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N.º 33

SESSÃO DE 3 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
José Augusto da Gama

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.- O sr. Pinto de Magalhães apresenta o parecer da commissão de fazenda sobre as contas da commissão administrativa da sua gerencia do anno do 1888-1890, e o parecer da mesma commissão sobre o projecto de lei que auctorisa o recebimento em deposito de direitos de tabacos, que podem ter augmentados pelo projecto sujeito á apreciação da outra, camara, que se refere á adjudicação em concurso publico da fabricação de tabacos. Considerando este projecto de caracter ingente e provisorio, requer a dispensa do regimento para entrar desde já em discussão. - O sr. Thomás Ribeiro faz algumas considerações sobre o requerimento - É votado o requerimento. - É lido o parecer a que se refere o requerimento, e em seguida approvado sem discussão.

Ordem do dia: continua a discussão do bill de indemnidade.- Usam da palavra os srs. Camara Leme, conde de Carnide, que apresenta uma moção, a qual foi admittida, e o sr. Oliveira Monteiro, que apresentou uma moção, que foi admittida. - Usaram da palavra para explicações os srs. Jeronymo Pimentel, conde de Carnide e Cypriano Jardim.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, achando-se presentes 24 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Não houve correspondencia.

O sr. Pinto de Magalhães: - Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão de fazenda que approva as contas da commissão administrativa d'esta camara, relativas á gerencia do anno economico de 1888-1889.

Mando igualmente para a mesa outro parecer da mesma commissão de fazenda ácerca do projecto de lei vindo da outra casa do parlamento, que auctorisa o recebimento em deposito do direito dos tabacos, que podem ser augmentados em vista do projecto que está sujeito á apreciação da outra camara, e que se refere á adjudicação, por concurso publico, da fabricação do tabaco.

Este projecto é de caracter urgente e provisorio, e por isso eu peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento, a fim d'elle poder entrar desde já em discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer que se refere ás contas da commissão administrativa.

(Leu-se, na mesa.)

O sr. Presidente: - Vae a imprimir.

Agora vão ler-se o parecer que mandou para mesa o digno par o sr. Pinto de Magalhães ácerca de um projecto de lei vindo da outra casa do parlamento.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Pinto de Magalhães declarou urgente este projecto a que se refere o parecer, e pede que se consulte a camara sobre se dispensa o regimento a fim d'elle poder entrar em discussão immediatamente.

O sr. Thomás Ribeiro: - Eu ouvi ler o projecto.

Parece-me extremamente irregular o procedimento que n'uma questão que póde julgar-se tributaria, a camara, por uma simples leitura do projecto, o acceite e vote. Ora, eu como não desejo que o governo tome por si auctorisações que só o parlamento póde conceder, approvo por esta circumstancia, o requerimento do digno por o sr. Pinto de Magalhães, e tambem não tenho a menor duvida em votar o projecto, que, de mais a mais, vae augmentar os recursos do thesouro, desejando comtudo que não fique vigorando o precedente de se votarem tão summariamente projectos d'esta natureza.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a dispensa do regimento para entrar immediatamente em discussão o parecer mandado para a mesa pelo digno par o sr. Pinto de Magalàes, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se novamente o parecer a que se refere o requerimento do sr. Pinto de Magalhães.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECEU N.° 54

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 10, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim mandar cobrar por deposito a differença entre o direito estabelecido na pauta geral das alfandegas para o tabaco manipulado e o direito fixado no projecto de lei, que se acha submettido á apreciação da outra casa do parlamento, e que auctorisa a adjudicação em concurso publico da fabricação dos tabacos.

Tendo a vossa commissão examinado este projecto, que evita o prejuizo do thesouro publico, resultante do despacho antecipado de tabacos manipulados, entende que, como medida de caracter provisorio e urgente, deve merecer a vossa approvação.

Sala da commissão, 2 de julho de 1890. = Augusto Cesar Cau da Costa = Marçal Pacheco = Antonio José Teixeira = José Antonio Gomes Lages = Visconde da Azarujinha = Francisco Costa = Henrique de Sarros Gomes = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, relator.

Projecto de lei n.° 10

Artigo l.° O tabaco manipulado despachado para consumo no continente do reino, a datar da publicação desta lei, pagará, alem do fixado nos artigos 258.° e 259.° da pauta geral das alfandegas de 22 de setembro de 1887, mais os seguintes direitos:

a) Tabaco em charutos, por kilogramma l$000
b) Tabaco manipulado em quaesquer outras especies e o talo picado, por kilogramma $500

O producto d'estas taxas addicionaes ficará em deposito nas alfandegas, liquidando se o que for devido, quando o poder legislativo tenha tomado resolução final sobre a proposta de lei n.° 113-1 da actual legislatura.

§ unico. Se a restituição dever verificar-se, abonar-se-ha aos importadores, pelas sono mas restituidas, um juro igual á media de juro da divida fluctuante interna, na occasiào da restituição,

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Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a est:1.

Palacio da côrtes, em 2 de julho de 1890. = Pedro Augusto de Carvalho, deputado presidente = José Joaquim Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Como ninguem pede a palavra vae votar-se. Os dignos pares que approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado, bem como na sua especialidade.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 48, relativo ao "bill" de indemnidade

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia

Tem a palavra o sr. D. Luiz da Camara Leme para continuar o seu discurso.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Sr. presidente, não está presente o nobre presidente do conselho; mas vejo representado o governo na pessoa do sr. ministro dos negocios da justiça, por quem tenho a maior consideração, e certamente s. exa. tomará apontamentos, se o julgar conveniente, das observações que eu fizer com referencia ás reflexões apresentadas pelo sr. presidente do concelho.

Sr. presidente, eu estimo ver presente n'este momento o sr. Lopo Vaz, que é um distincto jurisconsulto. Eu vou tratar de um assumpto que prende exactamente com a especialidade de s. exa. É nada mais e nada menos do que o principio das incompatibilidades parlamentares considerado sob o ponto de vista juridico e politico.

Sr. presidente, eu já disse hontem que o parecer da minoria da commissão especial sobre meu projecto de lei do incompatibilidades considerava urgente a discutiu" e approvação d'este projecto, e o sr. Hintze Ribeiro, que foi o seu relator, conformou-se completamente com os principios n'elle consignados. A maioria da commissão deu tambem o seu parecer.

Eu tenho aqui esse parecer, mas não leio porque não quero causar a attenção da camara; e como desejo ser muito resumido, apenas direi á camara que elle se fundamentava principalmente na consideração de que o principio das incompatibilidades parlamentares, em relação aos srs. deputados e pares do reino, não podia ser optado, porque o projecto era uma limitação inconstitucional do direito de os nomear e uma usurpação pelo poder legislativo do direito de demittir.

Mas é notavel que todos os argumentos empregados na demonstração de tal fundamento estavam em completa op-posição com o parecer, sobre a lei que alterou a constituição desta camara, e que era assignado por jurisconsultos, como o sr. Mártens Ferrão, Casal Ribeiro, Moraes Carvalho, pae de um digno membro d'esta camara, que era parece que está presente, e finalmente pelo sr. Barros e Sá, que foi o relator do parecer; um parecer notavel que mereceu os maiores elogios.

Eu vou ler á camara os fundamentos em que se bancava o parecer:

"Entendemos que nos poderes de legislatura ordinaria cabe a faculdade de regulamentar ou completar as, disposições dos artigos da carta a que nos temos referido, e a de estabelecer categorias, assim para a nomeação como para a successão, para que, em logar dos beneficios e vantagens que o legislador teve em vista, não resultem os inconvenientes e perigos sociaes que o mesmo legislador quis acautelar, instituindo uma primeira camara legislativa.

"O estabelecimento de categorias não importa limitação, restricção, ou cerceamento da faculdade constitucional dada ao Rei; destina-se, pelo contrario, a esclarecer a consciencia do monarcha, e a dirigil-o na sua escolha; ou, como dizia n'esta casa o nosso fallecido e chorado collega conde do Lavradio, não tem por fim coarctar o poder moderador, mas sim fortifical-o, para evitar as ciladas dos maus ministros.

"A prerogativa regia, apesar da apparente generalidade da disposição constitucional, não é, não póde ser, ampla, absoluta, illimitada, incondicional e arbitraria. Tem limites moraes e naturaes, e são os que resultam da rasão politica que justifica a instituição da primeira camara, dos fins a que ella se destina, e da missão que lhe está incumbida.

e A constitucionalidade da doutrina do projecto parece, pois, evidente, quer se considere só e unicamente em vista da prerogativa da corôa, quer se considere tambem e ao mesmo tempo em face dos poderes da camara."

Este parecer é tambem assignado pelos srs. conde do Casal Ribeiro, Mártens Ferrão, Moraes Carvalho, etc., e foi convertido na lei de 23 de maio de 1878.

Aqui tem a camara completamente destruida a opinião da maioria da commissão, quando dava como pretexto, porque isto não era outra cousa, que o projecto, que eu tive a honra de apresentar á camara, sobre incompatibilidades, era inconstitucional.

Mas ha mais opiniões em harmonia com a consignada n'este parecer e com as considerações do bem elaborado relatorio do sr. Barros e Sá.

Citarei as opiniões do sr. Rios Rosas e Canovas del Castillo.

Em 1855 dizia o sr. Rios Rosas no parlamento hespanhol:

"Não póde negar-se ao parlamento a faculdade, a auctoridade de interpretar a constituição.

"O parlamento que não tivesse essa auctoridade seria nullo. Ficaria com as mãos atadas e á mercê e das facções. Seria um simulacro de parlamento, etc..."

Com relação ao mesmo assumpto dizia o sr. Canovas del Castillo:

"Privar o parlamento do direito de interpretação ou mesmo de suspender a constituição, é tornar irrealisavel o governo representativo por falta de flexibilidade. O parlamento não póde ficar encerrado em tal situação e afogado sem vida.

"Nenhum paiz pratico, que queira a realidade, póde collocar o parlamento em tal estado de constituição de ser applicada para a vida.

"A soberania reside especialmente na nação mas na sua ferina e expressão o Rei e as côrtes podem conceder bills de indemnidade e perdoar algumas infracções constitucionaes e interpretar os artigos da constituição."

Em 1887 dizia o mesmo eminente estadista:

"O que hoje não soffre contestação ácerca da competencia dos parlamentos sobre materia constitucional é que as constituições e as suas reformas são feitas pelas côrtes ordinarias e não constituintes. Nos modernos governos parlamentares costuma-se ir buscar para modelo a Inglaterra e quando é preciso procurar precedentes, recorre-se sempre áquelle paiz, onde o Rei e as côrtes têem auctoridade para modificar e interpretar a constituição.

"Todo o poder de que uma nação e capaz, resido no parlamento. Emquanto um parlamento está formado, esse parlamento é a nação e tem todos os poderes de nação."

Sr. presidente, eu creio ter provado á camara que o projecto não era inconstitucional, e que a camara vê que á minha opinião não falta auctoridade, embora seja minha, porque é tambem a opinião de notaveis homens de sciencia e d'estado.

Eu já disse hontem, e repito hoje, estou apenas notando á camara os pontos capitaes da minha argumentação porque a serie de apontamentos, que tenho aqui, é de tal mudo extensa que eu não cusarei apresentar as minhas considerações com aquelle desenvolvimento, que a importancia do assumpto aliás merece e eu muito desejava dar-lhe, detendo-me, comtudo, o receio de enfadar a camara. Limito-me, pois, a apresentar a trados geraes os fundamen-

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tos da minha opinião sobre este assumpto, sem duvida dos mais importantes que podem merecer a attenção do parlamento. (Apoiados.)

Para fazer a historia rapida das incompatibilidades parlamentares e politicas do nosso paiz, começarei por lembrar á camara o que se passou em 1821.

Na camara constituinte uma das primeiras cousas de que se tratou foi o seguinte:

"Carta de lei de 11 de agosto de 1821:

"As côrtes geraes extraordinarias e constituintes da nação portugueza, desejando firmar por todos os modos a necessaria independencia do poder legislativo, decretam provisoriamente o seguinte, até á promulgação da constituição politica da monarchia.

(Tal era a pressa de antecipar-se a um mal que podia vir.)

"1.° Nenhum deputado de côrtes, durante a sua deputação, póde acceitar, ou solicitar do governo, para si ou para outrem, pensão, condecoração ou emprego algum, salvo quando este lhe competir em virtude da lei, na carreira da sua profissão.

"2.° A nenhum deputado é licito requerer por qualquer modo ao governo sem previo consentimento das côrtes."

Etc.

Era um lei de incompatibilidades.

Note s. exa. que este facto se passou numa epocha era que os costumes eram outros.

Em 1846 suscitou-se a mesma questão na camara dos senhores deputados. Unicamente por que um dos seus membros, um cavalheiro dos mais distinctos e considerados pela nobreza do seu caracter, pela sua illustração e philantropia, occupava o logar de caixa claviculario do contrato do tabaco; e então julgou-se que era incompativel esse logar com as funcções de deputado.

Já v. exa. póde imaginar, que pelo justissimo elogio com que alludi ás altas qualidades desse cavalheiro, me refiro ao pae do nosso illustre collega o sr. Costa Lobo.

Entraram n'essa questão os oradores mais conspicuos do parlamento: os srs. Holtremann, jurisconsulto distinctissimo, José Estevão, Garrett, Rebello da Silva e Sampaio. Não quero ler á camara, para não a, fatigar, a opinião de todos esses illustres oradores. Basta que leia uma.

Por exemplo, a do sr. Sampaio:

"Que o pensamento da com missão fora que, para uma camara ser independente, era necessario que todos os seus membros o fossem igualmente e que por isso deveriam ser excluidos do seu seio todos aquelles que, occupando certos logares podiam influir nas resoluções da camara e tendo sido este o pensamento da commissão não podia deixar de o applicar "

Esta era a opinião do sr. Sampaio; e o sr. Garrett tambem declarou que tendo feito parte das commissões das leis de 1846 e 1851, em ambas essas epochas tinha firmado o principio das incompatibilidades.

Em virtude d'esta discussão, que foi devoras interessante, aconteceu que o sr. Costa Lobo, cavalheiro o mais respeitavel sob todos os pontos de vista, foi considerado inlegivel por uma votação de 50 votos contra 30.

A respeito do sr. Braamcamp não houve discussão porque declarou na camara que a companhia a que pertencia, não tinha dependencia alguma do governo.

Estamos em 1873. Agita se na, camara dos senhores deputados uma grande questão de incompatibilidades politicas, por serem directores da companhia de caminhos de ferro os srs. Serpa e Fontes Pereira de Mello.

