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«Não me importa que os srs. ministros sejam novos ou velhos, o que me importa é a dignidade d'elles, a sua intelligencia e moralidade, e o seu amor em servirem bem o seu paiz.» S. ex.ª disse n'isto, quanto a mim, perfeitamente, como em algumas outras das asserções que apresentou hontem n'esta casa.

Sr. presidente, entrarei agora a responder a muitas das preguntas que se fizeram em relação á pasta que tenho a honra de administrar.

São tres os principaes e mais importantes ramos que fazem parte da pasta a meu cargo: a jurisprudencia civil, a jurisprudencia criminal e os negocios ecclesiasticos.

Que devo eu fazer quanto á jurisprudencia civil? E activar com todas as minhas forças, ser assiduo e corresponder não com as muitas luzes da minha intelligencia, mas com muita dedicação, para que se conclua quanto antes e com a maior perfeição possivel o codigo civil, que é uma urgencia, uma reclamação constante do paiz, talvez a de maior momento. E de facto convencido d'isto desde que tomei assento nos conselhos da corôa, fui immediatamente apresentar-me na commissão encarregada de rever este valioso objecto, e posso dar testemunho á camara de que os trabalhos estão muito adiantados, pois já estamos a rever cerca do artigo 1:800.°, e ainda espero traze-lo n'esta sessão aos corpos legislativos. A illustre commissão é realmente digna dos maiores encomios.

Sr. presidente, em seguida ao codigo civil ha de apresentar-se tambem o codigo de processo civil, de cuja feitura foi incumbido um habil jurisconsulto, e apenas termine a revisão do codigo civil, ha de principiar a ser retocado o do processo, para ser apresentado com a celeridade compativel com os assumptos de tão alta transcendencia. Sobre este ramo da jurisprudencia civil ainda ha um trabalho que esta, em parte, suspenso, e que é anunciado continuamente para todo o reino. Refiro-me á lei hypothecataria, sobre a qual ainda ultimamente se suscitou mais um embaraço, e eu tenho em breves dias de trazer á camara dos senhores deputados uma proposta para alterar, em parte, aquella lei, porque é necessario realisar-se quanto antes, mas da melhor maneira que possa ser, e prevendo que, depois de realisada, como tanto se deseja, não careça logo de novas modificações. Taes são os tres assumptos de maior valia a effectuar, para já, no vasto ramo da jurisprudencia civil; e se ainda n'esta sessão eu podér, pelo menos, trazer o codigo civil, como tenciono e espero, e a proposta para alterar a lei hypothecaria, tenho, a meu ver, cumprido o meu dever n'esta dilatada provincia de administração.

Na jurisprudencia criminal ha muito mais que fazer, porque tem sido quasi completamente descurada, ou pelo menos tem sido sempre muito menos attendida, quando em boa rasão devia ser a primeira. A vida, a liberdade e a honra valem mais que a propriedade.

Sr. presidente, esta pendente da resolução da outra camara, o projecto de codigo penal, e espero com os meus esforços, e dos meus collegas na commissão, poder fazer ainda approvar este importante trabalho, que tem sido lisonjeiramente considerado por toda a Europa culta. Estabelecem-se ahi as melhores doutrinas de direito penal, e presumo que com leves alterações se torne uma das mais proficuas leis patrias.

Passando a outros objectos responderei ao sr. visconde de Gouveia, que ha de vir o processo criminal conforme os mais applicaveis dictames da sciencia e as necessidades presentes. Terem os ministros de trazer logo no primeiro dia que tomam assento nestes logares todas as propostas que podem ter em mente, seria uma exigencia exagerada, e direi até quasi absurda.

Esta muito adiantada a proposta para a construcção de casas penitenciarias, e o governo trabalha assiduamente para a concluir. Sua Magestade honrou-me nomeando-me para fazer parte da commissão que esta encarregada d'este assumpto, a qual ha de desempenhar-se em breve, posso affirmado, do honroso encargo que lhe foi commettido. Se fosse na outra casa do parlamento, devia eu dar, o testemunho insuspeito para todos, do sr. Mártens Ferrão, meu dignissimo collega n'essa commissão, e elle diria se nós não temos trabalhado com amor e dedicação ao nosso paiz. Tenho bem fundada esperança de em breves dias apresentar ao parlamento o resultado dos trabalhos da mesma commissão. Agora, que estou a tratar do ramo de jurisprudencia criminal, aproveito a occasião para responder a uma pergunta que me fez o sr. marquez de Vallada, e é, se eu tencionava apresentar alguma proposta ao parlamento para abolir a pena de morte. Declaro a s. ex.ª que tenciono, porque o facto do homem subir aos conselhos da corôa não o faz mudar de idéas.

