SESSÃO N.° 33 DE 28 DE MARÇO DE 1892 3
sabilidade inteira e completa dos actos de cada um, porque a todos esses actos acertados ou errados, e é de crer que houvesse muitos errados, fomos levados unica e exclusivavamente pelo que se nos afigurou ser o interesse do paiz.
Quaes foram, pois, os motivos ponderosos que me levaram a acudir a essas emprezas particulares com o dinheiro ou com a garantia do thesouro, a desviar os fundos do estado da sua legal applicação, praticando assim um acto que eu sabia ser illegal e perigoso?
Sr. presidente, para a administração publica, como para todos os actos humanos, não ha regras invariaveis, nem principios absolutos. Não ha regra, por mais invariavel, que não admitia excepções; não ha principio, por mais absoluto, que não tenha de ser alguma vez sacrificado a outro principio mais alto ou mais importante. Ha circumstancias extraordinarias em que para salvar os interesses do estado da mais alta importancia se deve pôr de parte regras e principies, que só foram estabelecidos para os casos normaes.
Não ha ministro que não tenha praticado illegalidades, com o fim louvavel de salvar os interesses do estado.
Todos as têem praticado, e o ministro que, pelo receio . de assumir a responsabilidade de desobedecer á lei es-cripta, deixasse de salvar o seu paiz, seria um ministro cobarde e criminoso.
Pois, em 1876, sr. presidente, quando rebentou a crise bancaria, Fontes Pereira de Mello e com elle o meu nobre e honrado amigo, o sr. conselheiro Antonio de Serpa Pi-mentel, então ministro da fazenda, não acudiram com mão prompta e energica aos bancos que tinham suspendido pagamentos e fechado,as suas portas? Não lhes acudiram com a enorme somma de 5:000 contos do réis, para evitar a ruina do commercio, a paralysação da industria, à fome e a miseria, emfim todas essas funestissimas consequencias, que costumam acompanhar as crises bancarias, principalmente quando ellas se prolongam? Hesitaram porventura esses cavalheiros em praticar esse acto illegal? Hesitaram elles em acudir a emprezas particulares com dinheiros do estado? E alguem se atreveu a censurar esse acto de Fontes Pereira de Mello e do sr. Antonio de Serpa n'essa occasião? Não foram pelo contrario todos concordes em elogiar a promptidão, a energia, o acerto das providencias que s. exas. adoptaram para reabrir os bancos, para que as operações commerciaes retomassem o seu curso ordinario e para se afastarem todos os perigos que traz sempre comsigo uma crise d'aquella natureza? Não houve censuras, todos louvaram o acto desses ministros, porque esse acto, embora illegal, foi praticado para salvar altos interesses do estado.
Foi na mesma ordem de idéas, foi com o fim de evitar
o crack nas praças de Lisboa e, Porto, foi para; evitar a ruina do commercio e da industria, foi para evitar a perturbação da ordem publica, que o governo, de que tive a honra de fazer parte, acudiu aos bancos que ameaçavam ruina e estavam prestes a fechar-se e suspender pagamentos.
Esse auxilio, esses adiantamentos foram feitos de meia do de fevereiro a principio de maio do anno passado.
É bem sabido qual era a situação dos bancos pertuenses n'essa epocha. Ha poucos dias vieram publicados em varios jornaes os balancetes d'esses bancos com referencia a
1 de julho de 1891.
Não cansarei a camara com a leitura d'esses balancetes; vou simplesmente, e é quanto basta para o meu intuito, fazer um resumo da situação dos bancos a que elles se referem.
Aã notas dos bancos do Porto, que estavam em circulação no 1.° de julho de 1891, importavam em 1:907 contos de réis, os depositos á ordem em 2:016 contos de réis, e as promissorias vencidas em 684 contos de réis; somma de encargos immediatos 4:607 contos de réis.
Para fazer faço a estes encargos tinham os bancos do Porto nos seus cofres 1:936 contos de réis, havendo por consequencia um deficit de 2:671 contos de réis.
Em todos os bancos havia deficit, e não digo agora quaes as difficuldades com que cada um d'elles luctava, porque não tenho aqui os apontamentos necessarios; mas posso dizer á camara que todos os estabelecimentos bancarios tinham mais encargos do que recursos, e que a totalidade de todos os deficits era de 2:671 contos de réis.
Era esta a situação dos bancos do Porto em julho de 1891.
É facil de conjecturar, sr. presidente, que nos mezes de março e abril a situação d'esses bancos não era mais favoravel.
Tinha já começado a corrida mansa, e se um banco se fechasse, essa corrida converter-se-ia em corrida tumultuosa, porque todos aquelles que conhecem as relações financeiras e commerciaes que ligam todos os estabelecimentos de credito, sabem perfeitamente que as difficuldades de um reflectem-se em todos os outros, não só da mesma praça, como de praças differentes, e muitas vezes até se reflectem em praças de paizes muito longinquos.
Estas perturbações do credito são exactamente como as perturbações da atmosphera. Um vendaval que rebenta n'um ponto propaga-se a grandes distancias, percorre extensas regiões, passa muitas vezes de um para outro hemispherio e não se póde dizer onde ha de parar.
Na caixa filial do banco lusitano, estabelecida no Porto? havia um grandissimo numero de pequenos depositos, na somma total de 800 contos de réis.
Esses depositos iam sendo levantados a pouco e pouco, o metal ia desapparecendo, e, por consequencia as difficul-dades crescendo de momento para momento.
A fallencia do banco lusitano em Lisboa traria a da caixa filial no Porto, a esta seguir-se-iam outras, e este crak n'um momento em que estavam ainda sobresaltados os animos pela revolta de 31 de janeiro, poderia trazer perturbações na ordem publica e consequencias incalculaveis.
É esta a opinião que o governo de então perfilhava, o a opinião tambem de muitos homens, cuja auctoridade n'estes assumptos ninguem ousa pôr em duvida, e que tive ocasião de consultar.
Tenho uma carta do meu honrado mestre e amigo, o sr. Serpa, que allude aos acontecimentos bancarios de então.
S. exa. dizia-me n'essa carta que o banco lusitano precisava de 500 contos de réis para fazer face a pagamentos impreteriveis, e se estes pagamentos não fossem realisados succederiam grandes desastres, principalmente na praça do Porto, que podiam occasionar gravissimas perturbações de ordem publica e produzir funestissimas consequencias; que lhe parecia se devia emprestar aquella quantia, mesmo no caso em que o banco não tivesse n'aquelle momento garantias para dar ao governo.
Não faço esta referencia para atirar para os hombros do sr. Antonio do Serpa a responsabilidade dos meus actos, faço-a porque me apraz ter a meu lado a auctoridade de um cavalheiro tão competente, que em 1876 se víra em apuros analogos aos meus, e que não hesitou nessa occasião em acudir com os dinheiros do estado aos bancos que então tinham fechado as portas e suspendido pagamentos. E note v. exa., sr. presidente, que a situação do paiz em 1876 era um mar de rosas comparada com aquella em que eu me encontrei, e a prova mais cabal, mais completa e mais evidente d'aquillo que venho de asseverar, é que o governo de então alcançou promptamente a somma de 5:000 contos de réis para acudir aos bancos, e só com essa somma os bancos immediatamente tornaram a abrir, continuaram os seus pagamentos, e tudo volveu á situação normal e regular.
Prova isto bem claramente, sr. presidente, que o estado do paiz e do thesouro n'esse tempo não era nada comparavel com a situação em que estavam as cousas nos mezes de