Foi então mandada para a mesa uma moção acre, a que me tenho referido por mais de uma vez. Assignam-na os srs. Saraiva de Carvalho, Santos Silva, Marianno de Carvalho e outros distinctos homens politicos. N'essa occasião levantava-se o sr. José Luciano e dizia:

"O parlamento portuguez não póde estar á mercê de nenhuma companhia; a nossa opinião não póde ficar dependente de que a companhia acceite ou não as propostas que lhe foram feitas; mas o que devo dizer (referindo-se aos srs. Fontes e Serpa) é que s. exas. têem obrigação de manter immaculada a dignidade do poder e conservar bem alto o decoro d'essas cadeiras."

Ora, sr. presidente, eu não peço outra cousa.

Sinto que não esteja presente o sr. presidente do conselho, porque sobre este importante assumpto queria chamar a attenção de s. exa. para a opinião de um homem, que é tido por um dos principaes economistas da Europa, mr. Paul Leroy Beaulieu.

O illustre ministro conhece o muito bem.

Com relação ao assumpto faz o illustre escriptor as seguintes apreciações que a meu ver encerram um conselho o mais salutar a um tempo para os homens politicos e para, os accionistas das companhias, de sociedades anonymas.

(Lendo.)

"O conselho de administração das sociedades anonymas é em geral um orgão desprovido de toda a efficacia e pouco apropriado, pela sua constituição, ás funcções que se destina preencher. É a maior parte das vezes uma reunião apparatosa, aoude se entra por protecção e por favor.

"Os seus personagens são só decorativos, muito numerosos e pouco trabalhadores; não têem bastantes meios do informação ou de verificação; muitas vezes os seus interesses particulares são contrarios aos dos estabelecimentos que dirigem.

"Ha quatro categorias de membros de administração. Á primeira pertencem os presidentes e vice-presidentes, que são quasi sempre banqueiros de profissão, ou grandes especuladores. A segunda categoria pertencera os ambiciosos e os intrigantes, que foram ou são membros do parlamento, ou simplesmente homens da sociedade elegante, ou titulares que visam simplesmente a fazerem parte dos syndicatos."

"São os alliados e dependentes dos da primeira categoria.

"Entre estes dois elementos existe a categoria pacifica, um pouco ingenua, quer seja para ampliar as suas relações, quer com outros intentos, desejam ser membros de um conselho importante par?, terem por collegas as grandes influencias politicas, e as de alguns intrigantes especuladores da sociedade.

.............................................................................

"Deve-se reconhecer que estes processos habituaes das sociedades anonymas são assas defeituosos, expondo os accionistas a riscos consideraveis e rapidos.

............................................................................

"O director devia deixar de ser um personagem abruptamente prepoderante, como acontece em certas sociedades.

"Não devia ter uma procuração ampla para tratar, sem reserva de todos os negocios, aliás o conselho de administração não existe senão no nome.

"Devem-se eliminar do conselho de administração estas duas categorias que podem prejudicar os interesses da sociedade.

"O outro elemento que é preciso não esquecer é o pessoal aristocratico.

"D" certo que se não trata aqui de uma exclusão absoluta. Podem encontrar-se n'estas classes individuos dignos, probos e uteis; mas um conselho aonde existem membros d'aquella natureza, ha de ser sempre suspeito e defeituoso "

E d'esta opinião são muitos outros homens importantes.

academia, de jurisprudencia hespanhola, em um bem elaborado relatorio, consigna as mesmas idéas.

Toullier, um grande jurisconsulto francez, dizia que a accumulação de funcções publicas é o signal mais caracteristico de uma má organisação.

Larcher, grande publicista francez, dizia: "Pelo que res-

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peita aos que são titulares natos de todos os empregos, creou-se na lingua franceza este termo de desprezo: cumulard".

E quer v. exa. saber, sr. presidente? Em 1821 appareceu em França um almanack intitulado O almanack dos comilões, impresso na casa Achard, que teve tal voga que deu um grande numero de edições. Pois em Portugal tambem havia necessidade de um Almanack dos comilões.

Por haver muitos é que eu sou tão insistente no meu projecto de incompatibilidades.

Estes abusos têem-se espalhado por todas as partes do mundo. Abusos que em França chegaram ao cumulo no tempo do segundo imperio.

Por exemplo, o senador Troplong, jurisconsulto distincto, accumulava os seguintes empregos:

Senador 30:000 francos

Presidente do senado 130:000 "

Presidente do supremo tribunal de justiça 35:000 "

Membro do instituto 1:500 "

Total 169:500 "

E é possivel haver tempo material para um homem só poder desempenhar tantos cargos?!

Outro senador, Rouer, distincto homem de estado:

Senador 30:000 francos

Ministro 130:000 "

Por outros empregos 160:000 "

Total 320:000 "

O marechal Niel, esse recebia:

Soldo do marechal 30:000 francos

Senador 30:000 "

Grã cruz da Legião de Honra 3:000 "

Ministro 130:000 "

Total 193:000 "

alem de dezesseis rações de forragens diarias.

De fórma que até podia manter um esquadrão de cavallaria ás suas ordens.

Mas quer v. exa., sr. presidente, saber o que resultou d'aqui?

Para fulminar estes abusos escreveu o primeiro poeta do seculo estes? versos, pungentissimos, que eu leio á camara pedindo desculpa ao meu illustre amigo o sr. Thomás Ribeiro se os não lêr com a correcção com que devem ser lidos os versos primorosos de Victor Hugo:

Les Troplongs, les Rouher violateur de chartes,

Grecs qui tiennent les lois comme ils tiendraient les cartes.

Eu livremente podarei traduzir esses versos mas ainda com permissão do sr. Thomás Ribeiro:

Os Troplongs os Rouhers, de carias violadores,

Auopeland as leis quaes torpes jogadores.

Eu creio que esta será a traducção, com mil perdoes ao meu illustre amigo e distincto poeta, porque é realmente uma temeridade, um verdadeiro arrojo, metter me eu a traduzir versos de Victor Hugo.

Julga v. exa., sr. presidente, que isto aconteceu só em Franzini? Não, senhor. Agora recentemente n'um jornal inglez o Pall Mall Gazete li que se accusavam os ministros do comilões sendo um d'elles Lord Salisbury que, segundo o jornal diz, só como administrador da University Life Assurance recebc a quantia de 250:000 dollars por anno.

Só da grande companhia africana do lord Fiffe, quanto não receberá elle? Lá tambem ha syndicatos e d'esses syndicatos temos nós sido victimas. E não é simplesmente lord Salisbury, sr. presidente, ha outros; lord Kalsbury, grande chanceller, recebe a mesma somma da North railway company; sir Webster, aitorney geral, 175:000 dollars, da Land debenture Corporation; o visconde Cross, societario d'estado da Irlanda, lord Kuntsdorf, secretario das colonias, e o marquez de Lothian recebem cada um 125:000 dolars de diversas companhias.

É um importante jornal inglez que diz isto.

Sr. presidente, se v. exa. compulsar a legislação toda, desde o tempo dos romanos, verá que este principio é de ha muito considerado da mais incontestavel justiça.

Mas eu, para não cansar a camara, limitar-me-hei a notar estes pontos extremos, a legislação da Russia e a legislação da communa em París, que são governos completamente oppostos.

Na Russia, chegaram os abusos a tal ponto que para lhes pôr cobro, teve o czar do publicar um decreto onde, para não o ler todo, ha o seguinte artigo:

"Art. 9.° As pessoas, que, contra as disposições dos artigos 1.° a 4.°, ou apesar da prohibição dos seus chefes, concorrerem para a fundação de sociedades commerciaes e industriaes e estabelecimentos de credito, ou ahi exerçam empregos, ou se encarreguem de qualquer mandato por conta dos ditos estabelecimentos e sociedades, devem deixar o serviço do estado, exonerando-se das funcções em que estavam investidos. Se no praso de tres mezes não tiverem pedido a sua exoneração, serão demittidos."

Eu vou ler á camara alguns considerandos do relatorio que precede o decreto russo:

"N'outro tempo, quando a grande maioria das pessoas instruidas, &e destinava, na Russia, exclusivamente ao serviço do estado, era difficil ás emprezas particulares dispensa o seu concurso, e a lei de que tratamos, poderia, de a guina maneira, servir de obstaculo ao desenvolvimento economico do paiz; mas hoje essas apprehensões deixaram de existir. O serviço publico já não absorve todas as forças intelligentes do paiz, e as companhias commerciaes e industriaes podem muito bem prescindir dos serviços dos funccionarios do estado que, pela sua parte, mais depressa lhe dispensavam a sua influencia do que um trabalho effectivo.

"Para o estado é de grande vantagem a exclusão dos fuccionarios publicos dos empregos particulares; por isso que os agentes do governo não só deixarão de ser distrahidos das suas funcções, como tambem não se verão expostos a decidir questões, em que os interesses do estado e os Ha empreza, de que são administradores, se achem em conflicto."

Quanto á legislação do tempo da communa de París dizia-se exactamente o mesmo e por conseguinte julgo desnecessario dizer á camara o seu pensamento.

E assim, sr. presidente, têem progredido esses abusos em quasi todos os paizes e em França ainda mais, a ponto do governo ter de fazer o seguinte.

Consignou na constituição de setembro de 1791 o seguinte artigo:! o Secção 4.ª do capitulo II do mesmo titulo 3.°:

"Artigo 2.° Os membros da actual assembléa nacional e das legislatura" seguintes não poderão ser promovidos ao ministerio, nem acceitar empregos, graças, pensões, vencimentos ou commissões do poder executivo", etc., etc.

Não leio mais, para não fatigar a camara.

Isto é muito mais pungente porque se refere aos ministro, e aqui estou eu novamente a pedir licença ao meu illustre amigo o sr. Thomás Ribeiro para ler outros versos de Victor Hugo:

Ministre que tous ceux qui lui donent leur voix

Craieudraient de recontrer le soir au coin d'um bois.

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O que poderá traduzir-se:

"Um ministro do qual o mais fiel sectario

"Tremêra vendo o á noite era bosque solitaiio."

Ora, eu teria grande pezar se algum dos nossos poetas como o meu illustre amigo sr. Thomás Ribeiro ou o sr. Guerra Junqueiro, que ainda ha pouco fez na camara dos senhores deputados um discurso que aqui tenho, fizessem versos d'estes a respeito dos nossos ministros.

Eu creio que felizmente ainda podemos affiançar que se não póde dizer isto de nenhum ministro de Portugal. (Apoiados.)

(Interrupção do digno par o sr. Pereira Dias.)

V. exa. comprehende bem a rasão por que eu digo isto.

E já que fallei nos poetas permitta-me a camara que eu apresente aqui a opinião de um grande philosopho, João Jacques Rousseau:

"N'uma sociedade, dizia o grande pensador, onde todos os serviços se pagam, não ha serviço algum que se não venda."

Sr. presidente, eu podia alongar as minhas considerações a este respeito, mas creio que tenho apresentado á camara os fundamentos em que me baseio para esperar que os srs. ministros acceitem, senão a minha proposta, pelo menos a minha idéa.

Eu tenho essa esperança porque foi nomeada uma commissão para dar parecer sobre o assumpto, commissão de que fez parte o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e s. exa. de certo mantem a mesma opinião consignada no parecer da minoria da commissão que está assignado por s. exa.

Sr. presidente, eu desejo ser muito breve, mas peço á camara que me permitia algumas palavras ainda ácerca da dictadura militar.

Eu não sei se está presente o digno par que usou da palavra sobre este assumpto.

Eu não me proponho responder a s. exa.

O digno par tratou aqui da grande táctica e da pequena tactica, das fortificações de alem do Tejo, emfim tratou de muita cousa, mas do que, me parece, não tratou foi da dictadura.

S. exa. referiu-se a muitos assumptos e lamentou, como todos nós lamentámos, que um membro d'esta camara, que é meu particular amigo e um distinctissimo militar, deixasse a nobre carreira das armas, refiro-me ao meu particular amigo sr. Coelho de Carvalho.

Eu n'esta parte acompanho o digno par.

S. exa. elogiou muito a administração do sr. ministro da guerra; mas, cousa singular, o digno par elogiava do mesmo modo outros ministros da guerra pertencentes a outras situações; e estou muito bem lembrado de, quando se tratava aqui alguma questão militar, em que era accusado o sr. Castro ou o sr. conde de S. Januario, s. exa. se levantar a defender os seus procedimentos; quer dizer, acha todos os ministros excellentes; pois eu, aparte as suas qualidades pessoaes, o que é uma questão inteiramente differente, direi a s. exa. que era Portugal, verdadeiramente ministro da guerra energico, e dando todas as provas da sua competencia n'aquelle alto cargo, houve até hoje um só, foi o sr. barão da Ribeira de Sabrosa. (Apoiados.)

Já s. exa. vê que eu sou imparcial, porque, sendo o marechal Saldanha uma grande capacidade politica, pela sua bondade e brandura muitas vezes não empregava na administração dos negocios da guerra todos os principios que deviam ser adoptados, e é este exactamente o defeito que noto ao sr. presidente do conselho.

Para que o sr. Jardim possa fazer idéa do que era o sr. barão da Ribeira de Sabrosa, não só como ministro, mas como politico, como homem de parlamento, vou ler o trecho de um discurso d'aquelle distinctissimo ministro

N'uma questão internacional, similhante á que recentemente nos collocou na situação mais dolorosa.

Tratava-se tambem do facto de um subdito portuguez ter sido amarrado e fuzilado por auctoridades inglezas.

O sr. Thomás Ribeiro: - No Chire?

O Orador: - Creio que no Chire. Então dizia o sr. barão de Ribeira de Sabrosa.

(Leu.)

"Poderá nascer ainda em Portugal ministro que entregue assim ao arbitrio, ao ludribio dos estrangeiros os subditos da rainha, seus irmãos, seus concidadãos, e talvez aquelles a quem deva a recuperação da patria? Hurresco referens (sensação)! Eu sei que existem Godois eminentemente sordidos e vendaveis que trocariam por uma mão cheia de oiro, e mesmo de cobre, a corôa da rainha, a honra e a vida dos seus compatriotas, mas esses não espero eu ver, durante o governo representativo, ao lado da minha de Portugal. Eu, sr. presidente, e os meus generosos collegas morreriamos de vergonha e de remorsos quando soubéssemos que um portuguez preso no meio do Oceano, pobre, roubado, sem amigos, sem parentes e sem defensor, fôra arrastado a terra estranha e sentenciado ali, não por seus pares, não por seus juizes naturaes, mas por um tribunal de estrangeiros, auctorisado por uma concescessão extorquida á sua nação pela prepotencia de outra nação." (Apoiados.)

