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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 26 DE MARÇO DE 1861

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. VISCONDE DE LABORIM

VICE-PRESIDENTE

Secretarios: os dignos pares Conde de Mello

D. Pedro de Brito do Rio

(Assistia o sr. Ministro da Guerra, Visconde de Sá da Bandeira.)

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presente numero legal, declarou o sr. presidente aberta a sessão, e leu-se a acta da precedente que se julgou approvada por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Dois officios da presidencia da camara dos srs. deputados, um remettendo uma proposição sobre a interpretação e execução do § 2.° do artigo 11.° da lei de 30 de junho de 1860, relativa á transmissão de propriedade; e o outro participando terem sido approvadas as emendas feitas por esta camara na sua proposição sobre a desamortisação dos bens dos conventos de religiosas e de outras corporações.

A proposição de lei foi remettida á commissão de fazenda.

O sr. Margiochi: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento; mas antes de o apresentar farei breves reflexões tendentes a justificar a necessidade de obter os esclarecimentos que peço.

Ha mais de dois mezes que apresentei n'esta camara um projecto de lei para regular a policia sanitaria de alguns estabelecimentos industriaes, e para revogar o que está decretado a este respeito. Tendo esse projecto sido admittido pela camara foi mandado imprimir, porém a demora que houve na impressão deu motivo a que só muito tempo depois da apresentação d'esse projecto podesse este ser lido pelos membros da commissão de administração publica, á qual fóra incumbido o exame d'este objecto. Quando o presidente d'essa commissão se mostrou disposto a reuni-la para se tratar d'este assumpto, o sr. ministro do reino manifestou desejos de que se esperasse pelos esclarecimentos ou informações, que exigira do conselho de saude publica do reino; mas ou porque estas se demoravam, ou porque o sr. ministro do reino entendeu dever prescindir dellas, foi ha poucos dias convocada a commissão, de accordo com s. ex.ª, aonde não poude comparecer pelos acontecimentos extraordinarios que chamavam a attenção do governo para outras questões. Parece-me pois que o projecto por mim apresentado, não poderá tão cedo ser objecto de discussão n'esta casa.

Esse projecto de lei tem sido avaliado de diversos modos pela imprensa. Uns acharam as provisões d'elle convenientes e necessarias, outros entenderam deve-las censurar. Tanto uns como outros usaram de um direito que ninguem lhes póde contestar.

O sr. presidente do conselho de saude deu ha poucos dias publicidade a uma carta que me dirigira. N'essa carta pretendia esse senhor que eu fizesse perante esta camara certas declarações e rectificações, a respeito do que escrevi no relatorio do alludido projecto de lei. Pretendia que eu declarasse que, em virtude do artigo 43.° do decreto de 3 de janeiro de 1837, nenhum empregado de saude póde receber emolumento algum para si. Quando o secretario do conselho de saude me entregou essa carta, disse-lhe que em occasião opportuna diria o que me parecesse justo a tal respeito. Como porém o sr. presidente do conselho de saude deu publicidade á sua carta, e a discussão do projecto de lei que offereci me parece que terá alguma demora, direi que não affirmei que os membros do conselho de saude ou os seus empregados recebiam ou deixavam de receber emolumentos pelas fataes provisões do decreto de 3 de outubro de 1860. Disse apenas que as multas provenientes das infracções denunciadas serão divididas em partes iguaes, metade para os que denunciarem a transgressão, e metade para o cofre de policia sanitaria, que são as palavras do, decreto de 3 de outubro.

Antes de escrever o meu relatorio examinei o decreto de 3 de janeiro de 1837, porém ignoro o modo porque têem sido interpretadas algumas das suas disposições. Examinei os orçamentos, e parece-me que só no orçamento do anno economico de 1853-1854 encontrei, pela primeira vez, a receita proveniente do rendimento do conselho de saude. Nos orçamentos dos annos economicos seguintes vem tambem avaliada essa receita. Investiguei o motivo porque só daquelle anno em diante apparecia essa receita, e disseram-me que esse facto era devido ás instrucções do ministerio da fazenda, datadas de 9 de novembro de 1849. Procurei nos documentos publicados pelo governo, saber que applicação tiveram os rendimentos do conselho de saude desde 21 de maio de 1846 até 1 de julho de 1853, e não encontrei documento que me esclarecesse a tal respeito. Não tenho conhecimento de algum documento em que essas contas estejam publicadas. Não me foi possivel encontrar publicado algum accordão que mostrasse que o conselho de saude tinha cumprido as disposições dos decretos com força de lei, que mandavam prestar contas aos que tinham a seu cargo a gerencia dos rendimentos publicos, desde 1 de julho de 1846 até 30 de junho de 1859. Por taes motivos não podia, nem posso, affirmar cousa alguma a respeito da applicação, que tiveram os rendimentos do cofre do conselho de saude publica.

