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nunca pretenderão exercer. Em confirmação do que acabo de dizer, convido o Digno Par para ler os debates da Camara dos Pares de França que se acham nos jornaes vindos no ultimo paquete.

O SR. SILVA CARVALHO: - Sr. Presidente, nós ternos um Regimento, e devemos guiar-nos por elle: em consequencia V. Exa. não me póde negar a palavra... (Rumor.) Custa-me a sahir de mim, mas desejo ser tractado como os outros Dignos Pares. - O requerimento para que eu pedi a palavra e que V. Exa. consulte a Camara se esta Sessão ha de prorogar-se para aquillo que se julgar conveniente.

Sendo a Camara logo consultada, decidiu negativamente.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Eu peço a palavra para uma explicação pessoal.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Está fechada a Sessão... (Grandissimo rumor, e ouve-se a espaços o seguinte:)

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Eu pedi a palavra, Sr. Presidente, para explicação...

O SR. MARQUEZ DE FRONTELRA: - Não se póde fechar a Sessão, por que o Sr. Visconde de Laborim tem todo o direito a responder ao Sr. Conde da Taipa... (Sussurro continuado.)

ALGUMAS VOZES: - Ordem... Ordem...

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - V. Exa. dá-me a palavra para explicação pessoal?..

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Decidiu-se já um requerimento, e que se não prolongasse a Sessão: eu não a posso prolongar sem que a Camara resolva, e sinto muito, por que eu mesmo precisava tambem dar uma explicação.

(Começam a sahir da Sala os Dignos Pares.)

O SR..VISCONDE DE LABORIM: - Mas V. Exa. ainda está occupando a Presidencia... Eu peço-lhe que me de a palavra antes de concluir esta Sessão. ( Rumor.)

VOZES: - Ordem... Ordem...

OUTKAS VOZES: - Deu a hora... (O rumor cresce.)

O SR. MARQUEZ DE FRONTEIRA: - Do lado esquerdo diz-se que deu a hora, mas e depois da invectiva do Sr. Conde da Taipa... ( Grandissimo rumor.}

O SR. VICE-PRESIDENTE: - A Ordem do dia é a mesma, e a reunião á uma hora... (Confusão.)

Era cerca de cinco horas.

N.º 31. Sessão de 25 de Fevereiro. 1843.

(PRESIDIU o SR. CONDE DE VILLA REAL.)

FOI aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde; estiveram presentes 38 Dignos Pares. - os Srs. Duques de Palmella, e da Terceira, Marquezes de Abrantes, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes do Bomfim, da Cunha, de Lavradio, de Lumiares, de Paraty, de Rio Maior, de Semodães, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Fonte Arcada, da Graciosa, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barão de Villa Pouca, Miranda, Ribafria, Gamboa e Liz, Ornellas, Margiochi, Pessanha, Giraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, Serpa Machado, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem estiveram presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, e da Justiça.

Leu-se a Acta da Sessão antecedente, e ficou approvada.

O SR. SILVA CARVALHO: - Mando para a Mesa uma representação dos habitantes do Concelho d'Almada sobre a projectada extensão da acção fiscal das Sete Casas. - Passou d Commissão de Petições.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma explicação, ou, para melhor dizer, dar uma satisfacção á Camara, acto que hontem se me negou, e que hoje pretendo pôr em pratica, assim como naquella occasião o faria, com toda a placidez de espirito, contemplação ao logar que tenho a honra de occupar, e respeito devido a V. Exa. e aos meus Dignos Collegas.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Supponho que a palavra pedida e para alguma explicação pessoal,..

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Sim Senhor.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - N'esse caso tem o Digno Par a palavra.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Não se acha na Sala o Digno Par, o Sr. Conde da Taipa, o que muito sinto; no entanto não devem pezar por mais tempo sobre mim os resultados de uma tão injusta arguição e ultragé, que indevidamente me foi feito: accrecendo por outro lado que a explicação, ou antes satisfacção, que passo a dar, dirige-se verdadeiramente á Camara e á opinião publica, que muito respeito. Para o fazer convem referir-me ao facto succedido, apezar de estar bem inteirado de que elle ainda se acha vivamente impresso na memoria de todos os Pares que o presenciaram; e peco aos Srs. Tachygraphos que tomem notas exactas de tudo quanto eu disser.

Estava orando o nobre Duque de Palmella, nosso Presidente, que, fallando em qualquer materia, tem todo o direito a ser escutado com attenção, e a merecer os maiores elogios: tractava na sua falla de justificar, até certo ponto, algumas medidas dictatorias, quando de uma Lei fundamental, por meio de revolução se passava para outra; foi quando o Digno Par, o Sr. Conde da Taipa, sem ter a palavra, e interrompendo o Orador, e isto contra os Artigos 50 e 56 do nosso Regimento, alçou a voz, e disse as seguintes palavras - Louvado seja tão bom Senhor - e depois, pegando nochapéo, virou as costas e retirou-se: deu isto logar a verificar-se algum pequeno rumor na Camara, e foi então que eu soltei as seguintes - O Digno Par fez o que devia, - e o Orador, o nobre Duque de Palmella, continuando o seu discurso, disse - Sinto que o Digno Par se retirasse, - ao que eu respondi- Pois eu

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não — palavras que foram apoiadas. Podei ia chamar em meu auxilio a differença das circunstancias, mas não o faço; e confesso que tambem faltei áquelles citados Artigos, faltando e interrompendo.» Orador, sem ler pedido a palavra; porem esta não é a questão, outro e o objecto, como se verá, e por aquelle defeito peço perdão á Camara.

As expressões de Louvado seja tão bom Senhor, ditas em relação ao Presidente, o nobre Duque de Palmella, no acto de se achar orando, e sobre o incidente que referi, não podem deixar de importar uma grave offensa a elle feita, e que reflecte em todos os Pares que querem manter a ordem e a decencia, e particularmente naquelles que partilham das idéas expendidas: e para o affirmar recorro simplesmente ao senso commum: avaliando eu assim o successo, disse que o Digno Par fizera o que devia, por que me persuadi que S. Exa. pezando melhor as phrases que lhe tinham escapado, e conhecendo que não havia andado bem, se retirava, subtrahindo-se desta fórma, e por algum tempo ás vistas da Camara, o que, se noa tivessemos um Regimento igual ao de Camaras de outras Nações civilisadas, e que gosam o systema representativo, não seria estranho que a isso o obrigassemos; quando, dizendo o nobre Duque de Palmella que sentia que, o Digno Par (o Sr. Conde da Taipa) se houvesse retirado, eu respondi — Pois eu não — fui coherente com aquella minha primeira idéa. Na presença desta exposição, ninguem a sangue frio, e com imparcialidade affirmará que eu, nem por sombras, injuriasse o Digno Par, o Sr. Conde da Taipa.

Julguei o negocio finalizado, e comigo o julgariam todos os que pensam sem prevenções; porem não succedeu assim: na Sessão seguinte, apresentando-se este Senhor, e fazendo um discurso, com a eloquencia que lhe é propria, disse no final as seguintes palavras: eu sahi da Sala, mas ao sahir ouvi um nobre Par, com uma ironia insultante, dizer — Fez o que devia. = Se fosse outro, eu teria de lhe pedir uma satisfacção; mas ao Digno Par não a peço, por que lhe sou extremamente affeiçoado, pelo muito que me deleita com os seus discursos.

Traduzidas por mim as citadas expressões, foi nellas que, encontrando eu a verdadeira ironia, me convenci de que S. Exa. não me considerava capaz, nem digno de lhe dar uma explicação ou satisfacção, e que os meus discursos lhe despertavam o riso e a zombaria: considerei-me injuriado, e para pôr em toda a luz a lazão que me assistia, e reclamar alguma satisfacção, pedi a palavra para me explicar; e se esta naquella occasião me fosse concedida, pagando a S. Exa. em igual moeda, e de que só provocado faço uso, quereria dizer e digo — que se me não julga capaz de me pedir uma satisfacção, eu tambem o considero incapaz de lha dar.; que se os meus discursos lhe motivam riso, os seus me fazem chorar, e de commiseração; e que se ao meu procedimento na Sessão a que me refiro, e ao, de toda a minha vida politica, comparado com o que S. Exa. leve e sempre tem tido, eu désse a preferencia, seria suspeito, temerario, e talvez injusto; mas que a Camara e a opinião publica, esse inexoravel e inteiro juiz, darão sobre este assumpto a sentença, á qual desde já me resigno.

Negou-se-me a palavra, e permitta-me V. Exa. e a Camara que lhes diga, da maneirada mais attenciosa, que isto se fez com notoria injustiça, e tirando-me a defeza natural até com nunca vista inbumamdade: sim, Sr. Presidente, V. Exa., dando-a a alguns Pares para o mesmo uni, e na mesma occasião, não ma quiz conceder, encerrando de proposito a Sessão, para o que muito concorreram todos os meus Dignos Collegas de um e outro lado (á excepção de mui poucos, entre os quaes se singularizou, defendendo-me, o meu nobre e respeitavel amigo o Sr. Marquez de Fronteira, que faz honra á fidalguia Portugueza) que virando-me as costas não quizeram tomar parte na minha injuria, que tambem lhes locava; sim, ella feria a todos os Pares sem distincção de côr politica, e fiquem certos, os Senhores da esquerda e da direita, de que eu em iguaes circumstancias não os imitarei, devendo em todas as outras tomalos por modelo.

Sr. presidente, queixo-me, e o faço com justificados motivos; e com isto, não faltando ao respeito devido ao logar e ás pessoas, pratico aquillo que se me não póde levar a mal, aquillo que e proprio de quem se considera offendido, e que não póde deixar de ser escutado até por quem mesmo se não reputa offensor.

Tudo o mais que se passou fóra desta Camara, e que talvez não teria logar se o meu requerimento fosse deferido, está fóra do patrimonio della; não foi entre Pares, foi entre individuos particulares — o Conde da Taipa e o Visconde de Laborim — por tanto não vem para aqui, e elles lá se intenderão.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — O Sr. Visconde de Fonte Arcada pediu a palavra para uma explicação, mas permitta-me o Digno Par que, antes de lha dar, eu responda ao Digno Par que acabou de fallar, por que me arguiu de lhe não ter hontem dado a palavra para uma explicação pessoal.

O Sá. VISCONDE DE LABORIM: — Perdòe-me V. Ex.a; eu não o argui, porque isso seria uma temeridade, queixei-me de V. Exa., e fiz aquillo que julgo ser-me permittido, até pelo direito da natureza.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Talvez que a minha expressão não fosse a mais propria; no entanto, queixando-se V. Exa., não deixou de censurar-me um pouco por lhe não ter dado a palavra. — Não direi agora tudo quanto aqui se passou, por que está presente a todos, e por isso seria inutil o trazèlo á memoria; limitar-me-hei a apontar que, havendo varios Dignos Pares que tinham pedido a palavra para explicações, eu tomei nota dos seus nomes para por sua ordem lha dar quando chegasse a occasião, ainda que confesso que algum me escaparia pelo rumor que havia então na Sala: como por um lado da Camara se pedia a prorogação da Sessão, e por outro que ella se fechasse; nisto houve alguma confusão, e foi então que S. Exa. pediu a palavra para uma explicação, e vendo eu que havia muitos outros Dignos Pares que tambem a tinham igualmente para explicações, julguei que não lha devia dar sem a conceder aos outros Senhores; e a Camara já havia decidido que se não prolongasse a Sessão. Seguro ao Digno Par que não intendi que tivesse pedido a palavra para uma explicação pessoal. — É muito difficil o cumprir exactamente as obrigações que me impõem o Regimento quando se dão casos como o de hontem. Os meus desejos são sempre de cumprir aquelles deveres com a maior imparcialidade todas as vezes que tiver a honra de occupar esta

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Cadeira, para o que espero ser coadjuvado pelos Dignos Pares. Pareceu-me porem tambem que explicações dadas hoje o seriam com mais serenidade, como o foram, do que se tivessem sido dadas hontem, quando os animos estavam mais agitados. Por ultimo direi que eu aqui não tenho senão uma Lei, que é o Regimento, e que não e por vontade que me affastarei nunca della, estando sempre prompto a receber qualquer suggestão que se me fizer para o melhor andamento dos trabalhos da Camara.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: — Eu queria dizer, pouco mais ou menos, cr mesmo que V. Exa. disse, por consequencia nesta parte V. Exa. preveniu-me; entretanto farei uma unica observarão: que negar-se a palavra para explicações, quando um Digno Par se julga offendido pelas expressões que muitas vezes escapam no calor da discussão, longe de ser util, é muito prejudicial: a Camara deve ser indulgente, bem como o Presidente, e consentir que se dêem. Ninguem aqui deseja offender os seus Collegas, mas a experiencia mostra que em corpos desta natureza e facil soltarem-se na discussão palavras menos proprias, e como e muito possivel proferirem-se algumas desagradaveis, dando-se estas explicações tudo serenará.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: — Apoiado.

