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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 1858
Presidencia do ex.mo Sr. Visconde de Laborim,
Vice-presidente.
Secretarios os Srs. Conde de Mello
Visconde de Balsemão.
(Assistiam os Srs. Ministros, da Marinha e Obras Publicas.)
Depois das duas horas e meia, tendo-se verificado a presença de 23 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente. O Sr. Marquez de Vallada observa que a acta não faz menção de um facto que aqui se passou; e foi, que na occasião de se proceder á votação nominal sobre a proposta do Digno Par Ferrão, e quando o Sr. Ministro da Marinha devia votar, na qualidade que tem de membro desta Camara, declarou que não queria votar, conservando-se comtudo na Camara, apesar de ter sido advertido pelo Sr. Presidente de que o não podia fazer, por ser contra o disposto no Regimento. O Sr. Marquez sente não vêr consignado na acta este incidente que reputa altamente significativo, em vista da importante discussão que aqui correu por alguns dias, e da votação que teve logar, pela qual se viu, que tinha havido 33 votos a favor da proposta do Digno Par Ferrão, e apenas 2 contra ella, ou a favor da opinião sustentada pelo Governo.
O Sr. Presidente—Eu lembrei ao Sr. Ministro o cumprimento do Regimento, mas apesar disso S. Ex.ª conservou-se na Camara.
O Sr. Marquez de Vallada não se queixou da presidencia, nem o podia fazer porque presenciou o que ella praticou; queixou-se do modo como procedeu o Sr. Ministro da Marinha.
O Sr. Ministro da Marinha declara que e pouco sabedor das disposições do Regimento da Camara, porque poucas vezes o lê: mas se é exacto, e assim o crê, que, como disse o Digno Par, o Regimento impõe a obrigação aos Pares de votarem estando presentes, ainda que sejam Ministros, pede licença para dizer, que o Regimento manda um absurdo, e tanto que se vê que nas assembléas legislativas estrangeiras, em identidade de circumstancias responde o individuo «Abstenho-me de votar.» Mas, se pelo seu procedimento se lhe quer impôr alguma pena, esta prompto a receber o castigo (riso). A acta foi approvada.
O Sr. Duque da Terceira pediu a palavra para annunciar á Camara que a commissão de guerra recebeu já o projecto de lei que veio da dos Srs. Deputados sobre a extincção do Commando em chefe; e como este assumpto é de grande importancia, a commissão deseja, e pede, que concorra a ella o Sr. Ministro da Guerra, ou qualquer outro Sr..Ministro, a fim de se discutir alli aquella materia: e declara tambem, que não começará o seu trabalho sem que algum dos Srs. Ministros seja presente.
O Sr. Presidente—Far-se-ha essa communicação ao Sr. Ministro da guerra.
Mencionou-se a seguinte correspondencia;
Um officio do Presidente da Camara dos Srs. Deputados, remettendo uma Proposição sobre ser concedida á Camara municipal de Almodovar o edificio do extincto convento de S. Francisco da dita villa para usos de interesse publico.
Á commissão de fazenda.
- da mesma Camara, remettendo uma Proposição sobre não poderem sobrogar-se inscripções ou outros titulos de dívida publica vinculados por bens de raiz que o não sejam.
Á commissão de legislação.
- do Ministerio da Marinha, remettendo o
authographo sanccionado por Sua Magestade do Decreto das Côrtes Geraes de 29 de Janeiro ultimo ácerca da despeza de dez contos de réis feita com a expedição ao territorio das minas de cobre do Bembe na provincia de Angola.
Para o archivo.
- do Ministerio das Obras Publicas, remettendo dois authographos dos Decretos das Côrtes Geraes de 27"de Janeiro ultimo sanccionados por Sua Magestade. O 1.° concedendo ao Banco Mercantil do Porto a faculdade de emittir durante 20 annos notas, ou pagáveis ao portador, ou letras á ordem, e a isenção do pagamento de qualquer contribuição pelas transacções que fizer: o 2.° auctorisando o Governo a dar um subsidio annual de 9:600§000 réis a qualquer empreza ou companhia que se obrigar a uma navegação regular por barcos de vapôr entre Lisboa e portos do Algarve.
Para o archivo.
O Sr. Conde de Linhares — Eu pedi a palavra para dirigir uma pergunta aos Srs. Ministros que se acham presentes.
Consta-me que chegou um paquete do Brazil, a bordo do qual se deram, durante a sua viagem, quarenta casos de febre amarella, sendo destes dez fataes. Desejo, portanto, chamar a attenção do Governo sobre este facto. Não sou nem medico, nem um bom chymico, não terá portanto grande peso a opinião que vou emittir, comtudo isto não obsta a que eu declare que estou convencido, que se esta cidade soffreu o anno passado pela cruel invasão do flagello da febre amarella, foi unicamente devida esta invasão á importação ou contagio da doença, importação em grande parte realisada pela falta de cuidado nas quarentenas a que foram sujeitos os navios com proveniencia do Brazil; e sabido que são muito frequentes as communicações entre os dois paizes, e que ha muita gente que não acredita na efficacia das quarentenas; o que, combinado com as constantes reclamações por parte do commercio, não admira trouxesse em resultado menos rigor nas quarentenas. Ainda me lembra o muito que se criticaram algumas medidas mais severas tomadas na cidade do Porto, quando ahi tambem se deram alguns casos da febre amarella, chegando por essa occasião a haver quem accusasse a Governo de ter em menos attenção os interesses commerciaes do paiz. Porém, hoje, Sr. Presidente, espero que a dura experiencia, pela qual passámos, tenha modificado consideravelmente as opiniões dos não contagionistas, e que ninguem, querendo antepor o bem mal entendido, pois os commerciantes tambem morrem; querendo antepor, digo eu, o bem mal entendido d'uma classe de cidadãos ao bem do publico e da nação, deixe de aconselhar que se tomem todas as medidas preventivas, e que ás quarentenas sejam rigorosíssimas. Parece-me, portanto, Sr. Presidente, que as medidas mais acertadas seriam aquellas pelas quaes se procurasse tornar impossivel, ou pelo menos muito difficil a importação ou contagio da doença. São estas que principalmente desejo recommendar ao Governo, e que espero e quero acreditar elle já tomasse antes da minha recommendação, que na verdade viria tarde.
