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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão de 10 de julho de 1868

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios os dignos pares Reis e Vasconcellos.

Mello e Carvalho.

Ás duas horas e meia da tarde, e sendo presentes 22 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente sessão, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia, que teve o competente destino.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo, para ser presente á camara dos dignos pares, a proposição sobre a approvação do contrato para a concessão durante cincoenta annos do usufructo das aguas sulphureas do arsenal da marinha ao dr. Agostinho Vicente Lourenço.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo, para serem distribuidos pelos dignos pares, 70 volumes da estatistica geral do commercio de Portugal com as suas possessões e nações estrangeiras, relativos ao anno civil de 1866.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, pedi a palavra antes da ordem do dia para rogar a V. ex.ª que lembre á commissão de administração publica a necessidade de se occupar do projecto de lei que ultimamente tive a honra de mandar para a mesa.

O sr. Conde de Linhares: — Obtendo a palavra, expoz que a pedíra sentindo muito não ver presente o sr. ministro da marinha, mas como nas poucas palavras que ía dizer não pretendia interpellar s. ex.ª, antes pelo contrario tencionava unicamente limitar-se a defender a propria pessoa d'elle orador, em um negocio em que, se o não fizesse, lhe caberia alguma responsabilidade; julgava poder faze-lo na ausencia de s. ex.ª, esperando que, como se tratava de um negocio de bastante importancia, a camara o relevasse de lhe occuppar a attenção por alguns instantes.

É conhecido por todos que ha pouco tempo o governo portuguez comprou em Inglaterra uma corveta por 40:000 libras (180:000$000 réis). Antes de se effectuar esta compra s. ex.ª, o sr. ministro da marinha, mandou ouvir a commissão consultiva, a quem remetteu os planos e desenhos do navio para se resolver se effectivamente o navio estava ou não no caso de ser comprado pelo governo.

Aconteceu que apesar de haver alguns desenhos de varias secções do navio, uma photographia que o representava, e diversos apontamentos declarando quaes as madeiras de que era construido, qual a maneira por que era cavilhado, etc.. ainda assim não havia talvez os dados necessarios para se avaliar bem o typo do navio; comtudo com esses poucos dados que existiam elle orador julgou, na sua qualidade de engenheiro naval, que o typo que se examinava era de um navio antigo. Não sabia nem podia saber se o navio era novo ou velho, mas naturalmente pôde suppor desde logo, e assim o observou á commissão, que não era muito provavel nem natural que uma casa commercial ingleza construisse um navio para vender sobre um plano velho, isto é, sobre um plano que hoje se não usa; por consequencia havia já dados para suppor que o navio não era novo, e tanto assim que se parecia com um navio do que elle orador tinha conhecimento, que é o Archer.

Achando-se presente na camara o presidente da commissão consultiva, s. ex.ª poderia dizer se 0 orador se afastava, na sua exposição, da verdade do que a tal respeito se passou no seio da commissão.

O sr. Visconde de Soares Franco: — Peço a palavra.

O Orador: — Continuou dizendo que depois do exame dos respectivos planos mais fizera ver á commissão consultiva que a construcção não seria conveniente, segundo mesmo as opiniões da propria commissão consultiva, que ultimamente apresentára ao governo alguns typos para servirem de norma ás construcções que se fizessem no paiz, ou se mandassem fazer fóra.

Avaliou a força do navio em relação ás suas toneladas o dimensões, artilheria que podiam comportar; sendo certo que em todas as apreciações do navio de que se trata havia a considerar a questão de segurança na construcção do mesmo, a espessura dos vaus, -o numero das curvas, etc. porque tudo isto tem grande influencia o peso. E ainda mesmo que essas condições fossem satisfeitas podia acontecer que não tivesse as condições náuticas necessarias para poder com aquelle peso.

Feitas estas observações, já se vê que não approvou de maneira alguma, na commissão consultiva, a compra d'este navio. Foi mesmo o primeiro a apresentar duvidas; pois na primeira reunião da mesma commissão não se achava presente o outro cavalheiro que depois votou contra a compra do navio; tendo-se até elle, orador, compromettido, logo que chegasse o plano geométrico, que não tinha vindo, a demonstrar, com o compasso na mão, que o seu plano era exactamente do typo da corveta Archer, construida em Inglaterra haverá quinze annos; e que portanto era antigo o seu plano.

Elle, orador, está persuadido de que ainda hoje tem voto na commissão consultiva; mas algumas pessoas duvidam de que o tenha, e como visse duvidas na commissão sobre elle, orador, ter ou não ter voto consultivo, lavrou uma especie de protesto, ou voto em separado, no qual assentara os fundamentos que acabava de expor.

Ficou por consequencia, um pouco admirado do que o sr. ministro da marinha disse a este respeito na outra camara, respondendo ao sr. Testa, naturalmente devido a s. ex.ª no primeiro instante de responder á interpellação, não se lembrar dos detalhes d'este acontecimento.

Disse s. ex.ª (leu).

