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N.º 33

SESSÃO DE 15 DE MARÇO DE 1881

Presidencia do exmo. Sr. Vicente Ferver Neto de Paiva (presidente supplementar)

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Francisco Simões Margiochi

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — A correspondencia é enviada ao seu destino. — O digno par o sr. Barros e Sá manda para a mesa o parecer da commissão de legislação sobre a prorogação do praso até 22 de março de 1883 para o registo dos ónus reaes, servidão, etc, e pede dispensa do regimento para que este parecer entre desde logo em discussão. — O digno par o sr. Vaz Preto declara-se contra a dispensa do regimento.— Explicações do sr. ministro da justiça (Adriano Machado). — O digno par o sr. Agostinho de Ornellas pede dispensa do regimento para que entre em discussão o parecer que diz respeito ao projecto prorogando o praso para a isenção de direitos do assucar exportado da ilha da Madeira para o continente e Açores. — Approvação deste parecer. — O sr. visconde de Chancelleiros requer que o parecer da commissão de legislação sobre o contrato para a navegação entre Lisboa e os portos da África occidental fosse impresso com urgencia e distribuido na camara. — Leitura da representação entregue pela commissão do meeting da rua de S. Bento.— O digno par o sr. visconde de Chancelleiros requer que seja publicada no Diario do governo essa representação. — Ponderações e discursos dos srs. Henrique de Macedo, visconde de Soares Franco, Vaz Preto, ministro das obras publicas (Saraiva de Carvalho), conde de Valbom, marquez de Vallada e visconde de Chancelleiros.

Ás duas horas da tarde, sendo presentes 42 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo oitenta exemplares das suas contas da gerencia em 1879—1880, e do exercicio de 1878-1879.

Dois officios da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei auctorisando a erecção de moedas de cobre e bronze que substituam as actuaes; e a proposição reformando o serviço maritimo na costa do continente e ilhas adjacentes.

Outro do ministerio da marinha, satisfazendo ao requerimento feito em sessão de 11 do corrente pelo digno par Andrade Corvo.

Outro da commissão executiva do districto de Ponta Delgada, remettendo a representação da junta geral sobre a crise agricola e financeira ali existente.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho, e ministros do reino, da justiça, da marinha, da guerra e das obras publicas.}

O sr. Barros e Sá: — Sr. presidente, mando para a mesa o parecer da commissão de legislação sobre o projecto que tem por fim prorogar o praso para o registo dos ónus reaes, servidões, emphyteuses, sub-emphyteuses, censos, e pensões.

Este praso acaba no dia 18 do corrente mez, e se não for prorogado não se póde obter o fim que o projecto tem em vista; portanto, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para que elle entre desde já em discussão.

Faço este pedido de accordo com a commissão e com o sr. ministro da justiça.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, o governo tem tido muito tempo para promover, tanto nesta como na outra casa do parlamento, a discussão dos projectos que reputa importantes, e, portanto, não posso deixar de me admirar muito que o sr. ministro da justiça não tivesse trazido ha mais tempo a esta camara o projecto sobre a prorogação do praso para o registo dos ónus reaes, e se guardasse para a ultima hora quando estava a expirar.

Não me admira menos que s. exa. instasse com o relator da commissão para que elle pedisse e propozesse a dispensa do regimento.

Que têem feito até agora os srs. ministros? Pois isto é systema de administrar?

Para que se pede a dispensa do regimento, sr. presidente? Para discutir um projecto que não foi impresso, que não foi examinado por esta camara, nem será, e que vae favorecer aquelles que têem dispensado até hoje a lei.

Não voto, pois, a dispensa do regimento, que julgo desnecessaria, e protesto solemnemente contra o procedimento do sr. ministro da justiça, que deixa atrazar os trabalhos, para querer depois que os projectos sejam discutidos sem que haja tempo de serem estudados.

Logo, quando me chegar a palavra para tratar de um negocio importante, eu mostrarei ao paiz o que é o actual governo, e como elle considera os negocios publicos. Agora não me quero afastar deste incidente. Peço a v. exa. que me reserve a palavra.

O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): — Sr. presidente, a proposta do governo foi apresentada, pouco mais ou menos, na mesma sessão legislativa em que o tem sido todas as outras propostas de igual natureza. Para não se afrouxar a diligencia com que á ultima hora os interessados costumam promover os registos, os meus antecessores não teem proposto o alargamento dos prasos senão quando está quasi a expirar o seu termo.

Alem do que deixo exposto, cumpre tambem observar, que as duas casas do parlamento teem estado occupadas com assumptos a que têem ligado a maxima importancia, como se prova pela largueza com que foram discutidos.

Este projecto foi approvado sem difficuldade na camara dos senhores deputados, porque diz respeito a materia muito conhecida, que todos os annos tem sido estudada.

As rasões que aconselharam a prorogação do praso em outras occasiões, são as mesmas que hoje existem. Comquanto se tenha registado grande numero de dominios directos, o serviço do registo ainda está muito atrazado, e se não for concedida a prorogação do praso resultarão gravissimos prejuizos, não só para as corporações de beneficencia, asylos e irmandades, mas tambem para muitos particulares e para o estado.

De certo, é este um assumpto muito familiar á camara, e por isso me parece que póde ser votado sem novo estudo, e sem uma demorada discussão, que no caso presente seria nociva á causa publica.

O sr. Vaz Preto: — Serei o mais breve possivel no que vou dizer, porque desejo entrar em outro assumpto.