O SR. VISCONDE DA GRACIOSA: — Sr. Presidente, eu linha pedido a palavra para uma explicação pessoal, e V. Exa. não m’a concedeu, por que talvez não me ouvisse declarar o objecto della; e peço a V. Exa. m’a reserve para quando esteja, presente o nobre Duque da Terceira, que suppòz que eu linha usado de uma expressão que está em contradicção com os principios de tolerancia de que tenho dado provas, não só como particular, mas tambem como Empregado Publico... (Entrou o Sr. Presidente do Conselho de Ministros.) S. Exa., o Sr. Duque da Terceira, disse que eu tinha outro dia usado de uma expressão que desejaria ver riscada dos diccionarios; era a expressão miguelista: mas S. Exa. não me intendeu bem, e eu o tonto a repetir para melhor ser intendido. — Eu disse que a reforma decretada em 7 de Dezembro ainda não tinha sido posta em pratica, e que a unica alteração que se tinha feito na Repartição do Commissanado não era para economia, mas sim para augmentar a despeza, admittindo-se dous Empregados que eram reformados e tinham servido no tempo da usurpação. — Por tanto eu não usei da palavra miguelista, por que isto achava-se em contradicção com os principios de tolerancia de que já tenho dado muitas provas, e S. Exa. equivocou-se, por que eu não me linha servido daquelle epitheto, e só disse que se tinham admittido dous Empregados naquellas circumstancias; e por consequencia isto e uma couza muito differente.

O SR. PRESIDENTE no CONSELHO DE MINISTROS: — Eu confesso a verdade: aquillo foi o que. intendi a S. Exa., e creio que mais alguns Dignos Pares o ouviram assim, mas se o Sr. Visconde da Graciosa não usou daquella palavra, como agora diz,, eu não tenho culpa de a haver percebido, e fico por este lado satisfeito; repetindo novamente á Camara que as minhas idéas respeito á palavra miguelista, são as que já hontem referi.

Quanto á outra parte relativa aos Empregados, tombem me parece que S. Exa. não quererá que eu de agora mais explicações a este respeito: não houve tal augmento de despeza, do modo que eu hontem expuz, e de certo que e escusado repelir hoje outra vez.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Passámos á Ordem do dia.

— Proseguiu a discussão do Parecer, da Commissão respectiva, dado ácerca do Projecto de Lei, da Camara do Srs. Deputados, sobre ser o Governo relevado do uso que fez das faculdades legislativas &c. (V. a Sessão antecedente.)

Como tivesse a palavra, disse

O SR. CONDE DO BOMFIM: — Sr. Presidente, difficil e a minha posição depois de terem fallado muitos dos talentos que fazem o ornamento desta Camara, e cabe-me a palavra em occasião que devo declarar que a tomei mais por um incidente que appareceu na discussão do que para desinvolver idéas, por que a materia tem sido já tractada suficientemente: por isso me absterei de tomar o tempo á Camara, e apenas farei poucas reflexões sobre alguns objectos que intendo precisam ser considerados, muito particularmente para que a Opposição, ou o lado esquerdo desta Camara, não continue a estar debaixo do pêzo forte das allusões feitas pelo nobre Duque de Palmella, que se poderia accreditar recahissem sobre alguns dos Membros da Camara, e que eu muito desejo affastar de cadaum delles. Sinto muito não poder aspirar a ser nesta occasião o que disse um Digno Par a respeito de outro (que eu concordo ser um ornamento desta Camara) o qual foi chamado chave mestra para todos os lados, já pelo modo por que desinvolve a questões, já evitando a susceptibilidade dos Membros da Camara qualquer que seja a opinião politica que professem, já pela sua illustração e longa pratica dos negocios, especialmente parlamentares. Não tendo pois de certo pretenções a ser ouvido com o interesse, com que o e quem tem todos estes predicados, espero comtudo da urbanidade da Camara que prestará alguma attenção ás razões em que me fundo para apartar de sobre mim, e dos Membros deste lado increpações que me parecem injustas, e que rejeito. Disse um Digno Parque, em 1834, muitos daquelles que inculcavam pugnar pela Carta Constitucional, foram os primeiros a derribala (e sinto muito que não esteja presente o Digno Par a quem me refiro): parece-me necessario accrescentar que elle por certo não teve intenção de offender qualquer dos Membros que se sentam nesta Camara, mas seria possivel, depois de tal raciocinio, que esse pensamento, ou essa suspeita podesse recahir em algum, dos Dignos Pares da maioria, a que S. Exa. pertencei De certo não: e pois uma consequencia necessaria que esse pensamento, que esse receio de envenenamento de opinião deve recahir nos Membros, ou em algum dos que se sentam deste lado. E contra isso que eu reclamo, e julgo que com a maior justiça, sem procurar descer a personalidades ou fazer increpações directas, que possam offender susceptibilidades, mesmo por ser o caminho mais parlamentar, embora não seja mui versado nelle; e direi que taes allusões poderiam recahir sobre Membros tanto de um como de outro lado da Camara, por que certamente se acham, em circumstancias de não serem attingidos por ellas, visto ser notorio o seu procedimento politico nos diversos sys-

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temas por que a Nação tem passado, e por que reconheço suas intenções, julgando-as petas minhas. Disse o Digno Par que se prezava de que ninguem tivesse feito mais serviços á Carta Constitucional. Ninguem os nega, e eu jamais teria a jactancia de pretender hombrear com S. Exa. que subiu a um alto logar, mas ainda que os meus serviços não sejam iguaes, fiz aquelles que pude, e o que todos sabem a favor da mesma causa. Não gosto de fallar de mini, mas seja-me permittido tambem dizer algumas palavras a esse respeito. - Eu tive a honra de estar sempre ao tido de S. Magestade Imperial, desde a batalha de Ponte Ferreira até á lamentavel hora da sua perda: eu hoje ainda sinto os estragos das feridas que recebi na guerra a favor da restauração da Rainha e da Carla, e até a minha cabeça esteve a ponto de perder-se, ficando por muito tempo impossibilitado do ouvir; assim mesmo continuei a prestar aquelles serviços que podia: appello para a lembrança daquelles com quem tive a honra de partilhar esses trabalhos, para que digam se deante de mim, quando necessario, foi nunca alguem?.. (O Sr. Presidente do Conselho da Ministros: - É verdade.) Como pois um homem nesta situação, e outros em eminentes logares, e que foram relevantes serviços á Carta, podem hoje com justiça ser suspeitados de que seu pensamento não seja sincero, e que tenham por fim, no que dizem, fazer ataques á Carta Constitucional? Isto e injusto, Sr. Presidente, e eu não esperava ouvir um pensamento destes por parte de um Digno Par que pretende convencer com a sua dialetica, e parece-me que não devia recorrer á idéa de desconfiar daquelles! E necessario dizer tudo da cadeira da verdade, e por isso não posso deixar de apontar um facto ao Digno Par que emittiu aquella idéa, e é, que tambem elle senão peja dos serviços que fez á Constituição de 1838, quando essa era a Lei fundamental do Estado; S. Exa., n'uma hora extrema (fará agora um anno; era pelo entrudo) não teve mesmo duvida de referendar uma Proclamação, em que se dizia que não era conveniente a mudança então intentada. Não se tracta agora disto; mas como só poderá julgar que as mencionadas allusões poderiam recahir sobre algum dos Membros deste lado, e particularmente sobre mim, por que me coube tambem a sorte de apparecer em tem logar eminente em defeza da mesma Constituição, não tendo tido duvida em acceitar uma commissão do ministerio a que S. Exa. presidia, não pôs deixar de receai que seja sobre minha propria conducta que houvesse essa suspeita. Mas é impossivel que similhante idéa me seja referida, ou mesmo a algum outro Membro desta Camara, por que somos tolerantes, e é necessario sermos justos, suppondo dos outros aquillo que suppomos de nós mesmos. Eu vejo nos bancos do Ministerio um Ministro que fez relevantissimos serviços, e me acompanhariam epochas de que poderam derivar-se taes suspeitas, mas nem por isso deixa de merecer lodo o conceito aos Membros da maioria. E então só por que nós estamos na Opposição tão de se nos lançar essas suspeitas?... E muito! E até uma injustiça intoleravel que assim se fosse, só por que deste lado, e em virtude das convicções de seus Membros, se levanta a voz a favor dos unicos principios que parecem concorrer para a. sustentação da Carta! Eu quero a Carta Constitucional, tanto como cadaum dos Dignos Pares da maioria: ha Membros da Opposição que até jámais prestaram serviços á Constituição de 1838, por que a sua opinião lhe era contraria; mas eu estimaria muito que nos abstivessemos de estar a lançar suspeitas sobre as intenções daquelles que apenas o que fazem, repito, e combater do modo que intendem mais conveniente para a sustentação da Carta, por que ella e como qualquer das outras Leis fundamentaes que regem nos paizes onde ha governos representativos. A divisão dos Poderes é um dos objectos por que eu mais pugno, assim como os Membros deste lado da Camara, e por isso os ataques que tem dirigido sobre a validade dos Decretos do Governo procedem de que intendemos serem oppostos á Carta Constitucional.

Parece-me necessario expender estas idéas, para que se não pense que qualquer dos Membros desta Casa não tem tão boas intenções e desejos de que a Carta Constitucional seja consolidada, para que seja uma realidade. Agora, Sr. Presidente, ha alguns outros pontos sobre que não posso deixar de fallar, sem entrar na materia que vão longa, e mesmo por que o que eu disser sei bem que não vence nem convence.

Sr. Presidente, no discurso de um dos Dignos Pares (e foi talvez essa a occasião em que eu pedi a palavra) avançou-se, quando se fallou em Marvão, que eu dissera d'aqui que não era a guarnição toda que se tinha revoltado: eu pedi então licença para me explicar, afim de mostrar que se a Opposição se tinha servido deste argumento, (não fui eu, mas sei que as suas intenções são as minhas, e então posso explicar qual tinha sido o pensamento do Orador) quiz dizer que o Governador, e o Estado-maior daquella Praça se tinham conservado firmes; e por tanto parecia excesso da parte do Governo suspender as garantias. Eu sou militar, e não quererei inculcar que factos desta especie devam ficar impunes; mas inculcar-se á Opposição em geral que approva taes factos, e idéa que eu não posso admittir. Ora, como se fallou nesse acontecimento, e o Sr. Presidente do Conselho declarou, do seu logar, que era o destacamento de Infanteria, S. Exa. ha de permittir lhe diga (por que estou ao facto das guarnições que costuma haver nas differentes Praças) que não era só o destacamento de Infanteria; tambem ali havia Artilheria, que o costume é serem uns dezasseis ou dezoito homens, e uns quarenta de Infanteria; e destes trinta e tantos é que se revoltaram; e então pareceu-nos (á Opposição) que fòra um grave excesso a suspensão das garantias em consequencia do levantamento de tão pequena força. Eu não faltarei no merecimento das Leis promulgadas pelos Srs. Ministros, mas na sua legalidade: já um illustre Membro desta Casa concordou em que, se a Opposição não tivesse sahido do seu campo, estaria em mui boa posição; eu pois que não sahi desse campo, e como sou tão tolerante com as opiniões do todos, que desejo fallem como intenderem para mostrar as suas opiniões, direi que se alguns dos Membros da Opposição se pozerara nesse estado, é. por que isso lhes conviria para de antemão responderem a alguns argumentos, por intenderem que o Artigo l.° não podia ser tomado em Consideração; e até poroso já se propoz a sua eliminação.

Quanto ao Artigo 2.°, estimaria que não fossa

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vencido, em quanto os Decretos não passassem pelos tramites da Carta Constitucional; mas, vendo o transtorno que d'aqui se poderia seguir, proporia que se marcasse um prazo para a sua execução. Dir-se-ha que por occasião da discussão 4° Projecto que actualmente nos occupa, elles tem passado por esses tramites; mas não é assim, pois se torna indispensavel o irem a uma Commissão, e que cadaum de nós haja de estudar a sua materia; nem intendo que se possa tomar conhecimento de taes objecções assim de repente. - Sr. Presidente o illustre Membro, que achou que a Opposição estaria em um campo excellente conservando-se nestas idéas, não poderá deixar de concordar com a doutrina que acabo de expôr.

