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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 33

EM 2 DE MARÇO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

José Vaz Correia Seabra de Lacerda
Francisco José Machado

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa requer documentos pelos Ministerios das Obras Publicas e Fazenda.

Ordem do dia (continuação da discussão sobre o projecto de lei que regula a liberdade de imprensa). - Usa da palavra o Digno Par Sr. Francisco José de Medeiros, a quem responde o Digno Par relator, Sr. Luciano Monteiro. - Mandam pareceres para a mesa, sobre os projectos relativos á crise vinicola e a passaportes, os Dignos Pares Teixeira de Vasconcellos e Alexandre Cabral. - O Sr. Presidente levanta a sessão.

Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Peita a chamada, verificou-se a presença de 33 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Não houve expediente.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: envio para a mesa os seguintes requerimentos:

«Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, seja remettida a esta Camara, com a maior urgencia, a nota dos vinhos licorosos arrolados no Douro e fora do Douro; de vinhos do Douro e de producção estranha, nos termos da lei de 7 de novembro de 1906».

«Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me sejam remettidos com a maior urgencia os esclarecimentos seguintes:

1.° A data em que as fabricas de S. Miguel e Terceira iniciaram a laboração fabril do assucar, para os effeitos da condição 5.ª da lei de 15 de julho de 1903;

2.° A quantidade de alcool que as mesmas fabricas teem em deposito;

3.° As quantidades de alcool industrial, por desnaturar, que as fabricas açoreanas e do continente teem entregue ao consumo em cada um dos ultimos cinco annos, por fabricas».

Estes requerimentos foram lidos na mesa, e mandados expedir.

O Sr. Presidente: - Tinha a palavra antes da ordem do dia o Digno Par Sr. Raphael Gorjão. Mas como não está presente o Sr. Ministro da Marinha, a quem S. Exa. deseja dirigir-se, e como nenhum outro Digno Par pediu a palavra, vamos entrar na ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sobre o projecto de lei (parecer n.° 33) que regula a liberdade de imprensa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par Sr. Medeiros.

O Sr. Francisco José de Medeiros: - Sr. Presidente: pois que pedi a palavra sobre a ordem, começo por enviar para a mesa a minha moção:

«A Camara, reconhecendo que o projecto em discussão não é liberal, nem justo, em muitas das suas disposições, e, principalmente, que não era necessario, continua na ordem dia».

A minha situação parlamentar é verdadeiramente critica no momento presente.

Mas... aqui não ha logar somente para os grandes oradores, como os que teem illuminado este debate com os fulgores do seu talento e com as scintillações da sua eloquencia; aqui ha logar para todos os homens de boa vontade, mesmo para o que menos favorecido for de recursos de intelligencia e de palavra, mas que nem por isso quer abster-se de cumprir os seus deveres de homem publico.

E com tal intuito discutirei o projecto de lei acêrca da imprensa, sem quaesquer preoccupações politicas, pois não sou opposicionista, nem governamental; sou simplesmente progressista da velha guarda e sem mistura.

Discordo de muitas disposições do projecto, que significam injusta e violenta perseguição á imprensa, e por isso, e principalmente pela sua desnecessidade, o combato e rejeito.

Hei de impugnar igualmente o projecto de lei sobre responsabilidade ministerial, por discordar tão profundamente d'elle, que até apresentarei um contra-projecto.

E combaterei tambem a reforma do Juizo de Instrucção Criminal, que em alguns pontos é ainda peor do que o decreto de 19 de setembro de 1902.

Tenho ouvido dizer que os ultimos desmandos da imprensa tornaram indispensavel a sua forte repressão e, portanto, a lei que se projecta, visto que a lei actual é impotente e inefficaz para conter a imprensa nos racionaes limites da sua legitima esphera de acção.

Mas nada mais injusto.

Não havia precisão de refundir a legislação vigente sobre liberdade de

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imprensa, ou sejam a lei de 7 de julho de 1898, a lei de 21 de julho de 1869 e o decreto de 7 de dezembro de 1904.

Estes diplomas, da exclusiva responsabilidade politica do partido progressista, bastavam para occorrer ás exigencias do presente momento historico.

Aggravar, portanto, as disposições legaes vigentes, que aliás não peccam por brandura, é mero alarde de força opperessora e furor de perseguição.

Salvo algum caso restricto sobre que fosse conveniente prover, a legislação vigente estava bem.