"Sr. presidente, quando a minha sanccionar o ultimatum de mr. Gerningham, ou quando render vassallagem ao bill de 10 de julho, deve quebrar o sceptro e fazer presente da sua corôa á minha da Inglaterra.. Finis Poloniae... E o portuguez que quizer viver livre, independente e sem a marca da escravidão no rosto, sacuda as correias de seus sapatos, tome o bastão do peregrino e emigre " (Apoiados geraes.)

Aqui tem v. exa. como era a tempera d'este illustre homem d'estado. Era assim como politico e como ministro era rigorosissimo, irreprehensivel.

Referindo-se tambem o digno par a outros assumptos, disse que se estava tratando das fortificações do outro lado do Tejo, o que não me consta, e que nós tinhamos caminhos de ferro que podiam satisfazer as necessidades da defeza e como o digno par é muito erudito n'estes assumptos...

O sr. Cypriano Jardim: - Peço licença para dizer ao digno par que não disse que nós tinhamos caminhos de ferro para defeza do nosso pai z, o que disse foi que era necessario que nós preparássemos os caminhos de ferro para a mobilização e concentração das tropas.

O Orador: - Basta me esta explicação do digno par, por que eu não tinha percebido provavelmente as observações de s. exa., mas agora percebo perfeitamente.

Pois, o digno par deve saber perfeitamente que os nossos caminhos de ferro em relação á defeza do paiz estão completamente perdidos, e não é isto opinião só minha.

Tenho aqui nota de uma opinião que eu reputo muito valiosa. Está exarada n'uma obra allemã que foi traduzida em francez por um distincto official chamado Franquet. Este distincto membro do exercito francez, apreciando os caminhos de ferro de todos os paizes sob o ponto de vista estratégico, diz em relação aos nossos o seguinte:

"Pelo que respeita a Portugal, se por sua desgraça fosse atacado pelos hespanhoes, elles tomariam logo a offensiva, em consequencia do pessimo traçado dos seus caminhos de ferro.

"Todas as bacias dos rios que banham a vertente occidental da peninsula penetram no seu territorio; de facto o Minho serve-lhe de fronteira ao norte; o Douro atravessa as provincias de entre Douro, Minho e Traz os Montes; o Tejo serve de limite á Beira e chega ao coração da provincia da Extremadura; o Guadiana cruza o limite ás provincias do Alemtejo e Algarve."

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Como a camara vê, este notavel publicista conhece perfeitamente a topographia do nosso paiz.

Aqui tem a, camara, em muito poucas palavras, qual é a opinião d'este distincto official em relação aos nossos caminhos de ferro.

(Interrupção que se não ouviu.)

Não fallemos nisso, porque a responsabilidade desse facto, repito, pertence aos que assignaram um traçado que comprometteu grandemente a defeza do paiz.

Tratou s. exa. de responder com uma antecipação realmente admiravel ás considerações que eu haveria de fazer quando me chegasse a palavra.

E estranho o caso!

Permitta-me o digno par a que me estou referindo, que eu lhe diga, sem de nenhum modo querer offender a susceptibilidade de s. exa., que me fez lembrar a celebre comedia de Beaurmarchais intitulada o Barbeiro de Sevilha.

A s. exa. coube o papel de Rosina.

O sr. Pereira Dias: - E o de D. Basilio?

O Orador: - Não sei se haverá D. Basilio; mas o conde de Almaviva esse existe, e dispense-me a camara de lhe dizer quem é.

Permitta-me agora a camara que eu me refira ás dictaduras e especialmente á dictadura permanente em que nos encontrámos, chamando para o que vou dizer a attenção do digno par o sr. Costa Lobo.

Digo ao digno par que os receios de s. exa., parece-me que se verificam.

O sr. Costa Lobo: - Não são receios, são factos.

O Orador: - Como a velha de Syracusa eu peco a Nosso Senhor que conserve estes, se têem de vir outros peiores.

Se a esta dictadura que estamos discutindo, tem de succeder uma outra, Deus Nosso Senhor conserve nas cadeiras do poder os actuaes ministros.

O sr. Costa, Lobo: - Outra? outras, direi eu.

O Orador: - Cem que então v. exa. já nos annuncia novas dictaduras?

O sr. Costa Lobo: - Pedi a palavra, e, quando usar d'ella, explicarei o meu pensamento.

O Orador: - E eu aguardo com viva anciedade as observações de s. exa. que hão de ser, como sempre são, muito elucidativas.

O sr. Costa Lobo: - Muito obrigado. Espero provar que o systema representativo não existe em Portugal. (Apoiados.)

O Orador - Vou concluir as considerações que tenho apresentado pedindo, á camara que me desculpe se abuso da sua extrema benevolencia. Vou mandar para a mesa a minha moção principal; mas antes d'isso direi que sou coherente e que sou logico porque caminho sempre no mesmo terreno.

Quando se discutiu n'esta camara a ultima dictadura do governo progressista, tive a honra de usar da palavra e de mandar para a mesa a seguinte moção.

(Leu.)

Esta opinião não era minha ou antes fôra-me inspirada por um alto personagem politico e por essa procedencia não podia ella ser suspeita á maioria d'esta camara de então, e por isso eu tinha a mais bem fundada esperança de que ella a votava, e por isso tambem me abstive de dizer, quem era o seu auctor e só o revelei no fim.

E o mesmo que vou fazer agora.

Agora mudaram-se as scenas, a comedia é a mesma mas os actores é que são differentes.

V. exa. sabe de quem era esta moção por mim então adoptada, e que hoje novamente adopto?

Era do sr. José Luciano de Castro.

Então votaram esta moção todos os dignos pares que eram opposição, eu creio até que a votação foi nominal, e por isso podemos facilmente ver quem foi que a votou.

Hoje mudaram-se as scenas, e aquelles que votaram a favor d'esta moção, vão votar contra.

Ora isto não será o descredito do systema parlamentar?

Sr. presidente, eu não queria que se dissesse do parlamento portuguez o mesmo que um illustre escriptor que eu aqui citei mr. Kroptchine, diz no seu livro a respeito de outros parlamentos e que não leio á camara, mas peço aos srs. redactores que o transcrevam no meu discurso para o que eu lhes fornecerei nota.

O sr. Pereira Dias: - É melhor ler.

O Orador: - Se a camara quer ouvir, então lerei ao menos dois trechos.

"Os parlamentos não se prestam comtudo ás exigencias de momento, aos acontecimentos ponderados e á sua indispensavel reforma!

"Será preciso, como no tempo da convenção, vibrar-lhe sobre o pescoço o sabre da revolução?... Será preciso appellar para a força bruta, a fim do arrancar aos represetantes. do povo a menor das reformas? (Ia moindre des reformes.

"Quanto ao defeito do corpo eleito, nunca se viu tamanha degradação como na epocha actual! Como todas as instituições caducas, segue o seu fatal destino.

"Fallava-se na podridão parlamentar do tempo de Luiz Filippe.

"Que diriam hoje esses criticos?

"Os parlamentos só inspiram desgosto e descrença aquelles que os conhecem de perto."

Fallando das eleições diz:

"Se a eleição vem já impregnada de um vicio constitucional incuravel, que diremos da maneira como a assembléa desempenha o seu mandato? Se reflectirmos mais um momento diremos: é inaudita a tarefa que se lhe impõe.

"Os parlamentos, fieis á tradição real e á sua transfiguração moderna, não fazem senão concentrar o poder nas mãos do governo. Eis o que constitue o governo representativo.

"No principio d'este seculo creou-se a descentralisação, a autonomia, mas só se fez centralisação. A propria Inglaterra e a Suissa, não toram indifferentes a esta influencia."

isto diz, sr. presidente, mr. Kroptchine, e eu desejava que não déssemos rasão a esta opinião tão desfavoravel a um systema que é o nosso.

Vou terminar, mas antes de o fazer peço ao sr. presidente do conselho a amabilidade de me dizer se acceita ou não o additamento que vou mandar para a mesa, que consiste apenas na conclusão do parecer da minoria da commissão das incompatibilidades, assignado pelo actual sr. ministro dos negocios estrangeiros, o sr. Hinte Ribeiro.

O meu illustre amigo o sr. Barros e Sá concluiu o seu discurso pedindo que se cantasse aqui o God save the king.

Sr. presidente, eu preferia que se cantasse o hymno da carta, o hymno nacional, e que todos nos compromettesse-mos a nem mais uma vez violar a lei fundamental do estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O digna par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o additamento mandado para a mesa pelo digno par o sr. Camara Leme.

Leu na mesa e é do teor seguinte:

Additamento

Additamento ao decreto n.° 3 de 29 de março de 1890.

Artigo 1.° São incompativeis os cargos ou empregos dos ministros e secretarios d'estado effectivos com os da administração ou fiscalisação de qualquer empreza ou sociedade mercantil ou industrial.

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§ unico. Os ministros e secretarios d'estado terão o vencimento annual de 6:000$000 réis.

Art. 2.° São incompativeis as funcções de par do reino ou deputado da nação com os cargos ou empregos de administração ou fiscalisação de emprezas ou sociedades, industriaes ou mercantis que tenham contratos com o governo, concessões, privilegios, subsidios ou garantias especiais do estado.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara, 2 de julho de 1890. D. Luiz da Camara Leme."

Foi admitido á discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. Camara Leme. Leu-se na mesa e é fio teor seguinte:

Moção

A camara, resolvendo que deve ser fielmente observada a lei fundamental do estado, passa á ordem do dia. = Camara Leme.

Foi admittida á discussão.

O sr. Conde de Carnide: - Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa a segunite moção de ordem:

"A camara certa de que o governo só usou da dictadura por ser necessaria para a segurança do estado, defeza das instituições e manutenção da ordem, releva-o de toda a responsabilidade e passa á ordem do dia.

"Lisboa e sala das sessões da camara dos dignos pares, aos 3 de julho de J 890. = Conde de Carnide."

Sr. presidente, nas breves considerações que vou ter a honra de apresentar á camara, não pretendo por fórma alguma responder aos eruditos discursos dos illustres oradores que me precederam. Nem eu sou competente para entrar na discussão dos assumptos militares de que s. exas. especialmente se occuparam. Proponho-me, comtudo, sustentar a minha moção de ordem, e, occupando-me dos factos e suas consequencias, demonstrar que a dictadura era necessaria, inadiavel e urgente, e que o governo praticando a cumpriu o seu dever.

Já na resposta ao discurso da corôa dizia a camara dos pares que folgai ia muito em chegar ao convencimento que o governo merece ser relevado da responsabilidade em que incorreu com os actos da dictadura.

or certo, sr. presidente, que a camara não terá difficuldade em chegar a esse convencimento, porque na conciencia de todos, parlamentares e não parlamentarem, politicos e não politicos, o actos da dictadura foram determinados por uma situação completamente excepciona!, e por circumstancias de tal modo extraordinarias que, se o governo não tivesse decretado as providencias dictato-riaes, então é que elle teria incorrido em gravissima responsabilidade, então é que elle teria faltado aos deveres que lhe impunha a segurança do estado

Entre a responsabilidade de assumir ou não assumir a dictadura o governo não podia hesitar, porque a responsabilidade, no segundo caso era infinitamente maior do que no primeiro. As consequencias de assumir a dictadura limitavam-se na peior eventualidade, isto é, que o parlamento a não approvasse á saída do governo das regiões do poder, mas as consequencias de não a assumir podiam ser a perda da independencia, e a dissolução da sociedade portugueza.

Sr. presidente, o governo d'este paiz, fosse elle qual fosse, não podia consentir a anarchia nem a alteração da ordem na capital, não podia consentir os conluios que os desordeiros faziam por toda a parte e sem rebuço contra a ordem, contra a auctoridade, contra as instituições.

Não podia consentir as demasias e licenças que se permittiam áquelles que se intitulam republicanos. Porque se esse estado de cousas continuasse, levar-nos-ia em breve praso á guerra civil ou á occupação estrangeira como vou mostrar. Pelo que diz respeito á guerra civil, corriamos o risco de chegar á deploravel conjunctura, de que Portugal se visse na necessidade de dar batalha a, Lisboa, como a França em 1871 e viu na necessidade de conquistar Paris para suffocar a communa.

Ora, sr. presidente, eu não digo que a situação aqui fosse identica, mas é certo que com a anarchia mansa que reinava, e as contemporisações e complacencias da ha muito tempo havidas com os inimigos das instituições que estão fóra da lei, íamos caminhando para uma situação muito similhante á da communa de París, e quando uma vez se entra no caminho das aventuras, não é facil prever até que ponto ellas nos podem levar. Se não chegarmos, como espero, a essa extremidade, será devido ás providencias tornadas pelo governo:

1.ª Fazendo prender e levar para um navio de guerra os desordeiros de 7 de março passado.

Com esta providencia, sr. presidente, o governo, alem da excellente impressão que lez na opinião publica, prestou um serviço maior do que em geral se pensa, porque a nação vizinha estava-nos observando attentamente em Badajoz, e é muito provavel que se resolvesse a intervir se o grito de republica tivesse sido levantado. Se aqui se tivessem repetido os acontecimentos do Brazil, a Hespanha evidentemente teria transposto a fronteira para realisar essa intervenção. Assim nos livrou o governo da occupação estrangeira com essa providencia, e nos dias immediatos quem transitava pela rua podia ouvir os transeuntes, felicitando se mutuamente pela firmeza do governo, e eram sinceras essas felicitações porque o que todos queriam era ordem e segurança.

2.ª Dissolvendo a camara municipal de Lisboa.

Sr. presidente, guardadas as devidas considerações a muitos dignos funccionarios que havia n'aquella corporação, não é menos verdade que ali te tinham agglomerado numerosos elementos de desordem, que era ali o quartel general da arruaça, e era publico e notorio que ali o tramava a queda do governo por todo.- e quaesquer meios, inclusivamente e em ultimo caso á custa das instituições, e explorando para o conseguir a exaltação popular causada pelo conflicto com a Inglaterra, exaltação que a camara fomentava com o fim do derrubar o governo. A camara queria sobrepor-se ao governo em muitos assumptos, e especialmente affectando tomar a iniciativa e direcção da defeza nacional, a ponto de fazer com que a commissão de defeza te encontrasse, bem contra a sua vontade, em conflicto com a autoridade, porque na noite em que a arruaça applaudia a commissão por esta não ter obedecido ás ordens do governador civil, ficava por esse facto a commissão em conflicto com os poderes constituidos. A necessidade da dissolução da. camara municipal era geralmente reconhecida, e áquelles que a criticaram depois de feita, antes de ser fazer, diziam que era necessaria.

