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SESSÃO DE 30 DE MARÇO DE 1875

Presidencia do exmo. Sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho

(Assistiam os srs. ministros das obras publlicas, estrangeiros e interino da marinha.)

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 23 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada, em conformidade do regimento, por não houver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Sete officios da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando igual numero de proposições, a saber:

1.ª Habilitando a administração do hospital de S. José a satisfazer ás despezas dos importantissimos estabelecimentos a seu cargos, e dotar o novo hospital Estephania com, os meios necessarios á sua installação.

Ás commissões de administração e de fazenda.

2.ª Prorogando o praso da existencia do banco ultramarino, sendo-lhe concedido por mais dez annos o exclusivo da fundação de instituições bancarias, e por mais vinte o exclusivo da emissão de notas nas provincias ultramarinas.

Ás commissões do ultramar e de fazenda.

3.ª Auctorisando o governo a despender 18:342$000 réis com a compra de duas lanchas destinadas ao transporte dos quarentenarios para o lazareto de Lisboa, e de um vapor destinado a reboca-las, e ao serviço de saude e da alfandega, e para a despeza do pessoal de todo este serviço.

Ás commissões de administração e de fazenda.

4.ª Sobre a organisação definitiva do real observatorio astronomico da Ajuda.

Ás commissões de instrucção publica e de fazenda.

5.ª Sobre serem livres de direitos da alfandega os materiaes e machinas importadas para pontes nas estradas de 1.ª,2.ªe 3.ª ordem.

Á commissão de fazenda.

6.ª Approvando o contrato para o serviço de navegação a vapor entre Lisboa e os portos do archipelago dos Açores.

Ás commissões do ultramar e de fazenda.

7.º Auctorisando differentes bancos e estabelecimentos de credito a emittirem notas fóra do districto administrativo de Lisboa.

Á commissão de fazenda.

O sr. Miguel Osorio: - Desejava saber se o sr. ministro da justiça se declarou já habilitado a responder á interpellação que annunciei a s. exa., e se já vieram os documentos que pedi fossem enviados a esta camará?

O sr. Presidente: - Na mesa não ha participação alguma do sr. ministro da justiça, nem ha resposta ainda ao pedido de documentos feito pelo digno par.

O sr. Miguel Osorio: - Fico inteirado.

Sr. presidente, como se acha presente o sr. ministro da marinha, peço licença para dirigir uma pergunta a s. ex. Consta que chegara um regulo do ultramar, que vem como prisioneiro ou preso do estado, ou como se lhe queira chamar. Segundo dizem, este individuo fôra mandado pelo governador, não sei de que provincia ultramarina, para a metropole, onde o fizeram conduzir a uma prisão do estado. Este facto, a ser verdadeiro, deve ter uma explicação; porque se esse individuo é prisioneiro de guerra, talvez possa ser conduzido para qualquer outro ponto, e, se é criminoso, parece que devia ser julgado no logar onde commetteu o crime a não haver uma forte rasão do estado que obrigasse o governo a proceder de outro modo. Em todo o caso, desejava que o sr. ministro da marinha dissesse o que ha de verdade em tal noticia, se porventura houver algum ataque á liberdade individual d'esse cidadão, ou d'esse estrangeiro, que não sei que classificação tem, ou se não ha fundamento em similhante boato.

O sr. Ministro da Marinha (Andrade Corvo): - Pelo conhecimento que por emquanto tenho do negocio a que se referiu o digno par, o sr. Miguel Osorio, de um prisioneiro vindo pelo vapor india, o facto reduz-se ao seguinte. Um chefe mouro de uma terra chamada Quitangonha, durante quinze annos esteve rebellado contra o rei de Portugal, a quem anteriormente prestara obediencia, tendo-se posto á frente de varias agitações entre os indigenas. Para reprimir essa rebellião houve uma expedição armada, em consequencia da qual esse chefe ficou prisioneiro de guerra. O governador reputou perigosa a conservação do prisioneiro no forte de S. Sebastião de Moçambique, para onde tinha sido levado, por isso que ficava perto dos logares onde o mesmo chefe exercia grande influencia, e em rasão d'isso mandou-o para o reino.

O procedimento posterior do governo ha de, ser conforme aos principios de justiça. O governo ha de consultar as pessoas que, para o guiarem, forem competentes. Em todo o caso, o facto positivo é o que já referi, e que novamente exporei. Houve um chefe que se revoltou e poz-se fóra da acção do antigo dominio de Portugal, conservando-se durante quinze annos em rebellião, promovendo agitação nos povoa circumvizinhos e pondo-se á sua frente, com o que não só perigava o nosso dominio e a paz publica, mas tambem era gravemente prejudicado o commercio. Foi pois necessario organisar uma expedição armada contra o rebelde, e d'ella resultou ficar elle prisioneiro de guerra, e como tal foi conduzido para uma fortaleza perto de Moçambique. O governador reputou perigosa por emquanto a conservação do prisioneiso n'aquella fortaleza, pois que se procura n'esta occasião estabelecer a paz nas populações vizinhas, e remetteu ò prisioneiro para o reino, onde póde estar retido sem perigo. O governo tomará as medidas que entender conveniente, e procederá segundo for de justiça.

O sr. Miguel Osorio: - Agradeço ao sr. ministro a promptidão com que respondeu ás minhas perguntas, as quaes até certo ponto me applaudo de ter feito, pois a declaração de s. exa., de que o preso de que se trata é prisioneiro de guerra, é uma circumstancia que muda a situação da questão. Eu não me faço orgão de boatos que não tenham fundamento; mas tendo ouvido contar as cousas de maneira differente, pois se affirmava que não era prisioneiro de guerra, julguei dever provocar estas explicações, porque me custava acreditar que os factos tivessem succedido como se contava, dizendo-se que aquelle individuo tinha sido preso por meio de uma especie de cilada, e não se procedêra pelas fórmas legaes a seu respeito. Vê-se pois que não tem fundamento tal boato.

