DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 369
o governo não dê um passo. Longe de mim essa idéa, longe de mim esse systema, embora não tenha absoluta confiança no governo, embora julgue perniciosa e funesta a sua administração. Mas quando se trata do levantar a bandeira portugueza, quando se pretende que as quinas abatidas e humilhadas tremulem outra vez respeitadas e temidas n'aquellas regiões longinquas, não ha opposição, ha só portuguezes.
N'este intuito, pois, tratarei o assumpto e discutirei o projecto, simplesmente como uma questão de administração, muito importante para o paiz. Eu pertenço á opposição, e como não queria que a minha proposta fosse considerada de caracter politico, por isso não a formulei, e dirigi-mo ao sr. ministro da marinha para que s. exa., no interesse do publico e do systema representativo, acceitasse adiamento do projecto. Confiei na lealdade com que o sr. ministro discute, e por isso entendo, que devia ser elle o primeiro a não querer que se discutisse o projecto som estar publicado o documento a que me refiro: e convenci me tanto mais que assim deveria ser, quanto existe já de ha muito uma promessa do sr. ministro para com a camará, que os negocios do seu ministerio seriam devidamente instruidos.
O sr. Ministro da. Marinha: - Visto o que disse o digno par, eu não peco a v. exa. que consulte a camara, porque eu estou prompto a acceitar, se por qualquer fórma v. exa. manifestar essa vontade, o adiamento; mas digo, e repito, que julgo urgente a discussão e votação d'este projecto, seja qual for o resultado, porque o que eu receio é a responsabilidade de, passado muito tempo, eu não poder de fórma alguma applicar os meios que julgo necessarios para a Guiné; por consequencia não é preciso outra cousa senão a manifestação da vontade de v. exa. para eu acceitar o adiamento.
O sr. Presidente: - Parece-me que o sr. ministro da marinha declarou que na primeira sessão apresentaria o documento pedido pelo sr. Vaz Preto, e emquanto ao requerimento do digno par não póde deixar de ficar em discussão conjunctamente com a generalidade do projecto.
É claro que a camara, approvando o projecto na sua generalidade, antes de se terem recebido os documentos requeridos pelo sr. Vaz Preto, não rejeita o requerimento do digno par, mas declara que deseja occupar se do assumpto, embora esses documentos não estejam já sobre a mesa; comtudo eu vou dar a palavra ao sr. conde do Casal Ribeiro, e depois a camara resolverá o que entender quanto ao requerimento do digno par o sr. Vaz Preto.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Eu não tinha pedido a palavra sobre a materia, mas sobre o incidente do adiamento, senão proposto, de alguma maneira indicado pelo sr. Vaz Preto.
Entende o meu illustre amigo, e entende perfeitamente, que devem vir á camara todos os documentos; mas eu pela minha parte pediria ao digno par, só ha difficuldade do governo em que se sobreesteja na discussão até que venham esses documentos, que não insista em que se adie a discussão do projecto.
O documento provavelmente virá, e virá a tempo ainda de ser aproveitado durante a discussão. O sr. ministro da marinha invocou o testemunho das commissões; eu não o negarei.
Nas commissões o illustre ministro apresentou todos os documentos que ali lhe foram pedidos. Entretanto é certo que o documento a que se referiu o sr. Vaz Preto estava comprehendido no requerimento que tinha sido aqui apresentado por mim, e que n'esta parte não foi satisfeito. Eu fiz primeiramente um requerimento que comprehendia unicamente as communicações officiaes ácerca dos acontecimentos de Bolor; mas depois requeri todos os documentos attinentes á questão de Bolor, e que podessem esclarecer e ter referencia com ella. A este segundo requerimento respondeu-se unicamente com os dois primeiros documentos que estão impressos. Não faço censura ao governo; exponhos os factos como na realidade se deram. Esto requerimento comprehendia genericamente todo os documentos concernentes á questão, e por consequencia incluia o officio a que se referem os telegrammas do governador geral de Cabo Verde.
Isto vem para expor os factos como elles na realidade são; não tem por fim, de maneira nenhuma, induzir a camara a que vote o adiamento, se o governo se oppõe a que o haja.
Pela minha parte declaro-me habilitado a entrar na discussão, ainda que não vinha hoje premunido com os apontamentos que tomei sobre a materia, porque estava longe de esperar a agradabilissima surpreza de ver aqui o sr. ministro da marinha.
Achando-se pendente na outra casa do parlamento uma discussão importante, que diz respeito á muito notavel concessão feita pelo seu ministerio, concessão que já fui por nós largamente discutida, não posso senão agradecer ao sr. ministro a preferencia que nos dá.
Não o censuro por esta extrema benevolencia, por esta extrema attenção que tem para comnosco, nem o devo censurar, porque sei que o projecto lido agora na mesa estava dado para ordem do dia.
Eu suppunha que se trataria hoje da interpellação do meu amigo o sr. Carlos Bento ao sr. ministro da fazenda sobre a questão bancaria; mas passámos primeiro a tratar da Guiné; pois passemos.
Entretanto, visto que o sr. ministro, sobre a questão do adiamento, fallou na urgencia do projecto, o que eu pedia a s. exa. era que se pozesse do accordo com o digne relator da commissão; era que nos declarassem, um e outro, debaixo de que ponto de vista consideram este projecto: se elle trata de uma questão urgente ou de uma questão ordinaria de administração colonial.
Estes, dois pontos de vista são absolutamente diversos, os dois relatorios dizem exactamente o opposto um ao outro.
O projecto do governo foi trazido no parlamento como negocio de urgencia, como determinado pelos acontecimentos que tiveram logar na Guiné portugueza, particularmente no presidio ou feitoria de Bolor.
Assim o declara o sr. ministro da marinha no seu relatorio por estes termo:
"Os ultimos acontecimentos da Guiné tornam urgentes medidas que o governo já tencionava submetter á vossa illustrada consideração, etc."
Logo a rasão determinante d'este projecto foram os ultimos acontecimentos da Guiné.
Mas o illustre relator da commissão é meu antigo amigo, o sr. general Palmeirim, cavalheiro que muito estimo, que ha bastante tenho o gosto de conhecer nas lides parlamentares, e que é extremamente habil, formulo o seu relatorio de um modo admiravel. Absteve-se cuidadosamente de dar ao projecto a qualificação de urgente. Para o digno par não ha urgencia alguma, não se trata dos acontecimentos da Guiné.
S. exa. diz apenas que esta possessão está até certo ponto hoje, descurada. Parece que não houve mortos, parece que não houve feridos, parece que não correu sangue portuguez e que não foi deslustrada a nossa bandeira por uma peior que gravissima imprudencia de quem mandou Lá áquella pequena força militar. Parece que não houve nada d'isto, e que unicamente a nossa possessão da Guiné está até certo ponto um pouco descurada; e como está um pouco descurada, vamos então acudir-lhe com um governador vencendo grande ordenado, e com 200:000$000 réis para despender não sei em que.
Eis-aqui o que é o projecto. É uma cousa para o governo, outra cousa para a maioria das commissões que deram parecer sobre o mesmo projecto.
O governo entende que a medida é urgente, e quer que ella passe depressa. N'isto está a seu ver a salvação dá