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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 1858

Presidencia do ex.mo Sr. Visconde de Laborim,

Vice-presidente.

Secretarios os Srs. Conde de Mello

Visconde de Balsemão.

(Assistiam os Srs. Ministros, da Marinha e Obras Publicas.)

Depois das duas horas e meia, tendo-se verificado a presença de 23 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente. O Sr. Marquez de Vallada observa que a acta não faz menção de um facto que aqui se passou; e foi, que na occasião de se proceder á votação nominal sobre a proposta do Digno Par Ferrão, e quando o Sr. Ministro da Marinha devia votar, na qualidade que tem de membro desta Camara, declarou que não queria votar, conservando-se comtudo na Camara, apesar de ter sido advertido pelo Sr. Presidente de que o não podia fazer, por ser contra o disposto no Regimento. O Sr. Marquez sente não vêr consignado na acta este incidente que reputa altamente significativo, em vista da importante discussão que aqui correu por alguns dias, e da votação que teve logar, pela qual se viu, que tinha havido 33 votos a favor da proposta do Digno Par Ferrão, e apenas 2 contra ella, ou a favor da opinião sustentada pelo Governo.

O Sr. Presidente—Eu lembrei ao Sr. Ministro o cumprimento do Regimento, mas apesar disso S. Ex.ª conservou-se na Camara.

O Sr. Marquez de Vallada não se queixou da presidencia, nem o podia fazer porque presenciou o que ella praticou; queixou-se do modo como procedeu o Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Ministro da Marinha declara que e pouco sabedor das disposições do Regimento da Camara, porque poucas vezes o lê: mas se é exacto, e assim o crê, que, como disse o Digno Par, o Regimento impõe a obrigação aos Pares de votarem estando presentes, ainda que sejam Ministros, pede licença para dizer, que o Regimento manda um absurdo, e tanto que se vê que nas assembléas legislativas estrangeiras, em identidade de circumstancias responde o individuo «Abstenho-me de votar.» Mas, se pelo seu procedimento se lhe quer impôr alguma pena, esta prompto a receber o castigo (riso). A acta foi approvada.

O Sr. Duque da Terceira pediu a palavra para annunciar á Camara que a commissão de guerra recebeu já o projecto de lei que veio da dos Srs. Deputados sobre a extincção do Commando em chefe; e como este assumpto é de grande importancia, a commissão deseja, e pede, que concorra a ella o Sr. Ministro da Guerra, ou qualquer outro Sr..Ministro, a fim de se discutir alli aquella materia: e declara tambem, que não começará o seu trabalho sem que algum dos Srs. Ministros seja presente.

O Sr. Presidente—Far-se-ha essa communicação ao Sr. Ministro da guerra.

Mencionou-se a seguinte correspondencia;

Um officio do Presidente da Camara dos Srs. Deputados, remettendo uma Proposição sobre ser concedida á Camara municipal de Almodovar o edificio do extincto convento de S. Francisco da dita villa para usos de interesse publico.

Á commissão de fazenda.

- da mesma Camara, remettendo uma Proposição sobre não poderem sobrogar-se inscripções ou outros titulos de dívida publica vinculados por bens de raiz que o não sejam.

Á commissão de legislação.

- do Ministerio da Marinha, remettendo o

authographo sanccionado por Sua Magestade do Decreto das Côrtes Geraes de 29 de Janeiro ultimo ácerca da despeza de dez contos de réis feita com a expedição ao territorio das minas de cobre do Bembe na provincia de Angola.

Para o archivo.

- do Ministerio das Obras Publicas, remettendo dois authographos dos Decretos das Côrtes Geraes de 27"de Janeiro ultimo sanccionados por Sua Magestade. O 1.° concedendo ao Banco Mercantil do Porto a faculdade de emittir durante 20 annos notas, ou pagáveis ao portador, ou letras á ordem, e a isenção do pagamento de qualquer contribuição pelas transacções que fizer: o 2.° auctorisando o Governo a dar um subsidio annual de 9:600§000 réis a qualquer empreza ou companhia que se obrigar a uma navegação regular por barcos de vapôr entre Lisboa e portos do Algarve.

Para o archivo.

O Sr. Conde de Linhares — Eu pedi a palavra para dirigir uma pergunta aos Srs. Ministros que se acham presentes.