Sem ser homem da sciencia sempre direi, que não confundo contagio e importação, porém não sabendo, e creio ser acompanhado nesta ignorancia por alguns doutores, como se verifica a tal importação uso da palavra contagio sem comtudo entender que a communicação da doença se opera pelo contacto immediato, e sempre. O que é certo, ou acreditavel para muita gente, é que a doença é importada do logar aonde existe para outra qualquer parte, e ahi se desenvolve mais ou menos, conforme certas e determinadas circumstancias em que se acha esse logar; é isto que supponho se verificou entre nós o anno passado, é isto que entendo devemos evitar com todos os meios de que possamos dispor. Dou, portanto, muito maior importancia ás quarentenas do que a qualquer outro meio preventivo, como, por exemplo, á limpeza dos canos da cidade, com quanto approve tudo aquillo que tenha por fim a salubridade e melhores condições hygienicas da nossa bella capital.
Sr. Presidente, pedindo com instancia estas medidas ao Governo, tenho só em vista o bem geral e o interesse dos habitantes de Lisboa, que tanto soffreram ha poucos mezes; não me move nem o desejo de fazer opposição, nem tão pouco o medo pessoal, pois não sou naturalmente tão timido que me deixe apoderar de terror panico por ter entrado a barra um navio suspeito; não desejo por certo ser victima da febre, porém se ella de novo apparecesse, o que Deos não permitia, provavelmente eu não fugirei, como já não fugi.
Termino chamando a attenção dos Srs. Ministros sobre as vantagens das quarentenas, isto em nome do bem publico, e sem consideração a quaesquer interesses de classe, por muito respeitavel que ella seja. Quero acreditar que já SS. EE. terão tomado as medidas mais adequadas e convenientes, e continuarão a tomar todas aquellas aconselhadas pela prudencia, e que teremos assim de nos felicitar conseguindo os fins desejados, e evitando mais desgraças. Eu não imponho a minha opinião a ninguem, entretanto muito estimaria que a tal respeito o Governo pensasse como eu, que é mais facil que a febre amarella se desenvolva por effeito do contagio ou importação, do que pelo derramamento na atmosphera, de alguns gases contidos nos canos da cidade, acreditando eu que esta circumstancia mais deve ser considerada como podendo influir para alimentar e propagar o mal, do que como a sua causa original.
O Sr. Ministro das Obras Publicas
O Sr. Marquez de Ficalho....
O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Por se ignorar o modo por que acontecem certas cousas, não se segue que não aconteçam. Não saberemos quaes são as circumstancias que podem fazer localisar e desenvolver a febre amarella; mas que o fermento foi aqui importado creio eu, que sobre isto não póde haver duvida. Agora mesmo acontece que em Liverpool se tem desenvolvido uma terrivel epidemia de bexigas trazida por um navio, procedente de Smirna.
Lembra-me um caso acontecido na ilha de Hydra, pertencente ao archipelago grego, que em 1817 ou 18 me contou o capitão de um navio grego que então conheci, e que apesar de terem decorrido mais de quarenta annos nunca me esqueceu, e é o seguinte: — Um capitão de um navio daquella ilha estava para casar, e em uma das suas viagens trouxe de Constantinopla á noiva algumas joias dentro em uma caixa envolvidas em algodão, entregou-as á noiva, e apesar do navio não vir infeccionado com peste, isto só bastou para que pouco depois da caixa se abrir adoecesse logo e morresse de peste a noiva e toda a sua familia, e se desenvolvesse na cidade e depois em toda a ilha uma epidemia de peste devastadora, como até então nunca alli tinha havido.
Estes, factos mostram que é necessario tomar as medidas mais decisivas para que a capital não seja ainda outra vez devastada pela febre amarella, como já infelizmente o foi, e que se tomem a respeito dos navios dos paizes em que se tem desenvolvido, as mais acertadas medidas preventivas.
Verdade é que hoje se notam na cidade de Lisboa certas condições que talvez fariam localisar e desenvolver a epidemia, mas essas condições já se davam antes que a febre aqui se desenvolvesse pelas bagagens vindas do Brazil. Talvez que essas grandes camadas de lodo que cobrem as praias desta cidade, e que com a maré baixa produzem uma muito nociva evaporação, fossem a causa da epidemia se desenvolver, achando o fermento vindo de fóra, circumstancias proprias para isso; que o estado sanitario da capital é certo que é mau, devido áquella causa, mas uma cousa são as molestias produzidas por ella, outra cousa é a febre amarella; que é preciso evitar que se perpetue.
Se bem examinarmos a maneira como a febre appareceu, e como se desenvolveu, havemos de concordar no principio de que era contagiosa, ainda que se não póde negar que ella opera por uma maneira que nos é desconhecida, e aqui bem cabe dizer com o poeta:
«Felix qui poluit rerum, cognocere causas.»
Mas uma cousa é desconhecer a causa das cousas, e outra cousa é persuadirmo-nos de que é falso aquillo que estamos vendo. Quero mesmo suppôr que seja falso o principio do contagio; mas, na duvida, quem é que hesitará em tomar as medidas convenientes para que esse flagello deixe de apparecer? Quem quererá incorrer na responsabilidade de não tomar as medidas que a sciencia reclama?
Tomem-se, portanto, as medidas mais fortes e mais justas, porque justo é o fim, e aquellas que se julgarem poderem dar a maior certeza de se evitar que Lisboa seja outra vez victima da calamidade que tanto a affligiu e consternou. - O Governo, que tem debaixo da sua administração pessoas entendidas e intelligentes, que forme o seu juizo sobre o que é necessario que se faça para evitar igual calamidade que já padecemos.
O Sr. Marquez de Vallada não sabe como ha de principiar, porque deseja fallar uma só vez; mas pediu a palavra quando viu que o Digno Par, o nobre Duque da Terceira, mostrava desejos de que o Sr. Ministro da Guerra comparecesse ás discussões da commissão que ha de dar o seu parecer sobre a abolição do commando em chefe do exercito.