O sr. ministro declarou não ter ainda perfeito conhecimento do negocio, mas affirmou que se tratava de um prisioneiro, e tanto basta para eu ter a certeza de que as cousas se passaram com regularidade. Certamente o governador militar havia de saber quaes são as leis que regulam o tratamento que se deve dar aos prisioneiros de guerra.

Eu não conheço o tal regulo, nem espero vir a conhece-lo; creio que só por
curiosidade se poderá vê-lo; mas o

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homem tem sempre iguaes direitos na sociedade, e nós devemos salvaguardar esses direitos, seja a quem for.

Estimo muito as explicações do sr. ministro, e fico satisfeito pela certeza que dá o governo de que se hão de seguir os principios de justiça e de direito publico em questão tão grave, como é esta, relativamente a prisioneiros de guerra.

O sr. Lobo d'Avila: - Mando para a mesa um parecer das duas commissões reunidas de fazenda e obras publicas, a respeito de um projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados, que se refere á construcção dos caminhos de ferro.

Tenho por esta occasião a honra de mandar tambem para a mesa um parecer da commissão de administração publica, sobre o projecto de lei para que a bibliotheca publica da cidade do Porto seja considerada um estabelecimento municipal, para todos os effeitos.

Foram lidos na mesa.

O sr. Carlos Bento: - Sr. presidente, eu tinha annunciado uma interpellação com referencia a um assumpto que me parece importante; trato da circulação fiduciaria. Muita gente assusta-se com o augmento dos bancos. Eu não posso tornar-me solidario n'estes sustos, porque entendo que a questão bancaria é separada da questão fiduciaria. Nós temos assistido a um facto consideravel, e vem a ser que o augmento do numero dos bancos não está em harmonia com o augmento da circulação fiduciaria. É certo que esta circulação desenvolvendo-se, póde em circumstancias ordinarias dar utilidade ao paiz, assim como era circumstancias, das extraordinarias muitos paizes se têem salvado com o curso forçado. Nós não temos o curso forçado, mas desgraçadamente falta-nos tambem o curso voluntario.

Alludindo á interpellação sobre este assumpto, quero só chamar a attenção do governo para que no momento mais favoravel se possam estabelecer as bases indispensaveis, a fim de que a circulação fiduciaria entre nós seja um facto de utilidade commercial.

Quanto á outra interpellação que eu tinha annunciado com respeito ao adiamento da alienação do caminho de ferro de sul e sueste, estou completamente satisfeito, porque esse adiamento se realisa, e devo declarar que a minha idéa não era contraria ao pensamento do governo, de, com o producto d'aquelle caminho, occorrer aos encargos provenientes de novas construcções; mas como o valor do caminho ha de crescer com o tempo, entendia eu mais conveniente não o alienar por ora.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Cardoso Avelino): - Posso assegurar ao digno par o sr. Carlos Bento, que o governo dá uma grande importancia á questão da circulação fiduciaria, que tem de ser resolvida por uma lei geral. S. exa. não ignora que desde muito tempo está nas praticas administrativas conceder, por privilegio especial, aos differentes bancos a faculdade de emittirem notas. Nos ultimos mezes a creação dos bancos tem-se multiplicado consideravelmente, e para manter a respeito de todos o mesmo principio de justiça, o governo não tem de pedir ao parlamento auctorisação para que lhes seja concedida essa faculdade.

O digno par sabe melhor do que eu, a camara toda o sabe, que a emissão de notas tem por limite natural as necessidades commerciaes do mercado. Por mais bancos que haja com a faculdade de emittirem notas, os inconvenienteo que d'ahi podem resultar são na pratica limitados e compensados, e annullados pelas poucas pessoas que podem recorrer a esse meio.

Eu quiz dizer isto, para assegurar ao digno par que o governo dá a este negocio a mesma importancia que s. exa. lhe dá. O governo tenciona estudar o assumpto, e espera poder apresentar uma lei que o regule convenientemente. Emquanto porém não ha lei, entendeu o governo dever manter o direito a todos os estabelecimentos bancarios, em conformidade com os mesmos principios de justiça e igualdade que a todos se tem concedido, exceptuando a faculdade de emissão de notas.

Estimei ouvir dizer ao digno par, que se dava por satisfeito com o resultado da deliberação tomada pela outra casa do parlamento ácerca da venda dos caminhos de ferro de sul e sueste, isto é, que não se tratasse agora da venda d'esse caminho, mas que se reservasse para melhor occasião, quando aquella propriedade tivesse maior valor do que tem actualmente, a fim de que o thesouro auferisse tambem maiores vantagens do producto d'essa venda.

Esta é a idéa do governo, e por isso elle concordou de bom grado com as modificações que as commissões de fazenda e obras publicas da outra camara fizeram na proposta do governo.

O pensamento do governo foi este, quer dizer, a venda do caminho de ferro de sul e sueste fica para outra epocha; Emquanto porém esta não chega, a administração d'aquelle caminho continua, como até aqui, a ser feita por conta do governo, introduzindo-lhe porém todos os melhormentos que sejam necessarios e possiveis, como o tem feito até agora, para que quando chegue a occasião de recorrer ao producto da venda do caminho, para attenuar os encargos resultantes da construcção das novas linhas ferreas, essa propriedade possa produzir maiores vantagens para o thesouro do que poderia produzir agora.