Consta-me que chegou um paquete do Brazil, a bordo do qual se deram, durante a sua viagem, quarenta casos de febre amarella, sendo destes dez fataes. Desejo, portanto, chamar a attenção do Governo sobre este facto. Não sou nem medico, nem um bom chymico, não terá portanto grande peso a opinião que vou emittir, comtudo isto não obsta a que eu declare que estou convencido, que se esta cidade soffreu o anno passado pela cruel invasão do flagello da febre amarella, foi unicamente devida esta invasão á importação ou contagio da doença, importação em grande parte realisada pela falta de cuidado nas quarentenas a que foram sujeitos os navios com proveniencia do Brazil; e sabido que são muito frequentes as communicações entre os dois paizes, e que ha muita gente que não acredita na efficacia das quarentenas; o que, combinado com as constantes reclamações por parte do commercio, não admira trouxesse em resultado menos rigor nas quarentenas. Ainda me lembra o muito que se criticaram algumas medidas mais severas tomadas na cidade do Porto, quando ahi tambem se deram alguns casos da febre amarella, chegando por essa occasião a haver quem accusasse a Governo de ter em menos attenção os interesses commerciaes do paiz. Porém, hoje, Sr. Presidente, espero que a dura experiencia, pela qual passámos, tenha modificado consideravelmente as opiniões dos não contagionistas, e que ninguem, querendo antepor o bem mal entendido, pois os commerciantes tambem morrem; querendo antepor, digo eu, o bem mal entendido d'uma classe de cidadãos ao bem do publico e da nação, deixe de aconselhar que se tomem todas as medidas preventivas, e que ás quarentenas sejam rigorosíssimas. Parece-me, portanto, Sr. Presidente, que as medidas mais acertadas seriam aquellas pelas quaes se procurasse tornar impossivel, ou pelo menos muito difficil a importação ou contagio da doença. São estas que principalmente desejo recommendar ao Governo, e que espero e quero acreditar elle já tomasse antes da minha recommendação, que na verdade viria tarde.

Sem ser homem da sciencia sempre direi, que não confundo contagio e importação, porém não sabendo, e creio ser acompanhado nesta ignorancia por alguns doutores, como se verifica a tal importação uso da palavra contagio sem comtudo entender que a communicação da doença se opera pelo contacto immediato, e sempre. O que é certo, ou acreditavel para muita gente, é que a doença é importada do logar aonde existe para outra qualquer parte, e ahi se desenvolve mais ou menos, conforme certas e determinadas circumstancias em que se acha esse logar; é isto que supponho se verificou entre nós o anno passado, é isto que entendo devemos evitar com todos os meios de que possamos dispor. Dou, portanto, muito maior importancia ás quarentenas do que a qualquer outro meio preventivo, como, por exemplo, á limpeza dos canos da cidade, com quanto approve tudo aquillo que tenha por fim a salubridade e melhores condições hygienicas da nossa bella capital.

Sr. Presidente, pedindo com instancia estas medidas ao Governo, tenho só em vista o bem geral e o interesse dos habitantes de Lisboa, que tanto soffreram ha poucos mezes; não me move nem o desejo de fazer opposição, nem tão pouco o medo pessoal, pois não sou naturalmente tão timido que me deixe apoderar de terror panico por ter entrado a barra um navio suspeito; não desejo por certo ser victima da febre, porém se ella de novo apparecesse, o que Deos não permitia, provavelmente eu não fugirei, como já não fugi.

Termino chamando a attenção dos Srs. Ministros sobre as vantagens das quarentenas, isto em nome do bem publico, e sem consideração a quaesquer interesses de classe, por muito respeitavel que ella seja. Quero acreditar que já SS. EE. terão tomado as medidas mais adequadas e convenientes, e continuarão a tomar todas aquellas aconselhadas pela prudencia, e que teremos assim de nos felicitar conseguindo os fins desejados, e evitando mais desgraças. Eu não imponho a minha opinião a ninguem, entretanto muito estimaria que a tal respeito o Governo pensasse como eu, que é mais facil que a febre amarella se desenvolva por effeito do contagio ou importação, do que pelo derramamento na atmosphera, de alguns gases contidos nos canos da cidade, acreditando eu que esta circumstancia mais deve ser considerada como podendo influir para alimentar e propagar o mal, do que como a sua causa original.

O Sr. Ministro das Obras Publicas

O Sr. Marquez de Ficalho....