O governo continúa no systema de justificar os seus actos com os precedentes, o que mostra que elle não tem principios nem idéas. Justifica sempre os seus actos com os precedentes de outras administrações. É esta a sua nor-

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ma, a regra adoptada, que constitue o seu systema do governo!

Diz o sr. ministro da justiça, que todos os annos se teem votado projectos iguaes a este, e que se apresentam sempre á ultima hora para obrigar mais a fazer os registos dos fóros.

Admiro a declaração de s. exa.; e julgo que não é muito acertado o expediente, porque repetindo-se todos os annos esta prorogação, os interessados já contam com ella e o registo dos fóros continua do mesmo modo a protrahir-se indefinidamente.

Em conclusão, não posso votar a dispensa do regimento, porque é um péssimo precedente, e muito menos com relação a projectos d’esta ordem, porque por esta forma a lei será inutil, e continuará a animar o publico a não fazer caso d’ella. Portanto, acho inconveniente n’esta occasião a dispensa do regimento.

O sr. Franzini: — Participo a v. exa. e á camara que o sr. general Palmeirim me encarregou de participar a esta casa do parlamento que se acha anojado pelo fallecimento de sua mãe.

O sr. Carlos Eugenio de Almeida tambem me encarregou de fazer sciente a camara que por motivo justificado não poderá comparecer a algumas sessões.

O sr. Presidente: — Disse que se tomava nota das declarações feitas Del o digno par.

Foi approvado o pedido ao sr. Barros e Sá.

O sr. Ornellas:— Auctorisado com o exemplo que a camara acaba de dar, requeiro a v. exa. que consulte a camara se dispensa tambem o regimento para que entre em discussão desde já o projecto de lei que foi distribuido ha quatro dias, e sobre o qual recáe o parecer que tem o n.° 169. Este projecto diz respeito á prorogação cio praso para a execução da lei pela qual foi suspensa a disposição do artigo 6.° da lei de 27 de dezembro de 1870, ficando livre de direitos de importação no continente do reino e nas ilhas dos Açores o assucar produzido na ilha da Madeira. Ora, esse praso expira hoje, e tendo este projecto o parecer favoravel da commissão de fazenda, e sendo da iniciativa do governo, creio que não póde haver difficuldade em se votar desde já.

O assumpto é conhecido, e é pela urgencia das circumstancias que me atrevo a pedir a dispensa do regimento para o mesmo projecto.

Este pedido foi approvado pela camara.

Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER N.°170

Senhores. — Á commissão de legislação foi presente o projecto de lei n.° 154, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual é prorogado até 22 de março de 1883 o praso para o registo dos ónus reaes ou servidão, emphyteuta, sub-emphyteuta, censo e quinhões.

A commissão, convencida da procedencia das rasões que motivaram a proposta do governo, e considerando que a prorogação indicada é urgentemente reclamada pelos interesses das corporações de beneficencia e de caridade e pelos do thesouro, assim como tambem pelos particulares, é de parecer que o projecto vindo da camara dos senhores deputados seja approvado para subir á sancção real.

Lisboa, 15 de março de 1881.== Visconde de Alves de Sá = Vicente Ferreira de Novaes = Couto Monteiro = Barros e Sá.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Miguel do Cant: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara muincipal de Leiria, que pede a esta camara que approve o projecto de lei auctorisando o governo a levar a effeito o contrato do caminho de ferro de Leiria a Pombal por Torres Vedras.

Rogo a v. exa. que lhe de o destino conveniente, e consulte a camara se permitia que seja publicada, no Diario do governo a mesma representação.

O sr. Presidente — Declarou ter-se recebido na mesa participação de que s. exa., o digno par D. Antonio José de Mello e Saldanha, não podia comparecer ás sessões por incommodo de saude; esta declaração foi mandada lançar na acta.

O sr. Vaz Preto: — Tinha pedido a palavra sobre a proposta do sr. Ornellas, que foi votada sem eu ter podido fallar.

Posto que respeite a v. exa. por muitos motivos, e sobretudo por ter sido meu mestre na universidade, ha de me permittir, comtudo, que eu de queixe de v. exa. me não haver dado a palavra sobre aquella proposta, que devia ter discussão; porque, na realidade, não era um requerimento, mas uma proposta, e v. exa. sabe que as propostas são sempre admittidas á discussão.

Até hoje qualquer pedido para dispensa de regimento tem sempre sido considerado como uma proposta, e como tal discutido.

Se nós estamos no tempo dos precedentes; se o partido progressista os elevou já a systema, este de considerar propostas a dispensa de regimento é antiquissimo nesta casa; por consecuencia, v. exa. devia-me ter dado a palavra.

Eu queria unicamente declarar que o sr. Ornellas tinha rasão em pedir a dispensa do regimento, visto que a camara acabava de fazer uma excepção a respeito do parecer mandado para a mesa pelo sr. Barros e Sá; mas não posso tambem deixar de dizer, que este systema de discutir e votar projectos que não estão dados para ordem do dia, concorre para desauctorisar a camara, porque a sua approvação não tem valor algum moral.

Porventura póde ter valor qualquer votação quando se desconhece o assumpto sobre que se vota? A maior parte dos dignos pares não conhecem a disposição dos projectos que foram votados, e entro n’esse numero. Protesto contra similhante abuso, e espero que a camara, para o futuro, seja mais avisada e prudente.