Agora permitta-se-me que reclame contra outras idéas que se emittiram a respeito de maiorias, por que me parecem de algum modo injuriosas ao lado esquerdo desta Camara. - Apresentou-se o principio, segundo me lembra, de que as maiorias são as que governam, e que nellas e que reside a verdade, e até (se bem me recordo) as sciencias. - Com estes dous principios não me conformo eu, por quanto, se taes doutrinas fossem verdadeiras, nunca as minorias poderiam ter a vantagem de se tornarem maiorias, e ha circumstancias em que o contrario se verifica (quando as minorias {em força para convencer da verdade dos principios por ellas adoptados); por isso é necessario que entre os dous lados da Camara se conserve sempre, não só tolerancia, mas até uma certa indulgencia.

Os srs. Ministros apresentaram aqui uma idéa, que julgo affrontosa até para a maioria da Camara, e vem a ser, que as Leis não sendo feitas do modo por que SS. Exas. as fizeram não seriam boas, pois que se não confiava na habilidade das Camaras; e, accrescentou-se mesmo, que estes Corpos são morosos, e que medidas de tal natureza precisam de passar com promptidão! Isto foi dito desta maneira; e parece-me que seria bastante para se não invectivar este lado. - Sr. Presidente, é preciso dizer tudo: a Opposição intende que quando o Ministerio tem a vantagem de ser apoiado por uma maioria, quando tem aberto as Côrtes ordinarias, quando tem apresentado ás Camaras aquelles objectos que julga necessarios; um Ministerio que nestas circumstancias addia duas vezes as Côrtes, certamente não observa a Carta.

Trouxe-se tambem o exemplo das Dictaduras. Eu não me oppuz a esse principio, embora haja deste lado quem o combata... (Entra o Sr. Duque de Palmella.) Perdòe-me o Digno Par que vejo agora no seu logar, porem S. Exa. quererá ouvir o que eu disse quando cá não estava. (O Orador repetiu então resumidamente o que tinha exposto no principio, do seu discurso em referencia a outro do mesmo Sr. Duque; e proseguiu:) Referi que debaixo de taes circumstancias não era possivel caber-me uma tal suspeita: já disse tambem alguns dos fundamentos para que não possa accreditar-se similhante couza.

Cumpre-me ainda declarar que mais facilmente daria o meu voto a favor do bill, se se tivesse tractacto de um Projecto, que ha muito é reclamado nas Camaras, e sobre que eu tenho sido muitas, vezes arguido, e por que ainda hontem foi arguido o nobre Duque da Terceira; fallo de um Projecto, de organisação da administração militar, que eu já tinha apresentado antes de sahir do Ministerio, nesta, e na outra Camara: era esse um objecto sobre que convinha se desse um voto de confiança ao Governo.

Aproveitarei esta occasião para dizer que o Sr. Presidente da Conselho de Ministros declarou nesta Camara uma couza sobre a qual eu não posso deixar de pedir a S. Exa. queira explicar-se; e é, se me disse algum segredo que eu revelasse, devendo já aqui affirmar que, ainda que S. Exa. m'o dissesse, eu não era capaz de o revelar. - Quando eu fallei na divida em que se estava para com a Divisão do Algarve, ignorava que para ali tivesse sido mandado dinheiro; agora porém que se diz que foi, estimo muito sabèlo, por que assim terão minorado as necessidades daquelles soldados. Eu creio que no que referi não houve offensa: e
S. Exa. o nobre Duque que está. presente, vê bem a responsabilidade debaixo da qual eu laboro. (O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Peço que se me conserve a palavra para explicação.) S. Exa. naturalmente vae explicar-se, e eu pedirei1 a palavra depois, se vir que isso me é necessario.

O SR.MARQUEZ DE LOULÉ: - A discussão tem-se prolongado tanto, e a Camara deve estar tão saciada, que eu cederei da palavra.

O SR. SILVA CARVALHO: - Tambem eu cedo da palavra.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Eu começo por agradecer ao Digno Par que acaba de fatiar (o Sr. Conde do Bomfim) a condescendencia que leve de repetir na minha presença algumas das observações que havia feito antes do eu chegar: e por esta occasião peço perdão á Camara de não ter sido exacto na minha chegada, o que não pude fazer era consequencia do meu mau estado de saude actualmente.

E sabido que o Digno Par está acostumado a offerecer o peito ás balas; e toda a gente ha de seguramente convir em que elle o tem feito nobremente para o seu Paiz em diversas epochas da sua vida; mas o habito que o Digno Par tem adquirido, fez com que nesta occasião se apresentasse a receber tiros que lhe não eram de maneira alguma dirigidos: por consequencia permitta-me dizer-lhe que combateu contra moinhos de vento

S. Exa. apresentou a esta Camara uma justificação dos seus actos parlamentares e extra parlamentares, justificação inteiramente superflua, porque não lhe era pedida, e por que se não carece della.

Essa allusão, muito vaga e muito geral, que eu outro dia aqui fiz, em quanto á falta de sinceridade, ou de coherencia de alguns individuos, que blazonando de um zêlo excessivo pelas disposições da Carta em outra epocha, fòram depois dos primeiros a promover a sua destruição, de maneira alguma podia ser tomada como referindo-se a S. Exa. (nem mesmo a nenhum individuo em particular me referi): eu fallei, em geral, e quando muito com relação a debates que tiveram logar na outra Casa, quando eu era Membro do Ministerio, e creio que nessa epocha o Digno Par não tinha assento em nenhuma das Camaras, S. Exa. querendo defender-se de uma imputação que não lhe era dirigida, lembrou certo procedimento, que julgou ter sido uma especie de incoherencia que tinha havido da minha parte...

O SR. CONDE DO BOMFIM: - Eu disse, antes de V. Exa. chegar, que o nobre Duque tinha declara-

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do que não queria dirigir as suas observações a nenhum dos Membros desta Camara, porem que sendo provavel se não dirigisse áquellas pessoas que fazem parte da maioria, a que V. Exa. pertence, era muito de suppòr que alguem podesse inferir que essas observações tinham referencia a este lado da Camara em que eu me assento; mas que tendo sido o comportamento de V. Exa. o que eu declarava, não podia deixar de rejeitar similhante idéa.

O Sn. DUQUE DE PALMELLA: - O Digno Par nesta occasião não preveniu o que eu queria dizer: a verdade e que, não só antes da minha chegada á Sala, mas já depois de me ter sentado neste logar, S. Exa. fez menção de um acto da minha vida publica, que não nego, de que me não esqueço, e do qual de maneira nenhuma me envergonho, pelo contrario, prezo-me muito - o ter eu referendado uma Proclamação de S. Magestade a Rainha, o anno passado. - Sr. Presidente, pondo o meu nome naquella Proclamação, não fiz mais do que provar que sou fiel aos principios que me tem dirigido toda a vida, que são - fidelidade aos meus juramentos, e receio de todas as revoluções. Esses mesmos sentimentos são os .que me inspiram agora; e, ou seja bem ou mal fundada a opinião que tenho (o que só o futuro poderá mostrar), declaro que a minha conducta parlamentar é unicamente dirigida pelo desejo que tenho de que a tranquillidade publica seja mantida, de que se conserve a Constituição existente - á qual de coração e alma me dedico, - e de evitar os transtornos e desgraças que são a consequencia, quasi sempre corta, das grande mudanças politica: e digo quasi sempre, por que occorrem casos rarissimos em que se não verifiquem; tendo muito gosto em declarar que considero o caso actual como uma dessas excepções, (Apoiados.) Todo? aquelles que pensavam da mesma maneira que eu, ha um anno, tiveram esse receio; mas alguns, depois de verem que tal presentimento se não verificam, continuaram, e continuam ainda, numa opposição nos homens que tornaram parte no movimento do anno de 1842! Eu não me occupo de homens; não influe no meu modo de pensar, nem de me regular, consideração nenhuma pessoal; procuro, até onde alcança o meu juizo, trabalhar e cooperar para que a liberdade deste Paiz se mantenha, para que não sejam frustrados os sacrificios que se fizeram por ella, e para que a ordem publica se não transtorne novamente, por isso que a considero como o mais indispensavel de todos os elementos para se arraigar a liberdade: e possivel que eu me engane na opção dos meios, sem que comtudo os principios de que elles se derivam deixem de ser immutaveis; e coherente com estes não me tenho desmentido em acto algum da minha vida.

Perdoe a Camara este troço de personalidade mas pareceu-me necessario.

Accrescentarei agora que, em geral, nós os Legisladores Portuguezes costumámos fezer demasiado caso de nós mesmos, dâmos ordinariamnete mais importancia a questões, ou sejam de amor proprio ou de interesse pessoal, do que ás grandes questões de utilidade publica; e neste sentido observaria agora (por que se me offerece a occasião de o fazer, e não a quererei reservar para mais tarde) que o costume parlamentar, que se tem introduzido, de largas explicações depois de votada a materia, é absurdo, egoista, e até contrario ao bem do Paiz: (Apoiados.) que não tem fim nem utilidade pratica, visto que as discussões não podem servir senão para illustrar a materia de que se tracte; mas, depois da votação, entrar na exposição de motivos, e em amplos esclarecimentos, é estabelecer verdadeiramente uma discussão nova, que não tem objecto nenhum, e não a satisfacção do amor-proprio, e que faz perder um tempo precioso ás Camaras, o que, concorrendo com outros defeitos, que ha, para que os debates se tornem interminaveis, dá logar a verificar-o receio daquelles que o tem de que, quando se ventilam objectos em cuja prompta decisão interessa o bem do Estado, occorrem quasi sempre delongas, receio na verdade perdoavel em presença dos Factos.

Deixarei estas explicações com a unica observação de que, para serem justos, os Membros de ambos os lados da Camara, e talvez com alguma especialidade os Membros do lado esquerdo, não devem ser tão extremamente sensitivos, por que elles, sempre que se lhes offerece occasião favoravel, não deixam de pungir e de picar fortemente os Membros do outro lado, fazendo muitas vezes increpações, com mais ou menos sisudeza, que podem offender a susceptibilidade dos individuos: portanto, quando se tomam essas liberdades, e preciso ser tambem indulgente para com os outros, e não querer uma medida para si, e outra para os adversarios. (Apoiados.)- Abandonarei porem esta questão muito secundaria.

Um Digno Par fez menção de uma especie de doutrina ácerca de maiorias: S. Exa. referiu que alguem tinha aqui dito que a maioria não podia errar - creio que se não dirigia a mim (mas olhava para este lado), ou talvez pensasse que eu havia tractado deste ponto - direi por tanto duas palavras a tal respeito.

A minha theoria sobre as maiorias, e muito simples. As maiorias podem errar, porque são compostas de homens, mas a ficção constitucional é que as maiorias não erram: a presumpção está pois a seu favor: as suas decisões são terminantes, e por consequencia devem ser respeitadas. Chegou-se a fallar em tyrannia das maiorias, mas essa tyrannia, o e que existe, toma-se inevitavel; assemelha-se á tvranma da força sobre a fraqueza, á do maior numero sobre o menor, n’uma palavra, está na natureza das cotizas. Creio que entre todas as idéas as mais extravagantes, que tem vindo á cabeça dos homens, em tempos antigos ou modernos, quando se tem tractado de theorias de governo, não lembrou ainda a ninguem o sublevar-se contra o dominio das maiorias, por que e o ultimo termo que apresentam os meios humanos para se determinarem as questões pela forca da razão, e uma vez que se não queria admittir esta especie de soberania (das maiorias), e preciso recorrer ao extremo opposto - o governo absoluto, ou o dominio de uma só vontade - por que em fim esses dous extremos tocam-se.

