo; e por isso se accordou na nomeação de uma commissão mista para estudar esse facto.

É este, n'este momento, o estado da questão.

Os dois Governos accordaram em nomear uma commissão mista com igual numero de membros de um e outro lado: dois por cada.

Não posso n'esta occasião indicar ao Digno Par os nomes dos cavalheiros que fazem parte da commissão, por ainda não terem sido definitivamente nomeados, apenas tendo sido reciprocamente communicada a indicação dos commissarios; mas creio ter declarado de uma maneira precisa e cabal qual é, n'este momento, o estado da questão, e qual a razão determinante pela qual o Governo procedeu por esta forma.

N'esta resposta está comprehendida tambem a resposta á outra pergunta do Digno Par, isto é, se o Governo acha util e vantajoso o systema de recrutamento livre, ou se tenciona alargar o systema de concorrencia, considerando o proveitoso á nossa colonia.

É evidente, depois do que acabo de dizer, que o Governo considera absolutamente impropria e inacceitavel a sua applicação.

Perguntou mais o Digno Par se o Governo concordava com a opinião do governador geral de Moçambique, no caso d'essa opinião ser a de convir que o engajamento de indigenas passe a fazer-se pelo Estado.

Tenho a declarar, em resposta a esta pergunta, que ignoro se é essa a opinião do governador geral de Moçambique, por isso que apenas a tenho visto referida em um ou outro jornal, e que dos officios que aquelle funccionario tem dirigido ao Governo não pode concluir-se que S. Exa. se incline mais a esse systema, do que a qualquer outro.

Desde o momento em que o Governo do Transvaal e o Governo Portuguez vão estudar e discutir qual o systema que mais convem com respeito ao fornecimento dos trabalhadores indigenas, o que eu unicamente posso dizer ao Digno Par é que nunca consentirei no estabelecimento de um systema que leve á concorrencia entre os diversos grupos mineiros.

Perguntou ainda o Digno Par se o Governo está resolvido a seguir a orientação politica que seguiu o Gabinete regenerador quanto aos negocios sul-africanos.

Tenho muito gosto em poder affirmar bem claramente que a politica que o Governo tenciona seguir é a do modus vivendi, documento que tão grande honra faz ao seu signatario, que foi o Digno Par a quem respondo.

S. Exa. sabe que a situação da Africa do Sul, presentemente, é muito diversa da que era ao tempo em que o Digno Par occupava os Conselhos da Corôa.

Está imminente a nomeação de um Gabinete boer, em resultado das ultimas eleições. Não é ainda officialmente conhecido, mas é provavel que o Presidente do Conselho do novo Governo do Transvaal seja o general Botha, e que os seus collegas no Ministerio, á excepção de um, sejam todos boers de nascença.

Portanto, como disse, a situação do Transvaal é hoje muito differente d'aquella que S. Exa. encontrou quando entrou no Governo, ou quando ligou o seu nome a um documento por tantos titulos honroso.

Isto não quer dizer que não seja convicção do Governo Portuguez que, no interesse do Transvaal, a orientação d'este paiz continuará sendo no sentido de manter as melhores relações com a nossa colonia de Moçambique, visto que entre os diversos interesses que se movem, o novo Governo procurará certamente, e de preferencia, seguir o caminho que mais directamente o beneficiar.

A situação portuguesa é especial, e tem-no sido por varias razões bem conhecidas.

Não vê o Governo Portuguez razão para recear que essa situação possa ser obliterada e esquecida nas relações entre o Transvaal e a nossa colonia.

Tambem, já que estou falando em relações politicas entre as duas colonias, parece-me que não será fora de proposito fazer uma referencia a diversos boatos que teem corrido nos circulos coloniaes sobre a nossa situação em Lourenço Marques, provenientes de uns artigos publicados num jornal do Transvaal, e cuja inspiração tem sido attribuida, directa ou indirectamente, ao governador geral da provincia. Esses boatos são inteiramente infundados.