Limito aqui as minhas observações era resposta ao digno par.

(O orador não reviu as notas dos seus discursos n'esta sessão.)

O sr. Barros e Sá: - Desejo saber se v. exa. me inscreveu?

O sr. Presidente: - Estão inscriptos os srs. Carlos Bento, v. exa., o sr. Ornellas, e agora o sr. marquez de Vallada. Tem portanto a palavra o sr. Carlos Bento.

O sr. Carlos Bento: - Começarei por agradecer ao sr. ministro das obras publicas as explicações que acaba de dar.

Estou certo que a questão fiduciaria merece a attenção do governo, e tem ella, na verdade, bastante importancia, para merecer essa attenção. Mas ás observações que s. exa. acaba de fazer póde dar-se uma interpretação que não me parece muito conveniente. O nobre ministro disse que a circulação fiduciaria acudia sempre ás necessidades do paiz. Se com isto se quer dizer que essa circulação está em relação com... (Não se ouviu.)

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Se v. exa. me dá licença, eu o que disse é que, qualquer que fosse o numero de estabelecimentos bancarios que emittissem notas, tinham nas necessidades do commercio o seu direito natural. Não disse que pediria ao parlamento que satisfizesse a essa necessidade; mas sim que quaesquer que fossem os estabelecimentos emprezarios, essa emissão tinha nas necessidades do commercio um limite superior a ella.

O Orador: - Eu não respondi ás observações de v. exa.; referia-me apenas á interpretação e intelligencia que d'ellas se poderia tirar.

A circulação das notas do banco ha trinta annos, ou em 1846, era em Portugal excedente a 4.000:000$000 réis, em quanto que hoje pouco excede a 3.000:000$000 réis, logo a circulação fiduciaria, não só não tem augmentado, como ainda tem diminuido, apesar de haver esse grande augmento de numero de diversos estabelecimentos bancarios ... (Não se ouviu.)

Na Belgica, por exemplo... (Não se ouviu.)

É necessario pois attender e muito reflectir que desde o momento em que a circulação fiduciaria não for garantida, não poderá ter aquelle credito que é necessario que tenha para poder comparar-se á moeda metallica. Sem essa garantia as notas serão consideradas como uma especie de moeda municipal, que não póde ter circulação senão dentro dos estreitos limites do respectivo municipio, isto é do lo-

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cal em que estiver estabelecido o banco que representa o papel fiduciario.

É preciso reflectir, repito, sobre este ponto, e ver que não é só pela grande quantidade de bancos que entre nós ultimamente se têem estabelecido que poderemos garantir a circulação fiduciaria.

Ora eu faço justiça ao governo por não ter ainda até agora resolvido esta questão, deixando a estes estabelecimentos o direito de fazer cessar quando lhes convier o effeito das suas transações.

No entanto, como disse, não podemos considerar resolvida a questão fiduciaria, questão que reputo de bastante importancia, para não accentuar agora a intelligencia que dou ao seu resultado. Mas não é com as transacções individuaes que a poderemos resolver.

Tenho concluido.

O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação, e peço a v. exa. que lhe mande dar o competente destino.

Leu-se na mesa, e mandou-se imprimir

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Sr. presidente, eu não quero abusar da benevolencia da camara, mas peço a v. exa. que me permitta dar uma explicação. Eu accentuei tambem a minha opinião sobre o incidente, ou interpellação, que deu logar á pergunta do sr. Carlos Bento da Silva. O governo não entendeu nunca, nem podia entender, que a questão fiduciaria se possa resolver pelas transacções particulares que os bancos fazem no paiz.

Eu não disse isso; disse pelo contrario que o governo estudava o meio de apresentar ao parlamento na sessão futura uma proposta de lei para regular a questão fiduciaria, e as palavras do sr. Carlos Bento da Silva vieram confirmar que, qualquer que fosse a extensão que o parlamento desse aos bancos para emittirem notas, não podia produzir grande perturbação no mercado, porque na liberdade do commercio estava o seu limito natural. E tanto isto é verdade, que, havendo uma epocha em que a emissão de notas subia a uma certa emissão, hoje tem diminuido de valor. É um facto que se observa, e póde observar-se todos os dias nos balancetes que se publicam no Diario do governo.

Pelo balancete publicado no Diario do governo reconhece-se que de todas as operações dos bancos, a menos importante é a da circulação fiduciaria. Ora, sendo isto assim, eu não affirmei que este resultado, ou o facto das necessidades do commercio terem esta ou outra extensão, fosse um facto determinativo das propostas que o governo traz, nem affirmei tambem que a questão ficasse resolvida por estas concessões particulares, o que disse foi que o governo fazia estas concessões porque estava na sua politica, por um principio de justiça e igualdade, não as negar a ninguem, politica que ha de manter emquanto a questão fiduciaria não for resolvida por uma lei geral.

Tenho dito.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Mando para a mesa um parecer da commissão dos negocios externos, que torna extensivo á Gra-Bretanha, como nação mais favorecida, os beneficios da pauta annexa ao tratado do commercio com a França, de 11 de julho de 1866.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, a commissão de agricultura difficilmente se reune, porque dos seus membros alguns estão fóra de Lisboa, e outros não apparecem n'esta casa, provavelmente por motivos justificados.

Pedia pois a v.º exa. e á camara que fossem nomeados dois dignos pares para se aggregarem á commissão, a fim de ella ter maioria, para no caso de virem projectos da outra camara se lhes poder dar andamento.