Sr. Presidente, o ponto mais importante da questão, e o da competencia desta Camara: eu já o tractei com alguma extensão, e parece-me tèlo considerado debaixo do seu verdadeiro aspecto: creio que alguns dos Senhores que me ouviram me fizeram o favor de concordar na minha opinião, e devo confessar francamente que ainda não ouvi couza em

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não s que me convencesse, mas que nem ao menos me parecesse aballar de maneira alguma essa minha opinião. — Tem-se querido considerai esta Camara confundindo duas attribuições inteiramente diversas que rendem nella. Esta Camara e algumas vezes Tribunal de Justiça, mas e sempre, e permanentemente, um braço do Poder Legislativo: (Apoiados.) em quanto existe a possibilidade della ter de decidir como Tribunal de Justiça, poderá ser-lhe convenientemente imposto um certo grau de reserva, mas, desde que aquella possibilidade deixa de subsistir, ficam em pé as suas attribuições constitucionaes como camara Legislativa; portanto, torno a repetir que não e possivel, segundo eu penso, que se considerem como Leis do Paiz aquellas que não passem com o assenso desta Camara, e eram tambem approvadas na outra; mas accrescentarei que não e possivel, pois que se tracta de actos legislativos imcompetentemente promulgados, (e para ficarem sendo competentes e que vem aqui o Projecto) não é possivel, digo, que ella Camara prescindir do direito de perdoar, e tal era que ella vae exercer nesta occasião. Observe-se que ninguem nega que a Constituição fosse violada, ainda que com boas intenções, mas tracta-se de perdoar (e só por esta vez) a sua violação. Este e um precedente, senão igual, ao menos muito analogo ao que se tem praticado neutros paizes; porém não é uma delegação do Podèr Legislativo, como se disse daquelle lado, por que, quando se delega, e sempre em relação ao que. se ha de fazer, e nunca aquillo que já está feito visto que a intelligencia da palavra delegar, suppôem o exercicio futuro, e não o passado. — Seja como fòr: a Camara tem ouvido razões pró e contra, e poderá ouvir ainda outras mais convincentes sobre este ponto; eu não ajuntarei mais nada, por que assento haver-se exhaurido esta parte da questão.

Um Digno Par, que hontem usou da palavra, fallou muito e com talento, mas muito pouco ou quasi nada para o que era questão: já tenho ouvido o Digno Par, e não devia estranhar, mas e certo que fez um alarde inutil de erudição; fartou-se de acarretar historia antiga e moderna; discutiu as theorias das maiorias, às Dictaduras: e fallou na historia prophelica do futuro, usando da linguagem de Jeremias, (Riso.) e com profundo sentimento predisse as desgraças que estão para sobrevir a este Paiz! (O Sr. Conde da Taipa: — Apoiado.) Deus affaste os seus agouros. (O Sr. Conde de Taipa: — Apoiado.) Eu espero que assim acontecem; mas a tal respeito só digo ao Digno Par que elle mesmo concordará (não obstante a tendencia natural que cadaum de nós tem sempre para dar uma certa importancia ás suas proprias opiniões) que S. Exa. ha de ter-se enganado muitas vexes em sua vida, (O Sr. Conde da Taipa: — Muitas.) e espero que esta seja uma, das mais solemnes. Mais direi (e perdòe-me S. Exa.) que cadaum forma o seu juizo, não só sobre os factos e os acontecimentos, mas tambem sobre a linha de conducta que convèm seguir, e que a experiencia do passado dicta, para evitar os males contingentes do futuro; (Apoiados.) o Digno Par reputa que o melhor arbitrio para esse fim e fazer uma opposição, não direi acintosa, (por que não quero suscitar, azedumes) mas bastantemente acre e pessoal, persuadido de que, se conseguir derribar o actual Ministerio tera feito um grande serviço ao Paiz, e concorrido para evitar os males que elle se figura como imminentes eu penso o contrario; e julgo que as excitações que necessariamente resultam de discussões desta natureza, excitações que por vezes suggerem certas idéas em mentes incautas, ou em espiritos menos instruidos, e que não estão ao alcance daquellas em que verdadeiramente nos devemos fixar, taes excitações digo que são prejudiciaes; a ellas attribuo eu, em parte, (posto que fazendo toda a reserva de intenções) alguns dos males que já experimentámos, e as revoluções por que lemos passado. Supponho em consequencia que a linha de conducta opposta é aquella que convêm seguir. Pela minha parte, com poucas excepções, tenho prestado o meu fraco apoio aos Ministerios existentes; isto não será por certo reputado uma prova de ambição, por que felizmente não me acho na dependencia do Ministerio para pedir-lhe graças ou favores de grande utilidade para mim, (Apoiados.) nem para obter aquella tal ou qual importancia a que todo o homem tem direito no seu Paiz em quanto se julga actor nestas scenas politicas; por tanto o apoio por mim prestado ao Ministerio deve reputar-se como consequencia de um systema, que póde ser acertado ou errado, mas que em fim e um systema. Esta tendencia que eu tenho á conservação daquillo que existe, provem da intima convicção em que estou de que todas as mudanças, necessarias ou desnecesarias (e a maior parte dellas são desnecessarias), trazem comsigo um novo mal, e estão prenhes de perigos, que urnas vezes se verificam, e outras não, mas que convêm sempre evitar: esta opinião nasce da observação que eu tenho feito de que o espirito de facção fóra das Camarás aprovei-la facilmente os debates do Parlamento, ainda quando sejam (como são nesta occasião) sinceros e conscienciosos, para deduzir consequencias mais extensas do que aquellas. que os proprios Oradores desejai iam se podessem tirar, e (para deixar todas as circumlocuções) da convicção que tenho de que as continuas mudanças, a continua vacilação sobre o juizo que se deve formar da capacidade dos homens, essas occasiões que se offerecem para dar pasto á maledicencia, e para transtornar inteiramente e lançar no cahos as idéas da Nação, são couzas muito mais perigosas para a mesma Nação, sobre tudo muito mais perigosas para a existencia da liberdade, do que podem ser as tendencias, mais ou menos exclusivas, mais ou menos absolutas, que se queiram attribuir a alguns Ministros, ou ao partido dominante. Já se vê que, dizendo isto, faço algumas refervas e algumas excepções, porque seria um absurdo o dizer-se que desta doutrina se segue que devem ser sustentados cegamente todos quantos Ministerios possam existir n’um Paiz; mas segue-se sim que deve haver grande cautela em procurar derriba-los; que deve sempre haver muita suspeita sobre a utilidade desse resultado, quando se consiga; e que a afinal, a falta de permanencia, a falta de estabilidade, e a falta de duração, são cotizas que não podem supprir-se, e que tem sido muito sensiveis para nós, não podendo facilmente reparar-se mesmo quando se melhore na escolha dos Ministros.

Sr. Presidente, não foi bem intendida a minha proposição quando hontem se disse, e hoje se repetiu, que eu tinha estabelecido como principio que sempre

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devia haver Dictadura depois de uma revolução, e que as Dictaduras necessariamente haviam de legislar. Isto seria um absurdo, por que, primeiramente, eu persuado-me de que não deve haver revoluções; e em segundo logar, que as póde haver sem serem seguidas de Dictaduras: o que disse foi que isso acontecia quasi sempre depois de uma revolução, que estava na natureza das couzas humanas; e na verdade, quando ha uma revolução, o poder que a faz fica revestido de certa força, de que resulta uma especie de Dictadura; e accrescentei que esses receios, que concuriam com outros para que muitas pessoas agourassem mal do resultado do movimento do anno passado e procurassem oppòr-se-lhe, não chegaram a verificar-se, e por isso louvores fossem dados aos individuos que, achando-se revestidos dessa força, não fizeram abuso della para actos violentos, para mudanças radicaes, nem para couza nenhuma que lançasse familias ou individuos na miseria, e que se alguma exorbitação tinha havido (que no meu particular muito lamentava) a boa fé pedia se reconhecesse que ella fôra fundada em motivos que a Nação avaliava, e que mereciam certa contemplação.

Um Digno Par que citou hontem aqui a historia antiga, permittirá o dizer que me parece a antiga, permittirá o dizer-lhe que me parece não a ha ver citado com toda a exactidão. — S. Exa. disse que desafiava os jurisconsultos que se assentam nesta Camara para que lhe apresentassem exemplos no codigo do Digesto, de Leis feitas pelas Dictaduras; e que só um exemplo havia, que era o da Dictadura de Sylla, durante a qual fôra destruida a liberdade: ora, ou eu me engano muito, ou isto não e exacto. Em primeiro logar, não fallando das Dictaduras legislativas que houve era paizes antigos (sem ser na Republica Romana), Dictaduras ad hoc para fazerem a legislação dessas paizes... (O Sr. Conde da Taipa: — Aonde?) Na Grecia. — Eu fallo em paizes antigos, e apresento o exemplo mais formal e o mais solemne da historia Romana, que foram os Decemviros, creados para assegurar a tranquilidade publica por uma verdadeira Dictadura; accrescentando que a ultima Dictadura da Republica Romana não foi a de Sylla, mas que nessa Dictadura se fizeram todas as tentativas possiveis para salvara mesma Republica, e que longe della cahir em consequencia da tal Dictadura, isso foi obra de outras que se lhe seguiram, e que transtornaram a ordem publica.

O que acabo de dizer e apenas uma observação, talvez muito inutil, feita só para edificar alguma inexactidão que me pareceu haver na exposição do Digno Par, e que eu certamente não apresentaria se não fosse trazida em uma questão de tal magnitude, a qual é para desejar que a Camara decida brevemente, approvando ou rejeitando o Parecer da Commissão, por que não póde já agora deixar de repular-se suficientemente discutido, (Apoiados.)

O SR. CONDE DE LWRADIO: — Sr. Presidente, eu peço a palavra simplesmente para uma explicação, e quando V. Exa. o julgar conveniente.

O SR. CONDE DA TAIPA: — Sr. Presidente, não e ser Jeremias, nem ser propheta (principalmente não o podendo eu ser, por que estou na minha terra) achar-me firmemente convencido de que as mesmas causas hão de produzir os mesmos effeitos. Eu vejo, como disse hontem, pelos signaes, aquillo que tenho visto sempre, principalmente em Portugal, quando está para haver uma mudança; ainda não vi situação como a nossa, que se lhe não seguisse uma mudança, e uma mudança mais ou menos prejudicial aos interesses do Paiz; vi as mesmas causas, ou causas de menos força, no tempo em que Portugal tinha muito mais vigor, e sempre aconteceu que essas causas produziam o effeito da mudança de Governo em consequencia de uma revolução; isto no tempo em que havia mais respeitabilidade, ou antes uma organisação governamental mais respeitavel, e mais elementos de disciplina. Ninguem póde negar que de todas estas mudanças tem ido a Nação de peior a peior. Em 1823 todos nós vimos quaes eram os signaes do tempo: uma opposição geral, ou, para melhor dizer, uma indignação geral contra o Governo de então: veiu finalmente uma mudança. Em 1826 havia os mesmos signaes, e veiu tambem outra mudança, e mudança de que escapámos por um milagre: eu, que estive no meio dos successos, sei que foi pelo acaso mais feliz que esta Capital escapou de uma catastrophe revolucionaria, posto que nessa epocha (comodisse, e repito) houvesse mais elementos de disciplina, e mais pessoas respeitadas do que hoje ha dentro do Paiz. Por consequencia infiro que este Governo, ou se ha de collocar á testa da anarchia e ser destruido por seus excessos, ou ha de ser despedaçado, se assim o não fizer, por essa mesma anarchia.

No estado de opinião em que elle está no Paiz, não vejo eu meios no Governo para levantar impostos senão á força, e á, força, Sr. Presidente, tambem se resiste em Portugal. D. Miguel confiscou, perseguiu, fez tudo quanto quiz, e ninguem disse nada; poz escadas ás forcas, e por ellas subiram os que elle para lá mandava: porem, apenas quiz pôr ima escada a uma janella para tirar um Cruzado-novo, resistiu-lhe toda a gente, e não levantou os impostos. Ora, á vista disto, como posso eu accreditar que este Governo os chegue a levantar, elle que, sem a vigésima parte da força de D. Miguel, tem pelo contrario uma opposicão em todos os tres grupos em que infelizmente está dividida esta Nação? E digo infelizmente, por que cadaum destes grupos se compõem de uma parte sensata e de outra insensata, e o desideratum do nosso Paiz é separar a parte sensata de todos os tres grupos, e formar uma só para se oppôr á parte insensata que existe nelles. Em quanto cadaum dos partidos quizer governar por si só, ha de ser apoiado pela parte impensante que tem dentro em si, e em consequencia cahir: este tem sido o mal de todas as Administrações que temos tido em Portugal desde que se restaurou a Carta Constitucional, em 1833. A parte sensata póde adoptar um principio de liberdade, por que terá interesses em o defender, mas a parte inhabil, que não póde pelos seus merecimentos chegar ao poder, não advoga senão os seus interesses particulares; mas quando um Ministerio está collocado de maneira que precisa attender a interesses particulares para governar, nem. as riquezas de Cresso chegariam para manter o seu podêr, e por tanto ha de haver defraudação das rendas do Estado, faltando o dinheiro para pagar á força publica; ora a todo o Estado que se ache nestas circumstancias é-lhe impossivel sustentar a ordem publica, pois assim não póde haver disciplina. Eu vejo o Governo collocado nesta porção, e não tenho culpa de o ver, porque Deus assim formou a minha cabeça (boa ou má, não posso ser juiz em causa propria), e for-

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nou-a as dos outros de outro modo, e por isso ha opiniões differentes; a verdade está só em Deus: por tanto receio muito cada dia que este Governo continue no podèr, e para isto não é preciso ser propheta, basta olhar para a situação do Paiz.