A politica seguida por Portugal, relativamente ás questões da Africa Oriental, é hoje uma politica nacional, visto que o nosso paiz concorda com o modus vivendi negociado com o Transvaal.

Creio ter respondido a todos os pontos tratados pelo Digno Par, parecendo-me, por consequencia, ter demonstrado que não houve da parte do Governo Portuguez submissão á menor pressão a tal respeito - pressão que não podia estar por forma alguma no animo do Governo da Gran-Bretanha, submissão que por principio algum o Governo Portuguez acceitaria.

O Digno Par parece que foi buscar aos jornaes da opposição sul africana argumentos para censurar o Governo; mas, repito, da parte do Governo Inglez não houve, nem podia haver a minima pressão para os factos a que S. Exa. alludiu. Podia S. Exa. igualmente ir buscar aos jornaes da parcialidade opposta argumentos para nos censurar de estar ás ordens da W. N. L. A. Isto só prova que se não devem encarar por um só lado as questões, e prova ainda a paixão que todo este assumpto tem levantado.

Não tenho duvida em mandar para a mesa o documento a que o Digno Par se referiu, e que é o accordo feito entre o governador da provincia de Moçambique, ao tempo o Sr. Conselheiro João Coutinho e a W. N. L. A., em fevereiro de 1906. Esse accordo diz respeito aos processos de engajamento e á repressão da emigração clandestina, e n'elle interveio a repartição dos negocios indigenas do Governo do Transvaal, relativamente a alguns pontos.

Estabelece-se n'elle que, quando houvesse qualquer causa especial, o prazo para a sua denuncia seria de tres mezes; começarão, naturalmente a ser contados da data da reunião da commissão a que já me referi.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Raphael Gorjão: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. inscripto.

O Sr. Jacinto Candido: - Peço a V. Exa. que me inscreva para antes da ordem do dia, quando estiver presente o Sr. Ministro da Marinha.

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ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto de lei que regula a liberdade de imprensa

O Sr. José Dias Ferreira: - Vou hoje entrar propriamente na analyse do projecto, que examinei sob estes tres pontos de vista:

Temos necessidade de uma lei de liberdade do imprensa?

As disposições consignadas no projecto conveem ao nosso systema liberal e ás necessidades do paiz?

Se não conveem, quaes são as ideias que deverão adoptar-se em materia de liberdade de imprensa?

A verdade é que estamos, desde 1890, sem lei de liberdade de imprensa.

Precisamos, pois, de uma lei de liberdade de imprensa.

Temos leis sobre imprensa, mas não para garantir a liberdade de pensamento, e sim para a algemar.

O que as nossas leis de imprensa, e com ellas o actual projecto conteem, é uma serie de artigos, em cada um dos quaes o legislador procura levar o jornalista para a cadeia o mais breve possivel, sem lhe dar largueza nas provas nem no julgamento.

Aos assassinos e aos ladrões dá se lhes o direito de requerer vistorias e deprecadas, sem ninguem lhes perguntar se teem de ser cumpridas em Macau ou na India.

Ao jornalista nega-se redondamente esse direito.

Nem admira que assim succeda n'um paiz como o nosso, em que pode ser preso um individuo só porque inspire desconfiança de tencionar commetter um crime!

Não conheço paiz em que haja artigo de lei semelhante!

Para effectuar esta prisão sem culpa formada basta o policia agarrar no individuo e pregar com elle na esquadra.

Mesmo com crime commettido não havia antigamente, no proprio codigo de Costa Cabral, senão em quatro casos prisão sem culpa formada: no homicidio, no furto violento ou domestico, no levantamento de fazenda alheia, e na alta traição.

Agora pode effectuar-se a prisão sem culpa formada em todos os casos de crime commettido, e até sem haver crime e sem possibilidade de formar culpa; e pode ir a prisão até 8 dias, e até prolongar-se por toda a vida do encarcerado!