Pela leitura que hontem fez do Portuguez constou-lhe que estava gravemente doente o Sr. Ministro da Guerra; mas é certo que S. Ex.ª depois que veiu a esta Camara responder a uma interpellação que elle orador lhe fez, nunca mais aqui voltou; e tractando-se agora de um objecto grave, como é a extincção do commando em chefe, vê-se forçado a dizer, que se o Sr. Ministro da Guerra continua a estar doente, ou a não podér fallar pelo seu defeito organico, não é possivel podér continuar a gerir a sua pasta, porque n'um paiz que se rege pelo systema representativo, quem não póde fallar não póde ser Ministro. O ora, dor não quer que se pense que pertende lançar algum desfavor sobre um homem tão honrado, co-
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me é o Sr. Ministro da Guerra, pois não quer senão que se mantenham as condições do Governo representativo, que é o Governo da palavra; e não se pude portanto consentir que haja Ministros que não venham, sempre que forem necessarios, perante o Parlamento, aliás viviriamos sob um regimen de despotismo, embora com esse cortejo das apparencias do Governo representativo; e o Sr. Marquez não quer o despotismo com cortejo, nem sem cortejo.
Acha muito notavel que não pertencendo o Sr. Ministro da Guerra a nenhuma das Camaras, e havendo depois da sua nomearão de ministro, eleições de Deputados, S. Ex.ª, não obtivesse os votos de circulo algum '. E torna-se isto muito mais notavel quando o Sr. Ministro do Reino, os seus amigos, e advogados se dizem pertencer ao partido liberal, que se gaba de ter pugnado sempre pelas liberdades publicas, e por todos os principios liberaes. na mais larga escala, e com tudo isto, o paiz entendeu que não devia dar um unico voto ao Sr. Ministro da Guerra! Nestas circunstancias, parecia-lhe muito mais cordato e conveniente mesmo para o seu amigo, o Sr. Ministro da Guerra, que fosse empregado em outra cousa em que S. Ex.ª fosse de mais utilidade para o paiz, chamando-se para o Ministerio da Guerra alguem que o possa desempenhar
Dirigindo-se ao Sr. Ministro da Obras Publicas, diz que S. Ex.ª vê agora o erro em que cahiu, quando em uma das sessões passadas, disse, que não era preciso estar sempre presente o Ministro de qualquer repartição sobre que houvesse discussão, porque o ministerio era solidario; agora ha de ter conhecido que não é bom avançar proposições n'um sentido absoluto, porque, depois encontra-se-lhe o erro. Ha pouco o Sr. Conde de Linhares dirigiu uma pergunta ao Ministerio, « era ao Sr. Ministro do Reino a quem cumpria responder, porque o negocio a que o nobre Par se referiu era dependente daquella repartição; mas S. Ex.ª não quer vir aqui senão raras vezes, e por mais que se lhe mande aviso não apparece. Viu-se então o Sr. Ministro das Obras Publicas obrigado a pedir a palavra para declarar que o negocio não era da sua repartirão, e por mais que diligenciou, responder, apesar dos seus bons desejos, não póde dizer nada! Sabe que os desejos do nobre Ministro são excellentes, porque muitas vezes nos temos achados unidos no mesmo campo; mas ha occasiões em que são infructiferos. Portanto, o que pede a S. Ex.ª é, que torne a communicar ao seu collega o Sr. Ministro do Reino, que todos os dias a Camara dos Pares lamenta a sua falta nesta Camara. Já o Sr. Conde de Thomar, em uma das sessões passadas, pediu instantemente que o Sr. Presidente do Conselho viesse aqui responder a uma interpellação importantissima, e S. Ex.ª teima em não querer fazer-se visivel! Estaremos em governo constitucional? parece que não! O que sobre tudo admira 6 que este precedente venha de homens que querem ter o monopolio do liberalismo! Por sua parte, o orador não admitte que se responda ás suas instancias, como respondem os jornaes ministeriaes, dizendo que S. Ex.ª foi o diplomatico de Granudo. O que S. Ex.ª fez como diplomatico não sabe o orador, que não quer importar-se com o passado; o que se deve querer, o que exige são boas obras, no presente, para preparar um melhor futuro.
O Sr. Ministro da Marinha disse que o Sr. Ministro da Guerra está melhor, e que é provavel que dentro em poucos dias tome a direcção de todos os trabalhos do seu ministerio, porque, a pesar de estar doente, S. Ex.ª tem-se occupado em casa dos trabalhos que póde.
Quanto ao que disse o Sr. Duque da Terceira, como Presidente da Commissão de Guerra, a fim de se achar presente naquella commissão, quando se tratar do projecto ácerca da extincção do Cominando em Chefe, o Sr. Ministro da Guerra, ou qualquer dos seus collegas, habilitado para dar as informações necessarias, estará prompto a comparecer perante a commissão, pois já na outra Camara foi elle orador quem tratou desse negocio, por parte do seu collega da Guerra.
O Sr. Ministro das Obras Publicas....
O Sr. Conde de Linhares—Ouvi com summa satisfação o discurso do Sr. Ministro das Obras Publicas, o meu fim era justamente provocar estas explicações para tranquilisar os animos, que na verdade ficaram sobresaltados com a desagradavel noticia que nos trouxe o paquete; porém como a este paquete se hão de seguir muitos outros, vindos igualmente de porto infeccionado, espero que serão tomadas todas as precauções para evitar a introducção da doença em Portugal. Ouvi tambem com prazer S. Ex.ª professar idéas muito similhantes ás minhas, ácerca do contagio.
Sr. Presidente, eu desejo e estimo toda e qualquer occasião, que tenha de prestar o meu fraco apoio aos Srs. Ministros, estou certo das suas boas intenções, illustração e patriotismo, e particularmente sou amigo de SS. Ex.ª, portanto, fico esperando que assim como hoje, me proporcionem mais vezes o gosto de lhes prestar conscienciosamente este insignificante auxilio da minha pessoa. Direi, de passagem, duas palavras, em resposta ao Digno Par e meu amigo Marquez de Ficalho. S. Ex.ª fazendo algumas considerações, sobre o methodo empregado para a limpeza dos canos, disse tambem, que linha sido intimado para em tres dias fazer uma certa obra na sua propriedade, para encanar as agoas que houvessem de caír sobre os seus telhados. S. Ex.ª disse mais, que tendo como zeloso observador dos regulamentos que é, consultado um funileiro que lhe devia fabricar os ditos canos, viera em consequencia no conhecimento de que a obra é impossivel.