Sr. presidente, eu não vou discutir agora a reforma da camara municipal e da lei de 18 de julho de 1885. Eu já fiz uma tentativa para reformar o artigo 1.° apresentando nesta camara um projecto de lei para restringir a area da cidade, porque não é admissivel que mais de 100 kilometros quadrados de terreno aravel e plantações vinhateiras fossem incluidas na cidade, podendo por esse facto virem a ser submettidas ao impotto de consumo, o que determinaria a mina de toda aquella propriedade.

Eu só me occupei do artigo 1.° porque considerei a questão só pelo lado agricola, mas ha muitos outros artigos que precisam muito de reforma. Eu citarei um de que ninguem até agora se occupou, a saber, aquelle que se refere ao congresso de beneficencia, porque entre outros meios de propaganda a camara municipal tirava partido das influencias que necessariamente tem aquella instituição de caridade, por isso que dispõe de avultadas esmolas, e nomeações para os cargos de visitadores, fazendo prometter a

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mesma camara essas esmolas e empregos áquellas pessoas que julgava poderem influir nos actos eleitoraes. Por este motivo muitas pessoas da nossa primeira sociedade deixaram de fazer parte do dito congresso.

O sr. Pimentel: - V. exa. tem provas d'isso que acaba de dizer?

O Orador: - Eu logo explicarei ao digno par.

3.ª Decretando a reforma da lei de imprensa. Sr. presidente, era urgente pôr cobro á linguagem subversiva da ordem, hostil ás instituições, e offensiva dos individuos que abundava nos nossos periodicos. Essa linguagem desacreditava-nos e envergonhava-nos nos paizes estrangeiros. Os representantes diplomaticos acreditados em Lis boa mandavam aos seus governos fragmentos dos nossos jornaes acompanhados de commentarios que em resumo significam que não póde pretender á consideração da Europa, um paiz cuja imprensa tem similhante linguagem e estylo. A mina me disse pouco mais ou menos, o mesmo, ha tempos, o sr. Canovas dei Castillo, em Madrid, onde eu estava na qualidade de encarregado dos negocios de Portugal. Fallando-lhe eu de um artigo da Epoca em que o sr. Corvo tinha feito reparo, respondeu-me elle que a maior prova de consideração que elle podia dar ao governo portuguez era prestar ouvidos áquellas queixas, quando a imprensa de Portugal todos os dias injuriava a elle Canovas, ao rei catholico, e á nação hespanhola. Trago isto, sr. presidente, para mostrar como é apreciada pelos estrangeiros a nossa imprensa, e a necessidade que havia de uma lei restrictiva.

Sr. presidente, fallei na communa de París e muito de proposito, porque ha muitos pontos de parecença entre aquella situação e a que se ía preparando em Lisboa Foi na camara municipal que se iniciou em París a sedição, e os jornaes da communa chamavam prussianos áquelles francezes que, vendo esgotados todos os recursos, queriam que se assignasse a paz com a Allemanha a fim de que as tropas allemãs evacuassem o territorio francez; mas á municipalidade de París não convinha aquella evacuação, porque ella queria dominar na capital, e melhor o conseguia emquanto a presença dos allemães punha em cheque o exercito francez. Ali explorava-se a exaltação contra os prussianos, como aqui se explorava a exaltação contra os inglezes, e as proclamações da communa pareciam-se muito na linguagem com alguns artigos dos nossos periodicos.

A associação internacional, nascida nas sociedades secretas da Allemanha, e iniciada por um grupo de operarios que foi á exposição de Londres em 1852, aproveitando a grande copia de elementos dissolventes que havia na municipalidade de París depois do cerco, conseguiu dar vida á communa de Paris, que durante dois mezes espantou o mundo com as suas atrocidades.

Verdade é que a internacional se serviu em París de um elemento perigoso, a saber, a guarda nacional dissidente, e cabe aqui dizer entre parentesis que a força armada entre nós tem tido sempre uma alta comprehensão dos seus deveres, e não ha talvez paiz algum em que o exercito seja mais leal, brioso e disciplinado do que em Portugal.

É uma justiça que devemos fazer ao exercito e á guarda municipal. Mas os successos de Paris demonstrara mais uma vez que gente armada só deve ser a do exercito regular e disciplinado, o que as guardas nacionaes têem dado mau resultado em toda a parte. Mas eu dizia, sr. presidente, que a comumna de París era filha da internacional, a communa de Madrid em 1873 era filha da communa de Paris de 1871, e era muito para receiar que a communa de Lisboa viesse a ser filha d'aquellas duas, se o decreto de dissolução da camara municipal não viesse fazer abortar aquella geração monstruosa.

Sr. presidente, eu estava em Madrid em 1873 exercendo as funcções de encarregado de negocios de Portugal. Ali tambem era a camara municipal que fomentava a des-
ordem, e a circumstancia que se explorava para a propaganda revolucionaria era a guerra contra os carlistas. Os revolucionarios têem sempre os mesmos processos, e os nossos não inventaram nada de novo. Mas não era só na municipalidade que existiam os elementos dissolventes. Abundavam tambem no congresso de deputados, e lembra me ter ouvido ali dizer que os dois maiores inimigos da humanidade eram, Deus a a disciplina, que era preciso desmoralisar o exercito, e abolir a religião, etc. Por essa occasião fazia o governo revolucionario os maiores esforços para produzir uma igual revolução em Portugal, mas a vigilancia do governo portuguez, de que era presidente o sr. Fontes, e ministro dos negocios estrangeiros o sr. Corvo, evitou essa calamidade. Felizmente para a Hespanha a espade, benemerita do general Pavia dispersou aquelle congresso como um enxame de vespas, e restabeleceu a ordem em Madrid. A Andaluzia, comtudo esteve ainda toda revolucionada, mas Pavia nomeado commandante em chefe do exercito de operações n'aquella provincia, entrou de mão armada em Servilha e tudo voltou ao seu antigo estado. A reacção era Hespanha foi completa.

Diz Thiers n'um dos capitulos da sua Historia da revolução franceza o seguinte:

"A necessidade da ordem nas sociedades humanas é tal que ellas mesmo se prestam ao seu restabelecimento. Não ha nada mais verdadeiro. A reacção está sempre na proporção da revolução, e a rasão d'isto é porque as revoluções, por via de regra, não são espontaneas. Perguntei a um dos ministros do governo provisorio de Hespanha em 1870 o motivo por que tinha augmentado tanto a divida publica depois da revolução que baniu no throno D. Izabel II; respondeu me que tinha sido preciso gastar rios de dinheiro para fazer caminhar a revolução, sem o que ella não dava um passo. Ora, uma revolução que precisa ser paga para caminhar, não é uma revolução espontanea. Tambem não foi espontanea a revolução do Brazil onde um punhado de soldados, em grande parte negros e mulatos indisciplinados e embriagados, e seis homens sem escrupulos, surprehenderam uma população inerme e por sua natureza indolente, impozeram-lhe a sua vontade, e adiaram indefinidamente as côrtes para não serem banidos do seu mal adquirido poder.

As noticias que eu tenho do Brazil mostram a desordem na administração, a paralysação no commercio, e a guerra civil imminente.

A revolução do Brazil, se não fossem as desastrosas consequencias que podem advir aquelle infeliz paiz, daria motivo á hilaridade pela audaciosa escamotagem praticada por aquelles prestidigitadores da politica.

Fallou-se n'esta camara n'uma conspiração republicana. Essa conspiração existia; e a esse respeito direi, sr. presidente, que os nossos republicanos de Lisboa serão tudo quarto quizerem menos patriotas, porque elles por certo não ignoram que no dia em que caisse a monarchia portugueza, Portugal perderia a sua independencia, passaria a ler uma provincia hespanhola, e o nome de Portugal, que! tem soado ha tanto tempo nos echos da historia, desappareceria uma vez por todas do mappa e do convivio das nações europêas.

Esta nação secular, este Portugal dos campos de Ourique, Aljubarrota, Atoleiros e Moraes Claros, essas tradicções de que tanto nos ufanamos, essas sombras do Gama, Dias, Magalhães, Albuquerque; esse passado, emfim, que constitue a principal rasão de ser da n'esta existencia como nação independente, todas essas glorias, todas essas grandezas desappareceriam uma vez para sempre, porque a Hespanha monarchica havia de oppor-se á republica portuguesa, e a Hespanha hoje leccionada por Cartagena o Alcoy. é profundamente monarchica, e havia de defender a todo o transe a monarchia, o seu rei na infancia, e essa nobre rainha que tem sabido captivar as sympathias, o respeito e admiração de todos os hespanhoes.

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Quando ha pouco tempo esse pequeno rei esteve tão gravemente doente, foi gerai a consternação em todo aquelle paiz, e quando approuve á Providencia que elle melhorasse rompiam espontaneos e enthusiasticos nas das de Madrid os gritos de «viva o rei» «viva a rainha».

Nós, os portuguezes, temos tanta ou mais rasão do que os hespanhoes para exclamar «viva o rei» «viva a rainha», porque para nós a monarchia é essencial. É mais do que uma instituição, é a base fundamental do edificio social. Quer seja para cimentar a nacionalidade em 1095, ou para o seu engrandecimento em 1481, ou para sacudir o jugo estrangeiro em 1640, ou para manter a autonomia em 1890, é sempre a monarchia, e só a monarchia, a pedra angular, a unica salvaguarda o unico ponto de apoio da nacionalidade portugueza. E agora me occorre dizer, sr. presidente, que, ao contrario do que muitos pensam e afirmara, a idéa republicana está hoje decaíndo no conceito publico em toda a parte.

N’um livro recentemente publicado em França por mr. Hulbert, ha dados curiosos que mostram quanto a idéa republicana tem perdido terreno n’aquelle paiz. Nos fins de 1876, quando a França acabou de pagar a indemnisação á Allemanha, havia ainda no orçamento daquelle anno um excesso de receita de 98.000:000 francos. Dois annos depois, no fim de 1878, havia já um déficit de 480.000:000 francos.

D’ahi em diante todos os annos houve um novo déficit de 500.000:0000 francos, de modo que no fim do anno de 1878 o deficit da França era igual á indemnisação que ella tinha pago á Allemanha, isto é, de 5.000.000:000 francos.

D’este estado deploravel das finanças, que cada anno se aggravava, resultaram consequencias politicas importantes, porque em 1885 havia nos comicios eleitoraes de França uma maioria republicana de 770:000 eleitores, e em 1889 essa maioria era só de 270:000. Quer dizer, que 500:0000 eleitores francezes deixaram de ser republicanos, porque não queriam apoiar uma fórma de governo que levava o paiz á ruina.

O ministro Constans pediu ao parlamento um credito de não sei quantos milhões para combater conspirações contra a republica. Logo haviam conspirações contra a republica, e conspirações que era urgente combater.

Logo uma grande parte dos francezes não são republicanos, e cada vez é maior o numero d’aquelles a quem a republica não agrada.

Sr. presidente, o perigo que nós corriamos com a anarchia tinha-se aggravado com o conflicto com a Inglaterra, porque esse conflicto, desorientando os espiritos, dava logar a demonstrações tumultuarias, as quaes, se bem algumas ao principio fossem sinceras e por isso louvaveis pelo patriotismo que as inspirava, comtudo não tendo objectivo definido só serviam para embaraçar a acção dos poderes publicos e difficultar qualquer solução decorosa.

Não vou discutir agora o conflicto com a Inglaterra, só digo que nesse conflicto não havia mais que dois caminhos a seguir: guerra ou diplomacia. Se nós praticarmos actos do hostilidade contra a Inglaterra era Africa, não devemos entranhar se ella ámanhã vier bombardear Lisboa, porque o estado de guerra é guerra em toda a parte, e não n’um ponto determinado.

Aquelles que invectivam o governo pela sua attitude n’esta questão, estarão dispostos a assumir a responsabilidade d’essas represálias? Eu não creio que haja n’esta camara, nem fóra d’ella, pessoa alguma que acredite que fosse possivel declarar a guerra cá Inglaterra. A que vinham então essas declamações, accusando o governo de affeiçoado á Inglaterra? Para que servia exaltar o publico, quando o que era preciso sobretudo é que os espiritos serenassem? Resta, pois, a diplomacia que tem de ser feita com a reserva que lhe é propria.

A Inglaterra considera operação effectiva quando existe forca para levar a effeito tres fins.

«Manter a ordem nos povoados, proteger os estrangeiros» submetter os indigenas.»

Mas submetter os indigenas não significa occupar todo o territorio onde estão esses indigenas, porque isso seria impossivel a qualquer nação; significa ter força para mandar expedições a qualquer ponto onde os indigenas se revoltem.

Ora, isto obtem-se plenamente, estas condições tornam-se facilmente realisaveis com o plano colonial do sr. ministro da marinha.

Portanto, sr. presidente, o caminho mais patriotico que temos a seguir é deixar o governo negociar com a Inglaterra em completa liberdade de acção, que elle não deixará de fiar-nos detalhada conta do resultado de taes negociações.

Vou agora, sr. presidente, occupar-me um instante da questão da defeza nacional, que deu logar a varios decretos da dictadura sobre a organisação do exercito, da armada, e da fortificação e armamento do porto de Lisboa.

Deve preoccupar nos muito essa questão, e deve preoccupar-nos tanto mais quanto que não é só da Inglaterra que temos motivos de queixa.

O que a França nos fez na questão do Carlos e Jorge, e o modo como acaba de proceder comnosco desprestigiando o nosso credito, negando cotação aos nossos titulos, e fazendo uma infamissitna propaganda contra Portugal; o tambem o que a Hespanha praticou comnosco na questão das pescarias, é tão mau ou peior do que o procedimento da Inglaterra comnosco na questão africana.

Deve, pois, preoccupar-nos muito a questão da defeza, mas mesmo quando estivessemos armados até aos dentes difficilmente poderiamos sem allianças hostilisar qualquer potencia.

A maneira de poder Portugal offerecer uma resistencia efficaz, seria a alliança offensiva e defensiva com a Hespanha, guardando cada uma a sua absoluta autonomia e independencia.

Mas para esta hypothese seria ainda condição sine qua non a monarchia, porque sem ella equivaleria á perda da independencia.

Essa monarchia é hoje representada como se tem dito aqui, por um principe ainda inexperiente.

Assim é, sr. presidente, mas essa inexperiencia corrije-se todos os dias, todas as horas, todos os instantes, e esse principe no primor da vida, cheio de nobre e generoso desprendimento, se a patria fosse ameaçada, não duvidaria pisar os campos da batalha com a coragem propria da sua raça e digna da nação a cujos destinos preside.

Sr. presidente, permitta-me v. exa. agora usar ainda alguns momentos da palavra para mencionar algumas outras medidas do governo tomadas em dictadura, e que antes de virem ao parlamento já estavam plenamente sanccionadas pela opinião publica.

Refiro-me á censura dos theatros, direito de reunião e associação, e a questão dos jurados.