O sr. Presidente: - O digno par terá a bondade de designar os membros da camara que a commissão de agricultura deseja que lhe sejam aggregados.

O sr. Vaz Preto: - Fica isso ao arbitrio de v. exa. ou da camara.

O sr. Presidente: - A pratica é as commissões designarem os dignos pares que desejam que lhes sejam aggregados.

O sr. Vaz Preto: - N'esse caso lembro os dignos pares Conde do Rio Maior e Visconde de Bivar.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Vaz Preto requer, por parte da commissão de agricultura, que sejam aggregados á mesma commissão os dignos pares Conde de Rio Maior é Visconde de Bivar. Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Visconde de Bivar: - Pediu ao sr. ministro das obras publicas providencias para se proceder com brevidade ao saneamento de um pantano existente proximo ás portas da cidade de Lagos.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente; quando ha pouco se tratou aqui de uma questão que tem relação com os bancos, pedi a palavra, porque julguei dever apresentar algumas observações a tal respeito perante a camara é o governo, representado na pessoa do sr. ministro das obras publicas, por cujo ministerio corre o negocio de que se trata.

Sr. presidente, folguei que um homem de estado tão distincto como o nosso illustre collega o sr. Carlos Bento levantasse a voz e chamasse a attenção do governo sobre um assumpto que eu reputo momentoso. O digno par impressionou-se, e creio que com s. exa. se têem impressionado muitos outros homens. Todos que pensam no remanso do gabinete, e que lançam um golpe de vista retrospectivo sobre os tempos que foram, e comparam as circumstancias economicas e as vicissitudes de diversos povos, e ao mesmo tempo olham para o nosso paiz, e se encontram rodeados de bancos, dirão o paiz está rico.

Encaram os negocios só á superficie, mas não entram no amago da questão.

Quando o sr. Carlos Bento com a sua phrase conceituosa se referiu á multiplicidade e facilidade com que se estabelecem presentemente casas bancarias, occorreu-me ao espirito o que se passou em França quando foi assollada pela febre devoradora dos bancos. Refiro-me ao banco do municipio. A sua circulação era importantissima, as suas transacções fabulosas, os beneficios que d'elle emanavam eram tão visiveis e geraes, e a sua importancia de tal ordem, que a todos se afigurava que este banco seria a salvação da França.

É desnecessario diante de homens que, como todos os dignos pares, conhecem a historia, estar a referir miudamente estes factos, que são do dominio de todos. Ninguem ignora os resultados das transacções d'este banco, a cujo desastroso fim não poderam valer a intelligencia elevada e o tacto financeiro de homens tão distinctos como Turgot, Necker e Collon.

Á decadencia da França seguiu-se o ver se tão violentamente abalada por uma tão terrivel convulsão, que só por si, independente de todas as outras circumstancias de ordem politica e social, bastaria para levar a França á crise por que passou.

Os acontecimentos do passado devem ser a lição do futuro, servindo para mostrar aos homens publicos os exemplos frizantes, aconselhando-os a proceder prudentemente em todos os assumptos, tornando por norma as lições da historia. E isto o que aconselha o bom senso, é isto o que aconselha a rasão, é isto o que aconselha o patriotismo, que não póde nem deve deixar de caracterizar todos os homens d'estado.

Espero eu, e confio da alta intelligencia do sr. ministro das obras publicas, que ha de tomar as providencias necessarias para que, estudada devidamente a questão dos bancos, apresente uma lei sobre o assumpto que satisfaça ás exigencias das circumstancias, não se deixando fascinar por esse fogo fatuo do desenvolvimento bancario.

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Confio nas providencias de s. exa. e nos actos do governo, confio na intelligencia e prudencia do distincto homem d'estado, que preside ao gabinete, o meu amigo sr. Fontes, um dos mais distinctos e honrados vultos politicos do nosso paiz, e estou certo que hão de proceder segundo todos os d ctames da prudencia em tão grave assumpto, attendendo ás judiciosissimas reflexões de um distincto cavalheiro como o sr. Carlos Bento, de tão innegavel competencia.

odavia, não posso deixar de juntar as minhas palavras ás que s. exa. proferiu, e de unir os meus aos seus rogos, pedindo aos srs. ministros que tratem quanto antes de providenciar, para que seja conjurado um mal, que muita gente prevê, a fim de que o remedio, por tardio, não venha a ser inefficaz - Sero medecina paratur, cum mala per longas invaluere moras.

S. exas. são competentissimos no assumpto, conhecem a gravidade das circumstancias, e convicto do seu patriotismo estou convencido de que não descurarão o assumpto.

Mas tambem o sr. Carlos Bento, depois de ter fallado sobre a questão dos bancos, referiu-se por incidente e em curto summario, á questão do caminho de ferro do sul. O sr. ministro das obras publicas declarou que havia de tratar d'esse assumpto, e fazer com que fosse bem administrado esse caminho: mas a verdade, e e que está provado é que elle está em más circumstancias no que toca a administração. Ainda ha pouco tempo passei por lá, como mo acontece varias vezes, e ouvi a varios lavradores do Alem tejo queixarem-se de ter depositado cereaes, não sendo possivel arranca-los do poder d'aquelles famosos regulos que são directores das estações.