Ora, sendo elle (orador) chamado á commissão como technico, como engenheiro naval para dar o seu voto a respeito do plano do navio, está visto que não havia de se collocar n'um mau terreno, votando de modo contrario aquelle porque entendia as cousas. Queixou-se o sr. ministro do sr Testa lhe não dar mais esclarecimentos a respeito do navio. Elle (orador) deu a s. ex.ª quantos esclarecimentos podia dar, e fez quanto pôde para que a compra se não effectuasse, não porque achasse caro o navio, porque sendo novo e bem construido, o preço de 180:000$000 réis seria regular.

Emquanto á questão do director das construcções navaes fazer, ou deixar de fazer parte da commissão consultiva, ha um decreto que a tal respeito diz o seguinte:

«Art. 10.° A commissão consultiva compõe-se de sete vogaes sendo quatro effectivos e tres amoviveis nomeados pelo governo. Os vogaes effectivos são:

«1.° O chefe d'estado maior de marinha;

«2.° O director da escola de marinha;

«3.° O inspector do arsenal;

«4.° O commandante dos marinheiros.

«Os vogaes amoviveis são tres officiaes da armada, um dos quaes servirá de secretario, mas nenhum d'elles poderá pertencer á commissão por mais de tres annos. A patente mais graduada entre todos os sete vogaes da commissão presidirá as suas sessões, quando não esteja presente o ministro: os chefes de direcções, o presidente do conselho de saude naval e o auditor, terão assento n'ellas e voto consultivo quando ali forem chamados, tratando-se dos objectos relativos ás repartições a seu cargo, e te-lo-ha igualmente o chefe das construcções».

Ha tambem o decreto de 26 de junho de 1867, que modifica esta organisação da commissão consultiva, na parte que diz respeito aos seus membros permanentes; porém como esse decreto não falla em serem ou deixarem de ser ouvidos os chefes de serviço, por isso se julga que elles continuam a ter voto consultivo, substituindo-se os vogaes amoviveis por um só official de marinha. Hoje a commissão consultiva compõe-se do major general, inspector do arsenal, director da escola naval, do secretario e do chefe da respectiva repartição.

Não deseja fazer censuras a ninguem, e sómente declarar qual seu voto a respeito d'esta questão, e dizer que na commissão consultiva fez todos os esforços e deu todos os esclarecimentos para demonstrar, até á evidencia, que o navio de que se trata não era novo. Para o comprovar, leu o seu voto em separado, que é o seguinte:

«O conde de Linhares tendo examinado o plano e a proposta apresentados na commissão consultiva para a acquisição de uma corveta a vapor do madeira, disse que o preço de 40:000 libras pedido por esse navio não lhe parecia excessivo caso elle seja bem construido, de materiaes escolhidos, bem cavilhado e bem fechado; que porém na sua opinião, este typo é de um navio muito similhante á corveta de guerra portugueza Sá da Bandeira, e por consequencia mui diverso dos Alabamos, recommendados ao governo por differentes vezes pela commissão consultiva. Este plano de corveta tem 187 pés de quilha, 34 pés e 6 pollegadas de bôca, é 20 pés e 6 pollegadas de pontal, sendo a sua força a vapor de 200 cavallos (nominal), e a sua tonelagem proximamente de 950 toneladas; não poderá por consequencia andar muito mais do que a corveta já mencionada Sá da Bandeira, a qual está longe de ser um Alabama.

«Diste tambem que o navio não lhe parecia muito proprio nas dimensões apresentadas para a artilheria proposta, que ignorava comtudo como seriam os vans da corveta e de que dimensões, objecto importante em relação ao peso da artilheria; acrescentou que apesar de só ter presentes algumas secções do desenho da corveta, todavia não tinha muita duvida em asseverar que o seu plano geométrico deve ser muito similhante aos typos das nossas corvetas, cousa que será aliás muito 'fácil de verificar logo que chegue de Inglaterra o plano geométrico da corveta proposta; e sendo assim, é corto que todos estes typos são já antigos e reprovados para navios de guerra construidos na actualidade, bastará compara-los com os planos dos Alabamos modernos, cujos modelos e planes possuo, e já apresentou á commissão consultiva para notar a grande differença que ha entre taes corvetas o as construcções modernas de grande velocidade e poderosa artilheria.

«Disse mais o director das construcções que entendia dever indagar se a machina da corveta proposta teria condensadores de superficie e se todos os vaus do convés são de ferro ou de madeira, e concluiu declarando que na sua opinião a velocidade media não poderá exceder (no mar) a 8 milhas.»

Pela leitura que acabava de fazer já via a camara que se esforçou quanto pôde, na commissão consultiva, por fazer ver que o navio era velho e não convinha de fórma alguma, pondo já de parte a questão de ser typo antigo.