O sr. Presidente: — Disse que, tendo a camara dispensado o regimento, entrava em- discussão o seguinte:

PARECER N.° 169

Senhores. — A commissão de fazenda examinou com a devida attenção o projecto do lei n.° 152, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim conceder um novo praso de cinco annos, para a importação, no continente do reino e nas ilhas dos Açores, livre de direitos, do assucar, produzido na ilha da Madeira.

As rasões que determinaram os poderes publicos, em 1876, a conceder um primeiro praso para a suspensão do que dispunha a carta de lei de 27 de dezembro de 1870, no seu artigo 6.°, são conhecidas. Pretendia-se, per um lado, conceder um favor que animasse o desenvolvimento de uma nova cultura, e por outro lado procurar uma compensação, embora limitada, para os prejuizos, que a ilha da Madeira experimentava, devidos a causas diversas, sendo a principal a perda das vinhas.

Os dados estatisticos, que estão ao alcance de todos, demonstram que o favor concedido pela carta de lei de 4 de fevereiro de 1876 tem contribuido para o augmento do fabrico de assucar, e por outro lado as condições em que se encontra o districto do Funchal, estão recommendando a prorogação do beneficio.

Foi por isso que o governo resolveu apresentar a proposta de lei, que a vossa commissão de fazenda considera no caso de ser approvada, a fim de ser submettida á real sancção.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° E prorogado por mais cinco annos o praso para a execução da carta de lei de 4 de fevereiro de 1876, peia qual foi suspensa a disposição do artigo 6.° da carta de lei do 27 de dezembro de 1870, ficando livre de direitos de importação, no continente do reino e nas ilhas dos

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Açores, o assucar produzido na ilha da Madeira, e proveniente da canna cultivada na mesma ilha.

§ unico. Os cinco annos começarão a contar-se do dia em que findar o praso marcado na mesma lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 8 de março de 1881.= Carlos Bento da Silva = Antonio de Serpa Pimentel = Conde de Castro = J. J. de Mendonça Cortez = Thomás de Carvalho = Fernandes Vaz = Barros e Sá = H. de Macedo = Pereira de Miranda, relator.

Projecto de lei II .° 152

Artigo 1.° É prorogado por mais cinco annos o praso para a execução da carta de lei de 4 de fevereiro de 1876, pela qual foi suspensa a disposição do artigo 6.° da carta de lei de 27 de dezembro de 1870, ficando livre de direitos de importação, no continente do reino e nas ilhas dos Açores, o assucar produzido na ilha da Madeira, e proveniente da canna cultivada na mesma ilha.

§ unico. Os cinco annos começarão a contar-se do dia em que findar o praso marcado na mesma lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 3 de março de 1881.=Antonio José da Rocha, vice-presidente = José Julio de Oliveira Baptista, deputado vice-secretario = D. Miguel de Noronha, deputado vice-secretario.

Foi approvado.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Requereu que o parecer da commissão de legislação sobre o contrato para a navegação a vapor entre Lisboa e os portos da Africa Occidental se imprimisse com urgencia e fosse distribuido por casa dos dignos pares.

O sr. Presidente: — Declarou que lhe havia sido entregue, por uma commissão do meeting effectuado no domingo ultimo na rua de S. Bento, uma representação que se passava a ler.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): — Fez a leitura d’este documento.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Requereu que se publicasse no Diario do governo a representação que acabava de ser lida, e fosse enviada ás commissões que têem de dar parecer sobre o tratado de Lourenço Marques.

O sr. Henrique de Macedo: — Afigura-se-me que a camara, votando favoralmente o requerimento do sr. visconde de Chancelleiros, reconsidera em relação a uma sua votação anterior.

Votou-se ha poucos dias que o negocio, a que se refere o digno par, fosse discutido com previo parecer das commissões de legislação e de marinha.

O digno par pede agora, em primeiro logar, que seja impresso desde já o parecer da commissão de legislação, antes que a commissão de marinha torne conhecimento do assumpto; e, em segundo logar, formulou mui, claramente o desejo de que, se o parecer d’esta ultima commissão tiver alguma demora, se verifique antes a interpellação que annunciou ha dias ácerca do mesmo assumpto.

Ora, eu creio que se a interpellação se realisar dentro em poucos dias, unicamente á sombra da exclusiva auctoridade do parecer da commissão de legislação, haverá manifesta reconsideração em relação á resolução tomada anteriormente pela camara.

Já que estou com a palavra, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu diga tambem alguma cousa ácerca do segundo requerimento formulado pelo mesmo digno par, para que a representação ha pouco lida na mesa seja publicada no Diario do governo e remettida por expressa votação da camara á respectiva commissão.

Concordo plenamente com a primeira parte do requerimento do digno par; mas o que se me afigura desnecessario é que, depois de se publicar no Diario do governo a representação alludida, tornando-a assim em documento publico e a todos accessivel, ella seja ainda remettida por votação especial da camara ás commissões que têem de tratar do assumpto; desde que essa representação se publica na folha official, faz parte de um documento que está nas mãos de todos nós, e remettel-o por votação especial á commissão significa, ao que me parece, querer apreciar muito inopportunamente o valor que póde ter tal representação.

Já que estou com a palavra, peço licença a v. exa. e á camara para tratar ainda de um outro assumpto, requerendo que se lance na acta um voto de sentimento pelo barbaro, pelo atrocissimo attentado de que foi victima um dos mais illustres soberanos da Europa, o imperador da Russia.