Disse um nobre Par que a opposição e sempre aproveitada pelas facções: este dito não é novo, e usual, e de todos os dias, e do todos os governos representativos. Eu sempre recorto á historia, por que é a experiencia do passado que nos serve de lição para o presente, é para regular o futuro, e, como disse o homem mais sabio que dizem que houve, nada debaixo do sol é novo. Por consequencia as couzas vão seguindo uma certa lotação exacta em que as mesmas causas (como já disse) produzem sempre os mesmos mesmos: a opposição é aproveitada pelas facções; todos os partidos de Ministerios tem dito isto.— Quando em Inglaterra se fazia a guerra á America, dizia á opposição ao governo — vós não podeis sustentar esta guerra: — perdia-se uma batalha nos desertos Americanos, dizia-se logo que a culpa tinha sido da opposição; dava um cruzeiro a costa do posto que estava bloqueando, era culpa da opposição &c. Tal não era, por que ella tinha razão e tanto a linha que todos os seus raciocinios ( e é ao que o Digno Par chama prophecias — e póde chamar-lhe o que quizer, por que em palavras cedo facilmente) sahiram certos, e verificou-se tudo quanto elles disseram, e não podia acontecer outra couza. — Ora para que as facções não se aproveitem das opposições, e preciso que não haja quem faça opposição, e então temos o governo absoluto, que faz o que quer, e se reduz a certos homens que mandam sendo todos os outros obrigados a obedecer-lhes; e se as Camaras não sei vem para discutir os negocios, devemos prescindir dellas: mas eu não prescindo, e em quanto existirem, e impossivel discutilos sem que haja duas opiniões, e se a opinião contraria ao Ministerio se calar, não sei de que sirva uma sancção legislativa. Eu vejo, ou a construcção da minha cabeça mostra-me que não ha nada mais prejudicial a esta Nação do que a conservação do actual Ministerio, e por isso lhe faço guerra e opposição: os motivos podem aballalos, não lhe levo isso a mal; todos reputam os seus conscienciosos, mas ha uma couza superior a nós, que julga das opiniões que emittimos, e a que se chama opinião publica, que faz justiça ainda que não seja senão quando se realizam effeitos que fòram vaticinados pela intellectualidade dos individuos.

O Digno Par não queria que eu historiasse, e deu-me um quinau em historia, vindo com os Decemviros, que disse tinha sido uma Dictadura; mas isso foi uma commissão que se mandou á Grecia, e trouxe de lá as Leis, por que os Romanos ainda as não conheciam: os Decemviros foram, vieram, calaram-se as leis antigas da Republica Romana, formando ao mesmo tempo uma facção para governar o paiz, pelo que houve uma revolução para deitar fóra os taes Decemviros: em summa, elles não foram mais nada do que uma commissão legislativa composta dos homens mais intendidos que havia na Republica; escreveram as suas leis em ferro, pozeram-nas nas praças, e depois não as seguiram: as leis de Solòn é de Lycurgo eram certamente sanctas e justas, mas o uso que fizeram os Decemviros do podèr adquirido, em consequencia da commissão que o povo Romano lhes confiou, é que os fez aspirar ao despotismo. — Disse tambem o Digno Par que a Dictadura de Sylla não foi a ultima da Republica. Eu respondo que depois dessa epocha não houve senão despotismo em Roma, e que nunca mais leve governo representivo... (O Sr. Duque de Palmella: — Peço perdão.)Houve alguns incidentes felizes no governo absoluto como no tempo de Marco-Aurelio, de Trajano, de Antonino &.C.; mas isso foi devido á boa indole da pessoa que tinha sido levada á cadeira Imperial; entretanto, regras ou limites ao podèr dos Imperadores, nunca existiram: para prova disto basta dizer que Corri modo foi filho de Marco-Aurelio, e no mesmo momento em que o pae subia ao Céu n’uma apotheóse descia Roma ao inferno debaixo do dominio do filho. Ora na Grecia não houve Governo representativo: cadauma das suas Cidades tinha leis municipaes, um foral differente por que se regia; levantaram alguns de seus sabios (que tinham a opinião do respectivo municipio) ao exercicio de legisladores, mas uma assembléa legislante, e influindo no governo do paiz, isso não existiu, em tempos antigos, senão em Roma. Foi isto o que eu mencionei e de Caberá, por que não estive estudando, para vir aqui lei historia Romana.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: — Eu tambem não estudei, mas protesto contra a sua lição de historia Romana.

O SR. CONDE DA TAIPA: —Tomara eu que 5 Digno Par escrevesse, que eu lhe responderia.

O Sr.. CONDE DE LAVRADIO: — Eu peço que esta discussão de historia fique para outra occasião.

O SR. CONDE DA TAIPA: — Bem. O meu fim é fazer quanto estiver ao meu alcance para que os Srs. Ministros deixem aquellas cadeiras. Disse o Digno Par que elles não abusaram do grande podèr do que se achavam revestidos logo depois da revolução. Eu digo o contrario: o Ministerio dividiu a gente do Paiz em duas partes; aos individuos que pertenciam á que o apoiava, disse — hocc omnia tibi dabo; e a todos os outros — o estômago ou a consciencia, dilemma terrivel, em que e preciso uma heroicidade muito grande para resistir! Eu vi, pelo systema da Carta, demittir o Sr. Mansinho d’Albuquerque, e tambem ouvi o corpo de delicto da demissão, que foi o discurso mais sensato, e mais polido que se tem pronunciado; mas, como não agradou, o Ministerio demittiu-o, e isto com grave prejuizo dos interesses nacionaes, por que eu não sei que haja nada mais interessante neste Paiz, e que exija tanto desvelo como a factura dos caminhos, e não vejo ninguem em Portugal capaz de substituir aquelle Empregado, tanto peia probidade da pessoa, como pela sua grande capacidade technica resultante do muito que se tem esmerado para levar a effeito importantes obras publicas. Entretanto está demittido, não abulando elle nunca do podèr que lhe fôra confiado pelo Ministerio para influir nas couzas publicas: elle não derogou em couza alguma como Empregado, foi como Deputado; e pelo caracter do Deputado perdeu a Nação um Empregado dos mais uteis, e que lhe é impossivel substituir! Eu não tenho querido fallar nisto, mas, já que as couzas chegaram a este estado, não ha remedio senão dizer que as demissões tem recahido, não só naquellas pessoas que não tem querido estar pelas opiniões do Ministerio, mas até nos miseraveis que e preciso pôr fóra para deixarem os lo-

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gares a outros, a quem u Ministerio deve, e quer pagar obrigações. Por tanto a. proposição do nobre Duque não e exacta.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: — Faz favor de dizer á minha oposição qual foi?

O SR. CONDE De TAIPA: — Reduzi-se a que os Srs. Ministros não tinham feito destituições em massa.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: — Confirmo.

O SR. CONDE DA TAIPA: — Agora vamos ao ponto principal dá questão; que é a competencia. O Digno Par disse a respeito da competencia desta Camara, para tractar da primeira parte deste Projecto, que não tinha ouvido ainda uma só razão que alterasse a sua opinião: eu, Sr. Presidente, digo que não sei como possa haver duas opiniões a este respeito. Já aqui disse que a Camara dos Deputados, segundo a Constituição, é a unica accusadora dos Ministros, e que á Camara da Pares e é unico juiz delles; nem os Ministros podem ser accusados nem julgados de outro modo. Agora apresenta-se uma violação da Constituição, que e um crime, e della pede o Ministerio perdão: o poder accusudor diz — não ha logar a proceder... (O Sr. Duque de Palmella: — Não diz isso.) Pois o que diz? Que ha logar a proceder contra os Ministros?... (O Sr. Duque de Palmella: — Não Senhor; mas tambem não diz o contrario: diz que perdôa.) Diz que perdôa.. . É o mesmo que se dissesse que não accusa; nem póde haver outra intelligencia dada á decisão da Camara dos Deputado. Vem isto para o poder julgador, e supponhamos que elle diz — Não estou pela decisão da Camara accusadora: — em que situação fica esta Casa, se voltando o negocio á outra ella disser — Tenho deferido; não quero accusar: — que ha de fazer a Camara dos Pares?... Póde vir a uma Commissão mixta? Mas ella deve ser de juizes Pares e de juizes Deputados, em numero igual, e se se vence já um juiz foi accusador, o que e contra a Carta. Por consequencia, Sr. Presidente, e inadmissivel a opinião que dá este resultado. Prescindàmos porêm do absurdo, e demos que o Projecto que la passou passa tambem ca; como um Decreto das Côrtes, para ser Lei, carece de subir á Sancção Real, seguia-se que este havia demandar-se ao Ministerio para que dissesse - Nós perdoâmos tambem a nós mesmos. — E isto já não podia elle dizer a respeito de um acto de accusação, por que esse trazia ipso facto a suspensão dos Ministros. Por tanto, de qualquer modo que esta Camara decida, tem de incurrer em absurdo: se decide contra, e diz que não está pela resolução da Camara dos Deputados, ella insiste, provavelmente, e fica menoscabada a nossa dignidade; e se dizemos que sim, sobe o Decreto aos Srs. Ministros para ver se elles se perdoam a si mesmo; e se eu fosse a elles diziam não perdòo...

O SR. DUQUE DE PALMELLA: — Isso não lhes pertence; e ao Poder Moderador.

O SR. CONDE DE TAIPA: — O Poder Moderador são os Ministros.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: — É o Rei.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: — É quem ha de referendar?...

O SR. DUQUE DE PALMELLA: — É outra questão.

O SR. CONDE DE TAIPA: - Por consequencia a doutrina e combativel por absurda evidentemente. — Estas são as minhas razões sobre o ponto da competencia, as quaes ainda não ouvi que alguem destruisse: não e preciso subtilezas; basta a apresentação das diversas hypotheses para conhecer que esta Camara, sem faltar á sua dignidade, não póde tomar conhecimento de similhante negocio: e necessario considerar bem todas as couzas que com elle tem relação, e ver que nós temos a sustentar o decoro da Camara, que poderia ficar manchado por uma decisão da outra Casa, e este e o motivo essencial por que eu voto contra o Projecto. E para não cançar mais a Camara, porque já tenho fallado sufficientemente, concluo já repetindo que estou convencido de que a. questão principal é tão obvia, no sentido que deste lado se tractou, que me parece mesmo não poder haver duas opiniões a respeito della.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS no RRINO: — Sr. Presidente, não entrarei agora na questão do Projecto que nos occupa, por que elle tem sido magistralmente tractado por um e outro lado da Camara; mas levantei-me principalmente para responder à algumas observações apresentadas pelo Digno Par que acaba de fallar, todas ellas tendentes a mostrar a impopularidade do Governo actual, e o perigo (por S. Exa. prognosticado) se o Ministerio a que pertenço continuar a occupar estas cadeiras. A asserção e muito forte, e sobre ella não póde o Governo deixar de dar algumas explicações, por que não quer ficar com o peso de uma tão grande accusação.

Disse o Digno Par que a historia do passado é que deve sei vir de guia, tanto no presente como para o futuro, e disse uma verdade; mas eu, servindo-me tambem da historia do passado, pretendo responder ao que S. Exa. apresentou contra o Ministerio.