Á sombra de tão absurda disposição podia o Governo mandar prender o jornalista só pela suspeita de que elle ia escrever um artigo contra o Ministerio!

Entrando propriamente na analyse do projecto, observarei que o artigo 1.° é semelhante ao de todas as leis congeneres, até mesmo da lei das rolhas, de 1850, que tambem declara que «a todos é licito manifestar livremente o seu pensamento por meio da imprensa», embora nos artigos subsequentes essa doutrina seja postergada.

Em todo o caso, forçoso é confessar que nas leis das rolhas grande é a responsabilidade da imprensa pela cumplicidade do silencio.

Não quero com isto criticar tão sympathica instituição.

Mas, a verdade é que, se as cousas chegaram ao estado em que se encontram, é em grande parte culpa da propria imprensa.

A maior parte, se não todas as leis existentes em Portugal contra a imprensa, e em geral contra as liberdades, tiveram grandes defensores nos jornaes!

Taes leis não existiriam se a imprensa, á primeira offensa, tomasse o seu verdadeiro logar, assestando a sua artilharia contra o Governo que assim tocava na arca santa das liberdades populares.

Sustenta o illustre relator do projecto que ha só um caso de apprehensão, que é o consignado no S 5.° do artigo 2.°

Eu porem encontro não um caso só de apprehensão, mas quatro ou cinco, ou mais.

Senão, vejamos.

Diz o artigo 4.°:

«Nenhuma auctoridade poderá, sob qualquer pretexto ou razão, apprehender ou por outra forma embaraçar a livre circulação dos impressos que satisfaçam ás condições dos artigos antecedentes, sob pena de demissão e de 100$000 a 500$000 réis de multa, alem da indemnização das perdas e damnos a que tiver dado causa».

Logo, os impressos que não satisfaçam ás condições dos artigos anteriores poderão ser apprehendidos. Ora o artigo 2.° comporta dois casos de apprehensão: a falta das prescripções contidas no § 1.° e as offensas a Chefes de Estado estrangeiros, quando se encontrem no reino, como se estabelece no § 5.°

Insurjo-me contra a disposição exarada n'esse mesmo § 5.°, que manda prender e remetter dentro de vinte e quatro horas para juizo os vendedores, distribuidores ou affixadores dos impressos que contenham offensas aos monarchas estrangeiros!

Diz o artigo 3.°:

«É expressamente prohibido affixar ou expor nas paredes, ou em quaesquer outros logares publicos, cartazes, annuncios, avisos, e em geral quaesquer impressos que contenham algum dos factos previstos no § 1.° do artigo 5.° d'esta lei, e nos artigos 420.° e 483.° do Codigo Penal».

Quer dizer: os cartazes, annuncios ou avisos que estejam nas condições mencionadas n'este artigo são tambem apprehendidos.

Ha, pois, mais casos de apprehensão do que pela lei actual, que só a permitte em tres casos: offensas ao Rei e á Familia Real, ultrajes á moral publica e crimes contra a segurança do Estado.

Passarei agora a analysar o § 1.° do artigo 5.° do projecto:

«Os crimes de offensa, previstos nos artigos 159.°, 160.° e 169.° do Codigo Penal, consistem na publicação de materia em que haja falta de respeito devido ao Rei, aos membros da Familia Real, soberanos, chefes e representantes de nações estrangeiras, ou cujo objecto seja excitar o odio ou o desprezo das suas pessoas, ou censurar o Rei ou Regente do Reino, por actos do Governo, ou de quaesquer funccionarios».

A lei de 17 de maio de 1866 já permittia a intervenção do Ministerio Publico nas injurias ou offensas ás Pessoas Reaes Estrangeiras, e aos representantes diplomaticos, mas só quando os respectivos Governos assim o reclamassem.

Á politica internacional pode não convir avolumar essa offensa com a publicidade do julgamento de um processo ruidoso.