Disse aqui alguem que não esperava que eu apresentasse essa proposta, porque o ministerio era todo de contradicções! Chegámos hontem e já somos de contradicções! Hei de apresentar a proposta, repito, e esforçar-me por todos os meios para apagar no nosso codigo penal esta nodoa de sangue humano, abolindo-se a pena de morte. Desejo que a sociedade não promova o assassinio, assassinando.

Sr. presidente, acabo de saber de uma bôca que não mente, que foi votada a abolição da pena de morte no novo reino de Italia; e nós que a temos de facto abolida ha vinte e tantos annos, não havemos de levantar a voz para a abolir de direito? Creio que é já tempo.

O sr. Marquez de Vallada: — Muito bem.

O Orador: — Sou o mesmo homem entrando para os conselhos da corôa que era no seio da representação nacional, fazendo parte da maioria da camara dos srs. deputados.

Sr. presidente, perguntou-me o sr. visconde de Gouveia o que eu tencionava fazer em relação ao jury. Em relação ao jury, ás assentadas, e a todo o nosso organismo judicial é necessario metter as mãos bem fundas e revoluciona-lo completamente, porque tem sido descurado o estado da administração da nossa justiça.

O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.

O Orador: — Pois creio que é tempo, o assim como se fazem reformas em todos os outros ramos de administração publica, é necessario que chegue tambem a sua vez a este a administração da justiça, da justiça que é a primeira condição da sociedade. Não posso dizer desde já, nem se póde exigir isso, o que se ha de apresentar e tudo quanto se ha de fazer; mas o que eu sei, o que posso dizer, é que hei de esforçar-me por todos os meios para dar uma nova organisação a todos os ramos da nossa actual organisação judicial.

Sr. presidente, se podessemos conseguir a divisão territorial primeiro que tudo, se podessemos estabelecer do minimo para o maximo a harmonia que devem ter todos os ramos em suas relações, pondo-os nas condições em que devem estar: a parochia abrangendo uns poucos de curatos; o conselho abrangendo umas poucas de parochias; a comarca abrangendo uns poucos de concelhos; a assentada abrangendo duas, tres ou quatro comarcas, e assim por diante fazendo organisar a administração completa da justiça, de maneira que esta roda da grande machina social endente com toda a regularidade, as outras, dando a vida propria ás localidades, seria sem duvida, um progresso admiravel. Se nós podessemos fazer com que a administração da fazenda, a administração civil, a administração da justiça e a dos negocios ecclesiasticos se harmonisassem perfeitamente, tinhamos conseguido um grande resultado para o cubicado progresso da descentralisação; e isto poderia fazer-se se nós não gastássemos tanto tempo em pequenas questões politicas d'onde não resulta proveito nenhum ao paiz.