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Por se ignorar o modo por que acontecem certas cousas, não se segue que não aconteçam. Não saberemos quaes são as circumstancias que podem fazer localisar e desenvolver a febre amarella; mas que o fermento foi aqui importado creio eu, que sobre isto não póde haver duvida. Agora mesmo acontece que em Liverpool se tem desenvolvido uma terrivel epidemia de bexigas trazida por um navio, procedente de Smirna.

Lembra-me um caso acontecido na ilha de Hydra, pertencente ao archipelago grego, que em 1817 ou 18 me contou o capitão de um navio grego que então conheci, e que apesar de terem decorrido mais de quarenta annos nunca me esqueceu, e é o seguinte: — Um capitão de um navio daquella ilha estava para casar, e em uma das suas viagens trouxe de Constantinopla á noiva algumas joias dentro em uma caixa envolvidas em algodão, entregou-as á noiva, e apesar do navio não vir infeccionado com peste, isto só bastou para que pouco depois da caixa se abrir adoecesse logo e morresse de peste a noiva e toda a sua familia, e se desenvolvesse na cidade e depois em toda a ilha uma epidemia de peste devastadora, como até então nunca alli tinha havido.

Estes, factos mostram que é necessario tomar as medidas mais decisivas para que a capital não seja ainda outra vez devastada pela febre amarella, como já infelizmente o foi, e que se tomem a respeito dos navios dos paizes em que se tem desenvolvido, as mais acertadas medidas preventivas.

Verdade é que hoje se notam na cidade de Lisboa certas condições que talvez fariam localisar e desenvolver a epidemia, mas essas condições já se davam antes que a febre aqui se desenvolvesse pelas bagagens vindas do Brazil. Talvez que essas grandes camadas de lodo que cobrem as praias desta cidade, e que com a maré baixa produzem uma muito nociva evaporação, fossem a causa da epidemia se desenvolver, achando o fermento vindo de fóra, circumstancias proprias para isso; que o estado sanitario da capital é certo que é mau, devido áquella causa, mas uma cousa são as molestias produzidas por ella, outra cousa é a febre amarella; que é preciso evitar que se perpetue.

Se bem examinarmos a maneira como a febre appareceu, e como se desenvolveu, havemos de concordar no principio de que era contagiosa, ainda que se não póde negar que ella opera por uma maneira que nos é desconhecida, e aqui bem cabe dizer com o poeta:

«Felix qui poluit rerum, cognocere causas.»

Mas uma cousa é desconhecer a causa das cousas, e outra cousa é persuadirmo-nos de que é falso aquillo que estamos vendo. Quero mesmo suppôr que seja falso o principio do contagio; mas, na duvida, quem é que hesitará em tomar as medidas convenientes para que esse flagello deixe de apparecer? Quem quererá incorrer na responsabilidade de não tomar as medidas que a sciencia reclama?

Tomem-se, portanto, as medidas mais fortes e mais justas, porque justo é o fim, e aquellas que se julgarem poderem dar a maior certeza de se evitar que Lisboa seja outra vez victima da calamidade que tanto a affligiu e consternou. - O Governo, que tem debaixo da sua administração pessoas entendidas e intelligentes, que forme o seu juizo sobre o que é necessario que se faça para evitar igual calamidade que já padecemos.

O Sr. Marquez de Vallada não sabe como ha de principiar, porque deseja fallar uma só vez; mas pediu a palavra quando viu que o Digno Par, o nobre Duque da Terceira, mostrava desejos de que o Sr. Ministro da Guerra comparecesse ás discussões da commissão que ha de dar o seu parecer sobre a abolição do commando em chefe do exercito.

Pela leitura que hontem fez do Portuguez constou-lhe que estava gravemente doente o Sr. Ministro da Guerra; mas é certo que S. Ex.ª depois que veiu a esta Camara responder a uma interpellação que elle orador lhe fez, nunca mais aqui voltou; e tractando-se agora de um objecto grave, como é a extincção do commando em chefe, vê-se forçado a dizer, que se o Sr. Ministro da Guerra continua a estar doente, ou a não podér fallar pelo seu defeito organico, não é possivel podér continuar a gerir a sua pasta, porque n'um paiz que se rege pelo systema representativo, quem não póde fallar não póde ser Ministro. O ora, dor não quer que se pense que pertende lançar algum desfavor sobre um homem tão honrado, co-