Ora reformar o que está bem, é mais imprudente ainda do que conservar o que está mal.

O unico argumento com que o illustre Ministro da Justiça tentou, hontem, demonstrar a necessidade de uma nova lei de imprensa, foi o de a appensação dos projectos obstar ao julgamento de qualquer periodico.

Mas, se assim é, bastaria então fazer uma lei que contivesse apenas o artigo 28.° d'este projecto. E tudo estava sanado.

Não seria preciso estatuir tantas disposições inconvenientes e liberticidas, como as já apreciadas por diversos oradores, e outras que analysarei.

A inanidade de tal argumento por parte do Governo é a justificação da moção que apresento.

E depois, se a imprensa tem commettido alguns excessos n'estes ultimos tempos, a culpa d'isso pertence menos a ella do que aos acontecimentos, que não fez, e ainda a quem, se não directa ao menos indirectamente, a convidei á valsa da licença.

E ninguem diga que a lei vigente e inefficaz, porque a verdade é que essa lei nunca foi pontualmente cumprida nunca foi executada por completo.

Como n'este paiz se governa! Desfazem-se as leis sem previamente serem experimentadas! E desfá-las com a connivencia do Parlamento quem propositadamente não quiz cumpri-las.

Antes de expor as minhas divergencias do projecto, direi que não adopto, nem em direito constituido, nem em direito constituendo, a opinião d'aquelles que entendem que não pode haver delictos de imprensa.

Em direito constituido basta ler o artigo 140.°, § 3.°, da Carta Constitucional, para se rejeitar este parecer.

E em direito constituendo direi que a calumnia, a diffamação, a offensa e a injuria serão sempre injuria, offensa, diffamação e calumnia, seja quem for que as pratique.

A circumstancia de a imprensa não poder ser punida por ellas produziria uma irresponsabilidade unica e incomprehensivel no actual regimen, onde até pelos actos do Rei irresponsavel respondem os Ministros de Estado.

Mas, pondo de parte theorias mais ou menos aventurosas, cumpre analysar o projecto em discussão.

O artigo 1.° contém uma affirmação de principios sobre liberdade de imprensa. Nada de caução previa, nada de censura previa, cada de auctorização ou habilitação previas.

Bello portico, sem duvida, para um soberbo edificio.

Assim lhe correspondesse o resto da estructura.

Mas não corresponde, porque, aparte essa affirmação de principios e pouco mais, o resto do projecto é um codigo penal da imprensa, tão draconiano que chega a ser perseguição, como demonstrarei.

Mas a caução previa já não existia desde a lei de 17 de maio de 1866; que aboliu todas as cauções e restricções para a imprensa, o que foi mantido no decreto de 29 de março de 1890 e na lei de 7 de junho de 1898.

Mas a censura previa não existia tambem, porque a prohibiu o artigo 145.°, § 3.°, da Carta Constitucional.

E a respeito do habilitação ou auctorização prévia deve reconhecer-se que a lei de 7 de junho de 1898 a tinha reduzido já no artigo 10.° a uma bagatela.

Sim. Não ha censura previa. Mas se ella, a pretexto de qualquer cousa, se converter n'um facto brutal, qual é a pena que lhe corresponde?

Não o diz o projecto, e não parece que seja applicavel o artigo 301.°, n.° 1.°, do Codigo Penal.

Essa pena deve ser a de demissão, accumulando se-lhe uma forte multa.

É preciso garantir por este lado a liberdade contra os excessos do poder.

Nos artigos 2.° e 7.° e outros do projecto o editor é substituido nos periodicos, para os effeitos da responsabilidade legal, pelo director ou redactor principal.

Se, porem, o periodico tiver director e redactor principal, qual dos dois responde?

Não o diz o projecto e deverá dizê-lo.

Entre o editor e o director ou redactor principal opto pelo editor para as responsabilidades legaes do periodico, por ser essa a nossa tradição legal, que nem as circumstancias, nem uma forte corrente de opinião, mostram que deva ser desrespeitada ou não continuada.

E em materia de legislação é preferivel o conservantismo, um pouco ferrenho mesmo, ao reformismo irrequieto.

Alem d'isto, a imprensa é o mais energico meio de opposição e resistencia aos Governos, por ser ella quem principalmente faz a opinião.

D'ahi a má vontade que elles lhe teem quasi sempre.

O poder julga-se de ordinario omnisciente e omnipotente.