Como é sabido, sr. presidente, o theatro já não é o que era dantes. Fui vez de uma instituição instructiva e moralisadora passou a ser um foco de desmoralização. Todos nós nos lembramos como o theatro em França, durante o segundo imperio, com a musica de Offenbach raetteu a ridiculo tudo quanto havia de mais sagrado. A auctoridade, a religião, o trabalho, a familia, a sciencia, a virtude, a dignidade humana, tudo era escarnecido, e só se preconisava o vicio e o cynismo. Em lugar do Castigai ridendo mores, só serve para afastar a familia do lar domestico e leval-a a uru centro de depravação. Em França, a liberdade absoluta para os theatros começou em 1864. A utilidade do theatro como escola de litteratura e estudo de costumes cessou depois que se tornou uma especulação para emprezarios e auctores.

Os direitos de reunião e associação, direitos sagrados e respeitaveis, têem tambem dado logar a grandes abusos e

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graves perturbações. O abuso chegou a ponto que não se vota uma lei, não se publica um decreto, não se promulga uma disposição qualquer da auctoridade sem que uma associação, uma classe, um grupo de cidadãos venha protestar, manifestar, representar contra essa lei, esse decreto, essa disposição. Mas o que é peior é o abuso que se faz d’esses direitos para a propaganda revolucionaria. O grande cancro da associação é a greve, em que o elemento vadio e vicioso quer dominar o elemento sadio e trabalhador. Tudo isto precisava reformado. O governo já fés muito nesse sentido, e eu espero que ainda hade fazer mais; e a liberdade nada perde com isso, porque a liberdade é inseparavel da ordem, e é planta que para florescer precisa de ser mondada das parasitas.

Sr. presidente, a idéa dos jurados vem de epocha remota, quando não havia ainda a organisação e independencia do poder judicial, como existe hoje. Os jurados foram imaginados para supprir essa falta de independencia dos juizes. A idéa dos jurados traz o cunho dos tempos em que os homens não tinham todos os mesmos direitos civis e politicos, e entendia-se que deviam ser julgados pelos seus pares. Ha vestigios de jurados na antiga Roma, e nos tempos modernos encontram-se entre os saxonios antes da conquista da Inglaterra pelos normandos. Durante a idade media não ha menção delles, porque os senhores feudaes exerciam jurisdicção criminal sobre os seus vassallos. Passada essa epocha appareceu de novo, como garantia para os homens do povo que podiam ser victimas da prepotencia de algum poderoso. Mas com os progressos da civilisação tem sido a instituição successivamente alterada, modificada, cerceada nas suas attribuições por desnecessaria o por não corresponder ao fim para que foi creada. E ef-fectivamente não corresponde. Em Hespanha nunca houver jurados nos processos crimes. Não sei se agora está isto alterado, mas ainda ha pouco tempo não os havia, a justiça nada perdia, e a segurança individual ganhava. Acontece com os jurados o que acontecia com os passaportes. Não havia malfeitor que não tivesse um passaporte em regra. Por isso se supprimiram em quasi toda a parte por inuteis. Eu não fallo contra os jurados individualmente. Eu mesmo estou na categoria d’elles, e posso a qualquer momento ser chamado a exercer taes funcções, mas é a instituição que eu impugno.

Referir-me-hei ainda a uma providencia governativa que aplanou muitas dificuldades, e comtudo tem sido censurada, a meu ver, sem rasão. É o accordo feito pelo sr. ministro da fazenda com os representantes das fabricas de moagem.

Sr. presidente, de todas as medidas que se têem tomado nos ultimos annos com relação á questão cerealifera, esta é a primeira e unica que satisfez a ambas as partes e conseguiu harmonisar os interesses de ambos os lados. Tudo quanto se diga contra a medida não destroe este facto, a saber que contentou a moageiros e agricultores. Como muito bem observou o sr. ministro da fazenda, quem quizer resolver a questão ha de attender a duas cousas, o preço do pão, e o preço remunerador do agricultor. Ora, n’este caso, nem houve encarecimento do pão, nem queixas dos agricultores. Não digo que não houvesse alguma queixa isolada; eu ouvi aqui queixar-se o digno par sr. visconde de Moreira de Rey, mas em geral os lavradores ficaram satisfeitos.

Sr. presidente, eu não digo estas cousas para defender o governo. O que defendo é a dictadura que qualquer governo deveria lazer em taes circumstancias. Eu não me preoccupocom a origem partidariados ministros. O que me importa é que elles levantem bem alto a bandeira da monarchia, que estejam por defensores dos principios de ordem, moralidade e justiça, e tambem de economia, porque a unica maneira certa de enriquecer é gastar menos do que o recebe. Tudo o mais são aventuras, tanto nas cousas publicas como nas particulares. Emquanto elles assim procederem não duvidarei relevai-os de qualquer responsabilidade. Mas quando deixem de defender taes principios tambem os não acompanharei, porque sou sempre movido pelo desejo de contribuir para o bem estar da patria, mas da patria como ella sempre foi: portugueza, monarchica e catholica.

Os principaes homens politicos da Europa como Bismark, Canovas, Cavour e Disraeli foram partidarios das dictaduras, e com ellas é que elles realisaram os seus grandes emprehendimentos. Bismark com a dictadura conseguiu a preponderancia da Prussia em Allemanha, e o partido nacional liberal allemão que lhe fazia ao principio uma guerra tenaz e opposição violenta, acabou por se convencer de que elle tinha rasão, e que elle era o verdadeiro patriotismo, deixou de fazer opposição, e uniu-se com elle.

Canovas com a dictadura salvou a Hespanha depois da restauração da monarchia pelo golpe de estado de Sagunto.

Cavour depois de fazer a unidade da Italia, quando em 13 de outubro de 1860 foi pedir a indemnidade ao parlamento, foi-lhe votada por unanimidade de maiorias e opposições.

Disraeli teve de fazer por diversas vezes a dictadura para corrigir as demasias de Gladstone nas concessões á Irlanda, porque as contemporisações que este ultimo tinha com es irlandezes tinham chegado a fazer perigar a integridade do territorio.

A ultima vez que esteve no podei Gladstone levou tão longe essas complacencias, que o seu governo caíu perante a opinião publica indignada e o governo conservador, que lhe succedeu, teve de fazer uma dictadura severissima para «alvar a integridade da Gran-Bretanha, e restabelecer a ordem tão profundamente alterada.

Cá no nosso paiz não houve ainda dictadura tão justificada como esta que estamos discutindo, porque o momento era critico. O governo com a dictadura, não só manteve a ordem, mas aquietou os espiritos e restabeleceu a confiança.

Eu, pelo menos, assim o entendo, e peço a v. exa. sr. presidente que consulte a camara se quer admittir a minha moção de ordem.

Tenho dito.

Lida na mesa a moção do digno par foi admittida á discussão.

O sr. Oliveira Monteiro: — Sr. presidente, tão enthusiasticos louvores acabam de ser feitos pelo digno par que me precedeu, á dictadura que este governo fez e a todas as dictaduras que têem sido feitas em Portugal e no estrangeiro, emfim, tão convencido está s. exa. de que d’estes abusos de poder têem emanado pura e simplesmente todas as felicidades e bem estar das differentes sociedades, que eu, sr. presidente, nunca poderia equiparar s. exa. em experiencia e illustração, não sei como consiga resistir ao desejo de me tornar tambem dictador e ao lado do digno pai applaudir com igual enthusiasmo esta e todas as dictaduras.

Entretanto, sr. presidente, em manifesta opposição ao que s. exa. aflfirmou, eu estou convencido que mal vae á sociedade que acceitar os abusos do poder como fórma normal ou regular do governo.

Mal vae a um paiz quando esses abusos são adoptados como fórma de administração, decretando-se medidas de salvação para situações difficeis e angustiosas, porque é exactamente n’estas situações que os homens que constituem a suprema administração do estado têem a rigorosa obrigação de se acercarem dos representantes da nação para que com o seu conselho, criterio e auctoridade poderem auxilial-o, esclarecel-o e com elle compartilhar as responasabilidades gravissimas da resolução de conflictos como aquelle em que subitamente se encontrou o nosso paiz.

Sr. presidente, em completa opposição com as palavras proferidas pelo digno par, não posso deixar de ler uns periodos do relatorio da commissão especial do bill admira-

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velmente elaborados, e encerrando uma doutrina com que eu me conformo plenamente.

Eu não posso n’esta parte deixar de reconhecer a formula brilhante como a digna commissão elaborou o seu parecer.

Vejâmos:

« Estabelecida pelo direito publico a divisão e independencia dos poderes do estado, é sempre grave todo o facto, que importa a invasão de um qualquer d’esses poderes na legitima esphera de acção de um outro.

«As raias que extremam esses poderes estão demarcadas pela natureza das suas funcções, e estabelecem a sua mutua independencia, mas reciproca harmonia, no interesse da manutenção do seu equilibrio, indispensavel para a boa organisação das sociedades politicas.

«O poder legislativo, de todos o primeiro pela amplitude das suas faculdades, representando a soberania nacional, deve, ainda mais que nenhum outro, defender e zelar as suas prerogativas, cuja offensa importa um ataque aos direitos dos cidadãos, uma violação flagrante do pacto fundamental da nação, e um grave perigo para os interesses sociaes.

«Não soffrem contestação estes principios no campo do direito constitucional.»

Não soffrem, é verdade.

Esta é que é a doutrina que eu aprendi e que já agora não quero nem poderia esquecer.

Mas, sr. presidente, ao lermos este periodo não póde deixar de se apoderar de nós uma manifestação de profunda tristeza confrontando o que aqui se diz com o que realmente se pratica.

Diz-se aqui do poder legistivo: «Que é o primeiro de todos os poderes».

E infelizmente, sr. presidente, tão desacreditado, tão compromettido se acha entre nós o parlamento, que eu não posso deixar de declarar que é necessario um verdadeiro esforço de vontade para vir aqui ou ir em outra assembléa pleitear em defeza das leis, dos principios e das liberdades offendidas.

É necessario um verdadeiro esforço de vontade sobretudo quando nos lembrâmos de que essas offensas á lei, esse cerceamento das liberdades partem exactamente d’aquelles que pela posição especial que occupam na sociedode têem como primeiro e indeclinavel dever zelar e defender as mesmas leis e as mesmas liberdades.

Sr. presidente, a dictadura, cuja absolvição se nos pede, póde dizer-se que abrange dois periodos distinctos: o primeiro periodo é o dos decretos publicados em fevereiro e o segundo o dos decretos publicados em abril.

É particularmente a este segundo periodo que eu vou referir-me.

Tiveram publicidade e constituiram lei para o nosso paiz estes decretos logo depois de realisado o acto eleitoral.

Já então o governo tinha conhecimento dos resultados da uma, já então o governo conhecia o numero e a qualidade dos seus amigos com que podia contar; numero elevadissimo, qualidade a primeira.

Entretanto, sr. presidente, o governo chamando a si as attribuições que pertenciam exclusivamente ao poder legislativo, exactamente sobre os assumptos mais graves, exactamente sobre assumptos dos que mais podem interessar a uma sociedade civilisada e regularmente constituida, não teve sequer para com os seus amigos a deferencia de esperar por elles para com elles cooperar n’esta obra grandiosa.

Seria por que o governo não tivesse plena confiança na dedicação partidaria dos seus amigos que a uma em tão grande maioria acabava de lhe dar?

Não, sr. presidente. Essa hypothese põe-se de parte porque está infelizmente fóra dos nossos usos e costumes.

Os ministerios succedem-se, tendo em volta de si maiorias promptas, maiorias submissas para apoiar quaesquer medidas, que elles apresentem tudo quanto elles resolvam fazer.

Por consequencia, essa hypothese tem de ser posta de parte.

Seria por que o governo não reconhecesse noa seus amigos a elevação e a illustração necessarias para com elles collaborar efficazmente na resolução dos gravissimos problemas que tinha do resolver, e tratou de resolver no grandioso plano de reformas, qual d’ellas de maior alcance social, comprehendido no segundo grupo dos decretos da dictadura?

Supponho que não.

Se eu tivera de dar essa interpretação aos decretos, então teria de reconhecer que da parte dos srs. ministros tinha sido praticada uma grave offensa para com os seus correligionarios.

Sem duvida alguma os sr. ministros não eram capazes de o fazer, nem os seus correligionarios deram ao facto tal interpretação, e sirva de prova, a leal e affectuosa união que continua a existir entre o governo e as maiorias das duas casas do parlamento.

Sr. presidente, entre tudo quanto ultimamente se tem feito era Portugal, em contrario á boa doutrina consignada no relatorio da commissão, entre tudo quanto n’este para se tem feito em menosprezo, em desconsideração, em desacato dos bons principios, eu creio que nada ha mais grave do que o facto que acabo de referir, do poder executivo avocar a si attribuiçõos do legislativo, poucos dias antes da abertura do parlamento e quando eram já conhecidos os individuos que haviam de compor a maioria e a minoria nas duas camaras. E não se diga que havia urgencia impreterivel e que se estas providencias se demorassem mais alguns mezes, e a demora poderia serdedias apenas, podia d’essa demora resultar qualquer prejuizo grave para os interesses ou para a dignidade do paiz.

Não era assim.

Em abril, o movimento patriotico suscitado peio conflicto que tivemos com a Inglaterra, quantes, pela inqualificavel affronta que recebemos de Inglaterra, esse movimento que vivamente convulsionára todo o paiz e principalmente a capital ía sensivelmente declinando e quàsi serenara depois da campanha do Pimpão e depois da campanha do apito, e esses movimentos que o governo tão arbitrariamente tomou como verdadeiros crimes, é de lamentar que não visse a alta conveniencia de os aproveitar, tratando de fazer-lhes imprimir a devida orientação, porque elles poderiam constituir uma verdadeira força.

Por outro lado, que perigo havia em que as reuniões publicas, em que a imprensa e em que o theatro portuguez continuassem a ser como até aqui?

Pois, não vemos nós que a imprensa continúa, com raras excepções, a discutir nos mesmos termos em que o fazia anteriormente ao decreto dictatorial?

Pois não vemos nós que nos palcos se continua a exhibir exactamente as mesmas pecas e as mesmas scenas, cuja representação se pretendeu impedir?

E emquanto ás reuniões publicas, que necessidade havia de difficultar o exercicio d’essa liberdade ao ponto de o tornar impossivel?