Ora, Sr. Presidente, eu responderei ao nobre Marquez, que é necessario, nesta parte, ser mais indulgente para com o Governo, por diversas razões que vou expôr; em primeiro logar o Governo, durante a epidemia, provou pela sua assiduidade no cumprimento dos seus deveres, que não
antepunha considerações de interesse pessoal ao bem publico, procurou quanto poude e em grande parte conseguiu, seguindo um nobre exemplo, mitigar quanto possivel o soffrimento geral, não ha duvida, e já aqui fizemos a devida justiça, que nessa occasião o Governo coadjuvado pela abnegação de muitos o benemeritos cidadãos e pela caridade publica desenvolvida em grande escala, prestou bons e memoraveis serviços ao paiz, crearam-se hospitaes, prestaram-se soccorros ás classes necessitadas, e em uma palavra fez-se aquillo que se podia fazer em tão tristes circumstancias, em qualquer capital do mundo civilisado, para alivio de tantas desgraças. É pois ao meu vêr o Governo merecedor da maior approvação de todos (apoiados.) Em segundo logar devo o nobre Marquez attender a que é muito difficil com os poucos meios que o Governo tem em seu podér (fallo em meios financeiros) remediar no curto espaço de tempo, que nos resta a percorrer até ao verão, e tornar em muito melhores as condições de salubridade de uma cidade como Lisboa.
Sr. Presidente, eu creio que não ha um plano da canalisação desta capital; a extensão de praias descobertas pelas marés, é conhecida por todos, e creio que ninguem se atreveria a dizer, que em taes circumstancias poderia modificar em poucos mezes um tal estado de cousas, e pois indispensavel toda a indulgencia para com os esforços do Governo, e dos seus agentes.
Não foi sem alguma malicia, Sr. Presidente, que eu procurei attribuir ao contagio a invasão da epidemia, se a minha hypothese fôr verdadeira, poderemos lisongear-nos com a esperança de não vêr repetida a calamidade passada, porém no caso contrario, isto e, se foi devida a invasão da febre a causas locaes, devemos esperal-a de novo, nem existe meio algum que podessemos empregar para evitar tão grande mal. Estivessem embora sentados nessas cadeiras, quaesquer outros Ministros, para mudar completamente as condições hygienicas de Lisboa, não bastam em réis 30:000$000, e seis mezes; nenhuma duvida tenho em avançar e sustentar esta proposição, e tal seria o problema a resolver, se a epidemia fosse devida a causas locaes, felizmente tal não é, e disso dou muitas graças a Deos.
Com alguns pequenos melhoramentos, como a limpeza dos canos, por exemplo, incompleta como não póde deixar de ser, satisfez-se á opinião publica e ficámos mais tranquillos em nossas consciencias, tomando estas precauções possiveis, senão sufficientes; está isto na razão dos escrupulos que nos ficariam, se as não tomassemos, apparecendo no futuro males gravissimos com as suas tristes consequencias para toda a sociedade (muitos apoiados.)
Não entrando agora n'uma discussão mais propria de uma academia, e para a qual nem me julgo habilitado, repetirei comtudo que experimento grande satisfação na convicção sincera em que me acho, de ter sido importada do Brasil a epidemia que ultimamente nos afligiu, e não desenvolvida por causas proprias da cidade (muitos apoiados); caso este ao qual difficilmente se poderia remediar em tão poucos mezes e sem extraordinarios sacrificios. São pois estas as razões que, segundo a minha opinião, nos conduzem a não sermos demasiadamente exigentes para com os Srs. Ministros nesta questão, menos na parte que diz respeito a severidade nas quarentenas, pois para esta precaução não são necessarias nem grandes despezas, nem depende do tempo, e assim espero evitaremos a repetição do mal (apoiados).
O Sr..Visconde d'Athoguia—Sobre este incidente já não acho que dizer senão que faço votos para que se realise metade do que nos promette o Sr. Ministro das Obras Publicas, e dentro do tempo que S. Ex.ª indicou (apoiados), principalmente no modo de abaffar os todos nas praias; creio mesmo que S. Ex.ª esqueceu alguma cousa que completasse o seu pensamento; por quanto, por maior que fosse o numero de barcaças que se empregassem neste serviço, em duas ou tres marés taes aterros desapparecerão.
Já que estou em pé mandarei para a Mesa dois requerimentos, e peço aos Srs. Ministros que estão presentes, que façam saber ao Sr. Ministro da Justiça, que preciso effectuar esta interpellação sobre os despachos para conegos para a ilha da Madeira (leu).
«Requeiro que se peça com urgencia ao Governo, pelo Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e do Justiça, uma relação nominal das dignidades e conegos nomeados para a Sé do Funchal desde o mez de Agosto de 1857 até ao presente, indicando as datas dos despachos feitos, e por quem foram referendados os respectivos Decretos.
Requeiro tambem identica relação respectiva ás seguintes épocas: Julho de 1849 a Maio de 1851, Junho de 1851 a Julho de 1856, Julho de 1856 a Agosto de 1857.
Peço mais, que o Governo se sirva mandar a esta Camara uma cópia do Alvará de 14 de Abril de 1781.
Camara dos Dignos Pares do Reino, em 12 de Março de 1858. — Visconde d'Athoguia, Par do Reino.»
«Requeiro que se officie ao Sr. Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e do Justiça, a fim de S. Ex.ª comparecer nesta Camara, e me ser permittido dirigir-lhe uma interpellação relativa aos despachos por S. Ex.ª ultimamente feitos para conegos da Sé do Funchal.
Camara dos Dignos Pares do Reino, em 12 de Março de 1858. = Visconde d'Athoguia, Par do Reino.»
Continuando. Não se admire a Camara de eu pedir cópia de um Alvará, porque como a Lei a que eu me hei de soccorrer, quando estiver presente o Sr. Ministro, faz referencia a esse Alvará, procurei-o nas livrarias desta casa e não o encontrei nas Colecções das Leis, e é por esta razão que fiz este pedido. Algum dos meus collegas me lembra indicar as bases paro a interpellação, não creio que tal seja a pratica, mas direi que a minha interpellação versará sobre a opportunidade e legalidade dos despachos, e sobre a idoneidade dos despachados. Devo suppor que os collegas do Sr. Ministro, aqui presentes, participarão a S. Ex.ª o que acabo de enunciar.