Sr. Presidente, apenas foi nomeada a Administração de 26 de Novembro, logo no dia seguinte se empregou contra elle, identica linguagem á que o Digno Par emprega agora contra a actual Administração; do lado esquerdo das Camaras figurou-se então o mesmo que hoje se figura, isto é, que aquelles Ministros haviam de necessariamente trazer o despotismo a Portugal, e que haveria continuadas revoluções e desgraças sobre desgraças só por ventura essa Administração continuasse a existir: mas, Sr. Presidente, ella conservou-se por muito tempo, creio que quasi dous annos, e achou-se com a força precisa para bem dirigir os negocios publicos, para fazer serviços importantes ao Paiz, e para rebater as revoltas que se haviam intentado com o fim de destruila. Esta linguagem foi pois constantemente usada pelo lado esquerdo das Camaras, quero dizer, não só pela Opposição da Camara dos Deputados, como por alguns Senadores que se achavam assentados nesta mesma Casa; havia só uma differença, e era, que então o Digno Par tomava assento do nosso lado, e nessa epocha reputava boa a nossa politica, sustentando a maior parte das medidas apresentadas por aquella Administração; mas hoje, como se acha na Opposição, julga má a politica e as medidas dos mesmos homens que apoiava! Já se vê que esta tactica é muito antiga; e, sempre que a Opposição não póde pelos meios legaes chegar ao poder, clama que o Ministerio e causa de grandes desgraças que hão de vir, e que elle não tem força para poder dirigir os negocios publicos, não tem força para arrecadar os impostos, não tem força para fazer serviço algum ao seu Paiz.

Sr. Presidente, seguiu-se a restauração da Caria

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Constitucional; e ella effectivamente produziu a separação de algumas pessoas que sempre estiveram no partido cartista, pessoas que respeito muito pelos seus talentos e capacidade, mas não me parece a mim que a separação dessas pessoas traga como consequencia necessaria que o partido cartista voou para o lado esquerdo das Camaras. Com quanto eu tenha grande consideração por todos esses cavalheiros, que pelas razões que lhe mereceram attenção passaram para a Opposição, intendo que nem .por isso se segue que o partido cartista nos seja adverso e antes pelo contrario estou persuadido de que e aquelle que apoia o Ministerio actual. (Apoiados.)

Disse-se que tres grupos se tem levantado contra os Ministros, e destes grupos se pretende separar uma parte sensata, que deverá dirigir os negocios da Nação, excluida a outra parte (a impensante), que não representa interesses, e para nada serve. Ahi é que bate o ponto; ahi e que o Digno Par tem de haver-se não só com um dos lados da Camara, mas até com os seus amigos politicos. - S. Exa. já disse que era preciso reconhecer que a maior parte dos males que soffrêmos estavam na Lei eleitoral, (O Sr. Conde da Taipa: — Apoiado.) que era necessario elevar muito o censo para separar das eleições os homens que julgava a parte impensante da Nação. .. (O Sr. Colide da Taipa: — Apoiado.) O nobre Par assim a tem apodado. — Mas eu que sou de opinião que deve alterar-se essa condição até certo ponto, digo que S. Exa. ha de necessariamente verse em guerra com os seus amigos politicos, por que não hão de ser elles que votem para que a Lei eleitoral seja alterada nesta parte, pelo contrario, o sentir do maior numero dos Membros do lado esquerdo está em diametral opposição com esta doutrina; e se não, pergunto, quem tem tractado de reduzir o censo, será o lado esquerdo ou o direito?.. (O Sr. Conde da Taipa: — Tem sido todos, por ora.) Em summa, se o Digno Par chegar a esta questão, ha de ver-se obrigado a votar com o lado direito, e a separar-se dos seus amigos politicos..

Mas o que eu não posso admittir e que a existencia dos tres grupos, em que S. Exa. fallou; seja prova incontestavel para se dizer que o Governo não tem opinião na Nação, nem força, nem capacidade. O Sr. Presidente, pois um Governo que não tem nenhuma destas couzas alcança que a Nação corresponda ao chamamento por elle feito á urna, e todos esses partidos adversos ao Governo apenas apresentam no Parlamento um simples punhado dos seus candidatos! Como é isto?... (O Sr. Conde da Taipa: — É por causa da Lei eleitoral.) Não e de certo, por que a parte impensante está do lado do Digno Par, e não do Governo, porque S. Exa. disse que nesses grupos devia separar-se aparte sensata da impensante, e esta tem sido zero quando se tracta de trazer Representantes da Nação ao Parlamento.—Sr. Presidente, num governo representativo não intendo que se possa mostrar que qualquer Administração tenha força ou opinião senão pela uma; e o Digno Par, que se apresenta aqui como um dos maiores defensores das theorias do governo representativo, não póde controverter este principio. Qual é o facto essencial porque se saiba que esses tres grupos tem opinião e força? Unicamente pelos discursos que diariamente apresentam meia duzia de Representantes da Nação em uma e outra Camara: não ha nenhuma outra prova; e só em consequencia dessa circumstancia não me parece a mim que se possa tirar argumento para dizer que o Governo não tem opinião, nem força, nem capacidade.

O que eu tambem não posso admittir, de maneira nenhuma, e que do lado esquerdo estejam effectivamente os tres grupos em que o Digno Par significou dividida a Nação, e classificou de cartistas, septembristas, e miguelistas, que e tudo que ha no Paiz. (O Sr. Conde da Taipa: — Estão, estão,; é verdade.) Mas isto que aqui está, (*) isto não é nada? (Riso.) Lá ha de tudo isso, sejamos francos, mas de cá tambem ha de tudo isso, e mais... (O Sr. Conde da Taipa: — De cá melhor.) Eu direi tambem que de cá está o melhor. — Sr. Presidente, se para Já foram muitas notabilidades cartistas, tambem de cá ficaram muitas dessas notabilidades, outras que o Digno Par chama miguelistas, mas que não conheço senão como Subditos da Rainha, e igualmente de ca temos muitas notabilidades que, lendo adherido á revolução de Septembro, intenderam depois que deviam seguir outro caminho, por que esses cavalheiros só desejam concurrer para a felecidade da Nação; e eu faço justiça a todos quando digo que todos pensam que os meios por elles empregados para esse fim são melhores do que os que seguem os outros; são convicções.

Eu não sei se este Governo terá força para cobrar os impostos, mas o que posso asseverar a S. Exa., e á Camara é que este Governo nunca ha de lançar mão do meio que o Digno Par apontou para poder chegar a esse fim, que e o emprego constante da força bruta, como a empregara o Usurpador para obter effectivamente os tributos que impoz á Nação. — Se o Ministerio podesse convencer-se de que a Nação o tinha em opinião tal que della lhe resultasse impopularidade, elle não hesitaria em largar estas cadeiras, e aconselharia á Soberana a nomeação de outros homens que melhor houvessem de conduzir os negocios do Estado. — Mas, Sr. Presidente, estes argumentos, deduzidos do tempo da usurpação e trazidos para o actual Ministerio, são de certo muito mal applicados.

Venham para aqui os Dignos Pares daquelle lado da Camara, (**) porquanto, a tomarmos em contemplação o que assseveram, a idade de ouro voltará indubitavelmente se os actuaes Ministros deixarem as pastas; receher-se-hão os impostos sem difficuldade alguma, e a Nação não só ha de pagar aquillo que as Leis ordenam como até o que ainda não paga e de novo se lhe impozer; então haverá tudo!.. Mas o meio por que isso se ha de fazer, e um segredo que os Dignos Pares não quereriam declarar, um segredo para se poder chegar a estas cadeiras; por que se fosse uma idéa, um pensamento, ou um desejo de fazer bem ao seu Paiz, o que a Opposição devia fazer era declaralo ao Governo, pois que (como disse o meu nobre amigo, o Sr. Visconde da Graciosa) a Opposição está aqui para combater o Governo pelo mal que faz, e para lhe aconselhar o modo de fazer o bem do seu Paiz. Onde estão porém os seus Projectos, os planos que tem apresentado em substituição nos do Governo?... Por ora ainda não vi senão desejos no que tem feito, e ac-

(*) O Orador aponta para o centro e para o lado direito da Camara.

(**) O Orador indica o esquerdo.

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cusações no que tom dito: entretanto e facil accusar, mas é mais difficil substituir os arbitrios offerecidos pelo Governo. Sr. Presidente, em quanto se combater neste campo, mal vae á Opposição, por isso que mostra que o seu pensamento não e outro senão o de fazer largar estas cadeiras a Pedro ou Paulo para que as venham occupar Sancho ou Martinho.. . (O Sr. Conde da Taipa: —Pergunto se isto não são intenções?) Pois o Digno Par diz que o Ministerio caminha para o absolutismo, que ha de desgraçar a Nação, que... finalmente tudo quanto é mau, e não quer que os Ministros lhe digam que o pensamento de S. Exa. não e o de fazer o bem do seu Paiz, e sim de nos lançar fora destas cadeiras Digo que isto não é attribuir intenções ao Digno Par, por que S. Exa. foi o proprio que declarou nesta Camara que havia da fazer uma opposição systematica (formaes palavras) para fazer largar as cadeiras aos Ministros... (O Sr. Vice-Presidente; — Eu não ouvi que o Digno Par dissesse essas palavras.) Foi hontem, Sr. Presidente: disse que nos havia de fazer uma opposição systematica, expressão esta que depois tornou a repetir. Ora quando o Digno Par tem dito isto. e se soffrem taes palavras, não posso eu ser censurado por que refiro as suas proprias expressões... (O Sr. Conde da Taipa: — Isso é falso: o Sr; Ministro attribueme a intenção de que eu queria ir occupar aquellas cadeiras.) Eu não disse que o Digno Par linha a intenção de vir occupar estas cadeiras, eu disse, em geral, que quem combalia os Ministros daquelle modo, sem nada substituir ao que elles propunham, mostrava que o seu pensamento era fazer-nos largar estas cadeiras só para que outros homens as viessem occupar: se o Digno Par intende que esta asserção lhe póde ser applicavel, muito embora, mas e S. Exa. que a applica a si mesmo, e não eu.

Sr. Presidente, o Digno Par quer apresentar o Governo como exclusivo, por isso estranhou que o nobre Duque de Palmella dissesse que este Ministerio não tinha decretado destituições em massa; reconhecendo porèm este facto, por que não podia contrarialo, referiu comtudo alguns exemplos, os quaes lhe pareceu darem grande fundamento para reputar o Governo como exclusivo, e lendo em vista unicamente proteger os seus amigos e afilhados. Ora quando se combate deste modo é por que se ignoram os factos, e seria mister apresentar provas cio que e assevera para poder ser accreditado.. Sr. Presidente, o Governo tem intendido dever dar a Comissão a alguns Empregados, e assim o tem feito, por que havia motivos para proceder deste modo; mas o Governo não apresenta esse exclusivo, como se tem dito, quando faz as nomeações, por que elle tem chamado para logares da maior importancia a individuos que, não podem ser considerados como tendo influencia politica nos negocios, e assim mostra que nunca foi exclusivo,- que teve sómente em vista os interesses da Nação. — Eu intendi que devia dar a demissão ao Guarda Mór da Torreado Tombo, pessoa que muito respeitava (por que infelizmente já não existe); mas quem apresentei eu a S. Magestade pana exercer aquelle cargo? Seria por ventura algum homem que tivesse prestado serviços aos Ministros, ou com quem eu estivesse em relações? De certo não: foi um homem que sim estava no partido realista — o Sr. Visconde de Santarem - mas um homem que todos reconhecem por sua capacidade, cujas luzes e talentos são bem appreciados nesta Camara, e que (sem fazer injuria a Portuguez nenhum) é o que se acha mais em circumstancias de estar collocado á testa daquella Repartição: declaro que e pessoa que nunca vi, por que até reside fóra do Paiz; entretanto eu aconselhei a S. Magestade para que fosse nomeado Guarda Mór da Torre do Tombo. — E um Ministerio que assim procede e accusado de exclusivo, de que só contempla os 5eu& amigos e afilhados!