A mim succedeu-me ter despachado algumas bagagens na estação de EVora, e quando cheguei á estação de Extremoz, onde devia encontrá-las, não achei lá quasi nada, e foi preciso mandar um despacho telegraphico redigido em termos energicos, para as bagagens serem remettidaa para aquella estação, e assim mesmo, para não ficarem ali demoradas, tive que ir em pessoa insistir com os empregados para que m'as entregassem, vendo-me obrigado a usar n'essa occasião de algumas palavras severas com respeito á irregularidade com que se fazia o serviço. Portanto é necessario adoptar as providencias necessarias, para que se não repitam taes factos, que dão motivo a continuadas queixas. É preciso confiar a administração d'aquella linha a homens zelosos e competentes, isto é, que o serviço seja feito por empregados, cuja aptidão esteja provada, De contrario o caminho de ferro do sul, em logar de ser uma grande utilidade, e de se tornar uma excellente base para uma larga operação financeira, não servirá senão de embaraço e não fará senão causar transtornos e prejuizos no estado.

São estas as observações que tinha, a fazer, pelo amor que tenho ao paiz. e á verdade, e para dar satisfação á minha consciencia. Cumpri com o meu dever, e acredito que o sr. ministro das obras publicas, tornando na devida conta as minhas reflexões, o com a boa vontade o zêlo peio bem publico, que todos lhe reconhecem, tomará as medidas que julgar convenientes para a causa publica.

(O orador não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Palmeirim: - Mando para a mesa quatro pareceres da commissão de guerra.

Foram lidos na mesa, e mandados imprimir.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - O digno par o sr. marques de Vallada tocou uma questão muito grave e importante, que é bem differente d'aquella a que se referiu o digno par o sr. Carlos Bento, o qual tratou da questão fiduciaria, emquanto que s. exa. fallou nos perigos que julga podem resultar da multiplicidade dos bancos. É evidente que estas duas questões differem muito uma da outra.

S. exa. sabe que a legislação em vigor não tarde a obstar ao estabelecimento de bancos.

eunem-se uns poucos do capitalistas e resolvem formar uma sociedade anonyma bancaria, no uso de uma liberdade que, exceptuando a emissão das notas, lhes garante alei de 1867.

Já vê pois o digno par que os capitães têem a faculdade de se reunirem e deliberarem sobre as condições em que se hão de associar para fazerem certas operações dentro dos termos da referida lei. É isto uma consequencia da mesma lei.

Podem pois existir bancos, como existem já, alguns ha dois annos, sem emissão de notas.

O digno par, o sr. marques de Vallada, levantando a questão dos perigos que podem resultar da creação de grande numero do bancos, tocou, como já disse, um assumpto muito importante, pois póde trazer para a discussão a lei de 1867, as vantagens ou desvantagens das suas disposições, e por consequencia se é ou não conveniente o systema de liberdade que ella estabeleceu, com applauso de todos os homens publicos, e mesmo de a. exa., que é um economista notavel, e que sabe perfeitamente qual é o verdadeiro systema que póde ajudar o movimento da industria e do commercio.

Esta questão pelo alcanço que tem não póde ser tratada por incidente, e portanto nada mais direi pobre este ponto.

Quanto aos defeitos da administração do caminho de ferro do sul e do sueste, que o digno par notou, é corto que tenho recebido muitas queixas a tal respeito, mas tambem devo dizer á camara que, pelo conhecimento que tenho da administração das differentes linhas ferreas do nosso paiz e das estrangeiras, ainda mesmo nos paizes mais adiantados, o onde se apontam como bem organisados estes serviços, ha muitas irregularidades, muitas queixas e muitas accusações; isto não e novo, sei-o eu, sabe-o v. exa. e sabem-no todos.

Não quero tomar tempo á camara, senão poderia referir muitos factos para reforço das minhas palavras, com relação ao caminho de ferro do sul.

Embora possam haver algumas queixar? contra aquella linha, eu indicarei um facto incontestavel, e que justifica que ella não anda tão mal administrada como se quer dizer. É possivel que sobre s administração do caminho de ferro do sul pezem alguns defeitos, que são peculiares a todas as administrações do governo, mais eu poderia trazer á camara documentos comprovativos de que algumas das queixas, que se apresentam, não têem fundamento nenhum, e entretanto ha um facto irrecusavel, como já disse, que bem demonstra quanto são infundadas taes accusações: é o augmento progressivo que aquella linha apresenta de dia para dia; e diante d'este facto, que é verdadeiro, cáem, creio eu, todas as accusações malevolas.

O funccionario que se acha á testa d'aquella administração é um homem technico, bastante competente, de uma grande probidade e muito zeloso, e, talvez que o seu excesso de zelo no interesse extraordinario que tem em ver progredir os rendimentos da linha, o tornem victima de tantas queixas infundadas.

O sr. Barros e Sa: - Mando para a mesa um parecer da commissão especial, encarregada do examinar o requerimento apresentado pelo sr. conde da Vidigueira, que pede para tomar assento n'esta camara, como successor de seu fallecido pae, o sr. marquez de Niza.

Peço a v. exa. lhe de o andamento que é costume dar-se aos pareceres d'esta ordem.

Leu se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, bem verdade e o que acaba de affirmar o sr. ministro das obras publicas sobre a questão da multiplicidade de bancos; esta questão entra de certo na ordem d'aquellas que, por incidente podem ser tratadas o até muitas vezes discutidas.

Sr. presidente, a proposito das palavras do sr. Carlos Bento da Silva, eu não podia deixar de dizer alguma cousa sobre este momentoso assumpto, e no que disse não lancei censura a ninguem, nem tão pouco o sr. ministro me censurou.

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Fallei do perigo que póde dar-se, que a mim se me afigura, e que a tantos outros se afigura tambem; parece-me que este mal exige prompto remedio e é necessario que uma lei o evite; e para evitar os males é que as leis se fazem.

A proposito viria citar aqui o que um homem notavel disse da influencia das leis sobre os costumes dos povos no livro L'influence des lois sur les meurs et de l'influence des meurs ser les lois.