Mandou-se expedir a communicação da nota de interpellação, e foi approvado o requerimento.
O Sr. Marquez de Vallada ouvio a declaração que fez o Sr. Ministro da Marinha de que quer representar o seu collega quando aqui se tractar do projecto de lei relativo á extincção do Cominando em chefe; a respeito do que intende dever declarar, com toda a lealdade, que nessa occasião não se ha de satisfazer com a presença do Sr. Ministro da Marinha; ha de propôr o adiamento da questão até estar presente o Sr. Ministro da Guerra; e, ou S. Ex.ª então pede a sua dimissão, ou ha de discutir com elle orador esse negocio por que ha muito que dizer, principalmente com relação ao partido historico, que mostra não ter querido a abolição do Commando em chefe pelo desejo da economia, mas sim e unicamente para affastar o Sr. Duque de Saldanha.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada—O Sr. Ministro das Obras Publicas aproveitou-se de um apoiado que dei ao Sr. Marquez de Ficalho, para me achar em contradicção; o apoiado que eu dei não merecia a pena que S. Ex.ª tomasse conta porque era ao complexo de medidas que se exigem algumas já um pouco tarde e com tal pressa que se torna impossivel a sua execução, como bem mostrou o S. Marquez de Ficalho. Não se fallou de uma medida só, fallou-se de muitas; reconhece-se a necessidade dellas em geral, mas o que queriamos era vêr em tudo um systema bem pensada e bem combinado, para evitar certos inconvenientes, e ninguem dirá que a falta de cumprimento a uma determinação que se não póde executar seja pequeno inconveniente.
Terminou este incidente.
O Sr. Ferrão mandou para a Mesa um parecer da commissão de legislação, sobre um officio remettido a esta Camara pelo Procurador geral da Corôa acompanhando um parecer.
O Sr. Visconde de Algés—Se V. Ex.ª quizer, póde dispensar-se a leitura desse parecer, que se ha de mandar imprimir.
O Sr. Presidente—Sim senhor, e tem agora V. Ex.ª a palavra antes da ordem do dia.
O Sr. Visconde de Algés estimou muito ter cedido da palavra, que tinha pedido, para dar logar ao incidente de que esta Camara acabou de se occupar. Folgou de ouvir as explicações dadas pelo Sr. Ministro das Obras Publicas, e as observações apresentadas pelos Dignos Pares que tomaram parte nesta questão. Acerca deste objecto não dirá mais nada, porque para se tractar de passagem, 6 já bastante o que se tem dito hoje. O resultado que teve o illustre auctor da moção, foi destruir a idéa, talvez mal fundada, de que pela entrada desse navio vindo do Brasil se podia renovar a epidemia em Lisboa; o que com a declaração que fez o Sr. Ministro, de que já se tinham tomado algumas providencias a este respeito, é sufficiente para deixar os animos tranquillos (apoiados). Para se tractar deste negocio como convem que elle seja tractado, nas casas do Parlamento, seria preciso mais de uma sessão, e havia muito que observar.
Tendo dado as razões porque julga desnecessario tractar agora com mais detenção deste objecto, porque haverá occasião propria para isso, limita-se o orador a mandar para a Mesa quatro pareceres da commissão de fazenda; os quaes, como todos teem de ser impressos, segundo a pratica da Camara, deixa de os lêr, e parece-lhe que tambem se póde dispensar a sua leitura na Mesa. Estes pareceres são todos importantes; pede por isso ao Sr. Presidente que os mande imprimir com brevidade, para se darem para ordem do dia, quando os trabalhos da Camara o comportarem. Um destes pareceres é para auctorisar a continuação de uma obra, digna do paiz, e que faz honra ao seu auctor: o—Quadro Elementar das relações diplomaticas e politicas de Portugal—publicado pelo Sr. Visconde de Santarem, para que não caiamos no barbarismo de não continuar uma obra de tanta, importancia (apoiados).
O Sr. Presidente—Segundo os desejos da Camara, manda-se imprimir quanto antes; e tem o! Sr. Ministro das Obras Publicas a palavra.
O Sr. Ministro das Obras Publicas...
O Sr. Conde de Thomar....
ORDEM DO DIA.
Discussão do seguinte parecer (n.° 107).
Foi presente á commissão de fazenda o parecer n.º 34, dado na sessão do anno passado, sobre o projecto de lei n.º 92, tendo por objecto auctorisar o Governo a conceder a Joaquim Candido de Moraes um titulo de renda vitalícia, pelo rendimento legalmente provado do officio de Escrivão do extincto Tribunal da Relação do Porto; e com o mesmo parecer foram igualmente presentes todos os papeis e documentos que demonstram, pelo modo mais concludente, que é de toda a justiça e de necessidade, para que a mesma justiça possa ser administrada pelo Governo, que a proposta auctorisação seja approvada por esta Camara, como já o fóra pela dos Senhores Deputados, attendendo a que aquelle Empregado tem o seu direito fundado no Decreto de 16 de Maio de 1832, de 10 de Janeiro de 1834, e Carta de Lei de 22 de Julho de 1853, dependendo unicamente a verificação do mesmo direito de fixar-se a base, que, na falta de ordenado ou vencimento pago pelo Thesouro, deve regular a quantidade do subsidio; e attendendo a que o mesmo Empregado se acha era circumstancias muito especiaes, que não podem subministrar argumento a outros de Repartições extinctas, muito mais porque elle se torna merecedor de contemplação pela sua dedicação á Causa da Legitimidade e das Instituições Constitucionaes, a que prestou relevantes serviços durante o cerco do Porto, já no serviço militar, já em commissão de soccorros para o Exercito Libertador,
Sala da commissão, 28 de Fevereiro de 1858. Visconde de Castro—Felix Pereira de Magalhães — Conde d'Arrochella —Visconde d'Algés = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.
PROJECTO DE LEI N.° 92,
Artigo 1.º É o Governo auctorisado a conceder a Joaquim Candido de Moraes um titulo de renda vitalícia, pela importancia do rendimento legalmente provado do officio de Escrivão de Escrivão do extincto Tribunal da Relação do Porto, na proporção marcada no artigo 2.° do Decreto de 16 de Janeiro de 1834, e nos termos da Lei de 22 de Julho de 1853.