Entende que, quando elle pensa, todos os outros se devem abster de pensar, curvando-se perante a sua omnipotencia, e que, quando elle age, todos devem pôr-se de cócoras perante a sua omnipotencia.

Quem assim não proceder é por elle tido como um revoltado.

Ora, como na imprensa politica ha sempre jornalistas que não deixam o poder á vontade para fazer o que quizer, que affrontam as suas audacias, que o flagellam pelos seus abusos e até se riem dos seus ridiculos, é logico que o poder se proponha perseguir a parte dirigente e mais intelligente da imprensa, que é constituida pelo director e pelo redactor principal, de preferencia ao editor.

Tão logico como natural é que por parte dos que desejarem garantias contra excessos do poder se prefira o editor para as responsabilidades legaes da imprensa, poupando os combatentes mais esforçados.

Estou effectivamente com estes ultimos.

No § 4.° da artigo 2.° e no § 1.° do artigo 9.° de projecto leva-se a ansia de responsaveis, de muitos responsaveis, pelos delictos de imprensa, até aos vendedores ambulantes, nos casos figurados em taes disposições. Responsabilidade pela transgressão de que fala aquelle § 4.°, responsabilidade civil e criminal até como auctores do impresso incriminado.

De modo que o projecto, que se apresenta com pretensões de acabar com os testas de ferro para dignificar a imprensa, desce tanto que até chega a lançar mão do garoto dos jornaes como auctor do impresso, que elle vende ahi pelas ruas, sem saber o que vende, a todos os que passam. Considerar o garoto dos jornaes como auctor do impresso ... é forte.

A lei de 7 de julho de 1898 é mais reflectida, porque só admitte a responsabilidade do vendedor ambulante como contraventor apenas, e jamais como auctor, no caso unico do artigo 14.°, quando a venda é feita depois da suspensão do impresso.

Talvez se devesse modificar a lei vigente no sentido de só chamar á responsabilidade, como contraventores, o vendedor, distribuidor e affixador de qualquer impresso, quando se mostrasse que elles tinham conhecimento da suspensão ou prohibição do mesmo impresso. Mas levar tão longe a responsabilidade d'estas pobres criaturas como faz o projecto, é demasiado furor de perseguição.

Relativamente ao § 5.° do artigo 2.°

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direi que prefiro a disposição do artigo 39.° da lei de 7 de julho de 1898, e o decreto de 7 de dezembro de 1904, salvas algumas modificações.

Nada de apprehensões, diziam os Srs. Campos Henriques e Julio de Vilhena; mas parece que isto assim em absoluto não será boa regra de governo. O ultraje á moral publica, ao Rei e aos Chefes de Estado, estrangeiros, que se encontrem no reino, não se deve deixar correr impunemente por essas ruas. N'estes casos e em alguns mais as apprehensões parecem até exigencia e imposição de uma sociedade civilizada.

Para casos especiaes deve haver providencias especiaes tambem. Nem em politica ha regras absolutas, fixas e invariaveis, porque ella foi sempre a sciencia das cousas opportunas.

É monstruoso o § 6.° do artigo 2.° do projecto, impondo a multa de réis 500$000 a 1:000$000 pela simulação das indicações referidas no mesmo artigo, taes como a dos estabelecimentos em que se fez a composição e a impressão, dos nomes dos directores, ou redactores principaes, dos editores e outras.

Monstruosa multa! A tamanho furor de perseguir, punindo, não chegou o decreto de 29 de março de 1890, que tão apodado foi de violento e feroz. Segundo elle, a multa maxima era de 500$000 réis.

Dizia o Sr. Campos Henriques, a proposito do artigo 7.° do projecto, que tudo ficaria como agora, porque as empresas jornalisticas chrismariam em editores os directores ou redactores principaes, que continuariam dirigindo ou redigindo, e em directores ou redactores principaes os editores.

Poderá ser assim.

Mas a respectiva simulação tambem pode levar á multa de 1:000$000 réis, e á satisfação d'ella com uma eternidade na cadeia.

O artigo 3.° prohibe que sejam affixados ou expostos em logares publicos quaesquer impressos que contenham offensa ao Rei, Regente do Reino, Familia Real, e chefes e representantes de nações estrangeiras, ultrage á moral publica e provocação a qualquer crime; mas não impõe pena para a sua contravenção.

Qual é essa pena?