Sr. presidente, se hei de procurar extinguir os juizos ordinarios? Se elles são contra a carta, como não hei de eu procurar com todas as minhas forças fazer o que esta na idéa de todos, que é extinguir esses juizes, e bem assim os juizes substitutos; mas é necessarios meios e tempo para isto se conseguir. Não se revoluciona profundamente contra todos os preconceitos da sociedade de um momento para outro. Hei de procurar quanto em minhas forças couber; mas não posso estar a dizer aqui precisamente e com todas as miudezas a maneira por que penso com relação ao jury, nem tão pouco o modo porque tenciono estabelecer taxa para se poder ser jurado, e como entendo o julgamento do facto para applicar a lei. Direi só que para exercer as funcções de jurado, devem sempre buscar-se homens que possuam certa ordem de conhecimentos, porque, se para os juizes de direitos é necessario certas habilitações, não me parece racional o não se exigir nada aos jurados, sendo elles os juizes de facto. Se os jurados devem ser um jury de uma ordem em relação aos pequenos crimes, e de outra ordem emquanto ás assentadas, se elles devem ser tirados dos maiores contribuintes, tudo isto são questões muito importantes e complexas, que se não podem suscitar e resolver logo perante o parlamento, mas que se podem e devem tratar quando as discussões as seguirem. O mesmo poderei dizer com respeito ás relações. Crearam-se, quando foi da nossa grande reforma politica, quatro relações, e nunca se chegaram a estabelecer senão duas no continente. E terão ellas rasão de ser nas condições em que existem, as relações do Porto e de Lisboa? Isto são questões gravissimas, que se não podem resolver imediatamente, que tem levado largo tempo a estudar. Se os dignos pares, querem que os novos conselheiros da corôa resolvam immediatamente estas questões, querem um impossivel; e se desejam isto, nós então cedemos o nosso logar, se nos promettem effectuar o mesmo que disseram. Isto emquanto ao judicial, e emquanto á jurisprudencia civil e criminal. Agora fallando dos assumptos ecclesiasticos, tem-se tocado mais de uma vez na phrase pronunciada por mim n'esta camara e na outra casa do parlamento, que eu queria igreja livre, no estado livre, e calando-se ardilosamente as palavras com que patenteei o modo como entendo tal phrase, nas nossas circumstancias particulares, tem-se dito, que eu quero a reacção. Sr. presidente; a reacção não é igreja livre; a reacção é o abuso das elevadas funcções sacerdotaes, é a invasão dos poderes da igreja e o desconhecimento d'elles; é a invasão dos poderes episcopaes; é invasão prejudicial, tanto para o estado como para a igreja. Dizer que a reacção é a igreja livre, é como dizer, que a injuria e a calumnia são a liberdade de imprensa; como se o contrabando e a venda do veneno fosse liberdade de commercio; como se a fabricação de moeda falsa fosse a liberdade de industria.

O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.

O Orador — Mas a reacção sendo assim, como de facto é, torna-se necessario combate-la por todos os modos, e em todos os logares como se combate o fabrico da moeda falsa, como se combate o contrabando, como se combate a injuria e a calumnia na imprensa. Pois porventura a immoralidade publica e ostentosa é a liberdade da consciencia?

A reacção intenta invadir ao mesmo tempo os direitos do episcopado e os da corôa, e é necessario que não invada nem uns nem outros; é necessario que se recordem das palavras do evangelho in quo Spiritus Sanctus posuit episcopos regere ecclesiam Dei, e que não venham ao publico, minando a evangélica acção episcopal e atormentando, as consciencias, semear a zisania no seio das familias. É esta a reacção, e para isso esta o governo preparado, e se o não estivesse viria pedir ao parlamento que o auxiliasse com o seu conselho e com as suas decisões; mas isso não é igreja livre. E necessario dar a liberdade á igreja dentro da igreja, é necessario que não exageremos, emfim é necessario' que mantenhamos integralmente as prerogativas da corôa sem esmagar o episcopado, e os direitos do episcopado sem empanar a corôa. Isto é muito mais franco do que vir aqui dizer que havemos de esmagar a reacção; sim, é mais franco

dizer que havemos de manter integralmente toda a dignidade da corôa sem deixar de respeitar o episcopado (porque tanto o episcopado como a corôa cabem em si) do que clamar contra a reacção e cruzar os braços depois de clamar.

Perguntou-me o digno par, o sr. conde do Thomar, o que tencionava eu fazer, ou o que havia, com relação ao conflicto com o sr. bispo de Coimbra. A camara sabe perfeitamente o que se passou, e o que eu posso dizer a s. ex.ª é que espero pôr termo a este conflicto, que não foi um facto passado directamente comigo, mas eu espero resolve-lo com o mesmo principio, com a dignidade propria e com a dignidade da corôa. Os conflictos que eu porventura tivesse com os bispos, procuraria da mesma sorte resolve-los com seriedade e serenidade, e quando os não podesse resolver sairia immediatamente d'esta cadeira. Mas, com toda a franqueza, estar agora a inventar conflictos, só com o fim de perguntar ao governo o que fará para resolver os taes sonhados conflictos, isso não comprehendo. Sr. presidente, isto quanto ás questões que affectam mais immediatamente os negocios a meu cargo. São estes os tramites que desejo seguir sempre com a dignidade propria e com a dignidade da nação.