Art. 2.º Fica revogada a Legislação em contrario.
Palacio das Côrtes, em 10 de Julho de 1857. —Joaquim Filippe de Soure, Presidente —Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario == Miguel Osorio Cabral, Deputado Secretario.
O Sr. Presidente—Este negocio voltou á commissão, foram-lhe presentes novos documentos, e sobre elles deu novo parecer. E o que está em discussão..
O Sr. Visconde de Athoguia — Sr. Presidente, não se acha presente o Sr. Ministro da Fazenda, nem dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, parece-me, comtudo, que os Srs. Ministros que estão nesta casa podem dar muito bem as explicações necessarias para a Camara podér votar sobre este projecto com conhecimento de causa. Sr. Presidente, com quanto eu veja que são muito extraordinarias as circumstancias que se dão neste individuo para ter uma renda vitalícia por officio perdido, não posso votar pelo projecto, porque desde o momento que votar por elle, hei de tambem votar em favor de todos os individuos que perderam officios, que estavam nas suas familias, ou por graça especial do Soberano, ou por compra feita dos mesmos officios, o que lhes estabelece o direito de propriedade.
Pelo que V. Ex.ª acabou da annunciar, este projecto foi outra vez á commissão, e alli novos documentos se apresentaram; em consequencia delles a commissão apresentou este novo parecer. Na ausencia, portanto, dos Srs. Ministros a quem. mais particularmente eu podia pedir explicações sobre esta proposta que veio da outra casa, ou quando os Srs. Ministros não conheçam este negocio, espero que os nobres membros da commissão, que assignaram este parecer, queiram informar a Camara dos motivos que tiveram para annuir a esta proposta. Pedia tambem que os Srs. Ministros tomassem em consideração, se por este passo que vão dar, não se abre a porta nem seda direito a todos que estiverem no mesmo caso para pedir igual compensação. Entendiria que uma Lei geral, uma Lei generosa, e uma Lei que abrangesse todos que estivessem nas mesmas circumstancias faria honra ao paiz, e a esta Camara. (O Sr. Visconde de Algés — Existe essa Lei desde 1834.) Quando o Digno Par apresentar as razões em que se fundou a commissão, é provavel que eu vote pelo projecto: tenho concluido.
O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, o direito do individuo a que se refere este projecto de lei, já se acha legalmente constituido, pois se funda em duas determinações positivas de Lei.
Uma encontra-se no Decreto de 16 de Maio de 1832, que supprimindo tribunaes e officios da antiga magistratura judicial, ordenou que o Governo attendesse ás pessoas prejudicadas com essa suppressão, ou propondo ás Côrtes as medidas que carecessem de Lei.. Este preceito de Lei ficou preenchido a respeito de todos os individuos, proprietarios dos antigos officios, que foram providos nos creados novamente.
Mas, a respeito dos que o não foram, sómente resta o meio de indemnisação, em harmonia com a justiça que se tem feito a outros, concedendo-se um subsidio, que, entrando na regra geral das mercês pecuniarias precisa de Lei que as auctorise, em conformidade com os preceitos da Carta Constitucional.
A outra determinação de Lei que favorece o supplicante, ainda e mais concludente, porque existe o Decreto de 16 de Janeiro de 1834, que concedeu aos empregados de repartições extinctas um subsidio, o qual effectivamente lhes foi concedido, é arbitrado, passando-se-lhes depois um titulo de renda vitalícia.
Ora este homem tinha encarte e posse de um dos officios de justiça, de uma repartição, qual foi a extincta casa da Relação do Porto, e a todos os Juizes que não entraram para o novo quadro da magistratura se deram subsidios.
Assim requereu elle um subsídio como empregado de repartição extincta, mas encontrou difficuldades, por esta Lei haver omittido marcar as bases para se regular o vencimento dos empregados que nessas repartições não tinham ordenados pagos pelo Thesouro, mas só emolumentos,
Já se vê pois que este homem se acha em uma situação especial, porque não é simplesmente um prejudicado pela extincção de um officio de justiça, mas um prejudicado, que, além disso, exercia esse officio em uma repartição extincta, a cujos membros foi verificado um direito, ficando elle sem contemplação, unicamente por não se encontrar na Lei providenciada uma circumstancia, como era necessario, para a sua completa execução.
Ora, a commissão chamou a si todo o processa, a que tem dado causa os requerimentos deste homem, mas sem fructo algum ha muitos annos; viu no mesmo processo as respostas fiscaes, que se obtiveram sobre a sua pertenção; assim como o que se passou na Camara dos Srs. Deputados a este respeito. A commissão encontrou provadas no mesmo processo não só as circumstancias especiaes, em que se acha este negocio, que muito difficilmente poderão constituir regra de justiça relativa para outro qualquer, como são as dos serviços que prestou durante o assedio do Porto, com as armas na mão, promovendo soccorros pecuniarios e outros; mas tambem que levado este negocio á Camara dos Srs. Deputados,
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alli se fizeram observações identicas ás que agora se tem produzido.
Não esqueceu ponderar-se a conveniencia de uma medida geral, mas tambem se ponderou que o negocio se apresentava em circumstancias muito especiaes, e que a medida geral podia desde já gravar, sem necessidade, o Thesouro, sendo por isso mais conveniente attender a este homem particularmente, e deixar ao Parlamento a liberdade de attender com especial conhecimento, tambem aos outros que estivessem nas mesmas circumstancias, que talvez ou sejam muitos pouco, ou nenhuns actualmente.
Estas são as explicações que tenho a dar ao Digno Par e á Camara.
Resta-me dizer, que uma medida geral sobre este objecto encontra uma grande difficuldade em presença da resolução já tomada pela Camara dos Srs. Deputados exclusiva dessa medida.
Foi esta uma das considerações que levou a commissão a apresentar o seu parecer, para ser votado este projecto especial. Os documentos que instruem este negocio, a que me referi, acham-se sobre a mesa, onde podem ser examinados pelos Dignos Pares, cumprindo porém (note-se bem) nunca perder de vista, que, no fundo da questão, o direito a attender já se acha constituido por Lei, e que o que verdadeiramente carece de nova Lei, é fixar-se o modo de se contar o subsidio para empregados de repartições extinctas em taes circumstancias. O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Sr. Presidente, eu linha pedido a palavra para dizer, que me parecia que a commissão devia ter exposto neste parecer as razões que faziam com que ella insistisse no primeiro parecer: mas agora, depois da explicação que acaba de dar um dos membros da commissão, não tenho mais nada a dizer.