Permitta-me a camara que chame a sua attenção para a expressão precisa do voto de sentimento que acabo de propor-lhe, porque nos termos em que o formulo todos nós, creio eu, o podemos e devemos votar. Commentarei, todavia, o meu requerimento ou proposta com algumas palavras que não significam mais do que a expressão dos meus sentimentos e opiniões pessoaes, a cuja responsabilidade de qualquer ordem não pretendo associar esta assembléa, a quem peço unicamente que vote o requerimento que formulei, e como o formulei.

O imperador Alexandre, hontem victima de atroz attentado, de que nos dão ainda incompleta conta as communicações officiaes, foi, no meu entender, e, considerados os principios liberaes não como formulas absolutas, mas como funcções do tempo, do logar e do meio, um soberano que mão duvidarei qualificar de eminentemente liberal.

A gloria, a reputação politica, de um soberano que, rompendo com as enormes difficuldades do meio em que reinou, quebrando os apertados laços das proprias instituições de que era chefe, logrou abulir no ultimo e vasto trato da Europa onde ainda existia a servidão de gleba, transformando a grande maioria de dois povos, o da Russia e o da Polonia, de escravos em homens livres, fazendo de milhões de proletarios outros tantos proprietarios; dando a duas nações, as unicas da Europa que ainda as não possuiam, instituições municipaes caracteristicamente democraticas; a gloria d’este soberano, repito, ainda que elle não tivesse, que tinha, muitos outros direitos á admiração e respeito dos espiritos verdadeiramente liberaes, não póde ficar empanada por alguns actos de repressão violenta que as necessidades da ordem publica, o estado anarchico dos espiritos, os habitos e tradições dos paizes a que me refiro, explicam sufficientemente.

Repito, porém, sr. presidente, é independentemente destas minhas considerações, que exprimem apenas o meu sentir pessoal, que eu espero que a camara como simples manifestação das suas opiniões monarchicas, e ainda dos seus sentimentos de humanidade, votará que se lance na acta o voto de sentimento que propuz.

O sr. Presidente: — Deu a palavra sobre a ordem ao sr. visconde de Soares Franco.

O sr. Visconde de Soares Franco (sobre a ordem):— Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre a ordem, para declarar ao digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, que a commissão de marinha já reuniu hoje para tratar do assumpto relativo ao contrato de navegação para a Africa.

Não posso dizer a s. exa. quando a commissão poderá apresentar o seu parecer; mas não deve demorar-se muito, e eu creio que será mais conveniente que venham á camara os dois pareceres das commissões.

A commissão de marinha não tem de que se occupar, senão da parte technica, o resto pertence á commissão de legislação, isto é, da parte que esta camara a incumbiu de dar o seu parecer sobre se o contrato está ou não conforme com as condições annunciadas.

O sr. Serpa Pimentel: — Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar a v. exa. se o regimento d’esta casa prohibe que se discutam os requerimentos. Creio que sirn,

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e que muito menos é permittido discutir requerimentos com o pretexto de fallar sobre o modo de propor.

Só se pede a palavra sobre o modo de propor quando se trata de votar por levantados ou sentados, ou nominalmente, ou quando, havendo mais de uma proposta na mesa, se trata de saber a ordem por que devem ser votadas.

Portanto, peço a v. Exa.:

1.° Que ponha á votação os requerimentos que foram mandados para a mesa sem admittir mais discussão sobre elles;

2.° Que separe a questão do imperador da Russia dos requerimentos apresentados pelo sr. visconde de Chancelleiros, porque me parece que aquella questão foi inopportunamente intercalada.

O sr. Daun e Lorena: — Pedi a palavra para ser esclarecido a respeito de um ponto.

Ouvi dizer ha pouco que não é permittido pelo nosso regimento discutirem-se os requerimentos. Eu pergunto a v. exa. se, quando algum requerimento contiver duas partes completamente distinctas, é licito a qualquer par pedir que cada uma d’essas duas partes seja votada em separado, porque póde haver quem queira votar a primeira parte e não vote a segunda, ou vice-versa. E sobre isto que eu desejo ser esclarecido.

O sr. Vaz Preto: — Eu senti que v. exa. não desse sessão para o dia de hontem, o que prova que o governo não tem n’esta camara nenhum negocio importante a discutir. Passou-se, pois, mais um dia sem eu poder apresentar n’esta casa um documento que ha dias tenho em meu poder, que é um desmentido formal á declaração feita pelo sr. ministro das obras publicas, a quem eu vou tomar contas severas, bem como ao governo a respeito dos ultimos acontecimentos que tiveram logar em Lisboa.

N’uma das ultimas sessões, referindo-me a uma affirmativa de que o governador civil do Porto tinha ido com tropa esperar alguns deputados que foram de Lisboa para tomar parte no meeting governamental que teve logar n’aquella cidade, o sr. ministro das obras publicas declarou aqui formalmente que era falsa aquella asserção, e que não tinham sido acompanhados por soldados esses deputados. Diante de uma afirmativa tão solemne saída da bôca de um ministro da corôa, eu calei-me apesar das affirmativas terminantes de quasi toda a imprensa do Porto, e nem podia deixar de me calar, porque tomo a serio os poderes publicos, e supponho que os ministros zelam a sua dignidade e a honra do poder de que estão investidos, e por isso tratei de ver se o facto, procurando novas informações e roais esclarecimentos, podia ser melhor esclarecido.