O digno par, o sr. Rebello da Silva, chamou a attenção do governo para mais algumas questões; eu procurarei, já se vê, sem a elegancia da sua palavra, mas sinceramente, responder a s. ex.ª o que tenciona o governo fazer com relação á crise alimenticia? O que tenciona o governo fazer?! Resolve-la da melhor maneira que seja possivel, pois que é uma questão que traz os animos occupados, e ver como ha de valer ás classes productoras, que são as mais desfavorecidas da sociedade, e que devem por isso merecer a maior solicitude dos poderes publicos; já ha uma commissão eleita na camara dos senhores deputados para estudar essa questão, e o governo compromette-se, mesmo antes da commissão dar o seu parecer, a apresentar providencias tendentes a fazer diminuir a crise; mas chegar aqui e quererem que digamos logo, quo trazemos resolvida a crise alimenticia, parece-me exagerada instancia, e admira-me até que haja quem a faça!

Perguntou tambem o digno par, se o governo tencionava trazer á camara, quanto antes, a reforma da instrucção publica, não em um dos seus dilatados ramos, mas em todos os tres, e sobretudo, se o governo tencionava trazer quanto antes a proposta para a reforma da instrucção primaria. E s. ex.ª com aquella elegancia propria, mas tambem com aquelle arrojo da águia, que é do seu genio, disse que era uma cousa que se podia fazer dentro de tres ou quatro horas, porque havendo muitos estudos feitos, podia-se fazer uma proposta de lei para esta reforma no limitado periodo que indicou.

Sr. presidente, estão umas poucas d'estas reformas sujeitas ao parlamento, é verdade: eu mesmo que estou fallando, fui relator de uma dellas (apoiados); mas por esse facto, o ministerio, entrado de novo, podia, dentro de tres ou quatro horas, resolver uma das mais momentosas questões, sociaes, qual é a da instrucção primaria?! Não podia, nem devia faze-lo.

Se quizesse só chancellar com o seu nome uma d'essas propostas, podia faze-lo, mas um ministerio que se presa, não o faz, não resolve em tres ou quatro horas a questão momentosissima da instrucção primaria.

Fallou tambem s. ex.ª em relação á policia, e o governo respondeu a este ponto dizendo o que tencionava fazer, e as condições em que o podia fazer nas circumstancias actuaes.

S. ex.ª atterrou-se diante da resposta, franca e clara, e disse que era melhor não fazer nada do que fazer pouco. E uma doutrina bella talvez, é melhor o optimo, mas sempre se disse que o optimo era inimigo do bom. Isto porém, não agradou a s. ex.ª que, olhando as cousas da altura do seu genio, acha que tudo se póde resolver facilmente, e que se póde voar para o bello, para a perfeição ultima como a águia voa para o céu, que julga que a todos os espiritos é licito ver as cousas do mesmo modo grandioso. Não é, somos mais humanos e menos inspirados; procuramos fazer o que é proprio das circumstancias do paiz, sem exagerar, sem fazer theorias, sem ostentar promessas difficeis e irrealisaveis e fazendo só cousas praticaveis e possiveis.

Disse tambem o digno par, que o governo não podia estar neste logar nem por si, nem pelo voto da camara dos senhores deputados, que ultimamente lhe foi dado. Peço perdão a s. ex.ª para lhe contestar que se engana; por mim sim, talvez não se enganasse, que não possuo eu os dotes subidos que desejam'; mas pelo voto consciencioso e livre da camara dos senhores deputados, de uma camara ultimamente eleita, liberrimamente eleita, a mais livre que tem sido eleita em Portugal (apoiados), isso não póde ser nem deve ser.

Uma voz: — Uma camara muda.

O Orador: — Camara em que se ouve a palavra elegante, o conceito arrojado e a exposição concludentíssima do sr. Mendes Leal é muda?! Camara em que se escuta a voz energica, brilhante e incisiva do sr. José Luciano de Castro é muda?! Responda, sem que lhe aponte mais ninguem, a propria consciencia do digno par.

Disse-se tambem que os ministros faziam um grande serviço ao paiz desamparando, depois de tantos erros, estas cadeiras. Nós, que chegámos hontem, já haviamos desamparar os nossos logares depois de tantos erros? Chegámos hontem, ainda não fizemos nada, e já nos arguem de tantos erros (erros sonhados por certo), e já faziamos um grande serviço ao paiz desamparando estas cadeiras; nós, os homens novos, a quem o digno par se dirigiu particulamente? Isto não é serio, não póde ser serio, sr. presidente. Quando se exagera assim, é porque não ha que dizer; e admira que s. ex.ª, que vê, com a penetrante vista da águia, todas as cousas, visse erros, aonde apenas poderia ver falta de tudo, e até falta de erros!