Quando os males estão inveterados nos costumes dos povos é necessario que as leis, que tratam de os evitar, sejam rigorosas.

Commettem-se, é verdade, muitas vezes differentes abusos, mas é indispensavel que as leis tenham acção e possam vigorar.

Eu quero o remedio prompto, mas não o quero impensado, quero que os factos se estudem, e que se estudem ou meios de os remediar.

Conheço muito bem o estudo que s. exa. o sr. ministro das obras publicas costuma fazer sobre qualquer assumpto, são sempre proficientes, e confio amplamente nos seus resultados. Conheço tambem perfeitamente o seu patriotismo, diante do qual me curvo; mas levanto aqui a minha voz, no uso do direito que a carta me confere, e levanto-a para pedir que se de remedio aos males, mas um remedio efficaz e bem pensado; para isso é que se inventaram os parlamentos, para isso é que se inventaram as discussões, para isso é que prestâmos um juramento de fidelidade ao rei e ás instituições, e de salvaguardar a independencia do paiz.

É myster tambem que cada um de nós cumpra o seu dever apresentando ao sr. ministro algumas reflexões feitas por um homem que vale do pouco como eu, que gosta de trabalhar, não na officina da politica, mas na officina dos melhoramentos moraes e economicos; porque um homem que tem soffrido tantos desenganos, coroo eu, não póde já trabalhar com fé em politica.

Quanto ao caminho de ferro do sul, o sr. ministro não deixou de dizer que tinha recebido queixas. Eu nada d'isso disse, nem citei nomes, ao que sempre fujo, e, mesmo nem conheço aquelle empregado a que s. exa. se referiu; mas o que digo é que o estado do caminho é mau, que a sua administração não presta, e que homens respeitaveis e importantes me pediram que levantasse a minha humilde voz a pedir providencias.

Eu poderia dizer mais alguma cousa sobre o Alemtejo, e sobre assumptos que ligam com o serviço dos caminhos de ferro; não o farei porém agora, porque a sessão vae muito adiantada e terminarei dizendo que tenho muita confiança no sr. ministro, porque homens como s. exa. não descuram nada do que respeita á boa administração.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Eu acceitei as indicações do digno par como feitas por um homem, para mim de grande consideração, e que folga em pugnar pelo bem do serviço.

A respeito do caminho de ferro do sul, parece-me ter dito o que devia dizer; no entretanto, ainda que o digno par quizesse fazer sobre este assumpto uma interpellação, eu com todo o gosto lhe responderia, havendo tempo, para satisfazer cabalmente a s. exa.

Agora, sr. presidente, peço a v. exa. que me permitta reparar o esquecimento que tive, não respondendo ao sr. visconde de Bivar.

O que tenho de dizer ao digno par é, que tomo em muita consideração as palavras de s. exa., e que tomarei as medidas convenientes para fazer desapparecer os pantanos em Lagos.

O sr. Visconde de Bivar: - Aguarda e cumprimento da promessa do sr. ministro, na qual muito confia.

O sr. Presidente: - Está extincta a ordem do dia. A camara resolverá se quer suspender os seus trabalhos; é possivel que da outra camara venha alguma mensagem, por consequencia...

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Eu creio que na outra casa do parlamento se estão preparando alguns trabalhos para serem aqui remettidos. Se a camara consentisse que a sessão fosse suspensa até virem de lá esses trabalhos para terem ainda hoje o andamento necessario, parece-me que fazia uma cousa util.

O sr. Presidente: - Os dignos pares ouviram as observações feitas pelo sr. ministro das obras publicas. Vou consultar a camara se quer suspender os seus trabalhos até ás quatro horas, ou se quer que eu levante a sessão.

O sr. Miguel Osorio: - A ordem do dia está extincta, e nós havemos de esperar que na camara dos senhores deputados estejam a arranjar pareceres?

(Susurro.)

Isto não é systema parlamentar (apoiados), isto não é deferencia para com a camara. A camara dos pares está prompta a trabalhar quanto tempo for preciso. Se o governo entende conveniente que o parlamento funccione por mais tempo, prorogue o praso da sessão. Não é agora dizer: "Esperem ahi, porque se está a fazer obra á pressa!" Isto não póde ser!

Desculpem os meus collegas o calor com que fallei, mas eu prézo o decoro d'esta camara, e custe-me ver um tal procedimento.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Eu não quero violentar a camara; respeito o systema parlamentar; nunca faltei á consideração devida ás camaras legislativas. O que eu ponderei foi o que se costuma ponderar em identicas circumstancias e n'esta altura da sessão. (Apoiados.)

Ácerca da prorogação o governo aconselhará o poder moderador como entender que 6 do interesse publico. A camara, senhora de si e das suas acções, resolverá o que quizer, e tomará a responsabilidade que lhe pertença.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara com relação ao pedido do sr. ministro das obras publicas.

O sr. Marquez de Vallada: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: - Houve um tal ou qual rumor, não pude ouvir bem as palavras do sr. ministro das obras publicas. Parece-me que o digno par o sr. Miguel Osorio se oppunha a que a sessão continuaste, não havendo documento algum sobre a mesa para ser sujeito ao nosso exame; e que o sr. ministro (se eu errar, s. exa. rectificará as minhas supposições) disse que era conveniente conservar-se a camara em sessão permanente, pois s. exa. esperava da outra camara.

O sr. Presidente: - O sr. ministro pediu que se suspendessem por alguns minutos os trabalhos d'esta camara para dar logar a que chegassem aqui algumas mensagens que se estavam preparando na outra camara.