Sr. presidente, eu não gosto nem desejo ver rebaixados os poderes publicos, e, portanto, estimava que fosse falso o que se disse; mas até me convenci que o era, e que o deveria ser, desde que um ministro da corôa declarava perante o parlamento que o facto não era exacto.

Acontece, porém, que sem eu o solicitar nem o pedir, foi-me enviado do Porto o documento que vou ler e mandar para a mesa, assignado por alguns cidadãos d’aquella cidade, entre os quaes figuram individuos que são dos maiores contribuintes.

O documento diz o seguinte.

(Leu.)

Seguem-se doze ou quatorze assignaturas.

Sobre este ponto nada mais direi. Deixo á camara e aos que me ouvem os commentarios, e ao sr. ministro das obras publicas a tarefa de desfazer a má impresso d’este documento, e mostrar que o testemunho dos abaixos assignados, que viram e presenciaram este facto, não tem valor, nem prova a verdade.

Não me surprehende que o facto a que alludo seja verdadeiro, nem já duvido não só pela declaração que li, mas em vista do que acaba de se passar na capital, que é muito peior do que o succedido no Porto.

Sr. presidente, v. Exa. sabe muito bem que estavam annunciados para domingo dois meetings, um na rua de S. Bento e outro no salão do theatro de S. Carlos. O primeiro era republicano, o segundo monarchico.

No meeting monarchico apresentaram-se amigos politicos e pessoaes do sr. ministro das obras publicas, entre elles o seu secretario particular, empregados de confiança do governo, empregados de differentes secretarias, e gente assalariada que tinha sido mandada vir de fóra, com o intuito de promover a desordem e o proposito de fazer arruaças. As arruaças tiveram effectivamente logar, mas foram suffocadas no começo, porque a gente séria era immensa. Como os arruaceiros foram descobertos, e nada podessem fazer, o governo lançou mão de outro estratagema, servindo-se de arruaceiros que vinham do meeting de S. Bento.

Então a desordem foi maior, deram-se vivas á republica e gritaram abaixo a naonarchia.

Tudo isto se fazia, promovido pelos srs. ministros das obras publicas e do reino. O sr. ministro das obras publicas, que entendia noutro tempo que os meetings eram verdadeiros coefficientes de correcção, procurava todos os meios agora de impedir aos partidos monarchicos esse alvitre para expandir os seus desejos e vontades.

Este procedimento do governo é unico, e altamente attentatorio contra o decoro e brio dos poderes publicos; e um crime de lesa nação o servir-se d’um partido anti-monarchico, como meio para suffocar os brados dos monarchicos que representavam, no uso pleno do seu direito, contra as medidas vexatorias promulgadas pelo actual governo e seus assessores.

Sr. presidente, v. exa. ha de ter visto, e a camara ha de conhecer de certo, uma carta que foi publicada nos jornaes, na qual se affirma que o ministro do reino tratara com o signatario da mesma carta do modo de desfazer a impressão no meeting, e de impedir que elle se apresentasse imponente, e que um dos homens mais importantes do partido progressista offerecêra uma carta ao cidadão a que me refiro, offerecendo-lhe um emprego.

Sr. presidente, não conheço nem sei quem é o cidadão que escreveu e publicou aquella carta; basta-me simplesmente saber que os factos que se deram condizem perfeitamente com ella. Basta saber que estavam lá, promovendo a desordem, empregados do confiança e amigos do sr. ministro das obras publicas.

Sr. presidente, as arruaças, os vivas á republica, e a vozearia em S. Carlos não era senão o preludio de factos mais graves e do que se passou depois.

O culpado unica e exclusivamente foi o governo, porque mandou promover a desordem nas reuniões em que o povo tratava de exprimir livremente o seu voto e de exercer o seu direito, e em seguida mandou acutilar os cidadãos inermes, incautos, desapercebidos, e que na melhor boa fé se prestavam aos manejos dos espectculadores.

Tenho immenso pezar que o sangue dos desgraçados e incautos, que foram illudidos e que menos culpa tinham, corresse pelas ruas, e não o d’aquelles a quem só cabia a responsabilidade.

Se se tratasse dos que tinham sido mandados pelo governo, dos que eram verdadeiros especuladores, não me causava pena; mas o desgraçado povo, aquelles que vão na boa fé, levados pelas suas convicções, imaginando que não fazem mal, não podem deixar de despertar a sympathia de todos os homens de bem.

Assisti, presenceei, vi com os meus proprios olhos um desgraçado ferido, levado em braços por um grupo de operarios, que, vendo me, exclamaram: «Sr. Vaz Preto, olhe para esta desgraça».

Fiz logo o proposito de vir aqui tomar severas contas ao governo por ter mandado acutilar o povo inerme e ter feito correr o sangue nas das de Lisboa.

Esse partido progressista, quando sobe ao poder, salpica-se sempre de sangue, e não contente de ter coberto de lama o seu programma, rega-o com o sangue do povo.

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Sr. presidente, a cegueira e a obcecação do governo é de tal ordem que, para se sustentar n’aquellas cadeiras, apesar de estar condemnado na opinião publica, desce á baixeza de procurar o apoio do partido anti-dynastico, e tem até a fraqueza de mandar os seus jornnes que felicitem esse partido pela boa ordem que soube manter nas suas reuniões, e cordura com que se apresentou!

Não admira que o governo proceda assim, porque entre os ministros ha alguns que teem um pé na monarchia e outro na republica.

Ainda não chegou o tempo de realisarem o seu sonho dourado, de porem escriptos no paço.