Pois, não é sabido que em Portugal, nunca uma reunião d’essa natureza se constituiu, que uno ficasse inteiramente á mercê da auctoridade, que grande perigo havia, pois, em que a legislação que regulava a liberdade de imprensa, que regulava o theatro e que regulava o direito de reunião continuassem a vigorar por mais algum tempo, alguns dias mais, até que sobre a pretendida conveniencia d’essas reformas fossem ouvidas as duas assembléas legislativas? Qual era, pois, o intuito do governo, a não ser o contribuir, como nunca até hoje nenhum outro contribuiu, para desconsiderar e desprestigiar o parlamento portuguez? (Apoiados.)

E, sr. presidente, para o conseguir, eu não tenho noti-

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da de processos mais abominalmente efficazes do que as que se comprehendem nesta segunda phase da dictadura que nós estamos a julgar n’este momento. (Apoiados.)

Sr. presidente, é axioma, e creio que incontestavel, que os paizes têem os governos que merecem.

Sé alguma nação ha que como exemplo possa ser invocada para demonstrar, cabal e completamente a verdade de tal axioma, essa nação é desgraçadamente a nossa.

Nós temos o governo que merecemos, porque vivemos normalmente n’uma ficção do systema constitucional; porque, de facto, vivemos permanentemente n’esse regimen da dictadura, do qual só muito excepcionalmente nos afastâmos para mostrarmos a alguns ingenuos, se é que elles existem, que ainda se não afundou completamente no olvido ou na illegalidade o nosso codigo fundamental. (Apoiados.)

Digo que vivemos ha muitos annos n’uma ficção do regimen constitucional, e vou alludir mais um vez a um facto a que já tive occasião de me referir

Ha muitos annos que o parlamento portuguez, pela errada comprehensão de uma verdadeira virtude, a disciplina partidaria, se mantem invariavel e constantemente ao lado dos homens que representam o poder, e d’esta maneira é simplesmente impraticavel o systema constitucional. (Apoiados.)

O poder moderador, não podendo encontrar indicações no parlamento, vae procural-as a outra parte.

Os ministerios desapparecem, não porque lhes falte o apoio d’aquelles que se dizem representantes da nação, mas por um concurso de circumstancias, cuja enumeração, por de mais conhecida, seria ociosa.

Os ministerios desapparecem, e assim, devendo elles ser filhos do parlamento, succede que os parlamentos é que são filhos dos ministerios. (Apoiados.)

Desapparecido um ministerio, e dadas as condições que apontei, torna-se inexoravel e fatalmente imprescindivel a dissolução das camaras.

Digo, pois, e repito, que o regimen constitucional n’estas condições não póde ser exercitado regular e dignamente, porque lhe falta a pedra angular, a base, o alicerce. (Apoiados.)

Sr. presidente, consinta v. exa. que eu diga aqui do modo mais franco, do modo mais leal, todo o meu pensamento.

Eu estou inteiramente convencido de que a eleição é o nosso primeiro e mais calamitoso flagello. Na eleição encontro eu a origem, a causa principal das nossas difficuldades financeiras, porque á eleição attribuo a fatalidade de todos os desperdicios na administração da fazenda publica, e d’ahi a situação difficil em que nos encontrâmos. A eleição attribuo a origem d’esse mal, como tambem lhe attribuo a depressão dos nossos costumes politicos, depressão sensivel, manifesta, em toda a sociedade portugueza. (Apoiados.)

Sr. presidente, se não fóra esta situação moral em que desgraçadamente se acha a familia portugueza, eu estou certo e certissimo de que a uma não teria dado maioria ao governo que actualmente se acha no poder.

Sr. presidente, os governos envidam sempre todos os seus esforços para fazer triumphar os seus amigos, isto é sabido, mas o que é novo e que nunca se fez, foi recorrer-se aos expedientes pela primeira vez usados na eleição de 19 de março de 1890.

Esta eleição, devidamente apreciada, ha de ser apontada e registada como uma lucta eleitoral das mais desgraçadas e inconvenientes que temos tido no nosso paiz.

A camara sabe perfeitamente o que se passou por todo esse paiz por occasião da eleição geral de deputados; mas eu quero referir-me áquelles factos de que tenho directo conhecimento. Os factos Decorridos na cidade do Porto e que eu presenciei, dão idéa dos meios que o governo empregou para trazer á camara uma grande maioria. Para não fatigar a attenção da camara, direi apenas que na constituição das mesas das assembléas eleitoraes foi completamente desprezada a lei. A auctoridade empregou a força, a violencia, as prisões e todos os meios para afastar da assembléa os eleitores que tinham o direito não só de votar, como de vigiar os actos eleitoraes. Os eleitores julgaram prudente retirarem-se, porque não estavam resolvidos a ir para o Aljube, e expor a sua saude é a sua liberdade.

Para a camara poder avaliar, já não direi exactamente, mas approximadamente, o estado a que as cousas chegaram, eu vou referir um facto.

No dia da eleição, ás duas horas da tarde, entrava eu na assembléa de Campanhã, onde o partido progressista contava alcançar uma grande maioria.

Pois não vi nem um unico individuo dos muitos que ali devia encontrar dedicados ao partido progressista e, tendo-me dirigido a alguem que militava e milita nas fileiras regeneradoras para lhe pedir que me dissesse o que ali tinha havido, contou-me que na constituição da mesa houvera conflictos, desordens e, em fim, que os partidarios progressistas tinham tomado a resolução de se irem embora. Se fizeram bem ou mal não sei.

Nas condições moraes em que se encontra o paiz e, por consequencia o Porto, sabe s. exa. muito bem que é já um pouco difficil encontrar martyres, individuos que exponham a saude, a vida ou a fortuna em sacrificios pela politica, tantos desenganos, tantas desillusões ella a todos nos reserva.

Sr. presidente, entre as differentes dictaduras que têem havido em Portugal esta fica com a primazia, com o logar de honra por muitas rasões! Hontem o sr. presidente do conselho disse, e eu registo as suas expressões, que o que era necessario era averiguar se se tinham dado circumstaucias extraordinarias que justificassem o emprego de meios tambem extraordinarios.

Sr. presidente, eu direi que não basta averiguar se se deram circumstancias extraordinarias e se se empregaram meios extraordinarios; é indispensavel saber se esses meios extraordinarios de que se lançou mão eram ou não os mais adequados e os mais convenientes para vencer as difficuldades que essas circumstancias extraordinarias crearam. E isso que é preciso demonstrar, o que me parece que s. exa. não poderá fazer. A primeira das circumstancias extraordinarias, sabemos qual foi, bem lembrada a trazemos todos; foi a suprema affronta que recebemos de uma nação á qual durante muitos annos, seculos mesmo, dava-mos a denominação de fiel alliada.

Já me referi a essa convulsão que se deu em todo o paiz, que foi patriotica, digna, ainda que talvez um pouco desordenada como todos os movimentos em que a paixão impera e que podia e devia ser orientada, mas nunca reprimida, nunca abafada, nunca esmagada, porque alem de ser uma. manifestação de brio e dignidade era tambem, ou podia, ser uma verdadeira força, que o governo, proce demb prudentemente, poderia ter utilisado.

O nobre par que me precedeu, referindo-se a essa dolorosa conjunctura, estabeleceu o seguinte dilemma: na situação em que nos achamos, só temos a optar entre a guerra e a diplomacia. S. exa. poz de parte a guerra e eu tambem a ponho de parte agora, como na occasião em que se deu o conflicto, e como a hei de pôr de parte quando tivermos os cruzadores de primeira classe, a blindagem da torre do Bugio, a reforma do exercito e da marinha, e tudo o mais que se docretou para augmentar a força do paiz, porque, sejam quaes forem os beneficios que d’ahi resultem para defeza do paiz, seria uma perfeita loucura ir offerecer batalha á poderosa Inglaterra. Entretanto, não no parecer da nossa commissão, mas no parecer da commissão da camara dos senhores deputados, diz-se que a hypothese da guerra não póde ser posta de parte, e d’este facto eu devo inferir que a hypothese da guerra teve aco-

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lhimento no espirito dos cavalheiros que decretaram esta medidas, e que s. exas. entenderam que entre os differentes meios para vencer as difficuldades da nossa situação contavam tambem esse, o da guerra.

Ora, sr. presidente, o que é que se fez?

Decretou-se que se comprassem quatro cruzadores d primeira classe, mas não se decretou que se mandasse organisar uma fabrica de marinheiros, porque, segundo a opiniões mais auctorisadas e mais competentes sobre o assumpto, ha uma verdadeira difficuldade em encontrar pessoal para tripular completamente debaixo do ponto de visti a que me estou referindo, mas dos pequenos navios de que dispomos, dando-se com a marinha as mesmas deficiencia que se dão no exercito.

Por consequencia, não basta dizer: vão comprar-se navios; é necessario indicar tambem onde se vão buscar o marinheiros com que poderemos tripular esses navios.

Eu sei que está ali uma reforma de marinha, mas, quanto a minha comprehensão póde alcançar, parece-me que vis; principalmente a organisar o estado maior, e que o estado menor, a questão de praças da marinha, essa não mereceu igual attenção.

Ora, decretou se isto, sr. presidente, decretou-se a organisação do exercito, decretou-se a blindagem da torre do Bugio, decretou-se o artilhamento das margens do Tejo em Lisboa, emfim foram creadas commissões para darem parecer sobre tudo isto, essas commissões têem do levar um certo tempo para organisarem os seus pareceres, esses pareceres têem depois de serem devidamente apreciados por aquelles a quem cabe a responsabilidade d’estas resoluções, e com tudo isto, só decorridos alguns mezes, ou decorridos talvez annos é que poderemos ver traduzidas em realidades estas disposições, que foram decretadas como de caracter urgente, e que constituem a primeira parte da dictadura.

E, sr. presidente, se a tal hypothese da guerra a que se allude no parecer e a que já me referi fosse por diante, nós teriamos de dizer aos inglezes: — Srs. inglezes, tenham paciencia, porque nós agora não nos batemos; deixem-nos compar cruzadores, deixem-nos organisar o nosso exercito, artilhar o nosso porto e blindar a torre do Bugio, e depois foliaramos, e elles que são e foram sempre para nós de uma amisade, de uma benevolencia e de uma lealdade de que não é licito duvidar, esperam, podemos contar, o tempo que quizermos. (Apoiados.)

Sr, presidente, percorrendo todos os decretos que constituem a dictadura a que nos estamos referindo, eu vejo de immediata execução o que augmenta as forças da guarda municipal e da policia civil, ainda o decreto que organisou as sociedades anonymas, que não sei se está em execução, o decreto que augmentou os vencimentos da magistratura judicial, e só isso, porque a organisação da magistratura está pendente dos trabalhos das commissões, ficando só o augmento dos vencimentos da magistratura judicial, augmento inconvenientissimo a todos os respeitos, pela occasião em que foi feito, porque nos auctorisa a suspeita de que o governo, carecendo da magistratura judicial para a applicação dos decretos que tenha referendado, se propunha captar-lhe as boas graças melhorando a sua situação economica.

Portanto, sr. presidente, se a maior parte das disposições comprehendidas n’estes decretos da dictadura não tiveram immediata execução para que publical-as uns dias antes da abertura do parlamento, e onde estava a urgencia em nome da qual foram publicadas?

Para que offender o parlamento, a representação da nação, o que ha de mais nobre em qualquer organisação social?

Não percebo porque!

Mas, sr. presidente, com relação ao decreto do ministerio da marinha, dizia-se que tudo o que n’ella se continha não passava do papel, que nada se executava, que não se compravam cruzadores, que não se blindava a torre do Bugio, que não se artilhavam os fortes, n’uma palavra, que as grandes despezas extraordinarias, que demandaria a execução do decreto e que nos obrigariam ou obrigarão a grandes sacrificios, seriam adiadas ou nem mesmo se realisariam.

Era isto o que se dizia, não officialmente, porque não se devia dizer, mas particularmente, segredando-se de bôca em bôca.

Hoje, porém, as cousas mudaram e diz-se e affirma-se uma cousa muito differente.

Affirma-se que estamos em vesperas de dar auctorisação a uma proposta para a compra dos cruzadores e que alguem partiu para París a fim de cuidar da montagem de artilhamento na torre do Bugio, e que se trata da construcção convenientissima de fortalezas e do seu artilhamento em volta de Lisboa, emfim, que tratâmos de noa pôr em verdadeiro pé de guerra.

Ora, sr. presidente, é isto o que me assusta, e muito. Eu, sr. presidente, sou dos que ha muito tempo estão convencidos de que é grave a nossa situação financeira. Nós vivemos no regimem dos deficit, ha muitos annos, depois de um periodo de cerca de quarenta annos de paz octaviana, durante o qual a nação portugueza nunca foi flagellada por uma unica d’essas grandes desgraças que ás vezes vem perturbar a economia de uma nação e tolher a sua prosperidade.

Ora vivermos nós nos regimens dos deficits, depois de termos colhido larguissimo proveito da emigração para o Brazil!

Vivemos no regimen dos deficits depois de termos tido colheitas abundantes e uma collocação facil e remuneradora para os nossos productos!

E emfim, sr. presidente, vivemos no regimen dos deficits depois de terem sido aggravados de tal fórma os tributos que não sei como se possa pensar em aggraval-os ainda mais; se tudo isto não denuncia a gravidade da nossa situação financeira, então não sei de que factos possa ella inferir-se, mas eu creio que a ninguem resta duvida sobre as dificuldades da situação da fazenda publica, difficuldades cada vez maiores porque se é certo que temos de conservar os nossos vastos dominios coloniaes, é tambem certo que nós realmente os temos em situação de serem apenas um pezadissimo encargo para a metropole em vez de fonte de receita para o thesouro.

E, era vista de tudo isto, sr. presidente, não me levem exa. e a camara a mal que eu, pobre provinciano que não conheço bem as grandezas d’esta vida de Lisboa, em que os milhões giram, como na minha vida de provincia giram os tostões, me assuste com uma despeza que vae ser de muitos milhares de contos, e uma despeza, sr. presidente, que eu penso que não nos é imposta pelas circum-stancias como impreterivel, desde o momento em que se não seguiu a hypothese da guerra e se optou pela da diplomacia.

Reputo, pois, um erro gravissimo do governo o ter decretado medidas que importavam tão extraordinario augmento da despeza; e as primeiras consequencias, aliás bem deploraveis d’esse erro, viu-as o governo desde logo traduzidas no grande abalo soffrido pelo nosso credito lá fóra. (Apoiados.)

E sem credito, sr. presidente, seria mais que temeridade, uma verdadeira loucura, aventurarmo-nos a tão avuladas despezas.

Mas, sr. presidente, é notavel!

É esta a nossa situação economica e financeira, e não obstante os nossos serviços estão deploravelmente organisados, posso affirmal o. A começar pela instrucção publica, que vive ainda do impulso que lhe deu o marquez de Pombal.

Não temos sequer o material de ensino, as installações

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são deploraveis, embora tenhamos, como creio que temos, no pessoal a competencia necessaria.