Diz-se que não tem voto na commissão consultiva o director das construcções navaes. Então para que vae lá? Pois se o fim principal que houve em vista, com a nomeação da commissão consultiva, foi o esclarecer o governo sobre estes assumptos, e se a pessoa technica que faz parte d'essa commissão não der o seu voto, a sua opinião a respeito do objecto de que se trata, então fica o governo no mesmo estado, isto é, sem ter esclarecimentos alguns a respeito da parte technica. É verdade porém, que o seu protesto foi aceito e apresentado ao sr. ministro da marinha.

Não continuava com mais considerações, porque o seu fim era unicamente fazer ver á camara que na commissão consultiva levantou quanto pôde a sua voz para se oppor á compra de um navio que, alem de ser typo antigo, o que, como já disse, não é questão principal, é uma embarcação velha, que para nada serve.

O sr. Visconde de Soares Franco: — Sr. presidente, quando o digno par o sr. conde de Linhares começou o seu discurso, suppuz eu que s. ex.ª queria annunciar alguma interpellação ao sr. ministro da marinha sobre o objecto de que tratou, porque em tal caso eu desejava tomar parte n'ella; como porém o digno par apenas quiz declarar á camara qual havia sido o seu voto na commissão consultiva de marinha, por isso me limitarei tambem a fazer apenas algumas breves, mas rapidas considerações.

Em relação aos votos apresentados pelos differentes membros da commissão, direi ao digno par que ha de ámanhã apparecer publicado no Diario popular o que se passou na commissão, e por consequencia lá se ha de ver o voto de V. ex.ª

Emquanto á opinião do sr. Testa 'sobre esta questão, ella tambem ha de apparecer ámanhã, e a camara verá que este cavalheiro queria unicamente navios couraçados, ou então navios de pau, mas dotados de grande velocidade, que são muito mais caros, armados com grandes peças de artilheria para poderem dar o tiro e fugirem em seguida, quer dizer, não dar costado. Eu sou de opinião diversa a este respeito. Nós não podemos ter navios couraçados, porque o estado das nossas finanças o não permitte, nem temos em que os empregar; o que podemos e devemos ter, e é indispensavel, são navios que prestem bom serviço nas nossas provincias ultramarinas, pouco despendiosos, mas que tenham a força necessaria para poderem vigiar, fiscalisar e proteger em caso necessario as nossas possessões de alem mar, que não posso deixar de considerar se não como abandonadas, e nas quaes não apparece a nossa bandeira dignamente representada.

Na occasião em que se offereceu á compra a embarcação de que se trata, os nossos melhores navios estavam postos de parte, porque o governo não podia faze-los saír sem que previamente os fizesse passar por um grande concerto. As quatro corvetas que foram construidas no arsenal, que tambem são de typo antigo identico ao que diz o digno par, com quanto sejam navios novos e feitos em Lisboa, estavam tres em commissão, e a quarta, que se achava no Brazil, voltava a Portugal, porque não estava em estado de continuar na sua commissão, segundo declaram as vistorias que foram feitas a este navio, antes que recebesse ordem para regressar a Lisboa.

As circumstancias eram momentosas; não se devia nem podia perder tempo algum, porque nós tivemos noticia de que em Macau haviam movimentos que podiam pôr em risco a soberania d'aquella rica colonia, e nos obrigavam a reforçar aquella estação, e não podiamos dispor de navio algum, o que era urgente. Apresenta-se uma proposta, e diz-se: a ha um navio solido e perfeitamente construido de 950 toneladas». Pelas experiencias feitas mostra-se que andou onze milhas e quatro decimos por hora só a vapor. Este navio foi examinado por um official distinctissimo da marinha portugueza, o sr. José Baptista de Andrade; foi visto por homens peritos, que disseram no seu relatorio que o navio, quanto ás qualidades que apresentava, era excellente, boas madeiras de teca e carvalho. Este navio offerecia-se á venda por 180:000$000 réis para se pagar em tres annos, o que diminuiu muito o seu custo, armado com quatro peças de calibre 115 e quatro de calibre 40, cujo armamento se pôde calcular em 45:000$000 réis proximamente.

Ora, se compararmos quanto custava este navio com os que se têem feito em Lisboa da mesma especie, mas com um armamento muito superior, ha uma differença de 100 por cento. Mas havia outra questão muito maior, séria e grave, era no momento dado não termos embarcações de que lançar mão; por consequencia a commissão consultiva, em vista dos esclarecimentos, e attendendo ao preço e ás circumstancias em -que nos achavamos opinou que, comquanto, não fosse Alabama, andando 14, 15 e 16 milhas, a compra não só era util, mas necessaria e proveitosa, porque o que nós precisamos primeiro que tudo era ter navios para poder vigiar as provincias ultramarinas e fazer respeitar a nossa bandeira em toda a parte, e ao depois, quando nós tivermos esta qualidade de navios e os meios para poder ter vasos couraçados se tratará d'isso, porque não ha nação hoje em dia que não os tenha, mais ou menos, maiores ou menores.

Eu desejava que tivessemos d'esses typos para a defesa da nossa barra, que está á mercê do primeiro flibusteiro, que