É singular a coincidencia de virem os crimes de offensas contra as Pessoas Reaes associados aos crimes de offensa contra a religião. Esta alliança do throno e do altar em questões de imprensa não é nova.

Salientou-se muito na lei das rolhas de 1850 a alliança do throno e do altar.

Agora volta a fazer-se a antiga alliança.

Foi sempre assim em todas as epocas de reacção.

O jury para a liberdade de imprensa é anterior ainda á Constituição de 1822, a mais liberal da Europa e do mundo.

Apesar de não ter então ainda grande importancia a imprensa, não só pelo numero muito limitado dos jornaes, mas ainda pela difficuldade das communicações, as Côrtes de 1820 quizeram dar-lhe garantias especiaes.

Alem dos delictos de imprensa serem julgados pelo jury, eleito pelo povo, havia recurso para um tribunal especial.

Porquê?

Porque as Côrtes de 1820 entendiam que a imprensa era garantia de todas as liberdades.

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Não ha, de facto, tyranias por maiores que sejam, que não baqueiem perante a publicidade. Qualquer d'estes pequenos tyrannetes, qualquer d'estes despotasitas que por ahi apparecem treme deante d'ella.

Outra disposição do projecto, tambem muito discutida, é a que diz respeito ao gabinete negro.

Ora isto de gabinete negro é musica celestial. Os delegados do Ministerio Publico, não podem desempenhar-se da obrigação que o projecto lhes impõe. Segundo a lei reunem-se uma vez por semana para examinarem todos os jornaes e ver onde existe crime. Ora, calculando que em Lisboa se publicam trinta jornaes, temos que os delegados do Ministerio Publico teem de examinar em uma só reunião duzentos e dez jornaes!

Esta disposição foi introduzida para o Governo continuar a ordenar as perseguições á imprensa, pesando extraordinariamente e para o publico a responsabilidade sobre os delegados do procurador regio.

Não concordo com a pena de prisão para o jornalista, porque qualquer crime praticado por elle em materia de liberdade de imprensa não se parece com os crimes communs, em que é preciso isolar o criminoso do resto da sociedade.

O jornalista preso não tem presas as mãos para não continuar a escrever, nem presa a lingua para não continuar a dictar.

Não concordo por principio nenhum com privilegios ou hypothecas na typographia nem com arrestos ou penhoras.

Pois a justiça, que não pode pôr em praça a sovela do correeiro ou o formão do carpinteiro, ha de penhorar e pôr em leilão o material da typographia de que vive o jornalista e a sua familia?

De que vive o jornalista ? Não é da sua penna? Então como é que essa penna tem menos garantias que a ferramenta do operario mechanico?

Finalmente eu, desejo para a imprensa um tribunal de honra, pois quem se não envergonhar da sentença condemnatoria de um tribunal de honra, muito menos se envergonha de ir oito dias ou oito semanas para o Limoeiro.

Desejava portanto que se entrasse n'este caminho.

Eu sou réu do crime de ter gasto algum tempo á camara sem proveito para ninguem, visto que tudo ha de continuar como d'antes.

Mas como sempre, hei de sair á estacada desde que vir atacadas as liberdades do povo.

O Digno Par mandou para a mesa as seguintes emendas ao projecto:

1.ª

Todo o periodico deve ter um editor maior ou emancipado e na livre administração dos seus bens, que é o responsavel na falta do auctor.

2.ª

Para poder verificar quem é o auctor do .escripto não se admitte outra prova senão a confissão do escriptor ou o original do escripto.

3.ª

O julgamento ha de ser feito sempre com intervenção do jury, salvo o caso de injurias que respeitem unica e exclusivamente ao caracter pessoal do aggredido.

4.ª

O jury é o jury commum.