Pelo que toca á instrucção secundaria, sr. presidente, basta recordar que quasi todos os lyceus do reino estão alojados em casas de aluguer! Eu vi a casa onde funccionam as aulas do lyceu de Lisboa. Pois affirmo que, se fosse convidado na minha qualidade de medico a informar sobre as condições d'aquella casa para habitação de uma familia, eu a condemnaria por inhabitavel. (Apoiados.)

Diz-se que tudo vae ser reformado. O caso é que até agora, mais cadeira menos cadeira, a situação do ensino tem sido sempre a mesma.

Com relação á instrucção primaria, a despeito do que li n'um diploma que veremos n'esta camara, e em que se diz que é conveniente a sua centralisação, é frequente encontrar individuos, que quer durante a vida, quer para depois da morte, não duvidam applicar uma parte da sua fortuna á construcção de edificios escolares.

Sr. presidente, isto tudo desapparece desde o momento que a instrucção primaria venha para cargo do poder central, porque nós sabemos como o paiz olha para tudo o que é administrado pelo governo.

Esta é a verdade, e eu tenho obrigação de o dizer. As escolas augmentaram, adquiriram muito material, e as corporações locaes interessavam-se immenso para que o ensino progredisse e se desenvolvesse; creia a camara que tudo isso cessará no dia era que for decretada a centralisação.

Eu creio ter demonstrado a v. exa. e á camara que o primeiro serviço de um paiz é attender á instrucção, que infelizmente entre nós se acha muito atrazada e reclamando grandes sacrificios da nação para poder ser o que deve.

Agora, sr. presidente, referir-me-hei á força publica.

No meu tempo têem havido varias reformas de exercito, têem se feito muitas promoções, temos muitos generaes, mas o que é verdade, é que não temos exercito por que não ha soldados.

Sr. presidente, não ha muitos dias que alguem me affirmou que o corpo de infanteria que está em Penafiel, sendo chamado para o exercicio de tiro, não foi, porque tinha apenas vinte e nove soldados.

Não ha muitos dias, sr. presidente, que eu soube tambem que um cavalheiro que foi nomeado coronel de um corpo de infanteria, querendo tomar conta do cominando em parada, não o fez, porque o numero de soldados era de treze.

Finalmente, sr. presidente, não ha ainda muitos dias que me foi asseverado por um cavalheiro que tem a direcção da alfandega do Porto, que, requisitando quarenta soldados ao sr. governador civil, este lhe mandou apenas vinte, porque não havia mais, sendo necessario, para completar o numero, ir buscar o resto a outros corpos, isto n'uma cidade onde, alem da guarda municipal, ha alguns corpos de infanteria.

Sr. presidente, isto é a situação do nosso exercito, e seja qual for o alcance da sua reforma, faltando os soldados, falta tudo, e elles hão de faltar constantemente emquanto o livramento do recruta for a primeira arma politica nas mãos das influencias eleitoraes. Emquanto este serviço não for por completo inacessivel aos manejos politicos por forma que o influente local não tenha n'elle qualquer superintendencia de que carece para poder isentar trinta ou quarenta individuos em cada recrutamento, os resultados hão de ser os mesmos.

r. presidente, se d'aqui passar para a beneficencia publica, que quasi não existe entre nós, terei de reconhecer que este serviço, assim como outros, está muito longe de ser o que devia ser. E visto que fallei em beneficencia publica, permitta-me o digno par, o sr. conde de Carnide, que eu diga que s. exa. foi menos justo no que disse com relação ao serviço de beneficencia do Porto.

O sr. Conde de Carnide: - Eu referi-me a Lisboa e não ao Porto.

O Orador: - Mas eu refiro-me a Lisboa e ao Porto.

digno por não ignora que, do congresso de beneficencia publica fazem parte os srs. J. da Cunha Pimentel, Rosa Araujo, Pinheiro Chagas e outros cavalheiros de não meros respeitabilidade, e que é presidido por El-Rei. Quando o digno par attente um pouco na respeitabilidade d'aquelles cavalheiros, nas suas qualidades inconcussas, ha de convencer se de que são completamente infundadas as suas considerações.

Ora, sr. presidente, sendo estas as minhas convicções, com referencia á situação da fazenda publica, já vê v. exa. que ou não podia deixar de ligar suprema importancia a esta feição que tem os decretos de dictadura, a que acabo de me referir; feição que, FC não houver muito cuidado e muito tino, poderá importar comsigo nada mais e nada menos do que a realisação de dificuldades, que eu não sei se poderão ser superadas. Porque se ás difficuldades que nós temos, reunirmos as que nos podem advir da despeza de muitos milhares de contos de réis, 30.000:000$000 ou 40.000:000$000 réis, eu não sei o que virá; não sói se este corpo combalido e mal seguro da fazenda nacional poderá resistir.

E para provar a v. exa., sr. presidente e á camara, que ligo a maxima importancia a este ponto especial da questão, vou ler a minha moção, que tem por ponto de partida e origem exactamente estas considerações que acabo de fazer. Essa moção diz assim:

(Leu.)

Tem ella como origem as ponderações que a camara ouviu, e tambem declarações feitas por alguns dos membros do governo.

Alguns dos cavalheiros que pertencem ao actual ministerio declararam já, e publicamente, que encontraram as repartições publicas pejadas de empregados; que ha por ahi uma tal alluvião de empregados, que nem elles sabem o que hão de fazer.

Não quero averiguar se isto é ou não verdade; tambem não quero averiguar de quem é a responsabilidade; mas o que quero é fornecer-lhes uma arma para s. exas. darem prompto remedio a esta situação embaraçosa, e dizer-lhes:

- Ha gente a mais? Pois bem; não dêem provimento ás vacaturas que se tenham dado, e aproveitem esse pessoal a mais; organisem os quadros, e emquanto esses quadros não estiverem unicamente reduzidos á sua effectividade, não nomeiem mais ninguem.

Assim o exige o programma de moralidade e de economia que s. exas. têem prégado.

Eu sei, sr. presidente, que n'estes assumptos careço de auctoridade e de experiencia; entretanto, desde que tenho esta opinião considero meu dever apresentar esta moção.

Sr. presidente, as condições especiaes era que me encontro, obrigara-me a referir-me particularmente a dois decretos da dictadura.

Membro, embora o mais humilde, da representação das corporações scientificas n'esta camara, presidente, menos devidamente tambem da camara municipal do Porto, era dever meu não deixar correr á revelia dois decretos, um dos quaes dissolve uma corporação inteiramente identica áquella a que me honro de pertencer, debaixo do ponto de vista de funcções; e o outro procura organisar um serviço ao qual não posso deixar de dar todas as minhas sympathias.

Na dictadura de abril, apparece um decreto creando o ministerio da instrucção publica.

Nomeado o respectivo ministro, nada mais se fez; só, por um favor especial, por uma longanimidade que como par do reino não posso deixar de agradecer, ficou para o parlamento o encargo de apreciar a organisação d'esse ministerio.

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Chega a surprehender como é que um governo que tanto decretou sem esperar peio parlamento, entendeu que devia deixar-nos similhante encargo.

Applaudo a creação do ministerio da instrucção publica. Faltaria á minha consciencia, se o não disesse aqui com lealdade e franqueza. Talvez não conviesse crear um ministerio exclusivamente de instrucção e bellas artes; talvez ao paiz mais conviesse a creação de um ministerio de instrucção, commercio, industria e agricultura, desdobrando-se o ministerio das obras publicas, que realmente não o póde desenvolver com a precisa efficacia tantos, tão importantes e tão variados serviços como os que d'elle dependem.

De proposito não fallei nas bellas artes, não porque não as tenha em grande apreço; basta serem bellas para merecerem toda a consideração; mas quem conhece a decadencia a que na actualidade o nosso paiz chegou debaixo d'esse ponto de vista, mal poderá comprehender que uma das principaes preoccupações do cavalheiro, a quem foi confiada a nova pasta, sejam as bellas artes.

Emfim, justo é que se comece, mas não como já ouvi que se vae começar; pois consta-me que se trata de nomear commissarios para tomarem conta do que existe nos conventos dos differentes districtos, quando tudo isso que havia nos conventos, que poderia ser aproveitado, e que representava alguma cousa de valor para as bellas artes, desappareceu; ninguem ignora que a maior parte d'esses objectos, a mais valiosa, fugiu; e agora depois de ter fugido, não volta.

Que se crie e ministerio da instrucção publica e o esqueçam na lei de meios, sendo necessario para o dotar com os meios indispensaveis para o pagamento da renda da casa em que ha de estabelecer-se e do respectivo pessoal, fazer um additamento á mesma lei de meios, e que se não faça mais nada, que fiquemos a olhar para um palacio reconstruido e melhorado, e digamos: ali está o ministerio da instrucção publica e todo o seu numeroso pessoal, é uma cousa com que não posso conformar-me.

Applaudo a creação do ministerio da instrucção publica, mas desejava que não se limitasse o governo a nomear o ministro, o secretario geral, os directores geraes e todos os outros empregados para essa nova secretaria; porque, sobretudo, o que se torna indispensavel é tomar alguma medida a bem da instrucção.

N'este anno nada se faz.

Dizem-me que vão mandar commissarios ao estrangeiro para estudarem como lá se ensina. Provavelmente aguardar-se-ha o regresso d'esses commissarios para o sr. ministro com elles consultar e ver o que ha a fazer depois; veremos, mas no anno futuro é tambem de suppor que a situação da fazenda não permitia grandes larguezas, e assim, segundo todas as probabilidades, a instrucção publica terá a honra de ser dirigida por um ministro e uma secretaria d'estado, mas o ensino fi cará na mesma, porque, por muita que seja a. boa vontade do cavalheiro que vae gerir aquella pasta, nada conseguirá para o progresso da instrucção, estando os serviços mal organisados.

E fico por aqui, no que respeita ao ministerio da instrucção publica.

Vou agor referir-me á dissolução da camara municipal de Lisboa.

Sr. presidente, se ha paiz onde as tradições devam ser respeitadas, esse paiz é o nosso; se aqui ha tradição que mais deva ser acatada, e sem duvida a que se acha ligada á instituição do municipio. Já o demonstrou o nosso grande historiador.

A esta instituição, sr. presidente, fundamentalmente nacional, deveu no passado o paiz grandes serviços.

Podia e devia ella ser remodelada? Sim, e por varias vezes o tem sido. O que não devia era não ser arrastada pela lama!

Em 11 de março d'este anno entendeu o ministerio que devia mimosear-nos com a dissolução da camara municipal de Lisboa. Essa idéa, tinha-o assaltado desde que teve conhecimento da attitude que essa camara tinha assumido, compartilhando o sentimento patriotico da nação.

Entendeu o governo que essa attitude não convinha aos interesses do estado, e a camara municipal de Lisboa começou a ser tachada de perigosa e de conspiradora. Em, taes circumstancis o poder central entendeu que devia intimar mandado de despejo aos cavalheiros de toda a respeitabilidade que compunham aquella corporação, attribuindo-lhes intenções de resistencia aos decretos do governo e projectos de resistencia que não tardou a reconhecer que não existiram nunca a não ser uma phantasia do proprio governo.

Mas, sr. presidente para regular a acção do governo para com aquella corporação havia a lei de 1880 e o codigo administrativo, que diz o seguinte:

(Leu.)

E no artigo 124.° do mesmo codigo diz-se o seguinte:

(Leu.)

O capitulo do codigo, que diz respeito á dissolução das camaras municipaes, não faz referencia á camara municipal de Lisboa.

Mas fosse segundo as disposições do codigo administrativo, ou fosse segundo as disposições da lei de julho de 18S5, o que é fora de duvida é que o governo não podia dissolver a camara municipal de Lisboa sem a consulta do supremo tribunal administrativo, ou sem a consulta da procuradoria geral da corôa. Não o podia fazer sem menosprezar a lei.

E eu, sr. presidente, que vi ha pouco que foi consultado o supremo tribunal administrativo para a dissolução da junta de parochia da freguezia de Ramalde, quando cotejei este facto com a semceremonia com que foi dissolvida a camara municipal de Lisboa, conclui muito naturalmente que essa junta de parochia tinha merecido mais attenção ao poder central do que lhe mereceu a camara municipal de Lisboa.

Sr. presidente, no decreto da camara municipal de Lisboa diz-se o seguinte:

(Leu.)

N'uma palavra allude-se á má administração do municipio de Lisboa, e allude-se a uma disposição de resistencia, simples disposição manifestada ou não manifestada, como motivos que determinavam o governo a decretar a dissolução da camara municipal de Lisboa e a reformar a lei de julho de 1885.

Ora, sr. presidente, se o governo tivesse acrescentado logo depois, a lei reformadora da lei de julho de 1885, embora esta tivesse sido calorosamente applaudida pelos homens que occupam hoje as cadeiras do poder e pelos seus amigos, podia se acceitar a ai legação dessa necessidade de reforma como um dos motores do decreto.

Mas, sr. presidente, depappareceu a camara, isso sim mas a reforma não appareceu até hoje.

A que fica reduzida então a allegação de um tal motivo?

O que se queria reformar não era a lei, era a camara, e diz-se, sr. presidente, diz-se ahi que a camara municicipal de Lisboa manifestára disposições de resistencia aos mandados da auctoridade!

Desculpe-me v. exa. e desculpe-me a camara que são as unicas entidades a quem tenho de dar satisfação pelas minhas palavras.

Lamento deveras que num documento desta ordem se diga que se praticou este acto em virtude de simples tenções attribuidas á camara municipal.

Parece me, sr. presidente, que simples disposições, presumpção apenas de simples tenções, ou sejam apreciadas no fôro judicial ou sejam apreciadas no fôro administrativo, nunca podem ser invocadas como rasão sufficiente para um acto tão violento, tão irregular, tão irrito e nullo como foi a dissolução camara municipal de Lisboa.

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Simples disposições!

Mas quaes foram os factos reveladores d'essas simples disposições?

Porventura a carta particular de um individuo que ahi appareceu, que está longe de ser comprometedora para quem a assignou, póde ser invocada como documento suficiente para justificar a existencia d'essas disposições?

Creio que não, sr. presidente, e não ha factos praticados pela camara municipal de Lisboa que provem ou demonstrem que esta tivesse resistido aos mandados da auctoridade.

E debaixo do ponto de vista da sua gerencia ruinosa, não havia o veto do governo para um grande numero das suas resoluções, para o mais importante? Pois não tinha junto da sua commissão de fazenda um representante do governo, que é um dos empregados mais honestos, mais distinctos e mais zelosos do supremo tribunal de contas? Pois não tinha a camara municipal de Lisboa as suas contas em dia? E parece-me que são as duas, a camara municipal de Lisboa e a do Porto, as que têem as suas contas regularmente approvadas pelas instancias competentes.