O Digno Par, fatiando na demissão de certo Empregado (demissão que já aqui serviu de thema em outra occasião para censurai o Governo) continuou fazendo algumas considerações contra o procedimento dos Ministros, mas, servindo-se deste facto para dirigir accusações ao Governo, S. Exa. não se lembrou de que o Governo (como eu já repeti nesta Camara) não póde ser obrigado a conservar um Empregado; embora haja relevantes qualidades no individuo, se não tem confiança, no Governo, do mesmo modo o Governo não póde ter confiança nelle: quando se exerce um emprego subalterno na Administração e se declara não ler confiança no seu chefe, este Empregado não tem certamente direito a esperar que o seu chefe possa continuar a confiar-se nelle. Eu sei bem y que as estradas e outras obras publicas do Reino carecem de ser contempladas pelo Governo, carecem de grandes melhoramentos; mas desgraçado paiz que estivesse limitado a uma unica pessoa para se poderem conseguir esses melhoramentos! O Digno Par póde fazer a idéa que quizer desse Empregado demittido; eu tambem não deixo de afazer vantajosa, mas diria que a nossa terra era cheia de pessoas de pouca importancia e conhecimentos se estivesse limitada a ter unicamente um homem capaz de dirigir as obras publicas do Reino. Sr. Presidente, temos homens de igual capacidade e de igual honra á pessoa a quem se alludiir; e nesta parte ainda o Governo mostrou que não tinha sido levado por um pensamento exclusivo em quanto deu aquella demissão, pois que, quando tractou de substituir o Empregado que destituirá, foi búscar um individuo, que até se achava fóra do Paiz, (com quem eu não lenho relações, e que apenas conheço de vista) mas que se intendeu era um daquelles que estavam no caso de ser chamados, e que mesmo pela sua situação, dentro de alguns mezes mais, havendo examinado as obras que se fazem em outra Nação, poderia trazer luzes muito convenientes ao sei viço de que se ia encarregar: este e o Sr. Coronel Barreiros. Ora, se o Governo procede deste modo, poderá acaso ser, com justiça, accusado de querer unicamente beneficiar os afilhados, e de hão ter em vista o bem publico, quando dá a demissão a um Empregado e nomeia outro? De certo que não. (O Sr. Conde da Taipa: — A palavra para um requerimento.)

Sr. Presidente, eu não sei se me engano, mas parece-me que o Digno Par, no discurso que hontem fez nesta Camara, quiz convencer-nos de que a banca-rota era o unico meio que tinhamos de salvação, e que sem ella se fazer os negocios publicos não podiam chegar aonde nós desejâmos..

O SR. CONDE DA TATPA: — V. Exa. dá-me licença para explicar. — O que eu disse foi que nenhum paiz poderia salvar-se sem fazer aquillo que tem feito quasi todas as outras Nações desde o

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do seculo passado; isto é, proceder a um inventario, e ver, primeiro que tudo, o que lhe é necessario para as suas despezas internas, e do resto fazer um monte, e dividilo igualmente pelos seus .credores: isto, em linguagem currente, chama-se banca-rota, e é o que se tem feito em todos os paizes, com excepção, talvez unica, de Portugal e Hespanha, mas a situação destas duas Nações mostra donde está a capacidade. Em quanto se não tomar uma base certa daquillo que é necessario para sustentar o Governo, (separando o resto para os credores) por que ninguem póde gastar «mais do que tem, não e possivel governar o Paiz: por meios extraordinarios nunca nenhuma Nação se governou, e por esse methodo e que todas temido á anarchia, que vem a fazer aquillo que os governos ou não tiveram força ou bastante descrição para fazer. — Esta foi a minha doutrina, e sustento-a.

O SR. MINISTRO: — Agora se vê que eu tinha bem comprehendido; e devo declarar que, se o Digno Par intende que o Governo que não fizer - banca-rota vae á anarchia, então é certo que Governo actual tem de ir direito á anarchia, por que este Governo quando se visse na dura necessidade de fazer uma banca-rota não era Governo: (O Sr. Conde da Taipa: — Isso sei eu.) havia então de aconselhar á Soberana que chamasse o Digno Par para fazer essa operação. (O Sr. Conde da Taipa.-— Esperem lá por mim.) — Sr. Presidente, tractemos nós de cortar, quanto seja possivel, a nossa despeza; tractemos de fazer as economias que ainda podermos fazer, e que o Governo está disposto a fazer, esperando porá isto a coadjuvação das Côrtes; (Apoiados.) tractemos de melhorar a nossa administração quanto possa ser; procuremos ver aonde se hão de achar algumas verbas de receita para fazer face aos nossos encargos; e tractemos de melhorar a sorte do Paiz, construindo ou melhorando as estradas e as outras vias de communicação: se tudo isto fizermos, o nosso credito augmentará, e, em logar de banca-rota, então veremos os nossos negocios melhorados, e passaremos como uma Nação que sabe cumprir as obrigações que tem contrahido. Por isso repilo que, se o Digno Par não acha outro caminho, e intende que por este caminhamos á anarchia, de certo que lá iremos: mas eu creio que o Digno Par se engana, posto que o Governo ha de embaraçar por todos os meios a seu alcance que cheguemos á banca-rota. (Apoiados.) Sr. Presidente, eu no Congresso Constituinte, discutindo-se uma questão como esta, cheguei por momentos a convencer-me das doutrinas do Digno Par; mas, depois de mais profundamente meditar o negocio, e a nossa situação, digo que o Ministro que se decidisse a referendar um Decreto de que resultasse a banca-rota, deveria, não cortar-se-lhe a mão com que fizesse uma tal referenda, mas perder a existencia. (Apoiados.) Sr. Presidente, nós temos muitos meio? para salvar a Nação do estado em que se acha, e declaro aqui por parte do Governo que o systema indicado pelo Digno Par nunca será posto em pratica pelos actuaes Ministros.

Sr. Presidente, demasiado tenho cançado a Camara, mas peco-lhe que note quantas accusações foram feitas ao Governo, e que não era possivel ficassem sem resposta: são ellas as mesmas do anno passado, e de ha dous, annos, com a differença que hoje são dirigidas apresente Administração, e então eram feitas ás antecedentes; e tambem com outra differença, que naquella epocha eram feitas por uns certos Representantes da Nação, que sempre estiveram na esquerda, e hoje são vibradas pelo Sr. Conde da Taipa, que então não achava perigosa a marcha da Administração que apoiou, e que neste dia ainda é a mesma, por que a marcha daquella Administração tendia a consolidar a Constituição, a manter a ordem no Paiz, e a organisar as finanças, objectos que tem igualmente a peito o actual Ministerio. (Apoiados.)

O SR. CONDE DE TAIPA: — Eu peço a V. Exa. que pergunte á Camara se considera a materia sufficientemente discutida (Apoiados.)

Foi logo consultada, e resolveu pela affirmativa.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Ha alguns Dignos Pares inscriptos para explicações...

O SR. CONDE DA TAIPA: — Eu peço que a votação seja nominal.

O SR. CONDE DA. CUNHA: — Eu apoio.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: — Quero unicamente repetir uma observação, que já aqui tive occasião de fazer. Eu protesto contra as explicações depois das votações, e tambem contra as votações nominaes nesta Camara.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Eu, concordando em, geral com as ideas que exprimiu o Sr. Duque de Palmella, acho com tudo que, quando uma explicação e a respeito de um facto, não póde deixar de se fazer. Eu não me teria reservado para dar uma explicação, se as nossas discussões apparecessem publicadas na sua integra em o dia immediato; mas, como isto não é possivel, tambem não posso prescindir de me explicar. — Um Digno Par, referindo-se a uma expressão do meu pequeno discurso, deu-lhe uma interpretação (a respeito de precedentes) que certamente não foi no sentido em que eu tinha fallado...

O SR. CONDE DA TAIPA: — Podia bem ser que me enganasse.

Consultada a Camara, decidiu que a votação não fosse nominal (por 120 votos contra 17.)

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Agora tem a Camara a considerar, antes da votação do Parecer, as Propostas que foram mandadas á Mesa: uma é do Sr. Conde de Lavradio.. .

O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Se V. Exa. me dá licença, eu retiro-a.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Como estava em cima da Mesa, não posso deixar de a ler, e vou consultar a Camara.

Annuiu ao pedido do Sr. Conde de Lavradio.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Em seguida o Sr. Silva Carvalho fez uma Proposta.. .

O SR. SILVA CARVALHO: — Se V. Exa. me dá licença, digo que, como voto em geral no Projecto, não se julgue que isto prejudica a emenda que offereço a um dos Artigos. Precisava fazer esta declaração.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — O Sr. Conde de Lavradio, retirando a sua primeira Proposta, fez outra que e a seguinte: (leu.)

O SR. DUQUE DE PALMELLA: — Essa Proposta deve ficar para a especialidade, (apoiados.)

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Isso é o que eu ia

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dizer; e como um dos Dignos Pares, o author da outra Proposta, já declarou que votava pelo Parecer, salva a materia da mesma Proposta, intende-se que será posta á votação quando se passar á especialidade. (Apoiados.)

O Sá. MARQUEZ DE LOULÉ: — (Sobre a maneira de propor.) Desejaria que V. Exa. me dissesse se depois da votação que vae haver ha de ter logar outra discussão na especialidade!... Eu creio que a Camara não quererá tal, e como não haja outra discussão, parece-me que tambem devia ser uma só a votação.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Eu primeiramente proponho á votação o Parecer da Commissão, e depois hei de propor cadaum dos Artigos do Projecto: esta e a ordem prescripta no Regimento.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA:—Eu pedia que o Governo, antes de se proceder á votação, declarasse se está determinado a não continuar a tomar resoluções legislativas na ausencia das Côrtes. A Camara assim votaria mais desassombrada mente.

VOZES: — Votos. Votos.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS no REINO: — Será que o Digno Par nos queira dar o seu voto?. ..

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: — Faço esta proposta, e a Camara a approvará, ou rejeitará;

eu a mando para a Mesa.

É assim concebida.

Requerimento.

Roqueiro que o Governo declare que durante a ausencia do Corpo Legislativo, não tomará medidas de natureza legislativa. — Sá da Bandeira.

Não foi admittido.

E Sendo logo posto a votos o Parecer da Commissão, ficou approvado (por 28 contrai.) Disse depois

O SR. SILVA CARVALHO: — Parece-me que V. Exa. devia agora consultar a Camara sobre se quer entrar na discussão do Projecto em especial, ou se se ha de dispensar, por que realmente todos aquelles pontos que se comprehendem nos seus dous Artigos creio que foram mais que discutidos quando se tractou o assumpto na generalidade. (Apoiados.)

O SR. VICE-PRESIDENTE:— Parece-me que, tendo-se fallado tão largamente sobre os dous Artigos do Projecto, podia já passar-se á votação delles; entretanto, para maior solemnidade, convenho em seguir a sua opinião, e pergunto á Camara se dispensa a discussão sobre cadaum dos mesmos Artigos?

Resolvendo-se pela affirmativa, proseguiu

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Agora passa-se a votar sobre a segunda Proposta do Sr. Conde de Lavradio...

O SR. SILVA CARVALHO: — A minha proposição parece-me que deve ser primeiro.....

O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Eu consinto.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Eu acho que a sua Proposta e a do Sr. Conde de Lavradio são inteiramente identicas; com a differença de que a de V. Exa. e motivada e a outra não. Por tanto, os Senhores que são de parecer que o Artigo 1." do Projecto da outra Camara deve ser eliminado, queiram levantar-se.

Decidiu-se que não (por 22 votos contra 15.; — Continuou

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Não está vencido: por consequencia passo a propor o 1.° Artigo do Projecto... (Alguns Dignos Pares sahem da Salo.)

— Parece-me que os Dignos Pares não deviam retirar-se, por que depois de votarem pela eliminação do Artigo, estava claro que não votariam por elle. Faço esta observação por que é da minha obrigação neste logar, visto que o Regimento não permitte que os Membros da Camara sahiam no acto da votação.

— Os Senhores que approvam o Artigo 1.°, queiram levantar-se.

Ficou approvado (por 22 contra 13 votos.)

O SR. VISCONDE DA GRVCIOSA: — É permittido fazer um requerimento sobre a votação do Artigo 2.°?

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Sim Senhor.

O Digno Par leu então, e mandou para a Mesa este

Requerimento.

Requeiro para que sejam votadas em separado, e cadauma de per si, as providencias decretadas pelo Governo na ausencia do Corpo Legislativo, e que estão comprehendidas no § 2.° do Projecto de Lei cuja discussão agora finalisou. — Sala da Camara dos Pares em Sessão de 25 de Fevereiro de 1843.