O Sr. Ferrão—Parece-me que poderia responder de uma maneira satisfactoria ao Digno Par.
No processo que está sobre a mesa existe um documento que prova o rendimento que a lei reconhece como legal, e é uma carta de mercê, da qual consta a lotação do officio, em quantia inferior a 300$000 réis.
Portanto deferindo-se á pretenção, que foi a que regulou para o pagamento dos respectivos direitos de mercê, desapparecem quaesquer inconvenientes. Se não ha duvida que os officios publicos lêem todos uma lotação nas repartições publicas, tambem senão entendeu que, para os effeitos do subsidio, a regra a seguir, na falta de ordenado pago pelo thesouro, deva ser outra senão a do rendimento legalmente presumido pela lotação.
O Sr. Conde de Thomar.... O Sr. Visconde de Ourem—A mim ainda me falta, para podér votar, a explicação da parte do Governo, se tenciona applicar as disposições deste projecto de lei a todos os individuos que estiverem nas mesmas circumstancias; porque se o Governo não fizer uma declaração expressa a este respeito, então voto contra.
O Sr. Ministro das Obras Publicas—Parece-me que e desnecessaria explicação, pois 6 claro que a respeito de todos os individuos que estejam em identidade de circumstancias, uma vez que sejam reconhecidas essas circumstancias, não póde o Governo negar-se a applicar-lhes as mesmas disposições deste projecto.
O Sr. Visconde de Algés observa ao nobre Ministro, que nem por isso o Governo fica auctorisado a fazer essa applicação por este projecto (O Sr. Ministro das Obras Publicas—É exacto.), pois dado o facto de haverem individuos nas mesmas circumstancias, tem de ir propôr um projecto de lei para cada um: o que não aconteceria se o Governo, aproveitando esta occasião, quizesse propôr uma lei, que comprehendesse a todos que estivessem nas mesmas circumstancias (apoiados).
O nobre orador pede á Camara que note que o negocio tem aqui tomado uma dimensão, e um valor que talvez não tivesse até agora. O Digno Par o Sr. Conde de Thomar, com muita razão, teve duvidas ácerca da disposição deste projecto, porque lhe parecia vêr uma anomalia, pelo que nelle se prescreve; pois que podia dar-se ocaso de que o Escrivão da Relação do Porto viesse a ter mais consideração, e maior subsidio do que um Desembargador antigo, ou mesmo um Juiz no quadro da nova magistratura; e dizia S. Ex.ª, que podia calcular-se que o officio de Escrivão da Relação do Porto não renderia menos de 1:000$000 de réis, e dando-se, por a metade, um titulo de renda vitalícia, vinha a ter o Escrivão 500$000 réis, quando um Desembargador não tinha senão 360$000 réis, que era o calculo da tabella de 16 de Janeiro de 1834, onde se estabeleceu a regra geral para se contemplarem os que tinham officios publicos, e contra os quaes não havia nenhuma imputação politica. O Digno Par relator da commissão disse que não e nada disso, porque lá está a lotação do officio — que e de um rendimento insignificante. Ao que o orador respondeu, que se a Camara quer fazer a justiça de considerar as circumstancias especiaes deste requerente, assim como procedem as razões do Sr. Conde de Thomar para se não dar um titulo muito elevado, não vá cair-se no extremo opposto de conceder um subsidio que não serve de nada; porque, pela lotação, o que se houver de dar é um titulo de renda vitalícia muito pequeno, que não tira o homem da miseria em que está, e isso não lhe serve de nada para o compensar do muito que já tem soffrido. O orador entende que talvez fosse melhor reduzir isto a principio ou regra geral para se applicar a todos nas mesmas circumstancias, porque, como todos os Dignos Pares que tem estudado a materia sabem, a difficuldade está em que a providencia geral estabelecida pelo Decreto de 16 de Janeiro de 1834, tomou por principio o rendimento certo de todos os officios; mas este, e outros que não tinham rendimento certo, não foram considerados pela Lei, que á um Decreto da dictadura, que ficou sendo Lei. Então não haviam titulos de renda vitalícia, era um subsidio calculado pelo rendimento do emprego perdido, e que se concedia quando aquelle que o pedia estava nas circumstancias de merecer esta consideração. Este homem estava na razão da Lei, mas não estava na sua lettra, porque não tinha ordenado certo. Agora quer-se, que em logar do subsidio, o homem fique comprehendido na regra geral, e que se lhe de um titulo de renda vitalícia; este titulo ha de ser por metade; mas metade de que? Se é pela metade do que rendia o officio, diz o Digno Par o Sr. Conde de Thomar—é muito; mas se e pela metade da lotação, diz o orador — é pouco; porque todos sabem que estas lotações antigamente eram de ordinario mal calculadas, pois havia empregos lotados em pequenas quantias, que tinham um avultado rendimento, e havia pelo contrario outros cujo rendimento não chegava á lotação do emprego. O Sr. Visconde não duvida que o de que se tracta fosse daquelles que tinham um avultado rendimento, e crê mesmo que o era, porque o Digno Par o Sr. Conde de Thomar avançou que aquelle emprego renderia um conto de réis ou mais; e comtudo pelo que foi presente á commissão, vê-se que o officio estava lotado em pouco mais de 250$000 réis, e tem de passar-se o titulo por cem, ou pouco mais: com o que não se faz justiça a este homem se a tem, como todos entendem que tem.