Creio que isto é inegavel, sr. presidente, e no emtanto a despeito de todas estas rasões, o governo ordenou-lhe um mandado de despejo!

Ora, sr. presidente, era tal o espirito revolucionario e a disposição de resistencia dos cavalheiros que compunham a camara municipal, que apesar de maguados, e de algum modo offendidos pelo mandado de despejo que lhe fôra intimado, saíram e depois da sua saída se limitaram a lavrar um protesto contra este acto arbitrario do governo.

Desculpe-me o sr. presidente do conselho se mais uma vez tenho de me referir ás suas palavras.

Disse s. exa. que o governo precisava mostrar que tinha força para manter a ordem, e um dos actos com que o governo se propoz demonstrar essa força foi a dissolução cta camara municipal de Lisboa! Actos de força!

Sr. presidente, actos de força praticavam os homens do ultimo regimen absoluto em Portugal, quando empilhavam e deixavam apodrecer nas enxovias todos aquelles que não eram affectos á causado seu principe e rei; actos de força praticavam-n'os os homens d'esse tempo, quando na via publica expunham em postes as cabeças dos infelizes que haviam sido suppliciados; actos de força praticava Pitta Bezerra, quando á frente dos seus caceteiros desancava todos os transeuntes que não eram comprehendidos no real agrado; mas acto de força praticava tambem o povo da cidade do Porto, quando d'entre a escolta que o conduzia, arrancava Pitta Bezerra para, acto continuo, o assassinar e arrastar-lhe o cadaver pelas das da cidade; e tambem actos de força praticavam os soldados do duque da Terceira, quando em frente de Lisboa coziam a baionetada o general Telles Jordão, arrastando tambem em seguida e seu cadaver e fazendo-o- em postas.

E fico por aqui na enumeração dos chamados actos de força, pedindo aos actuaes conselheiros da corôa e a todos os que se lhes seguirem nas cadeiras do poder, que não esqueçam estes e outros exemplos de actos de força que a historia patria lhes offerece.

Sr. presidente, tambem não posso applaudir a obstinação com que se pretende justificar os actos de dictadura pela conveniencia e necessidade de defender as instituições; as consequencias immediatas e inevitaveis d'esse erro não tardaram a manifestar-se na situação deploravel do nosso credito lá fóra.

E o que admira, é que ellas não fossem logo previstas, e que o governo não viste desde logo que com os seus decretos illegaes e de caracter urgente, com o" seus actos de força dava confirmação plena a quaesquer boatos propala dos lá fóra contra a estabilidade das nossas instituições, auctorisando todos os receios, todas as desconfianças do capital, que é sempre bastante prudente e cauteloso para não se aventurar n'um paiz em tão critica situação.

Mas, sr. presidente, diz-se que a dissolução da camara municipal de Lisboa foi um acto de força.

Pergunto eu: foi esse acto de força praticado tambem em defeza das instituições?

Parece que sim; e nós vemos na imprensa officiosa alguma cousa que dá fundamento a esta suspeita.

Entretanto a tão annunciada reforma ainda não appareceu, a eleição a que devia proceder-se no praso de quarenta dias ainda não teve logar, e, decorridos quatro mezes após esse acto de força, continuam investidos das funcções de administradores da camara municipal os mesmos cavalheiros que foram chamados a exercel-as no momento em que teve logar a dissolução e que o voto popular havia repellido.

Que rasão determinou e determina todo este procedimento extraordinario?

Acaso seriam os cavalheiros que compunham a camara dissolvida inimigos das instituições.

Ha alguem que assim o julgue e o digno par que me precedeu chamou communa á antiga vereação lisbonense.

Chamar communistas ou inimigos das instituições ao sr. Fernando Palha, ao sr. Pinto Bastos, ao sr. Rosa Araujo, ao sr. conde do Restello, aos cavalheiros, emfim, que formavam a maioria da camara dissolvida, é, permitia se-me que diga, forçar muito a nota.

Mão conheço um unico acto daquella corporação que o governo dissolveu, que denunciasse menos respeito ou menos acatamento á familia real portuguesa e ás instituições vigentes. (Apoiados.)

Inimigos das instituições?!

Quer a camara que eu expresse, franca e lealmente, o meu pensar a este respeito?

Inimigos das instituições são aquelles que se, occupam em desfazer pequenos conflictos, pequenas difficuldades que caem pelo ridiculo. Inimigos das instituições são aquelles que malbaratam os dinheiros publicos, sem se lembrarem que grande parte d'elles foi ganho á custa de muito trabalho, de muito sacrificio, e representa muitas lagrimas; inimigos das instituições são aquelles que, conhecendo a situação angustiosa do povo portuguez, não trepidara de o sobrecarregar de novas imposições tributarias; inimigos das instituições são aquelles que, para erigirem um pedestal a si proprios, não duvidam polluir e conspurcar as repatações mais elevadas, os caracteres mais completamente honestos, sem se lembrarem de que a materia prima d'esse pedestal é lama; inimigos das instituições são aquelles que, tendo por principal missão a defeza e a guarda da lei, a desprezam constantemente, não pensando que o quarto de hora das dificuldades póde não estar longe.

O meu desejo, sr. presidente, seria que todos os cavalheiros que sobem ao poder fossem guiados pelo mais elevado criterio e compenetrando-se bem da missão espinhosa que lhes é confiada, cuidassem de que as suas palavras, as suas obras, os seus actos, no momento em que se sentam n'aquellas cadeiras, se não tornassem logo em diametral opposição com as suas obrigatorias e affirmações anteriores.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O digno par não reviu as notas ao seu discurso.)

Foi lida na mesa e admiti ida á discussão a proposta do sr. Oliveira Monteiro, que é do teor seguinte:

Proposta

Considerando que a situação da fazenda publica é demasiadamente grave;

Considerando que para a melhorar, e só em ultimo recurso, e quando seja absolutamente indispensavel, se póde aggravar a situação pungente do contribuinte portuguez;

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Considerando que a bem da moralidade, e a bem dos interesses da fazenda, he torna indispensavel reduzir as despezas sem prejuizo dos serviços publicos, e sem prejuizo da economia nacional, proponho:

Que o governo seja auctorisado a reorganisar os quadros dos differentes serviços publicos, sem prejuizo dos mesmos, e tendo em vista a reducção nas despezas;

Que as vacaturas que se derem em qualquer quadro de serviços só sejam preenchidas quando assim o exija a natureza e boa ordem d'esses serviços;

Que o governo possa transferir empregados que superabundem em qualquer ramo de serviço para outros em que possam ser aproveitados;

Que o governo dê conta minuciosa ás côrtes do uso que houver feito d'esta auctorisação.

Camara dos dignos pares, 2 de julho de 1890. = O par electivo, Antonio de Oliveira Monteiro.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, o digno par o sr. conde de Carnide fez uma accusação gravissima ao congresso de beneficencia de que faço parte; n'uma interrupção pedi a s. exa. que se dignasse apresentar as provas de accusação que acabava de fazer, pedido a que o digno par não satisfez, e por isso eu era nome da minha dignidade offendida e da dignidade dos meus collegas, insisto pelas provas sem as quaes s. exa. de certo não se abalançaria a affirmar aqui perante a camara que os dinheiros d'aquelle congresso, destinado a certos e determinados fins, têem sido applicados a serviços partidarios.

O congresso de beneficencia tem por presidente Sua Magestade El-Rei, por vice-presidente o sr. conselheiro Pinheiro Chagas, por secretario o sr. Luciano Cordeiro, por thesoureiro o sr. Rosa Araujo, e ao sr. conde de Restello e a mim por vogaes, e parece-me que nenhum de nós seria capaz de aproveitar o dinheiro destinado para aquelle fim para o applicar em proveito proprio (Apoiados.) ou dar-lhe qualquer destino que não fosse o determinado ao fim da instituição. (Apoiados.)

Não posso deixar de agradecer ao sr. Oliveira Monteiro as palavras de louvor com que s. exa. se apressou a repellir similhante accusação e espero que o digno par não deixe de nos dar a explicação devida das suas palavras.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Carnide: - Quando fallei do congresso de beneficencia, não me referi, nem podia referir-mo a v. exa. nem aos seus illustres collegas, por quem tenho a mais elevada consideração, e estava longe do meu animo melindrar as suas justas susceptibilidades.

Referi-me a abusos que ali havia na repartição das esmolas, abusos que v. exas. por certo ignoram, e que me constam por pessoas bem informadas.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Eu quero crer que no animo de s. exa. não houve intenção de, nos maguar, mas s. exa. disse que o congresso de beneficencia era um instrumento de politica, e é contra esta affirmação que eu protesto.

Felizmente, s. exa. mesmo se encarregou de mostrar que absolutamente desconhece a constituição e fins do congresso, e qual a proveniencia dos seus fundos.

Os fundos do congresso compõem-se principalmente de uma parte do imposto denominado direitos de mercê e do das loterias, e não é elle quem distribuo as esmolas; esta receita é repartida pelas diferentes commissões parochiaes que são compostas de senhoras e differentes pessoas e presididas pelos respectivos parochos, e são essas commissões que fazem a distribuição das esmola?.

Já vê s. exa. que está muito mal informado.

(S. exa. não reviu as notas tachygraficas.)

O sr. Conde de Carnide: - A minhas informações são de pessoas muitas auctorisadas e competentes.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Cypriano Jardim pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Tem a palavra.

O sr. Cypriano Jardim: - Sr. presidente, pedi a v. exa. a palavra para antes de se encerrar a sessão, porque não desejo tornar a usar d'ella na generalidade do projecto em discussão.

Queria apenas responder ao digno par o sr. Camara Leme sobre duas considerações que s. exa. fez hoje ácerca do que eu disse hontem.

Disse s. exa. que estando perfeitamente de accordo commigo sobre a necessidade de organisar o serviço militar dos nossos caminhos de forro, para o caso da mobilisação, concentração, serviço da administração militar, etc., Lamentava que os nossos caminhos de ferro de nada servissem, visto que um livro traduzido do allemão para francez, que s. exa. lêra, affirmava que os nossos caminhos de ferro de nada serviriam, ou antes seriam prejudicialissimos n'uma invasão, por exemplo, da Hespanha.

A isto devo dizer ao digno par que me parece prematuro o calcular desde já da insufficiencia ou do perigo dos nossos caminhos de ferro, antes de conhecermos o plano de defeza do paiz, que se está estudando. Ao constituir se o caminho de ferro de leste sabe s. exa. que o seu traçado e construcção na fronteira obedeceram á condição da sua passagem por Elvas e pelo Forte da Graça, por fórma que estas nossas praças de guerra podessem enfiar, como succede.

Se os outros caminhos de ferro que penetram no terreno hespanhol não foram construidos em iguaes condições, é porque não havia fortificações na fronteira, nem o actual governo tem culpa d'isso.

O que eu creio, e do que estou mesmo seguro, é que os officiaes que estudam o plano de defeza, illustrados e sabedores como são, hão de saber elaborar este plano por forma em todas as passagens da fronteira, sejam construidas obras que assegurem o impedimento de surprezas por essas vias de communicação.

Disse ainda s. exa. que no mesmo livro lera que os nossos rios principaes, nascidos em Hespanha, seriam ainda um poderoso auxiliar de uma invasão, proporcionando a descida e entrada facil dos invasores.

Em primeiro logar parece-me que desde os pontos onde os dois rios principaes, o Tejo e o Douro, entram definitivamente em Portugal, serão perfeitamente defensaveis, attenta a sua pouca largura entre as margens, e mesmo a difficuldade de navegação, como se dá por exemplo, em Villa Velha de Rodam. Mas a sciencia da guerra, como s. exa. sabe, previne perfeitamente estes casos, e ensina como se defende uma passagem fluvial. S. exa. conhece de certo, como Strasburgo, a cavallo no Rheno, e banhada pelo III, tem o seu campo entrincheirado, constituido por fórma que os seus fortes isolados não só defendem as passagens d'estes rios em muitos pontos, mas asseguram ao mesmo tempo a livre circulação do caminho de ferro, que de Wissembourg conduz a Saverne e a Nancy.

No plano de defeza entrará de certo a cautela de se guarnecer por testas de ponte, todas as passagens fluviaes perigosas para a nossa defeza. Esperemos, pois, o plano, e depois será sempre tempo de a discutir.

Disse ainda o digno par, dirigindo-se especialmente á minha personalidade, que eu estava sempre prompto a defender os projectos dos ministros da guerra, visto que defendo hoje o projecto do sr. Serpa, como ha mezes defendi o projecto de construcção de quarteis, do sr. José Joaquim de Castso.

É verdade, e deixe-me s. exa. dizer-lhe que me honro e me orgulho por isso. Defendi o projecto do sr. Castro, como hoje defendo o do sr. Serpa, como amanhã defenderei outro de s. exa., se o achar bom, como achei os primeiros. Porque é preciso que s. exa. saiba, e que isto fique muito bem assente, eu considero muito acima da politica tudo que é militar, nem quero que ella entre era questões de

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melhoramento e progresso do exercito, a que tenho a honra de pertencer!

Por isso applaudo a norma de conducta governativa adoptada pelo actual ministro da guerra, como estou convencido que o digno par a approva tambem no seu foro intimo, apesar das manifestações exteriores de membro de um partido de opposição.

Votei e defendi o projecto do sr. Castro, porque elle fazia quarteis para o exercito.

O digno par se bem me lembro, não tomou a palavra na discussão d'aquelle projecto, apesar de ser opposição ao gabinete de que o sr. Castro fazia parte. Pois eu vou mais longe; estou convencido de que s. exa. até votou o projecto! Deixe-me o digno par ficar n'esta consoladora convicção. Faz-me bem pensar que o digno par, o general Camara Leme, é sempre o official distincto, brioso, patriota, que eu desde muito considero e respeito.

E mais nada tenho a dizer.

O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão, e a ordem do dia é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de julho de 1890

Exmos. srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Condes, das Alcáçovas, de Alte, d'Avila, da Arriaga, do Bomfim, de Carnide, de Lagoaça, de Thomar, da Folgoza, Bispo da Guarda; Viscondes, da Azarujinha, de Castro e Sola, de Ferreira do Alemtejo, de Soares Franco; Barão de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Caetano de Oliveira, Antonio José Teixeira, Oliveira Monteiro, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Neves Carneiro, Bazilio Cabral, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Costa e Silva. Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Gusmão, Gama, Bandeira Coelho, José Luciano do Castro, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Lopo Vaz Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Rodrigo Pequito e Thomás Ribeiro.

O redactor = Fernando Caldeira.

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