370 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Guiné, embora não haja aqui cousa alguma que faça crer que por este meio se consiga o fim que o governo diz ter em vista. As medidas que se propõem n'este projecto não servem de nada, absolutamente de nada para esse fim. A unica providencia que tem um caracter accentuado a esse respeito, essa mesma era escusado trazer-se ao parlamento, porque estava perfeitamente nas attribuições do governo, e até nas do governador geral da provincia, que podia muito bem no uso d'essas attribuições transferir de Cabo Verde para a Guiné o batalhão de caçadores n.°1; e tanto que já mandou para ali uma parte d'aquelle corpo.
Portanto, não sei o que hei de votar a respeito de adiamento. Não desejo votal-o, porque de modo nenhum, quero ter a apparencia de empregar qualquer meio que se julgue impeditivo de uma discussão, embora me pareça extemporaneo, inopportuno, e em nada conveniente para o que se tem em mira, o projecto sobre que essa discussão vae recaír. O que desejo é que o illustre relator se ponha de accordo com o sr. ministro da marinha, de modo que saibamos sob que ponto de vista se ha do votar o projecto.
Para que vem aqui, que nos importa a monção propria para uma expedição? Pois não nos diz no parecer o sr. relator, que este projecto é unicamente para levantar um pouco a nossa possessão da Guiné, que está hoje até certo ponto descurada, acudindo-lhe com muito dinheiro, e com um governador mais bem retribuido? É isto e só para isto que serve o projecto, e para se gastar muito dinheiro, e não para se fazer o que era mister com relação aos factos que ultimamente succederam na Guiné, factos deploraveis, que não direi que envergonhassem o nome portuguez, que não póde ser envergonhado pelos abusos, pela incuria, pela fraqueza, pela inhabilidade de alguem, mas aos quaes se devia ter prestado mais severa attenção.
O governo devia, dentro das suas proprias attribuições, ter tomado medidas immediatas, sobretudo para que os processos fossem logo instaurados. Era este o seu primeiro dever, dever que não cumpriu, porque não bastava uma syndicancia. Era uma obrigação, que resulta evidentemente dos documentos que tenho presentes, o mandar immediatamente instaurar o competente processo criminal no fôro militar.
A este respeito foram dirigidas perguntas na commissão ao sr. ministro da marinha; e a essas perguntas respondeu-se muito vagamente. Eu pelo menos não comprehendi a sua resposta.
O que consta do officio que foi expedido á mesa d'esta camara, satisfazendo a um requerimento meu, é que até á data d'esse officio se não havia ordenado que fosse o processo instaurado; o sr. ministro da marinha esperava o resultado da syndicancia para o mandar instaurar.
Não sei se posteriormente s. exa. deu ordem para isso; estimaria que a tivesse dado, e que se haja effectuado agora, o que desde logo se devia ter feito. Desejava muito ouvir qualquer informação explicita do sr. ministro sobre este ponto.
Sr. presidente, não quero entrar na materia, nem estamos ainda na sua discussão. Não desejo obstar a que os meus collegas entrem n'ella, se o entenderem dever fazer. Isto não quer dizer que mais tarde não tome parte no debate que se vae encetar sobre este projecto; tenciono fa-zel-o, por mais ou menos habilitado que esteja, porém mais tardo, porque tenho de examinar papeis, que não trouxe, nem mesmo vim prevenido de apontamentos curiosos que deixei em casa, porquanto não esperava que se discutisse hoje este assumpto, se bem que reconheça que o sr. ministro da marinha, estava no seu direito stricto de vir hoje aqui, abandonando a camara dos senhores deputados, preferindo a Guiné á Zambezia, essa Guiné que está um pouco descurada hoje, como diz o illustre relator, e para a qual vamos fazer lei, com a qual o governo julga restaurar o prestigio da nossa bandeira, n'aquella colonia, porque vae proporcionar os meios de nos desaffrontarmos, castigando os pobres pretos que nos offenderam, aos quaes é necessario inflingir uma lição, que talvez se deveria inflingir primeiro, e inflingir severa ao branco, porque a culpa foi mais do branco que do preto.
Portanto, sr. presidente, concluindo, direi que se o sr. ministro da marinha acceita o parecer e as expressões do sr. relator da commissão, não vejo inconveniente em que este projecto se reserve para a sessão de ámanhã, ou para quando vierem os documentos que foram pedidos. Mas se ha inconveniente n'esse adiamento, e a camara o não approva, não entrarei desde já na discussão, reservando-me, comtudo, para em logar competente expender as minhas idéas sobre o assumpto.
(Entra o sr. ministro da justiça).
O sr. Ministro da Marinha: - Sr. presidente, posso desde já responder ao digno par, que tenho noticia ds se ter mandado instaurar processo na Guiné. Por consequencia, parece-me que estão satisfeitos os votos do digno par n'este ponto.
Devo tambem dizer a s. exa., que eu pela minha parte já não espero nenhuma manifestação da camara para acceitar o adiamento do projecto. Não desejo de fórma alguma que o digno par deixe de ter todos as seus apontamentos para poder defender as suas opiniões e combater as do governo.
Quanto ás rasões por que tenho necessidade d'este projecto, repito e mantenho tudo quanto disse.
Com relação a estar o governo de accordo com a commissão ou com o seu relator, parece-me que não ha dificuldade nenhuma.
No projecto ha duas necessidades que estão previstas: a primeira é que vamos desde já, e o mais depressa possivel, collocar na Guiné a imposição de obstar a que hoje, ámanhã ou depois nos seja inflingida uma affronta como a que ha pouco recebemos; e a segunda é a idéa de se constituir na Guiné um governo definitivo, como ás commissões pareceu conveniente.
As expressões do preambulo do parecer, a que o digno par se referiu, não têem nada absolutamente com as palavras que precedem o projecto do governo, porque os intuitos d'este são substituir a actual administração da Guiné. E se o governo veiu com mais pressa pedir esta auctorisação, foi porque um acontecimento excepcional o obrigou a isso.
Por consequencia, não ha paridade alguma entre uma o outra cousa.
Termino desde já as minhas observações a este respeito, porque o projecto não está em discussão, declarando ao mesmo tempo que não tenho duvida em acceitar o adiamento proposto pelo digno par.
O que peço, porem, é que s. exa. e a camara se occupem do assumpto o mais breve possivel.
Quanto á advertencia que se dignou fazer-me o sr. condo do Casal Ribeiro, devo dizer que nas questões da Zambezia, a respeito das quaes está empenhada agora uma discussão na outra casa do parlamento, a que tenho assistido, entendi dever perguntar á minha consciencia o que seria de maior obrigação para mim, se assistir ali, onde o governo está devidamente representado, e respondendo pela sua responsabilidade solidaria, e onde eu já respondi a tudo quanto me foi perguntado, ou se devia vir aqui, onde só começava a discutir um projecto, cuja necessidade mo parece instante.
Vim aqui, disse-me a consciencia que viesse aqui, vim.
Agradeço muito as lições sempre cortezes dos dignos pares, mas não foi sem pensar que tomei a resolução. Ponderando que maior dever me corria, se o de vir defendei o projecto n'esta camara, se o demorar-me na camara dos senhores deputados, onde o governo está competentemente representado; a consciencia disse-me que viesse, e por isso me apresentei aqui.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, confesso que é para