— Visconde da Graciosa. Não foi admittido.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — A primeira parte da ultima Proposta do Sr. Conde de Lavradio (a eliminação do Artigo 1.° do Projecto N.° 23) acha-se resolvida por uma das votações antecedentes: vou pôr a votos a segunda parte, que diz assim:

— Que o 2.° Artigo do sobredito Projecto seja substituido pelo seguinte: — Os Decretos publicados pelo Governo com as datas de 28 de Outubro, de 4, 26, 23, 29, e 30 de Novembro, de 1, 5, 6, 7, 13, 14, 19, e 20 de Dezembro de 1842, serão provisoriamente executados, mas só terão força de Lei até ao fim do presente anno de 1843. Tomados votos, ficou rejeitada. Seguidamente foi o Artigo 2.° do Projecto approvado (por 88 votos contra 9.)

O SR. VICF-PRESIDENTE: — Está votado todo o Projecto. — Ha alguns Dignos Pares inscriptos para explicações. Eu desisto da que tinha a dar, e segue-se é Sr. Silva Carvalho.

O SR. SILVA CARVALHO: — Eu em toda a minha vida tenho procurado ser coherente com os meus sentimentos, e com os meus principios. A applicação que V. Exa. fez, a meu respeito, do Regimento não me pareceu conveniente: todas as disposições do Regimento se modificam conforme as circumstancias; eu sinto muito não poder renunciar ás minhas convicções, mas o que se produziu não se destruiu com razões que possam excluir a primeira convicção, com muito sentimento meu, principalmente nesta occasião. Eu disse, quando esta discussão começou, que se eu estivesse na Camara dos Srs. Deputados Votaria pelo bill de indemnidade, mas que estava convencido que esta Camara não podia1 entrar nessa materia, e por isso votei na eliminação do Artigo 1.°; e como se não venceu o que eu propunha, não «podia tambem votar no Artigo para ser coherente comigo mesmo; e então assentei que 0mélhor era sahir da Camara, e peço aos Tachygraphos que tomem nota disto, publicando esta e Aplicação, pôr que desejo sor coherente nas minhas opiniões.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Eu direi tambem como disse ainda agora o Digno Par, o Sr.

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Duque de Palmella, que não posto muito destas explicações; mas é exactamente sobre as mesmas expressões de S. Exa. que eu tenho precisão de dar uma explicação.

S. Exa. começou por dizer que apoiava esta Administração, e que havia apoiado todas as Administrações que tem havido... (O Sr. Duque de Palmella: — Eu não disse todas.) Esta noticia que S. Exa. nos deu já nós a sabiamos; e seja-me permittido observar que o facto não é novo. Lembra-me a historia de um velho cortezão Inglez, que por sessenta annos havia apoiado todos os Ministerios que houve; tendo sabido da Administração alguns individuos. os quaes fòram substituidos pelos seus antagonistas politicos, perguntaram a esse cortezão se continuaria apoiando o Ministerio; a sua resposta foi a seguinte: — sim Senhor; para mim basta que a nomeação delle seja assignada por EL-Rei meu amo para eu o apoiar. — Faço disto applicação ao nobre Duque: S. Exa. assenta que deve apoiar todas as Administrações, faz muito bem; porem eu, menos bondoso que S. - Exa., assento que devo atacar o Srs. Ministros actuaes, não pelos motivos que alguem poderá ter supposto, de que eu queira as suas cadeiras, mas se assim procedo e só por que intendo que convêm aos interesses do meu Paiz. — S. Exa. lançou em responsabilidade á Opposição desta Camara os males futuros que poderão vir ao Paiz, tomando-a como quem estafa animando os amigos da desordem fora desta Casa! Nunca esperei que se nos fizesse similhante injuria, qual a de considerar-nos orgãos da desorganisação do Reino!.. Nem me consta que em parte alguma" fosse ainda feita a quasi supplica que fez S. Exa. do que seria para desejar que se acabasse com as Opposições! Sr. Presidente, a opposição que eu aqui lenho feito não é acintosa; se é acre (não o duvido, convirei mesmo que talvez o tenha sido) e por que tambem os factos obrigam a apresentar acrimonia: seja-me com tudo licito dizer que, depois do que nesta Camara acaba de ter logar — a absolvição que demos a um peccado tão grave, qual e a violação da Constituição — não se póde com justiça dizer que a censura que nós daqui fazemos seja acre. Em quanto se não promulgar uma Lei que prohiba o fazer-se opposição ao Ministerio, hei do continuar a fazer-lha, se elle prosseguir no caminho em que andou até agora; e não só a farei a esta Administração, mas a qualquer outra que depois della vier, e que. não trabalhe para o bem do Paiz: se porem: se apresentarem Projectos que eu intenda serem favoraveis ao mesmo, Paiz, declaro que hei de dar o meu apoio ao Ministerio, que assim proceder, quaesquer que forem as pessoas que o componham. Não é ao legares dos Srs. Ministros que eu faço opposição; francamente digo que não quero nenhum delles, por que não me reputo capaz de o preencher devidamente. Por tanto a censura que o Sr. Duque de Palmella dirigiu a este, lado foi muito injusto, e torna-se ainda mais grave, por que S. Exa. (que quasi sempre occupa a Cadeira) já declarou uma especie de... - não me atrevo a caracterisala — em som ma, declarou que considerava esta parte da Camara como composta de Membros podres, nada menos que promotores da desordem, (faltou só dizer que nós eramos aqui os orgãos de uma especie de arcenalismo} e trouxe em apoio da sua asserção o que em outras epochas se tinha passado (eu não pertencia então á Camará) designando mesmo a antiga Opposição como causadora da revolução de Septembro de 1836, e que nós (os deste lado) estavamos actualmente tambem promovendo revoluções e desordens que podia haver no Paiz. Pelo que pertence á antiga Opposição, ella que lhe responda; e quanto á actual, eu respondo por mim (assim como estou convencido que o podia fazer pelos meus Collegas) que desejo tanto o bem do Paiz como o nobre Duque; e se S, Exa. suppõem que só as suas intenções são rectas, que lhe faça muito bom proveito.

O Sn. DUQUE DE PALMELLA: — A palavra para uma explicação pessoal.

O SR. PRESIDENTE no CONSELHO DE MINISTROS: — Sr. Presidente, creio que repetindo agora o que hontem expuz, ficará satisfeito o Digno Par, o Sr. Conde do Bom fim, por que me parece que elle não intendeu bem o que eu disse. — Hontem o Digno Par, o Sr. Conde da Taipa, nas immensas reclamações, arguições, e gritarias que fez contra o Governo, disse que apenas se pagava regularmente á tropa que estava em Lisboa, mas que nas Provincias havia muitos atrazos; reparei tambem, quando S. Exa. dizia que á 8.ª Divisão se deviam doze quinzenas, o Sr. Conde do Bomfim repetir que eram dezesete as que se deviam: foi então que eu disse a S. Exa. que elle por esta vez, não fôra bem informado, posto que o Digno Par soubesse muitas cotizam que se passam no Ministerio da Guerra, muitas das quaes eu mesmo lhe contava (e continuaria a contar, porque tenho muita confiança em S. Exa., sou muito seu amigo, e elle e muito capaz de as saber); ora, nesse momento, eu não podia dizer com toda a exactidão o numero de quinzenas que offectivamente se deviam áquella Divisão, ainda que podesse certificar não serem dezesete. Hoje, porem, o Sr. Conde do Bom fim pareceu-me ter intendido que eu hontem dissera que S. Exa. tinha divulgado segredos que eu lhe havia confiado, mas tal não disse, e appello para o testimunho da Camara. Creio, Sr. Presidente, que tenho dado a, minha explicação.

Aproveito pois esta occasião para informar que só se deviam nove quinzenas á 7.ª e 8.ª Divisões, mas isto antes de se saber da tipplicação de fundos para o pagamento demais quatro, vindo por tanto essa divida a reduzir-se unicamente a cinco quinzenas.

O SR. CONDE DO BOMFIM: — Já dei os parabens a S. Exa.: mas, quando eu disse aquellas palavras, parece-me que se não tinham feito esses pagamentos.

O SR. GERALDES: — Sr. Presidente, quando eu pedi a palavra para me explicar, decidiu a Camara que a minha explicação ficasse para o fim da discussão: agora porèm o farei, e direi, em resposta a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça, que eu não tenho Projectos de finanças para apresentar, nem conheça em mim .forças para os poder fazer; mas o que intendo e que convem empregar outros meios para melhorar a Fazenda Publica, do que os até agora seguidos, que estes estão em uma boa fiscalisação, e que com, uma boa fiscalisação se leria poupado uma muito maior quantia do que a feita por essas medidas excepcionaes, de que ha pouco vieram pedir um bill de indemnidade e é isto o que ou peço a V V. Exas. que façam. (O Sr. Ministro da Justiça - Estamos de accôrdo.) Mas então por que não o faz? . (O

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Sr. Ministro da Justiça: — É. por que não sei.) Eu conheço que todas as Administrações tem achado embaraços; mas jámais darei o meu voto a uma Administração que não tracte primeiro das economias, antes de apresentai Leis de tributos. O Sr. Ministro da Justiça, quando me respondeu, poz na minha bocca proposições que eu não tinha dito; principalmente inverteu o sentido do que disse relativo ao Ministerio de 10 de Fevereiro; se fosse verdade o ter enunciado o que se acha publicado em algum jornal, de certo não merecia a pena que S. Exa. tivesse o trabalho de lhe responder; mas isto é orneio roais facil de desfazer os argumentos dos contrarios. A verdade porem e que eu disse ter havido uma violação de Lei, que para ser consentida era mister que a ruina do Estado fosse certa e a medida salvadora; que neste caso mesmo eu quereria que aquelle que tivesse lançado mão desta medida, passado o perigo, se apresentasse á Nação despido do poder; que isto não eram theorias, e para exemplo trouxe o Ministerio de 10 de Fevereiro, que achando-se reduzidos a simples particulares, nem por isso achou voz alguma a accusalo. Estas foram as minhas palavras e não outras.

O SR. DUQUE DE PA.LMELLA.: — Não posso deixar de dizer que, o que acaba de acontecer nesta Camara, confirma mais uma vez aquillo que por diversas eu tenho dito, e ainda hoje repeti, a respeito das explicações. As explicações depois da votação, não são outra couza senão aquillo que o Regimento prohibe, que é — motivar o voto... Não irei porèm mais longe, para não pôr em praticado mesmo que reprovo, visto que pedi, e tenho a palavra sómente para a rectificação de um facto.

O Sr. Conde de Lavradio fez-me dizer o que eu não disse, e pensar o que não penso. Eu não disse que tinha apoiado todos os Ministerios, por que não é verdade; e por conseguinte, a respeito deste facto, sobre o qual o Sr. Conde do Lavradio edificou a sua explicação, só accrescentarei que S. Exa. foi inexacto. Em quanto ás consequencias que tirou, S. Exa. mesmo, quando estiver de sangue frio, e ler o meu discurso, verá que nelle não ha couza que devesse provocar a irritabilidade do Digno Par nas recriminações, directas ou indirectas, que fez. Quanto ao mais, eu descanço plenamente, tranquillamente, na opinião da Camara, e na do Publico: elle dirá se o exemplo que o Digno Par deu hoje, de uma maneira tão marcada e distincta, de se dirigir designadamente a individuos, de os apresentar nas discussões, e (por assim dizer) de as tornar vivas, deve ser ou não seguido pelos que lhe respondem; finalmente, se a historieta do côrtezão dos sessenta annos, que S. Exa. referiu, póde ter uma applicação litteral ao meu caso... Deixo tudo isto ao juizo imparcial do Publico; e não direi mais nada. (Apoiados.)

O SR. VICE-PBESIDENTE: — A proxima Sessão terá logar na Quarta-feira (1.° de Março), e a Ordem do dia serão os Pareceres das Commissões, — Está fechada a Sessão. Eram cinco horas.

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310 DIARIO DA CAMARA DOS PARES.

APPENDIX.

Por ommissão de copia deixou de se transcrever, a pá g. 123, col. 1.ª, (depois do Parecer da Commissão de Poderes, que ahi se acha] a seguinte

Carta Regia.

Barão das Laranjeiras, do Meu Conselho. Eu A Rainha vos Envio muito saudar. Attendendo aos vossos merecimentos e qualidades, Hei por bem, depois de ouvido o Conselho d’Estado, Nomear-vos Par do Reino. O que Me Pareceu participar-vos para vossa intelligencia e execução. Escripta no Palacio das Necessidades em tres de Maio de mil oitocentos quarenta e dous. = RAINHA. = sintonia Bernardo da Costa Cabral — Para o Barão das Laranjeiras, do Meu Conselho.

FIM DO VOLUME 2.° DA 3.ª SERIE.

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