Não seria máo, apezar de que o Sr. Ministro das Obras Publicas já deu algumas explicações, que estivesse presente o Sr. Ministro da Fazenda, para, em vista desta difficuldade, vêr se convinha em estabelecer uma regra geral para todos que estivessem neste caso; mesmo porque, pela adopção deste o projecto, o Governo coutráe uma obrigação moral de attender a todos que estiverem nestas circumstancias: d'outro modo será preciso trazer ás Camaras tantos projectos, quantos os individuos que estiverem no mesmo caso. O orador julga que ha muitos nestas circumstancias, pois existem centenares de consultas no Tribunal do Thesouro, relativas a empregados publicos que tinham perdido os seus empregos, e aos quaes se devia dar o subsidio, em conformidade do Decreto de 16 de Janeiro de 1834, e essas consultas ainda não estão resolvidas: ha portanto muitos individuos a quem falta administrar justiça. É por isso que entende o orador, que seria conveniente que S. Ex.ª estivesse presente para dizer o que ha a este respeito, e o que tenciona fazer; porque se este objecto podér ser resolvido por meio de uma medida geral, será conveniente que se não tome agora uma providencia, que haja "de prejudicar o homem, ou pelo menos que lhe não seja proficua, como de certo succederia, se o negocio se resolvesse em referencia á lotação do officio.
O Sr. Presidente—Eu não exijo de V. Ex.ª que mande para a mesa a sua indicação, mas vou consultar a Camara.
O Sr. Visconde de Castro — Concordo com o que acaba de dizer o Digno Par, e meu amigo, o Sr. Visconde de Algés; mas permitta-se-me observar, que o pertendente anda a requerer ha annos, e que estando a Camara toda resolvida, como eu penso, a votar por este parecer, o adial-o agora póde importar o não se resolver a pertenção na vida do septuagenário requerente; a pratica nos tem feito vêr não poucas vezes, que quando se pensa addiar por dias um assumpto qualquer, é addiado indeterminadamente. Parece-me pois que se póde resolver este negocio desde já; a lei diz que os individuos, nas circumstancias deste, serão indemnisados: se elle fazia pelo seu officio um conto de réis de interesse, como já se disse, tem, em vista lei, direito a ser indemnisado nessa proporção; mas eu não creio que naquelle tempo os officios desta ordem rendessem pelas taxas legaes tão largamente. Concordo com o Digno Par o Sr. Visconde de Algés sobre a conveniencia de fazer-se uma lei geral: traga o Governo esse projecto ás Côrtes, e quanto antes, pois é necessario. Mas visto que as circumstancias que se dão neste individuo já foram verificadas no outro ramo do Corpo legislativo, e visto que a commissão examinou este negocio com o maior escrupulo, como abundantemente demonstrou o seu digno relator, entendo que este parecer deve ser approvado, sem excluir comtudo a idéa de uma medida geral; e tambem entendo, que em quanto essa se não tomar, devem ser attendidos pelo Parlamento todos os que requererem com iguaes direitos.
O Sr. Visconde d'Alges: já declarou que não mandava nenhuma proposta para a mesa a este respeito; e disse isto, mesmo para não causar prejuizo a este requerente. Não quer progredir nesta discussão, porque ella nos levaria mais longe alguma coisa (apoiados). Foi pois unicamente para declarar que não propunha nada, que agora pediu a palavra.
O Sr. Ferrão — Eu vejo pela sessão que se publicou da outra Camara, que quando alli se tractou deste assumpto, só levantaram lá as mesmas duvidas que aqui se teem produzido. Vê-se tambem que dissera nessa occasião o Sr. Ministro da Fazenda, que não seria conveniente adoptar-se a medida geral: e então o Sr. Ministro da Justiça actual, como membro que era da outra Casa, sustentou, que visto não ter logar a medida geral, e sendo reconhecida a justiça deste individuo em particular, se approvasse o presente projecto de lei. A Camara dos Srs. Deputados assim o resolveu. Nós pois devemos tambem ter presentes as circumstancias excepcionaes que concorrem neste individuo, e em presença dellas não póde haver duvida em approvar-se o projecto de lei.
O Sr. Visconde de Ourem— Eu peço que se faça menção na acta da declaração do Sr. Ministro das Obras Publicas, de que o Governo faria applicação desta medida a todos os outros individuos que estivessem em identidade de circumstancias. São faço este requerimento com a idéa de opposição, mas sim, Sr. Presidente, porque, como V. Ex.ª e a Camara estarão lembrados, uma occasião houve ha tempos, em que perguntando eu ao Sr. Ministro das Obras Publicas se o caminho de ferro do norte parava em Villa Nova de Gaia ou no Porto; S. Ex.ª respondeu-me que havia de ir de Lisboa ao Porto: mas depois passou-se o que todos nós sabemos (apoiados). É pois em vista deste facto, e de outros que eu podia adduzir, que peço se faça na acta a declaração do Sr. Ministro das Obras Publicas, relativamente ao assumpto que agora se occupa a Camara.
O Sr. Ministro das Obras Publicas—Eu não me opponho a que se faça na acta a declaração, mas nos termos em que ella foi manifestada, e e que se houver outros individuos que estejam em circumstancias especiaes e identicas a este, o Governo procederá do mesmo modo.
O Sr. Visconde de Ourem,—Permitta V. Ex.ª que eu observe que no projecto de lei vê-se o seguinte (leu). Esta disposição é generica.
O Sr. Ministro das Obras Publicas — Eu já expliquei o sentido da minha declaração, e conforme a ella repito, que quando se dêem n'outros circumstancias iguaes ás deste homem, esses taes não podem deixar de serem attendidos pelo Governo e pelas Côrtes.
O Sr. Conde de Thomar—A circumstancia especial que se dá neste individuo, é o ter elle perdido um officio em virtude da ultima refórma; e é preciso ter isto em vista quando se tractar de comparações, e de examinar se ha igualdade de circumstancias.
O Sr. Secretario Visconde de Balsemão — Peço licença para lêr o modo como eu redigi na acta a declaração do Sr. Ministro (leu).
O Sr. Ministro das Obras Publicas — Está conforme com o que eu disse.
O Sr. Presidente—Vou pôr á votação o parecer, visto estar esgotada a inscripção.
O Sr. Secretario — Já não ha numero na sala, falta um Digno Par.
O Sr. Presidente — Visto isso fica reservada a votação para ámanhã; e dou para ordem do dia a mesma que vinha dada para hoje. Está levantada a sessão.
Eram quasi cinco horas da tarde.
Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 18 de Março de 1858.
Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Niza, e de Vallada; Condes: da Azinhaga, do Bomfim, de Fonte Nova, de Linhares, de Mello, do Sobral, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, da Granja, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: de Chancelleiros, de Pernes, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Ferrão, Aguiar, Larcher, e Silva Sanches.