O Orador: - Provavelmente o sr. ministo fez esse pedido em attenção á gravidade de alguns projectos que têem de ser aqui discutidos.

O que é certo é que nos ultimos dias de sessão apparecem tantos projectos que me parecem um enxame de abelhas.

Na sessão de 1867, n'este mesmo logar era que me assento agora, quando foi trazido para á discussão o codigo civil (e eu apoiava o ministerio, apoiei-o sempre até ao fim, e quando a revolução estava em Lisboa, corri a casa do sr. Ferrão); n'este mesmo logar, repito, pedi eu por tudo quanto havia de mais sagrado que se não discutisse em minutos o codigo civil, uma lei que ía mudar o modo de ser da sociedade, as nossas relações de cidadãos uns para para com os outros, de familias para familias! Parecia-me que se devia pensar um pouco mais, e resolver-se o assumpto com circumspecção. É o que resultou d'ahi? O codigo civil foi publicado, e, depois da publicação d'elle, vê-se que uns artigos brigam com outros. Passou muita cousa sobre que era preciso discutir largamente, e que se não pôde discutir!

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Dizia-me um digno par, que hoje não vive já: "Quer-se discutir mil e tantos artigos do codigo?" Respondia eu: "Não quero a discussão de artigo por artigo, quero a discussão de doutrina por doutrina".

Havia ali muita cousa que eu reprovava; por exemplo, aquella liberdade que se deu á agiotagem.

É isto que vou dizer agora está de accordo com as minhas palavras ha pouco proferidas. Aquella liberdade, repito, que se deu á agiotagem, para poder ir até onde lhe approuver, é uma cousa de graves inconvenientes. E como este ha muitos outros assumptos importantes, que carecem de reforma, e que tem merecido em todos os tempos a attenção dos homens mais abalisados.

Quando aqui se votou o codigo civil, eu fiz o meu protesto, pedi votação nominal, mas apenas cinco pares votaram no sentido da minha proposta; foram os srs. marquezes de Fronteira e de Ficalho, conde da Ponte, conde de Lavradio e eu. A camara votou como entendeu, votou o codigo, e de certo a responsabilidade não foi minha.

Vamos agora discutir á pressa leis importantes, porque? Porque os inimigos nos circundam? É necessario defender a cidadella de um inimigo que não era esperado, e de repente chegou, aos muros para assaltar os baluartes? Para que é pois esta pressa? Discutamos, portanto, com circumspecção, porque para isso é que se inventaram os parlamentos. Não abdiquemos dos nossos direitos; não des prestigiemos a camara dos pares, na qual se acham homens muito abalisados; e eu louvo o governo por ter dado logar n'esta camara a homens, que lhe vieram dar novo lustre. E elles, e nós, todos os que aqui estamos, havemos de concordar, embora queiramos a sua reforma, que estes factos só servem para cavar a ruina d'esta camara. Eu vou para todas as reformas que as lições da historia e a marcha do tempo nos mostrar serem uteis e necessarias, mas de modo que essas reformas não sejam impensadas. A camara dou pares é uma camara conservadora.

Quando José Estevão discutia a constituição de 1837 (que depois foi proclamada em 4 de abril de 1838), fallando sobre a outra camara e as garantias que ella devia ter, disse: é necessario que haja uma outra camara, mas de modo que não signifique apenas ser dividida por um biombo.

É, portanto, necessario, que não se diga lá fóra que homens encanecidos nas lides parlamentares, juizes e titulares distinctos, proprietarios, negociantes, summidades em todos os ramos, aparte eu, e com as luzes dos quaes muito me illustro, vão discutir á pressa, e sem conhecimento de causa, assumptos importantes, que podem trazer consequencias graves para o paiz.

Ha negocios que são importantes, mas de pouca discussão; mas tambem ha outros que carecem de esclarecimentos e minucioso estudo, e o tempo é pouco para esse. esclarecimentos, e para que a nossa consciencia possa caminhar desafrontadamente.

Aqui está o que a falta de tempo nos aconselha que façamos, para que algumas questões de interesse publico não possam ficar n'esta camara sem serem resolvidas. N'este caso estou de perfeito accordo com o sr. ministro, mas não estou de accordo que se votem outros projectos, sem conta, nem peso, nem medida, como já se tem feito, porque se é proprio do homem errar, errare humamim est, tambem é conveniente, tanto para os homens como para as assembléas, que quando erram, se emendem os erros, e isto é que eu peço e espero que se faça.

O sr. Presidente: - A minha obrigação é collocar a questão nos seus devidos termos. O sr. ministro das obras publicas não pediu que se dispendasse o regimento...

sr. Marquez de Vallada: - Eu não disse isso.

O sr. Presidente: - Mas como o digno par se referiu á observancia do regimento, para qualquer projecto entrar em discussão, devo declarar que o sr. ministro das obras publicas não fez esse pedido, ou proposta, que póde ser feita por qualquer digno par, quando assim o entender conveniente. A questão no emtanto não é esta. O sr. ministro, vendo que eu ía fechar a sessão, e que ainda não chegou a hora em que a sessão regularmente se deve fechar, ponderou, que seria talvez conveniente que em logar de se fechar a sessão, se suspendessem os trabalhos da camara por alguns momentos para dar logar á que chegassem algumas mensagens da outra casa do parlamento, que poderiam hoje mesmo ser mandadas ás commissões para as estudarem convenientemente. O sr. ministro não pediu que se dispensasse o regimento para que não houvesse o parecer d'essas commissões, nem que esse parecer, havendo-o, não fosse impresso, nem que fosse discutido apenas apresentado sem se dar aos dignos pares o tempo necessario e que marca o regimento, para o poderem estudar. O que s. exa. fez foi lembrar que talvez fosse conveniente continuar a sessão até que viessem alguns trabalhos da outra camara. Os srs. ministros têem liberdade para pedirem que seja discutido qualquer projecto depois de impresso, e a camara tem direito para não dispensar o regimento, quanto ao praso marcado para esse projecto entrar em discussão. (Apoiados.) Parece-me portanto que esta questão é diversa do que pareceu ao digno par, e que nós podemos annuir ao pedido do sr. ministro das obras publicas (apoiados), sem inconveniente, antes com vantagem para o serviço publico e para a dignidade da camara.

