DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 271
Sr. presidente, a cegueira e a obcecação do governo é de tal ordem que, para se sustentar n’aquellas cadeiras, apesar de estar condemnado na opinião publica, desce á baixeza de procurar o apoio do partido anti-dynastico, e tem até a fraqueza de mandar os seus jornnes que felicitem esse partido pela boa ordem que soube manter nas suas reuniões, e cordura com que se apresentou!
Não admira que o governo proceda assim, porque entre os ministros ha alguns que teem um pé na monarchia e outro na republica.
Ainda não chegou o tempo de realisarem o seu sonho dourado, de porem escriptos no paço.
Eu conheço-os perfeitamente, já combati na opposição com elles, tambem me convidaram para uma reunião, em que se tratava de fazer um meeting contra o sr. Fontes, e diziam que não podiam leval-o a effeito sem o apoio do partido republicano, que então poucas forças tinha em Lisboa, e pouquissimas no paiz. Não obstante aos seus odios e ás suas impaciencias do poder não duvidavam sacrificar os interesses da monarchia, e concorrer para que o partido republicano afirmasse a sua existencia até áquella epocha problematica. Eu e os meus amigos oppozemo-nos, protestámos, e elles entenderam-se mais intimamente com os republicanos, com quem já tinham relações. Deixemos esse passado que é pouco honroso para alguns dos srs. ministros.
Sr. presidente, persuadia-me que a força publica, que o paiz paga, e bastante caro, era para manter a ordem, defender a propriedade e garantir o livre exercicio dos direitos individuaes; porem não succede assim. A força publica está ao dispor do governo para que elle, depois de ter promovido a desordem, mande atacar o povo e faça correr sangue nas das de Lisboa. Parece que o governo desconhece o seu dever e o que se pratica em todos os paizes civilisados, onde se não póde jamais atacar o povo sem lhe dirigir as devidas intimações. O governo tinha obrigação de, antes de empregar a força, esgotar todos os meios de paciencia e prudencia. Devia ter mandado pôr editaes, avisar pela imprensa o povo, fazer as intimações do estylo, prender mesmo alguem em flagrante delicto, mas nada d’isso fez, e o resultado foi o triste espectaculo que a capital presenceou.
Porventura desobedeceu o povo de tal modo que fosse necessario á guarda municipal carregar as armas e investir com os cidadãos inermes, um dos quaes, gravemente ferido, consta que falleceu já?
Não me admira que o partido progressista auctorisasse similhantes attentados, porque está costumado a salpicar-se de sangue todas as vezes que sobe ao poder. Mas deve lembrar-se tambem que a paciencia esgota-se e que o povo desvairado é uma torrente caudal, que esmaga no seu curso os obstaculos que encontra, e oxalá que essa corrente que os desvarios e desatinos do governo hão de despenhar não arraste comsigo as instituições.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho): — O digno par, o sr. Vaz Preto, acaba de mandar para a mesa um documento com que procurou rebater uma declaração feita por mim n’esta casa, parecendo indicar que é um desmentido formal ás minhas palavras.
Tenho em meu poder uns documentos que vou igualmente mandar para a mesa, e- que provam o contrario do que s. exa. affirma.
O governador civil do Porto escreve o seguinte:
(Leu.}
Segue a continuação do officio e depois vem as declarações dos dois commandantes, no mesmo sentido. Apenas mencionam duas patrulhas de cavallaria, que não foram requisitadas, e que é commandante manda sempre que ha agglomerações populares.
O governador civil declara que tambem não compareceu na estação, o que é sabido no Porto, e conclue nestes termos o officio.
(Leu.)
Como o esquadrão de cavallaria não podia ir á estação do caminho de ferro sem ordem dos seus superiores, como os commandantes declaram não ter dado essa ordem, nem tal força ter sido requisitada pelo governador civil, como o proprio governador civil certifica não ter ido á estação, o que é notorio, creio que fica perfeitamente demonstrada a verdade do que eu asseverei.
Acrescentou mais o digno par que o governo mandara empregados seus fazer arruaça no meeting de S Carlos. Á affirmativa de s. exa. contraponho a minha negação. E peço as provas do que se affirma.
Disse mais o digno par «que fora alliciado pelo governo o partido republicano para fazer manifestações n’aquelle local». É outra asserção gratuita a que eu contraponho a minha negação, e de que tambem peço as provas.
Censurou ainda o sr. Vaz Preto que se encontrassem amigos meus no referido theatro.
Respondo que podiam lá estar, e se estiveram foi no pleno uso do seu direito. O que eu garanto é que não contribui, nem directa nem indirectamente, para nenhum dos factos que occorreram.
Tambem eu podia ter comparecido no meeting, como tenho feito muitas vezes em reuniões analogas, mas entendi que a minha posição official me inhibia de proceder assim.
Não duvido nunca assumir a responsabilidade dos meus actos, entendo que é um dever, mas é preciso que eu tenha praticado esses actos; quando os não pratico, declino as responsabilidades que me não cabem.
Accrescentou mais s. exa., que o governo tinha preparado a arruaça, e que depois mandou carregar a força armada sobre o povo.
A isto respondo tambem com uma negação.
Era obrigação do governo deixar que todas as opiniões se manifestassem com a maxima liberdade, comtanto que se respeitassem as leis.
A liberdade não é incompativel com a ordem publica.
O principio sagrado da liberdade póde e deve manter-se dentro dos limites da lei.
A liberdade de imprensa, a liberdade de reunião, a liberdade de representação, n’uma palavra, todas as liberdades publicas podem ter o seu logar dentro da lei, e assim se concilia a ordem com a liberdade.
Foi ou não foi a mais ampla liberdade mantida nos dois comicios que se realisaram em Lisboa no domingo passado?
Creio que ninguem o contestará.
Agora o que não se podia permittir era a violação das leis, era o que ellas prohibem, a liberdade da arruaça.
Foi o que o governo fez e nada mais.
São estas as explicações que tenho a dar.
O sr. Magalhães Aguiar: — Requeiro a v. exa. que consulte a camara se consente que sejam publicados no Diario do governo os documentos que ha pouco foram lidos pelo sr. ministro das obras publicas, e tambem o abaixo assignado apresentado, pelo digno par o sr. Vaz Preto!
Leram-se na mesa os documentos apresentados pelos srs. Vaz Preto e ministro das obras publicas, e posto á votação o requerimento do digno par o sr. Aguiar para serem publicados no Diario de governo foi approvado.
O sr. Vaz Preto: — Ouvi as declarações do sr. ministro das obras publicas, e a leitura dos documentos que s. exa. apresentou, e direi com relação a esses documentos que elles não desfazem as asserções do abaixo assignado que eu, li á camara.
Os documentos apresentados pelo sr. ministro e assignados pelas auctoridades militares dizem que não foi um esquadrão que acompanhou os dois deputados que daqui foram ao Porto para assistir a um meeting, quando elles chegados ali se dirigiram para o hotel onde se hospedaram.
V. exa. sabe que em linguagem technica nas cousas militares um esquadrão quer dizer um certo numero de soldados; supponho que o numero de soldados que forme um