5.ª

Não se escrevem os depoimentos das testemunhas na occasião do julgamento, salvo declarando qualquer das partes que não renuncia ao recurso da decisão de facto, o que o juiz perguntará antes da constituição do jury, sob pena de nullidade.

6.ª

Para os julgamentos com o jury de recurso haverá dois tribunaes com sete membros cada um, um em Lisboa e outro no Porto.

7.ª

Compõe-se o de Lisboa de tres jornalistas e de tres socios effectivos da Academia Real das Sciencias; e o do Porto de tres jornalistas e de tres membros dos estabelecimentos superiores de instrucção publica da mesma cidade.

8.ª

Hão de ser todos tirados á sorte, e sorteado ha de ser tambem o setimo depois de se tirar a sorte de qual das duas categorias ha de sair.

9.ª

Preside um juiz da Relação respectiva, tirado á sorte, que exerce todas as attribuições que ao juiz da 1.ª instancia competem no julgamento com o jury commum.

10.ª

Ao jury, quer commum, quer de recurso, compete declarar:

1.° Se o réu é o auctor do escripto;

2.° Se o escripto contem abuso de liberdade de imprensa, e, no caso de resposta affirmativa a ambos os quesitos, resolver qual das duas pena? deve ser applicada e ainda o maximo que pode ser applicado.

11.ª

Ao jury serão tambem submettidas quaesquer circumstancias attenuantes ou aggravantes, ou venham especificadas na petição inicial da queixa ou nasçam da discussão da causa.

12.ª

A decisão do jury é por maioria.

13.ª

Os jurados que não se conformarem com o voto da maioria assignarão com a declaração de vencidos.

14.ª

Regulamento especial determinará a forma do recenseamento do jury de recurso, e as condições do seu funccionamento.

L5.ª

Em caso nenhum ao juiz presidente é permittido anuullar a decisão de facto nos julgamentos de imprensa por mais iniquas que lhe pareçam as respostas do jury.

16.ª

A decisão do jury é a sentença que o juiz ha de lavrar por seu proprio punho.

17.ª

Aos crimes de imprensa não é applicavel a pena de prisão, mas simples e unicamente a de multa ou a de mudança de domicilio em conformidade do artigo 65.° do Codigo Penal, sendo esta applicada sempre que o condemnado não tenha meios para pagar a multa.

18.ª

A sentença final será sempre publicada na Folha Official, e bem assim quaesquer outras peças do processo a requerimento e a custa de quem o requerer.

19.ª Não pode o Ministerio Publico intervir nos processos por abuso de imprensa, quando o queixoso for algum particular ou empregado publico individualmente diffamado ou injuriado.

§ unico O Ministerio Publico só é competente para intervir nos casos comprehendidos na lei de 17 de maio de 1866.

20.ª

É permittido o recurso ás subscripções publicas para cccorrer ás despesas com as questões de liberdade de imprensa.

21.ª

Toda a pessoa offendida n'um periodico tem direito de exigir do editor a publicação de resposta que não exceda o dobro do artigo onde estava a offensa.

22.ª

Não estando suspensas as garantias, nenhum periodico pode ser apprehendido sem sentença condemnatoria do poder judicial.

23.ª

Em caso nenhum é permittido arresto, nem penhora, nem apprehensão de especie alguma, quer na propriedade ou titulo do jornal, quer na typographia e suas pertenças.

24.ª

Os lesados com a violação das leis de imprensa teem o prazo de dez annos para exigir a indemnização de perdas e damnos da? auctoridades infractoras, ficando solidariamente responsaveis mandantes e mandatarios.

25.ª

É revogada a lei de 13 de fevereiro de 1896, o Codigo Administrativo, e bem assim quaesquer preceitos legislativos ou regulamentares, quer geraes, quer especiaes, relativos aos abusos de imprensa.

26.ª

É criado um tribunal de honra, composto de cinco membros, um dos quaes será o vice presidente da Academia Real das Sciencias, e os outros quatro livremente eleitos pelos socios effectivos da mesma academia annualmente na sessão em que costuma ser eleito o referido vice-presidente para a academia.