Quando escrevi o relatorio que acompanha o projecto de lei por mim apresentado, procurei informar-me para não fazer alguma asserção inexacta. Posto que me constasse por alguns emprezarios de industria, que nas vistorias feitas a alguns estabelecimentos do bairro de Alcantara, algum sub-delegado de saude havia sido remunerado conjuntamente com os peritos, fui á casa da administração d'esse bairro. Não encontrando o administrador proprietario, fallei com o seu substituto, que é um empregado activo, intelligente, e que tem tido muita pratica de negocios, que me disse que quando os subdelegados compareciam nas vistorias para os emprezarios obterem a chamada licença de conservação de seus estabelecimentos, era pratica serem elles remunerados pelos emprezarios do mesmo modo que o eram os peritos.

Sinto que se desse publicidade a um facto que eu disse ao secretario do conselho de saude que existia, sem me referir a pessoas, facto de que não me fiz cargo no meu relatorio. Se ha inexactidão n'isto, eu nada tenho com esse objecto. E uma questão de facto entre o sr. administrador proprietario do bairro de Alcantara, ao qual não consta cousa alguma, e o seu substituto, questão que talvez tenha origem em os sub-delegados poderem servir de peritos fóra dos seus bairros, ao que talvez não ha lei que se opponha. Que algumas auctoridades sanitarias ou que o conselho de saude recebam ou não proventos pelo decreto de 3 de outubro, é questão indifferente. O que não é indifferente é que sejam exigidas avultadas quantias á industria, é que se lhe lancem pesados impostos, não auctorisados por lei, com o pretexto de se lhe dar uma licença de que, na minha opinião, ella não carece, quanto aos estabelecimentos fundados sem infracção de lei. Para me esclarecer porém, quanto ao modo porque têem sido administrados os rendimentos do cofre do conselho de saude, para fazer justiça, a quem a merecer, mando para a mesa o seguinte requerimento, e peço que seja considerado urgente.

«Não tendo sido publicados no Diario do Governo os accordãos de julgamento das contas do conselho de saude publica do reino, respectivas aos annos economicos decorridos desde 1 de julho de 1846 até 30 de junho de 1859, requeiro que sejam requisitados ao ministerio da fazenda os seguintes esclarecimentos:,

1.° Qual o motivo por que não têem sido publicados os referidos accordãos;

2.° Qual foi o modo por que o dito conselho cumpriu os decretos com força de lei de 18 de setembro de 1844 e 10 de novembro de 1849, quanto ás epochas e auctoridade a quem devem dar contas os gerentes dos cofres publicos;

3.° No caso do mesmo conselho não ter satisfeito as determinações dos citados decretos, copia de qualquer representação por elle dirigida ao governo, tendente a justificar o conselho d'essa falta.

Camara dos pares, 26 de março de 1861. = Francisco Simões Margiochi».

O sr. Presidente,: — Vou consultar a camara a este respeito.

A camara approvou a urgencia e o requerimento.

O sr. Larcher: — Pedi a palavra para declarar a V. ex.ª e á camara, que o sr. visconde da Luz me encarregou de lho participar que, por motivo de doença, não tem comparecido ás ultimas sessões, nem poderá por emquanto comparecer a mais algumas.

O sr. Secretario (Conde de Mello): — Devo tambem declarar á camara que o sr. visconde d’Athoguia me encarregou de lhe participar que, por motivo de doença, não póde comparecer á sessão de hoje.

O sr. Presidente: — Pelo bem do estado assim o exigir vae a camara constituir-se em sessão secreta.

Eram tres horas da tarde. Ás tres horas e meia tornou-se a sessão publica.

O sr. Secretario (Conde de Mello): — Acabam de receber-se na mesa os seguintes officios:

Officio do ministerio do reino, dando varios esclarecimentos a respeito das habilitações das mestras dos asylos de primeira infancia, bem como a respeito de outros estabelecimentos de instrucção.

Satisfaz ao requerimento dos dignos pares condes do Sobral e de Thomar, apresentado em sessão de 8 de março de 1861.

O sr. Conde de Thomar: — Pedia á mesa que mandasse publicar no Diario de Lisboa estas respostas do governo; porque a questão interessa bastante hoje o publico, e é preciso que elle tenha conhecimento da fórma por que o governo satisfez aos requerimentos d'esta camara.

O sr. Presidente: —Vou consultar a camara se annue ao pedido do digno par.

A camara annuiu.

O sr. Ferrão: — E para mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda (leu-o).

Agora, sr. presidente, eu pedia a V. ex.ª, por parte da commissão, que visto haver grande urgencia na resolução d'este negocio, elle fosse discutido quanto antes, dispensando-se assim as formalidades do regimento. Peço a V. ex.ª que consulte a camara a este respeito.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara.