Eu conheço-os perfeitamente, já combati na opposição com elles, tambem me convidaram para uma reunião, em que se tratava de fazer um meeting contra o sr. Fontes, e diziam que não podiam leval-o a effeito sem o apoio do partido republicano, que então poucas forças tinha em Lisboa, e pouquissimas no paiz. Não obstante aos seus odios e ás suas impaciencias do poder não duvidavam sacrificar os interesses da monarchia, e concorrer para que o partido republicano afirmasse a sua existencia até áquella epocha problematica. Eu e os meus amigos oppozemo-nos, protestámos, e elles entenderam-se mais intimamente com os republicanos, com quem já tinham relações. Deixemos esse passado que é pouco honroso para alguns dos srs. ministros.

Sr. presidente, persuadia-me que a força publica, que o paiz paga, e bastante caro, era para manter a ordem, defender a propriedade e garantir o livre exercicio dos direitos individuaes; porem não succede assim. A força publica está ao dispor do governo para que elle, depois de ter promovido a desordem, mande atacar o povo e faça correr sangue nas das de Lisboa. Parece que o governo desconhece o seu dever e o que se pratica em todos os paizes civilisados, onde se não póde jamais atacar o povo sem lhe dirigir as devidas intimações. O governo tinha obrigação de, antes de empregar a força, esgotar todos os meios de paciencia e prudencia. Devia ter mandado pôr editaes, avisar pela imprensa o povo, fazer as intimações do estylo, prender mesmo alguem em flagrante delicto, mas nada d’isso fez, e o resultado foi o triste espectaculo que a capital presenceou.

Porventura desobedeceu o povo de tal modo que fosse necessario á guarda municipal carregar as armas e investir com os cidadãos inermes, um dos quaes, gravemente ferido, consta que falleceu já?

Não me admira que o partido progressista auctorisasse similhantes attentados, porque está costumado a salpicar-se de sangue todas as vezes que sobe ao poder. Mas deve lembrar-se tambem que a paciencia esgota-se e que o povo desvairado é uma torrente caudal, que esmaga no seu curso os obstaculos que encontra, e oxalá que essa corrente que os desvarios e desatinos do governo hão de despenhar não arraste comsigo as instituições.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho): — O digno par, o sr. Vaz Preto, acaba de mandar para a mesa um documento com que procurou rebater uma declaração feita por mim n’esta casa, parecendo indicar que é um desmentido formal ás minhas palavras.

Tenho em meu poder uns documentos que vou igualmente mandar para a mesa, e- que provam o contrario do que s. exa. affirma.

O governador civil do Porto escreve o seguinte:

(Leu.}

Segue a continuação do officio e depois vem as declarações dos dois commandantes, no mesmo sentido. Apenas mencionam duas patrulhas de cavallaria, que não foram requisitadas, e que é commandante manda sempre que ha agglomerações populares.

O governador civil declara que tambem não compareceu na estação, o que é sabido no Porto, e conclue nestes termos o officio.

(Leu.)

Como o esquadrão de cavallaria não podia ir á estação do caminho de ferro sem ordem dos seus superiores, como os commandantes declaram não ter dado essa ordem, nem tal força ter sido requisitada pelo governador civil, como o proprio governador civil certifica não ter ido á estação, o que é notorio, creio que fica perfeitamente demonstrada a verdade do que eu asseverei.

Acrescentou mais o digno par que o governo mandara empregados seus fazer arruaça no meeting de S Carlos. Á affirmativa de s. exa. contraponho a minha negação. E peço as provas do que se affirma.

Disse mais o digno par «que fora alliciado pelo governo o partido republicano para fazer manifestações n’aquelle local». É outra asserção gratuita a que eu contraponho a minha negação, e de que tambem peço as provas.

Censurou ainda o sr. Vaz Preto que se encontrassem amigos meus no referido theatro.

Respondo que podiam lá estar, e se estiveram foi no pleno uso do seu direito. O que eu garanto é que não contribui, nem directa nem indirectamente, para nenhum dos factos que occorreram.

Tambem eu podia ter comparecido no meeting, como tenho feito muitas vezes em reuniões analogas, mas entendi que a minha posição official me inhibia de proceder assim.

Não duvido nunca assumir a responsabilidade dos meus actos, entendo que é um dever, mas é preciso que eu tenha praticado esses actos; quando os não pratico, declino as responsabilidades que me não cabem.

Accrescentou mais s. exa., que o governo tinha preparado a arruaça, e que depois mandou carregar a força armada sobre o povo.

A isto respondo tambem com uma negação.

Era obrigação do governo deixar que todas as opiniões se manifestassem com a maxima liberdade, comtanto que se respeitassem as leis.

A liberdade não é incompativel com a ordem publica.

O principio sagrado da liberdade póde e deve manter-se dentro dos limites da lei.

A liberdade de imprensa, a liberdade de reunião, a liberdade de representação, n’uma palavra, todas as liberdades publicas podem ter o seu logar dentro da lei, e assim se concilia a ordem com a liberdade.

Foi ou não foi a mais ampla liberdade mantida nos dois comicios que se realisaram em Lisboa no domingo passado?

Creio que ninguem o contestará.

Agora o que não se podia permittir era a violação das leis, era o que ellas prohibem, a liberdade da arruaça.

Foi o que o governo fez e nada mais.

São estas as explicações que tenho a dar.