§ unico. Conjuntamente serão eleitos quatro substitutos nas mesmas condições.

27.ª

O encargo dos juizes do tribunal de honra é obrigatorio.

28.ª

Nenhum dos vogaes do tribunal de honra pode ser recusado ou averbado de suspeito; mas não podem funccionar os que estiverem comprehendidos em qualquer dos numeros do artigo 292.° do Codigo de Processo Civil.

§ unico. Para declarar a incompatibilidade é do tribunal a competencia.

29.ª

Começa o processo pela petição de queixa, que será apresentada ao presidente do tribunal, o qual a mandará autuar na secretaria

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322 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

da academia, por onde ha de correr todo o expediente da causa.

30.ª

N'este tribunal só são admittidas provas por documentos, que serão juntos até cinco dias antes do dia marcado para o julgamento.

31.ª

Os juizes julgarão ex abono et aequo.

32.ª

Do accordão do tribunal de honra não cabe recurso algum.

§ unico. Ha de ser publicado na Folha Official. Quaesquer outras peças do processo podem tambem ser publicadas nas mesmas condições, mas á custa de quem promover a publicação.

33.ª

Nem a acção criminal nem a acção perante o tribunal de honra prejudica a acção de bom nome reconhecida na lei civil, nem ha entre ellas preeminencia de genero algum.

§ unico. Mas o uso de um dos tres meios prejudica o recurso a qualquer dos outros dois.

1 de março de 1907. = Dias Ferreira.

Lidas na mesa foram admittidas, ficando em discussão juntamente com o projecto.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Cabe-me o dever, em nome de um Governo que se preza de ter inscripto no seu programma principios liberaes, e que teve a honra de apresentar, em harmonia com esses principios, a proposta de lei que se discute, responder ao Digno Par Sr. José Dias Ferreira, meu antigo amigo e mestre, e jurisconsulto distinctissimo.

Tributo ao Digno Par a maxima consideração; mas isso não impede que me manifeste em absoluta discordancia com as ideias por S. Exa. apresentadas.

Mais uma vez direi que o projecto em ordem do dia é o mais liberal que entre nós tem havido, e o mais liberal dos seus congeneres nos paizes estrangeiros.

Tratarei mais uma vez, de fazer a defesa do projecto, no prazo de tempo que decorre até á hora do encerramento da sessão, porque não quero ficar com a palavra reservada.

Quero tambem a liberdade; mas esta cessa quando se offenda ou prejudique o direito alheio.

Uma lei de imprensa é tanto mais livre quanto mais reduzidas forem a medidas preventivas que contenha.

O projecto que está em ordem do dia não contem disposições preventivas alem das que constam dos §§ 1.° e 5.º do artigo 2.°, isto é, quando a publicação for clandestina, ou quando contiver offensas a Chefes de Estado estrangeiros.

O projecto não exige que os jornae: se habilitem; não se lhes pede caução não se lhes applica a censura previa a apprehensão, como já disse, e repito, só se realiza nos casos indicados no § 5.° do artigo 2.°, a que alludi.

A apprehensão, nos casos em que o jornal offenda os Chefes de Estado estrangeiros, quando estes se encontrem entre nós, não constava da proposta inicial do Governo. Essa disposição resultou de uma emenda apresentada na outra Camara, e o Governo conformou-se absolutamente com esse alvitre, porque entendeu que manifestava d'esse modo a sua cortesia e deferencia para com os Chefes de Estado dos paizes estrangeiros que nos dêem a honra da sua visita.

Referiu-se o Digno Par ao jury, e apresentou a este respeito uma proposta.

S. Exa. não ignora que em toda a parte se manifestam opiniões contrarias ao jury.

Em França, o relator da proposta de 1884 era o primeiro a lembrar a conveniencia de subtrahir ao jury o julgamento dos crimes de imprensa, e de os entregar ao correccional.