O sr. Visconde de Castro: — Como membro da commissão de fazenda desejava fazer algumas reflexões a este respeito. Eu não emitto o meu voto; a camara fará o que entender; mas necessito de justificar a commissão. A commissão de fazenda, fiel aos principios que sempre a tem guiado, vendo que este projecto era util aos contribuintes, sobretudo na parte em que melhora a lei vigente, pela qual quem comprar uma propriedade ha de pagar a cisa pelo valor do registo, e não pelo preço que ella lhe custar, prejudicando-se assim o proprietario, que é forçado a vender, e difficultando aliás as vendas em prejuizo da fazenda publica, entendeu que devia não só approvar o projecto immediatamente, mas recommenda-lo á prompta approvação da camara. Não quiz retardar estas providencias, mas não occultou, antes o disse expressamente no seu parecer, que ainda outras se tornavam necessarias.

Digo isto para justificar a commissão. Ella achou n'este projecto um grande interesse publico, e vendo que versava sobre materia que já aqui tem sido discutida, pareceu-lhe conveniente pedir a V. ex.ª que consultasse a camara sobre se concorda em que este projecto, dispensando-se as formalidades do regimento, seja discutido immediatamente a exemplo de outros muitos. Embora a camara não annua, a commissão satisfez aos seus deveres e aos impulsos da sua consciencia.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Disse que o requerimento do digno par não se podia approvar; que o parecer da commissão de fazenda versava sobre um objecto muito importante; que da leitura rapida que do projecto se tinha feito na mesa, não podéra elle, orador, perceber se a commissão tinha feito algumas alterações n aquelle que tinha vindo da outra camara, que emendassem os grandes inconvenientes que a lei, apesar de algumas modificações que se tinham feito, ainda conservava; que por consequencia era necessario tempo para estudar o projecto antes que se discutisse, e que era realmente assombroso pertender que elle se discuta já.

Que nesta occasião não podia deixar de fallar de si, de que pedia desculpa, alludindo ao que o anno passado se passara nesta camara, quando se discutiu o projecto de lei sobre o imposto de transmissão da propriedade, que fóra approvado tal qual viera da outra casa do parlamento; que elle, orador, fóra o unico membro da camara, e talvez do parlamento, que se oppozera á maneira estabelecida na lei para se avaliar o direito de transmissão; que portanto estava muito satisfeito por ver justificada a sua opposição, e por ver que a sua opinião era já tão seguida, que na camara dos srs. deputados só fóra rejeitada por cinco votos uma emenda que tendia a evitar os inconvenientes que elle, orador, tinha achado na sua primitiva.

Que dizia só mais duas palavras; não só porque não queria tomar tempo á camara, mas tambem porque tendo, desde muito muito, passado incommodado, não podia, sem grande esforço, fallar muito, de que depois se resentia a sua saude.

Que uma das rasões com que o anno passado elle, orador, tinha sido combatido, quando fallára contra as disposições da lei, foi porque eram necessarias para obstar ás fraudes que se poderiam commetter contra a lei; que de certo as fraudes contra a fazenda se deviam evitar, fazendo com que o imposto seja pago na conformidade de lei, mas que era igualmente certo, que os cidadãos têem direito a que a applicação da lei não seja fraudulenta; que a lei diz: «A propriedade transmittida por titulo oneroso pague 6 por cento»; mas pelo modo por que a lei se executa paga 12, 15, 20 e mais por cento, o que ninguem dirá que não seja uma grande fraude, de que é victima o proprietario. Que conhecia uma pessoa que tendo comprado uma propriedade por 1:500$000 réis, cujo direito de transmissão eram 90$000 réis; como porém pagasse o direito segundo a avaliação do rendimento collectavel lançado na matriz, pagou mais 96$000 réis; quer dizer, que em logar de 90$000 réis, que segundo a lei devia pagar, pagou 186$000 réis, pagando por esta maneira mais de 12 por cento! Não será isto fraude? (O sr. Visconde de Algés: — Isto vem emendado na lei.) Que alem d'isto devia-se attender, que pela desamortisação dos bens das religiosas, e igrejas, etc... vão entrar no mercado immensas propriedades, o que de certo ha de diminuir muitissimo o valor de toda a qualidade de propriedade; a consequencia será que ao mesmo tempo que o seu valor é depreciado, o direito de transmissão ha de ser pago segundo o rendimento collectavel que estiver lançado nas matrizes, que cada dia se vão elevando mais, sendo o resultado de tudo isto pôr grandes embaraços ás transacções, com grave prejuizo do publico e da fazenda.

Que finalmente em um objecto de tanta importancia não se devia dispensar o regimento, mas seguirem-se as suas disposições, para que a camara com todo o conhecimento de causa possa discutir o parecer da commissão; que era assim que as decisões da camara poderiam e haviam de ser respeitadas; que a lei era de uma alta importancia, e que todo o tempo que se gastasse em bem a avaliar não era perdido; que portanto votava contra o requerimento da commissão de fazenda por ser contrario ás conveniencias publicas.