DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 271
convenientes que se seguem sempre a um legislar casuistico, e então disse: "Qual é o fim d'esta lei? É habilitar o poder moderador a fazer uma escolha digna. Para que esta escolha possa ser assim considerada, o que é preciso? Intelligencia, independencia e moralidade".
Isto não inventei eu, está na carta; ahi são postas em relevo estas condições, quanto á admissão aos cargos publicos e politicos. Ora, de maneira nenhuma póde considerar-se o pariato como não sendo um cargo publico e politico, assim como é o de membro da camara electiva.
Se quizessemos excluir esses casos d'esta condição geral, cairiamos necessariamente no absurdo de assentar que para ser par do reino ou deputado, não era necessaria illustração e moralidade. Este principio, a que me venho referindo, é de tal maneira fundamental que, sem a sua existencia, não se podia conceber a propria carta.
Se isto assim é, porque não havemos de subir ao principio fundamental que deve determinar a escolha do poder moderador, a fim de que ella recaia em pessoas com illustração, independencia e moralidade? Então procuremos o meio de comprovar estes requisitos, e não só um, mas todos, porque é necessario que se dêem juntamente na mesma individualidade.
Portanto digo eu: vejamos quaes são os documentos por que na nossa ordem social se considera e julga provada a illustração. Ha ou não algum modo de comprovar-se? Ha de certo. Pará se provar esta illustração ha os diplomas das academias e das escolas, que não se póde negar que são titulos de habilitação. Que a illustração verse sobre um ramo particular de sciencias ou artes, ou sobre quaesquer outras, não faz nada ao caso, porque no parlamento são de certo necessarias todas as forças de illustração, todas as forças sociaes das artes e sciencias, sejam quaes forem.
Nós não precisâmos aqui só de bachareis e de doutores em leis; precisâmos tambem dos philosophos, dos agricultores e de todas as outras artes e sciencias de que possa haver prova profissional. Este é o principio estabelecido tambem na lei de 1345, que exige essa especie de habilitação na succesão do pariato. Quanto a esta parte direi, pois, que é um principio geral a illustração comprovada pelos diplomas em que legalmente se prove essa habilitação, essa capacidade de intelligencia.
Que resta pois? A independencia. Ora, sr. presidente, a independencia póde considerar-se debaixo de dois pontos de vista inteiramente diversos. Póde considerar-se como capacidade individual, ou póde considerar-se em relação aos meios da subsistencia.
É cousa sabida que um individuo que não tem pão para comer, não se póde considerar independente. Esta é a opinião geral, e nós devemos ter sempre em vista as opiniões geraes do paiz.
É pois necessario ter meios de subsistencia, os quaes não se podem separar dos meios de illustração, a fim de que estes dois elementos possam dar a capacidade.
Este principio está tambem estabelecido na nossa legislação. Na carta lá está este pensamento para se desenvolver na legislação correspondente e principalmente com relação ao rendimento. A carta e o acto addicional que conservou o mesmo principio da carta, mesmo para a eleição de deputados, invocam a condição de um rendimento, porque mal se suppõe que um pobre proletario que não tem pão para comer, possa dar garantias de independencia; quando a necessidade bate á porta, diz o nosso rifão, a virtude salta pela janella!
Não quero dizer com isto que não haja muitos individuos que não tenham uma grande força de independencia natural; mas isso é uma excepção, e não se póde considerar como regra geral.
Portanto, quando se falla da independencia refere-se a haver meios necessarios de subsistencia. Que resta pois? Adoptar o systema estabelecido na carta, que é exigir os documentos comprovativos d'aquelles meios de subsistencia que têem mais estabilidade e segurança.
Alem da illustração o independencia convem que o individuo nomeado para um cargo destes possua tambem moralidade; é necessario que seja um homem justo e probo, que tenha inteireza de caracter, o melhor brasão da humanidade, a primeira qualidade que distingue o homem no mundo social. A verdadeira moralidade para mim, sr. presidente, consiste no exacto cumprimento de todos os deveres sociaes
Mas como comprovar-se? Que estabelecimento publico ha ahi que nos possa conferir diploma de moralidade? Não o temos. O que havia pois a fazer? Procurar uma garantia no juizo collectivo de pessoas independentes, que não podessem enganar-se a este respeito e dispozessem de todos os meios de informação para formarem o seu juizo. Indiquei o meio que me pareceu o mais rasoavel que eu pude encontrar.
O conselho d'estado chamado tantas vezes pela carta a aconselhar o Soberano nos mais arduos e complicados negocios, não daria garantias de probidade sufficiente para fazer conhecer ao poder moderador se os individuos que se lembram para o pariato teem ou não a referida qualidade? Penso que ninguem recusará a auctoridade moral do conselho d'estado; eu não a recuso.
E aqui faço uma confissão muito explicita; dispensava a lei n'esta parte, como regulamento do artigo 74.°, querendo-a aliás nos outros artigos; e porque? Porque tenho não inferior garantia na escolha feita livremente pelo chefe do estado, que está acima de todas as mesquinhas rivalidades sociaes, e não tem interesse em escolher mal, antes pelo contrario, todo o seu interesse está vinculado á melhor escolha-o seu credito, a sua gloria e até a propria estabilidade do seu throno. E por outro lado se se considerar a parte que o executivo póde ter n'estas nomeações, não posso conceber que hajam ministros que ousem propor á approvação regia a nomeação de uns individuos indignos que para nada possam servir nem ao poder moderador nem a elles proprios, senão de descredito.
O interesse que todos os ministros têem em manter illibada a sua honra e a sua reputação é incompativel com a idéa de uma escolha menos bem cabida.
Demais, prefiro a sua inteira responsabilidade moral e legal a garantias que nada garantem.
E este o meu modo do pensar, e se alguem deseja mais garantias não me opponho a que se dêem; por isso não tive duvida em apoiar a idéa geral do projecto tambem n'esta parte, mas no intuito da substituição que tive a honra de apresentar, e que não vi ainda combatida com rasões sufficientes.
Parece-me que, se bem pesarmos os fundamentos que tomei para a substituição que apresentei, e considerarmos as categorias propostas, longe de diminuirem as rasões que tenho para votar contra, reforçam-se grandemente.
Ora, sr. presidente, estas categorias habilitara á nomeação em cada uma d'ellas; é exacto. Não ha duvida que seria offensivo a qualquer dos individuos incluidos nellas suppor que elles não preencham exactamente as tres indicações que se têem por indispensaveis; porém, sr. presidente, se é mal cabida essa suspeita, o facto é que nem sempre acontece reunirem-se estas tres indicações no mesmo individuo: se se verifica uma faltam as outras, mas as tres poucas vezes se reunem.
Com as categorias que se quer estabelecer, abre-se um campo muito largo ás importunações de que a commissão quer livrar o poder moderador, porque todas as pessoas n'ellas comprehendidas se consideram com igual direito a serem nomeadas.
Por outro lado, sr. presidente, o principio de antiguidade, que segundo a nossa organisação politica é indispensavel para se chegar á summidade das varias instituições, é tambem outra causa que vem perturbar a igualdade legal das