Cito a França, porque é um paiz avançado.

Ali, como em outros paizes, estão todos os dias a apparecer propostas no sentido de restringir, cada vez mais, as attribuições conferidas ao jury.

Em Hespanha, a lei de março do anno passado commette ao julgamento dos tribunaes militares os artigos da imprensa que encerrem Injurias para a classe militar.

Disse o Digno Par Sr. Julio de Vilhena que o jury é a expressão da opinião publica.

Em que razões assenta o Digno Par o seu modo de vêr?

Quem garante a S. Exa. que a maioria de um jury, n'uma determinada causa, se não vae pronunciar em sentido contrario, opinião publica?

Quem nos assegura que essa opinião publica se manifesta no sentido de mais completa justiça?

O julgamento, pela forma por que está estabelecido no projecto, offerece sufficientes garantias aos accusados.

Referiu-se o Digno Par ás penalidades.

Pois então, pergunto eu, só praticam crimes aquelles que matam ou roubam?

Não será acto criminoso, e em extremo repellente, aquelle que nos fere a nossa honra e o nosso bom nome?

Não se tem visto a viuvez e a orphandade, reduzidas ás mais tristes condições, porque o pae ou o marido, não sendo superiores á calumnia que lhe assacaram, esmagam a cabeça com uma bala?

Foi o jury em França que condemnou Dreyfus, e foi um juiz togado quem o rehabilitou da condemnação que primitivamente lhe fôra imposta

Tambem se tem censurado muito o que dispõe o artigo 16.°

Essa innovação tem por fim chamar a attenção dos funccionarios que teem obrigação de accusar todos os crimes.

Com respeito ao processo, alterou-se o que se encontra na legislação actual. O que se preceitua garante a defesa do Recusado, e faz que tudo caminhe rapidamente.

Tambem se tem arguido o projecto no que respeita á responsabilidade attribuida ao redactor do periodico.

Não sei a que veem essas censuras, porque nenhum homem que se preze se recusaria a confirmar quaesquer asserções que tenha apresentado, ou a estabelecer a verdade dos factos.

Creio ter-me referido aos pontos principaes do discurso do Digno Par Sr. Dias Ferreira. É possivel que algum me tenha escapado; todavia concluirei como principiei, dizendo que o projecto em ordem do dia, se for approvado, ha de produzir uma lei com principies liberaes, que excedem os que até aqui estão consignados.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: em primeiro logar mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

Do processo disciplinar organizado contra o 1.° official Augusto Carlos do Amaral Teixeira de Sousa Pinto, em março de 1906:

Copia do relatorio da accusação feita a este funccionario e das suas allegações de defesa;

Copia do auto de exame de peritos feito no juizo de instrucção criminal e dos documentos sobre que recaiu o exame;

Copia da sentença judicial proferida pelo juiz da 5.ª vara civel de Lisboa, junta ao processo;

Copia do accordão proferido pelo conselho disciplinar e da decisão sobre o mesmo tomada;

Do processo disciplinar do 2.° official Luiz de Sousa Napoles;

Copia das arguições a que foi mandado responder em fevereiro do corrente anno e respectivas allegações de defesa, bem como de quaesquer respostas e reclamações;

Copia do relatorio do mesmo funccionario sobre serviços que tenha prestado;

Copia de quaesquer despachos ou decisões tomadas sobre o processo;

Do processo disciplinar do 2.° official Visconde de Villa Nova de Gaia;

Copia das arguições a que foi mandado responder em fevereiro do corrente anno, das suas allegações de defesa e de quaesquer despachos ou decisões tomadas sobre o processo.

Como está presente o Sr. Presidente do Conselho, desejo fazer uma pergunta a S. Exa.

Telegrammas recebidos hoje dizem que em Coimbra se deram hontem acontecimentos, que produziram viva excitação entre os academicos.

