SESSÃO N.° 33 DE 2 DE MARÇO DE 1907 327
direi que prefiro a disposição do artigo 39.° da lei de 7 de julho de 1898, e o decreto de 7 de dezembro de 1904, salvas algumas modificações.
Nada de apprehensões, diziam os Srs. Campos Henriques e Julio de Vilhena; mas parece que isto assim em absoluto não será boa regra de governo. O ultraje á moral publica, ao Rei e aos Chefes de Estado, estrangeiros, que se encontrem no reino, não se deve deixar correr impunemente por essas ruas. N'estes casos e em alguns mais as apprehensões parecem até exigencia e imposição de uma sociedade civilizada.
Para casos especiaes deve haver providencias especiaes tambem. Nem em politica ha regras absolutas, fixas e invariaveis, porque ella foi sempre a sciencia das cousas opportunas.
É monstruoso o § 6.° do artigo 2.° do projecto, impondo a multa de réis 500$000 a 1:000$000 pela simulação das indicações referidas no mesmo artigo, taes como a dos estabelecimentos em que se fez a composição e a impressão, dos nomes dos directores, ou redactores principaes, dos editores e outras.
Monstruosa multa! A tamanho furor de perseguir, punindo, não chegou o decreto de 29 de março de 1890, que tão apodado foi de violento e feroz. Segundo elle, a multa maxima era de 500$000 réis.
Dizia o Sr. Campos Henriques, a proposito do artigo 7.° do projecto, que tudo ficaria como agora, porque as empresas jornalisticas chrismariam em editores os directores ou redactores principaes, que continuariam dirigindo ou redigindo, e em directores ou redactores principaes os editores.
Poderá ser assim.
Mas a respectiva simulação tambem pode levar á multa de 1:000$000 réis, e á satisfação d'ella com uma eternidade na cadeia.
O artigo 3.° prohibe que sejam affixados ou expostos em logares publicos quaesquer impressos que contenham offensa ao Rei, Regente do Reino, Familia Real, e chefes e representantes de nações estrangeiras, ultrage á moral publica e provocação a qualquer crime; mas não impõe pena para a sua contravenção.
Qual é essa pena?
E, ao mesmo tempo que tal prohibição é feita, deixam-se vender e distribuir livremente pelas das e pelos domicilios os mesmos impressos, facultando-se a apprehensão nos casos somente de imprensa clandestina e de offensa a Chefe de nação estrangeira, que se encontre no reino, como parece claro, em vista do artigo 2.°, § 5.º, e do artigo 4.° do projecto, e assim foi declarado hontem n'esta Camara pelo nobre Ministro da Justiça em resposta ao Sr. Dias Ferreira.
Lei incoherente!
Acerca do § 3.° do artigo 5.° do projecto, julgo preferivel a disposição do artigo 28.° da lei de 7 de julho de 1898.
O projecto diz que os crimes de injuria, diffamação e calumnia se presumem sempre commettidos com publicidade.
E a lei de 1898 diz que a publicidade só pode provar-se por um dos factos seguintes: distribuição de exemplares a mais de seis pessoas; affixação, em logares publicos, de um ou mais exemplares, ou exposição ou venda publica dos impressos incriminados.
A disposição da lei vigente é sensata e pratica, a do projecto é insustentavel, pois que a presumpção pode falhar e já tem falhado.
A segunda parte do artigo 6.° do projecto é verdadeiramente monstruosa.
Diz elle:
«Quando o agente do crime não tiver soffrido anteriormente condemnação alguma por crimes de imprensa, a pena de prisão será substituida pela de multa, que nunca será inferior a 50$000 réis».
Qual é o maximo d'esta multa? Até onde pode ser elevada?
Não se diz.
Lei imprudente e lei scelerada será a que tamanho arbitrio deixar aos juizes!
Com o pretexto, fingidamente benevolo, de libertar da cadeia por alguns dias o jornalista impertinente, castiga-o desmarcadamente pela bolsa, impondo-lhe uma multa, cujo minimo é já fortissimo, e cujo maximo é... o infinito.
Não!
Em nenhuma lei, antiga ou moderna, em paiz algum do mundo pode haver uma cousa assim.
Isso não pode passar, ainda mesmo que a tal disposição se queira applicar o criterio do artigo 67.° do Codigo Penal;
É tambem absurdo o artigo 9.° do projecto, quando considera como auctores do impresso incriminado os donos dos estabelecimentos em que se faz a impressão e a composição, se elles, depois de intimados, não declararem em juizo os nomes das pessoas responsaveis pelo mesmo impresso.
Comprehendia-se que os donos de taes estabelecimentos fossem punidos como desobedientes, e assim foi estatuido sensatissimamente no artigo 27.°, § 2.°, da dita lei de 7 de julho de 1898.
E, porem, repugnante que elles sejam castigados como auctores do impresso, não o sendo.
A segunda parte do artigo 11.° é inacceitavel.
Segundo ella, as penas applicadas ás contravençõos só prescrevem passados dez annos, contados desde que a sentença passar em julgado.
Sempre perseguidor da imprensa, o projecto estabelece para este caso a prescripção de dez annos, quando, pelo artigo 125.°, § 6.°, do Codigo Penal e pelo artigo 41.° da lei de 7 de julho de 1898, o prazo d'essa prescripção é de um anno apenas.
Isto não pode passar, porque isto não deve ser assim.
O artigo 13.° do projecto refere-se á intervenção do jury no julgamento de alguns crimes de imprensa.
Fui sempre, como agora sou, francamente partidario do jury na funcção do julgamento, principalmente em materia criminal; porque o jury, no meti modo de entender as cousas, é não só a mais augusta forma da majestade popular, como a mais alta, a mais ideal, a suprema concepção da justiça social.
O jury é, na administração da justiça, uma collectividade imprescindivel e até a unica insubstituivel por qualquer individualidade ou por outra collectividade, que não tenha a sua indole.
E isto, porque só o jurado julga, condemna e absolve sem provas legaes e contra as provas legaes, obtemperando apenas aos dictames da sua consciencia e intima convicção, quaesquer que sejam os meios pelos quaes elle esclareça aquella e forme esta; e porque só o jury pode verdadeiramente temperar as injustiças da lei, produzindo perante a sociedade veridictums que, embora injustos algumas vezes nas suas exterioridades, são, todavia, honestas soluções de problemas existentes no amago das questões submettidas ao seu julgamento.
Sem duvida o jury nem sempre funcciona bem; tem abusado muitas vezes.
Isso, porem, não é motivo para o supprimir e só para o reformar.
De todas as instituições sociaes, embora criadas n'um espirito de justiça e de interesse publico, se abusa pela falta de sinceridade na sua execução; e não havemos de bani-las por isso, lançando a sociedade no chaos, ou pelo menos em aventuras perigosas.
Nem a liberdade anda para ahi tão fortalecida que possaprescindir d'aquelle reducto para sua defesa.
Mascate onde deve admittir-se a intervenção do jury no julgamento dos crimes de imprensa?
Em todos os casos não acho bem.
Sou acima de tudo, liberal; mas, sinceramente, entendo que as offensas ao