O sr. Magalhães Aguiar: — Requeiro a v. exa. que consulte a camara se consente que sejam publicados no Diario do governo os documentos que ha pouco foram lidos pelo sr. ministro das obras publicas, e tambem o abaixo assignado apresentado, pelo digno par o sr. Vaz Preto!

Leram-se na mesa os documentos apresentados pelos srs. Vaz Preto e ministro das obras publicas, e posto á votação o requerimento do digno par o sr. Aguiar para serem publicados no Diario de governo foi approvado.

O sr. Vaz Preto: — Ouvi as declarações do sr. ministro das obras publicas, e a leitura dos documentos que s. exa. apresentou, e direi com relação a esses documentos que elles não desfazem as asserções do abaixo assignado que eu, li á camara.

Os documentos apresentados pelo sr. ministro e assignados pelas auctoridades militares dizem que não foi um esquadrão que acompanhou os dois deputados que daqui foram ao Porto para assistir a um meeting, quando elles chegados ali se dirigiram para o hotel onde se hospedaram.

V. exa. sabe que em linguagem technica nas cousas militares um esquadrão quer dizer um certo numero de soldados; supponho que o numero de soldados que forme um

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esquadrão não ha no Porto, mas que entre o povo se dá ordinariamente o nome de esquadrio a qualquer piquete, ou troço de soldados a cavallo, embora não seja composto do numero de praças da ordenança.

Portanto, não seria um esquadrão, segundo a technologia militar, que acompanhou os ditos deputados; é certo, porém, que elles foram guardados por uma porção de soldados até ao hotel, e tanto que os officios dos commandantes militares que s. exa. leu não desfazem esta afirmativa.

Agora vamos a outra questão que é para mim a principal, e com relação á qual vou tomar severas contas ao sr. ministro das obras publicas e a todo o governo.

S. exa. respondeu ás minhas afirmativas, baseadas em factos incontestados, com simples negativas, dizendo que ao que asseverei oppunha a sua negação, e me pedia provas do que eu avançara.

Naturalmente o illustre ministro quer que eu faca uma justificação judicial para provar os factos que todos presencearam, e que ninguem nega.

Pois acredite que é cousa facil, posto que inutil, porque não aproveita a esta discussão.

Entretanto, direi a s. exa. que ha um facto que não negará, nem eu o consentiria, porque fui d’elle testemunha. Refiro-me a uma reunião em que estava o sr. ministro e esses progressistas, que são o sustentaculo do governo, e que queriam promover um meeting contra a politica do sr. Fontes. Retiro-me a essa reunião em que progressistas e reformistas confessavam a sua fraqueza e procuravam lançar mão do elemento republicano, ao que me oppuz, recusando-me a concordar nesse meio, porque sou monarchico, e não estou como s. exa. com um pé no partido republicano e outro pé no partido monarchico.

Achei indecoroso aquelle meio, oppuz-me, e felizmente as transacções n’aquella occasião abortaram, apesar do sr. Saraiva ter reuniões e ligações com elles.

Sei bem o que são os progressistas e direi mais que se eu seguisse as doutrinas e o procedimento do sr. Saraiva de Carvalho, se estivesse como s. exa. ligado ao partido republicano, eu não teria acceitado, como fez s. exa., um logar nos conselhos da corôa, nunca me teria sentado na cadeira que hoje occupa, nem seria jamais ministro do Senhor D. Luiz I.

É necessario que estas cousas se saibam, e que não haja illusões a respeito d’este governo progressista; convem que se fique sabendo claramente que o pensamento do ministerio é arrastar na sua queda as instituições. Sei que alguns membros do gabinete estão ali de boa fé e completamente illudidos, mas a outros é preciso arrancar-lhes a mascara.

Creia v. exa. e a camara que, se o partido republicano tem crescido e engrossado, é porque os ministros do partido progressista têem estado ligados com elle, e tanto na opposição, como no governo, lhe tem dado força.

Sr. presidente, esta é a verdade.

Voltemos á questão. Eu presenciei alguns dos factos ultimamente passados nas das de Lisboa, e de que todos teem maior ou menor conhecimento: vi, por exemplo, um pobre desgraçado que tinha sido acutilado na occasião em que na rua se levantavam alguns vivas á republica; emquanto este facto se dava, por outro lado, quasi todos os dias o governo consentia que se tocasse a Marselheza e se dessem vivas é, republica no theatro do Principe Real. Acha v. exa. e a camara que o governo devia permanecer indifferente diante d’aquellas manifestações?

Foi a proposito de tudo isto, sr. presidente, que eu disse o outro dia que receiava que os radicaes de cá fizessem em Portugal o mesmo que os radicaes de Hespanha praticaram n’esse paiz no tempo do ministerio Zorrilla.

Quererá o sr. Braamcamp desempenhar esse papel?

Sr. presidente, a anarchia nas das de Lisboa póde produzir effeitos terriveis, e não deve ser provocada, como está sendo todos os dias, pelo procedimento irreflectido do governo.

A camara deve ter conhecimento de um facto acontecido hontem nas proximidades do Rocio, e que, começando por uma insignificante altercação entre um vendedor e um comprador, podia terminar por tumultos e desgraças, em vista da imprudencia das auctoridades, que logo desenvolveram um grande apparato de força, e commetteram arbitrariedades, tudo muito fóra de proposito. (Apoiados.} Refiro-me á denominada revolta do vinagre.

