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Em virtude de resolução da camara dos dignos pares do reino publica-se o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 143

Senhores. — A lei de 19 de dezembro de 1834, que expulsou d'estes reinos o ex-Infante o Senhor D. Miguel, não póde deixar de ser considerada como uma lei de occasião, feita debaixo da impressão poderosa das influencias partidarias e da exaltação politica.

Se isto assim não fosse, como explicar a doutrina do artigo 2.° da citada lei, que se expressa n'estes termos: «O mesmo ex-Infante D. Miguel e seus descendentes são banidos do territorio de Portugal, para em nenhum tempo poderem entrar n'elle, nem gosar de quaesquer direitos civis ou politicos; a conservação e acquisição de quaesquer bens fica-lhes sendo vedada seja qual for o titulo ou natureza dos mesmos; os patrimoniaes e particulares do ex Infante D. Miguel, de qualquer especie que sejam, ficam sujeitos ás regras geraes das indemnisações»; e está pois em manifesta e clara opposição com os principios da sã philosophia e de liberdade, consignados nas nossas leis, e muito principalmente na carta constitucional, artigo 135.°, aonde, no § 19.°, expressamente se declara que nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infamia do réu se transmittíra aos parentes em qualquer grau que seja.

Não são só estas as disposições da carta constitucional que por aquella lei foram offendidas; foram as do § 2.° do citado artigo, que determina que a lei não terá effeito retroactivo.

Repugna ainda esta horrivel confiscação, porque é uma invasão iniqua do direito de propriedade contraria ao disposto no § 21.° do citado artigo.

Qualquer que fosse o fundamento que se quizesse escogitar, para a promulgação de uma tal lei, eu não sei como sustenta-la nas circumstancias actuaes, em que a necessidade politica lhe não póde já servir de fundamento.

Se os effeitos da lei se têem sentido em parte, forçoso é confessar que a sua obscuridade tem servido de correctivo ás iniquas disposiçoes que ella contém, sendo litteralmente interpretada.

Isto claramente se viu quando, em consequencia de se ter procedido ao inventario dos bens que ficaram por fallecimento da Imperatriz Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina, n'elle se discutiu, por parte do ministerio publico, se o Senhor D. Miguel devia ou não, e como, ser representado n'aquelle processo. Esta questão incidente chegou a ser levada á relação de Lisboa, e ahi discutida pelos meritissimos juizes que divergiram em opiniões, resolvendo porém, por accordão de 19 de novembro de 1846, que o inventario continuasse, sendo n'elle representado o Senhor D. Miguel por um curador, e que não fosse citado pessoalmente, por isso que a lei de 19 de dezembro de 1834 seria offendida, e que os bens entrassem em deposito para serem levantados por quem a elles tivesse direito; e que o direito successorio d'aquelles bens, sendo uma questão de alta indagação, não podia ser discutido como questão incidente do inventario, ficando reservado para acção ordinaria.

Ve-se, como acima disse, que a obscuridade da lei obstou a que deixasse de ser representado o Senhor D. Miguel, posto que se lhe negasse o direito que tinha a ser citado como o seu curador tinha requerido, dando-se assim mais uma difficuldade pratica para o levantamento dos bens em deposito. Não ficou elle excluido d'elles, mas não lhe concedendo a lei representação alguma no paiz, tambem ninguem póde tocar em bens cujo proprietario é completamente desconhecido, e um dos suppostos proprietarios não póde ser admittido a litigar. Este estado é necessario que acabe....

Os legisladores que fizeram aquella lei, não podiam ter a intenção de lhe dar força de sentença, porque incorriam ainda na infracção do artigo 118.° da carta constitucional e seguintes, e artigo 145.°, §§ 10.° e 11.°

Por todas estas rasões' os legisladores não podiam considerar aquella lei senão como um mero expediente de occasião destinado a serenar paixões exaltadas; a philosophia e a historia poderão desculpa la pela suprema lei da necessidade, mas desde o momento em que a necessidade publica a não justifica, quando o pleno goso das liberdades, a solida fixação do throno constitucional, a harmonia entre o povo e as instituições são a verdadeira salvaguarda da sociedade, taes medidas seriam uma nodoa indelevel, cuja responsabilidade caberia mais aos corpos politicos que conservam tão desnecessarias disposições, do que áquelles

que por necessidades de momento as decretaram. Attendei, senhores, ainda que são victimas d'esta iniquidade sete innocentes creanças, que nem ainda nascidas eram quando seu pae praticou os actos que a lei queria punir, a estes orphãos desvalidos, sem patria, sem familia e abandonados de quasi todos os seus amigos, e que a sociedade deve justiça, se não protecção. Pela minha parte, venho cumprir este dever sagrado chamando a vossa attenção sobre o assumpto, e tirando de mim a parte de responsabilidade que me caberia, depois da instigação que o governo me fez n'uma das ultimas sessões, para que usasse da minha iniciativa mostrando pelas suas palavras ambiguas, nem reconhecer a necessidade da lei, nem proteger os interesses da desgraça desvalida e da justiça offendida.

É pois por estes fundamentos e por outros não menos fortes, que por brevidade deixo de expor, que tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica revogado o artigo 2.° da carta de lei de 19 de dezembro de 1834, na parte em que privava o ex-Infante o Senhor D. Miguel e seus descendentes de quaesquer direitos civis, e da conservação ou acquisição de quaesquer bens por qualquer titulo.

§ unico. Os bens, que houvessem de pertencer ao sobredito ex-Infante o Senhor D. Miguel por titulo de successão ou herança, serão restituidos a seus filhos ou descendentes, se elles o reclamarem.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa, 18 de março de 1867. = Miguel Osorio Cabral de Castro = Visconde de Chancelleiros.

Secretaria da camara dos dignos pares do reino, em 20 de março de 1867. = Diogo Augusto de Castro Constancio..

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