Peço tambem licença para dizer d'este logar que a camara tem procedido o mais regularmente possivel até agora, e espero que ha de continuar a proceder assim, porque tudo quanto se tem feito até agora tem sido conforme as prescripções do regimento, e portanto, se nós continuarmos da mesma maneira, temos cumprido o nosso dever. (Apoiados.) Pedia pois á camara que se suspenda a sessão por meia hora, por exemplo, durante a qual podem vir os projectos que foram approvados na outra casa, e que devem ir ás respectivas commissões, para darem os seus pareceres, e sobre os quaes a camara depois tomará reflectidamente a resolução que entender mais conveniente. Portanto pergunto á camara se quer que esta sessão se suspenda por meia hora, e depois a camara resolverá como entender? Os dignos pares que são d'esta opinião queiram ter a bondade de se levantarem.

Foi approvado.

O sr. Costa Lobo: - Peço a contraprova.

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares que se levantaram que se conservem de pé para se fazer a contagem dos votos.

O sr. Secretario: - Estão levantados vinte e um dignos pares.

O sr. Presidente: - Agora peço aos dignos pares que ficaram sentados que tenham a bondade de se levantarem.

(Pausa.)

Levantaram-se onze dignos pares. Se algum digno par tem duvida sobre esta votação, póde repetir-se a mesma votação. Como não ha nenhuma reclamação a este respeito, está suspensa a sessão por meia hora.

Eram tres horas e tres quartos.

Reabriu-se a sessão ás quatro horas e um quarto.

O sr. Presidente: - Continua a sessão. Não veiu nenhuma mensagem da outra camara.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, votei o requerimento do sr. ministro das obras publicas para suspender a sessão, porque imaginava que nas commissões havia trabalhos de que ellas se iriam occupar, a fim de poderem mandar para a mesa pareceres, e esperava ao mesmo tempo que da outra casa fossem remettidos alguns projectos: mas nem as commissões se reuniram nem veio nenhum trabalho da outra camara, e os projectos que estavam na commissão de fazenda lá ficaram da mesma fórma sem parecer.

Sr. presidente, a sessão está a findar, e eu vejo que não

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se dá andamento a negocios importantes que podiam estar já discutidos, não sei a rasão por que assim se procede.

Dá-se um facto, para o qual chamo a attenção da camara. Ha um projecto que veiu ha tempo da outra casa do parlamento, e que foi enviado á commissão de fazenda para dar parecer, ouvindo a commissão de agricultura, mas até hoje esta ultima commissão não foi convidada a reunir-se juntamente com a de fazenda para se occupar d'esse projecto. Este facto parece mostrar que de alguma fórma se deseja que a sessão passe sem que se de parecer sobre o mencionado projecto, que é de grande importancia, como eu hei de mostrar á camara.

É notavel, sr. presidente, que, não se tendo reunido as commissões para se tratar do projecto, não tem havido por outro lado demora da parte da commissão de fazenda em dar parecer sobre todos os projectos de augmento de despeza, e sobre todos aquelles que têem vindo depois do projecto ácerca de cavallos reproductores, que é ao que me refiro, e por nenhum dos quaes felizmente eu tenho votado. Desejo, pois, que as duas commissões, de fazenda e de agricultura, sejam convidadas a reunir-se para examinar o projecto de que fiz menção; e repito, votei que se suspendesse a sessão, porque julgava que as commissões se iam reunir para trabalhar; e como vi que nada d'isso se fez, e que se desperdiçava o tempo que se deveria ter aproveitado, a reclamação do meu voto é uma especie de protesto contra o requerimento do sr. ministro das obras publicas, que devia ser o primeiro a votar pelo projecto a que me refiro.

O sr. Marquez de Vallada: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

Foi a imprimir.

O sr. Lobo d'Avila: - Mando para a mesa um parecer das duas commissões reunidas, fazenda e ultramar.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Pergunto aos dignos pares se têem alguns pareceres de commissões a apresentar?

(Pausa.)

Como as commissões não têem trabalhos para mandar para a mesa, vou fechar a sessão. Já hontem mencionei a ordem dia para a sessão de amanhã, e repetirei agora, que é o parecer n.° 66 e apresentação de pareceres das commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 30 de março de 1875

Exmos. srs.: Marquez d'Avila e de Bolama; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Bomfim, de Cabral, de Farrobo, de Fornos de Algodres, de Linhares, da Louzã, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior; Viscondes, de Alves de Sá, de Benagazil, de Bivar, de Fonte Arcada, dos Olivaes, de Ovar, da Praia Grande, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Barão do Rio Zezere; Ornellas de Vasconcellos, Mello e Carvalho, Gamboa e Liz, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Custodio Rebello, Sequeira Pinto, Larcher, Mártens Ferrão, Lobo d'Avila, Braamcamp, Pinto Bastos, Sá Vargas, Vaz Preto, Franzini e Miguel Osorio.

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