Se as auctoridades encarregadas de manter a ordem procedera tão inconvenientemente, ou é porque têem essas instrucções, ou é porque se vêem apoiadas nos seus desmandos pelo governo. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu fallo assim desassombrado e de cabeça erguida, porque tenho convicções firmes e o desejo sincero de servir o meu paiz.

Ninguem me poderá contestar que eu na minha longa vida politica me tenha desligado um ápice desse caminho que a honra e o dever me tem traçado.

Sr. presidente, estou costumado a dizer a verdade sem lisonja, embora me veja forçado a fazel-o em termos áspero* e severos, embora faça violencia ao meu coração, não hesito nunca quando o dever o exige.

Sr. presidente, n’estas circumstancias e na presente conjunctura direi ao governo que a sua responsabilidade é immensa, que chegou o momento psychologico de deixar o poder; que é necessario estar completamente obcecado para não ver que a opinião publica manifesta já por todas as fórmas a sua indignação, e que se o governo persistir na sua teimosia e no aferro áquellas cadeiras, contra a vontade e contra os interesses do paiz, irá conduzir-nos á ruina, e mais tarde a sua queda inevitavel ha de ser estrepitosa. (Apoiados.)

O sr. Conde de Valbom: — Tratou do mesmo assumpto e da politica do governo.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Pereira Dias: — Quando pedi a palavra, julguei que sobre este incidente estavam mais alguns oradores inscriptos.

Vejo, porém, que assim não é; e como não quero, porque não posso, empanar o brilho do monumental discurso do sr. conde de Valbom, desisto da palavra, visto que s. exa. depois de tantos mezes de singular reserva, com desagrado de todos nós, é que se dignou olhar, com aquella attenção e carinho que é proprio da sua generosidade, para o povo d’este paiz.

Desejo que o discurso de s. exa. fique bem saliente, e que o paiz olhe tambem para elle.

O sr. Marquez de Vallada: — Estima que o sr. ministro das obras publicas enunciasse o principio de que não se deve accusar sem apresentar as provas. Venham, pois, as syndicancias; apure-se a verdade, venham as provas do que disseram os progressistas no meeting contra a concessão da Zambezia, e na sua imprensa jornalistica; venha a justificação do seu brado: — Aqui do povo contra os ladrões!

Se os homens politicos e os altos personagens, que foram injuriados então, carecessem de um desaggravo mais solemne, era impossivel encontral-o fóra do procedimento deste partido.

Entre diversas considerações que apresentou, disse que o maguára profundamente a ordem dada pelo governo para acutilar o povo; que este governo não tinha auctoridade moral para reprimir as demasias da imprensa; que, depois de rasgar os seusprogrammas, inventou uma arte de musica; que o partido tem a sua solfa, em que só ha duas figuras: a fuga e a espera.

Os mais amestrados n’esta arte de musica são os srs. Braamcamp e José Luciano; o primeiro, que é o presidente do conselho diz: esperem; mas o segundo, que é o sr. ministro do reino, foge, Effectivamente de fuga em fuga, de espera

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em espera, de contradicção em contradicção, de retractação em retractação, tem-se mantido o actual ministerio.

(O discurso de s. exa. será publicado logo que o devolva.)

O sr. Presidente: — Nomeou a deputação que deve apresentar á sancção regia alguns decretos das côrtes geraes.

Será composta, alem da mesa, dos dignos pares:

Fontes Pereira de Mello.

Carlos Bento.

Antonio de Serpa.

Conde de Valbom.

Andrade Corvo.

Conde de Gouveia.

Agostinho de Ornellas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): — Participou que Sua Magestade receberá esta deputação na proxima quinta-feira, ás duas horas da tarde, no paço da Ajuda.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Pergunta ao sr. ministro do reino se, depois de reconhecida a liberdade politica, que todos os portuguezes têem e que tanto custou a conquistar, póde o povo ou não reunir-se na praça publica, e se, reunido elle, deverá cair sobre esse povo a espada da guarda municipal sem ter havido a intimação que a lei ordena?

Se não ha garantia de que pelas das da capital possa transitar qualquer pessoa sem que esteja sujeita a ser espadeirada pela guarda municipal?

Pediram a palavra os srs. ministro do reino, Henrique de Macedo e Vaz Preto.

O sr. Presidente: — Levantou a sessão, dando para ordem do dia de ámanhã a continuação da de hoje.

Eram cinco horas e quinze minutos.

Dignos pares presentes na sessão de 15 de março de 1981 Exmos. srs. Vicente Ferrer Neto de Paiva, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes: de Monfalim, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Arcebispo de Évora; Condes: dos Arcos, de Avillez, de Bretiandos, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Linhares, da Louzã, de Paraty, de Podentes, da Ribeira Grande, da Torre, de Valbom;. Bispos: de Bragança, de Vizeu; Viscondes: de Almeidinha, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, da Gandarinha, de S. Januario, das Laranjeiras, de Ovar, de Portocarrero, da Praia Grande, de Seabra, de Seisal, de Soares Franco, de Valmor, de Villa Maior, da Praia; Barão de Ancede; Mendes Pinheiro, Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Antonio Machado, Barros e Sá. Secco, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Rodrigues Sampaio, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Francisco Cunha, Margiochi, Henrique de Macedo, Andrade Corvo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Gusmão, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Raposo do Amaral, Ponte e Horta, Costa Cardoso, Mexia Salema, Mattozo, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Pereira Dias, Franzini, Canto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Ceiça e Almeida, Barjona de Freitas.

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