Diz-se que foi excluido um academico que hontem fez acto de conclu-

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SESSÃO N.° 32 DE 1 DE MARÇO DE 1907 323

sões magnas, e que o facto provocou manifestações da parte dos que cursam a Universidade.

Acrescenta-se que hoje não puderam abrir as aulas da faculdade de direito, e que tinham sido desacatados alguns lentes.

Parece que lia viva effervescencia entre os estudantes.

Desejo que o Sr. Presidente do Conselho informe a Camara do que souber a tal respeito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Acêrca dos acontecimentos a que o Digno Par se referiu, não recebi ainda informações pormenorizadas.

Das informações que recebi, deprehende-se que foi excluido um doutorando; houve manifestações por parte de alguns estudantes, a favor d'esse academico, sem que, porem, fosse precisa a intervenção da auctoridade.

Á noite repetiram-se essas manifestações por uma forma menos regular e conveniente, mas a auctoridade conseguiu dispersar os manifestantes, sem que de ahi resultasse qualquer ferimento ou acontecimento desagradavel.

Alguns academicos passaram ás portas das casas de determinados lentes fazendo manifestações de desagrado e partindo as vidraças da casa de um d'elles.

Como este facto se desse em sitio onde não havia policia, claro é que esta não interveio.

Hoje abriram-se as aulas; mas, tendo-se dado occorrencias desagradaveis, o reitor entendeu que devia mandar suspender as aulas da faculdade de direito.

Em vista d'essas occorrencias, o Sr. governador civil requisitou uma força e o Governo ordenou que essa requisição fosse satisfeita e que as auctoridades procedessem com a maior prudencia, com a maxima ponderação, mas com absoluta firmeza, no intuito de se manter a ordem.

Espero amanhã saber quaes as razões que levaram o Sr. reitor a suspender as aulas da faculdade de direito.

A Camara comprehende perfeitamente que, em assumptos d'esta natureza, não convem andar com precipitação.

Todos os que teem cursado a Universidade sabem que factos d'esta ordem não são para estranhar entre a corporação academica.

Aguardo, como disse, que o Sr. reitor me informe das razões que determinaram a suspensão das aulas.

Não fui eu quem nomeou o actual reitor da Universidade de Coimbra. Encontrei-o nomeado, mantive-lhe a confiança que tenho mantido a outros funccionarios que encontrei na minha ascensão ao poder, e só lh'a retirarei quando elles mostrem cabalmente que essa confiança não era merecida.

Espero informações pormenorizadas dos acontecimentos, e, quando as receba, apressar-me hei em as transmittir á Camara.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - O facto que o Sr. Presidente do Conselho acaba de referir, de terem sido suspensas as aulas da faculdade de direito, em virtude da determinação do Sr. reitor, mostra que evidentemente tiveram gravidade as circumstancias que se deram hontem e hoje em Coimbra.

Parece que se trata de uma questão de ordem publica.

Não posso comprehender que outros quaesquer motivos tivessem determinado a suspensão das aulas.

Espero que o Sr. Presidente do Conselho receba as informações que lhe devem ser dadas, e depois de formar sobre ellas o seu juizo, venha á Camara dizer o que se lhe offerecer a tal respeito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Dou conta á Camara de que chegou á mesa uma mensagem relativa á questão dos vinhos.

Vae ser enviada á commissão competente.

A ordem do dia para a sessão de amanhã é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 1 de março de 1907

Exmos. Srs.: Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquez-Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Lagoaça, de Paraty, de Tarouca, de Valenças, de Villa Real; Viscondes: de Asseca, de Athouguia. de Monte-São, de Tinalhas; Alexandre Cabral, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Coelho de Campos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de, Medeiros, Tavares Proença, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, Mendonça Cortez, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Avellar Machado, José Dias Ferreira, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José Maria dos Santos, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão e Pedro de Araujo.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

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