E, ao mesmo tempo que tal prohibição é feita, deixam-se vender e distribuir livremente pelas das e pelos domicilios os mesmos impressos, facultando-se a apprehensão nos casos somente de imprensa clandestina e de offensa a Chefe de nação estrangeira, que se encontre no reino, como parece claro, em vista do artigo 2.°, § 5.º, e do artigo 4.° do projecto, e assim foi declarado hontem n'esta Camara pelo nobre Ministro da Justiça em resposta ao Sr. Dias Ferreira.

Lei incoherente!

Acerca do § 3.° do artigo 5.° do projecto, julgo preferivel a disposição do artigo 28.° da lei de 7 de julho de 1898.

O projecto diz que os crimes de injuria, diffamação e calumnia se presumem sempre commettidos com publicidade.

E a lei de 1898 diz que a publicidade só pode provar-se por um dos factos seguintes: distribuição de exemplares a mais de seis pessoas; affixação, em logares publicos, de um ou mais exemplares, ou exposição ou venda publica dos impressos incriminados.

A disposição da lei vigente é sensata e pratica, a do projecto é insustentavel, pois que a presumpção pode falhar e já tem falhado.

A segunda parte do artigo 6.° do projecto é verdadeiramente monstruosa.

Diz elle:

«Quando o agente do crime não tiver soffrido anteriormente condemnação alguma por crimes de imprensa, a pena de prisão será substituida pela de multa, que nunca será inferior a 50$000 réis».

Qual é o maximo d'esta multa? Até onde pode ser elevada?

Não se diz.

Lei imprudente e lei scelerada será a que tamanho arbitrio deixar aos juizes!

Com o pretexto, fingidamente benevolo, de libertar da cadeia por alguns dias o jornalista impertinente, castiga-o desmarcadamente pela bolsa, impondo-lhe uma multa, cujo minimo é já fortissimo, e cujo maximo é... o infinito.

Não!

Em nenhuma lei, antiga ou moderna, em paiz algum do mundo pode haver uma cousa assim.

Isso não pode passar, ainda mesmo que a tal disposição se queira applicar o criterio do artigo 67.° do Codigo Penal;

É tambem absurdo o artigo 9.° do projecto, quando considera como auctores do impresso incriminado os donos dos estabelecimentos em que se faz a impressão e a composição, se elles, depois de intimados, não declararem em juizo os nomes das pessoas responsaveis pelo mesmo impresso.

Comprehendia-se que os donos de taes estabelecimentos fossem punidos como desobedientes, e assim foi estatuido sensatissimamente no artigo 27.°, § 2.°, da dita lei de 7 de julho de 1898.

E, porem, repugnante que elles sejam castigados como auctores do impresso, não o sendo.

A segunda parte do artigo 11.° é inacceitavel.

Segundo ella, as penas applicadas ás contravençõos só prescrevem passados dez annos, contados desde que a sentença passar em julgado.

Sempre perseguidor da imprensa, o projecto estabelece para este caso a prescripção de dez annos, quando, pelo artigo 125.°, § 6.°, do Codigo Penal e pelo artigo 41.° da lei de 7 de julho de 1898, o prazo d'essa prescripção é de um anno apenas.

Isto não pode passar, porque isto não deve ser assim.

O artigo 13.° do projecto refere-se á intervenção do jury no julgamento de alguns crimes de imprensa.

Fui sempre, como agora sou, francamente partidario do jury na funcção do julgamento, principalmente em materia criminal; porque o jury, no meti modo de entender as cousas, é não só a mais augusta forma da majestade popular, como a mais alta, a mais ideal, a suprema concepção da justiça social.

O jury é, na administração da justiça, uma collectividade imprescindivel e até a unica insubstituivel por qualquer individualidade ou por outra collectividade, que não tenha a sua indole.

E isto, porque só o jurado julga, condemna e absolve sem provas legaes e contra as provas legaes, obtemperando apenas aos dictames da sua consciencia e intima convicção, quaesquer que sejam os meios pelos quaes elle esclareça aquella e forme esta; e porque só o jury pode verdadeiramente temperar as injustiças da lei, produzindo perante a sociedade veridictums que, embora injustos algumas vezes nas suas exterioridades, são, todavia, honestas soluções de problemas existentes no amago das questões submettidas ao seu julgamento.

Sem duvida o jury nem sempre funcciona bem; tem abusado muitas vezes.

Isso, porem, não é motivo para o supprimir e só para o reformar.

De todas as instituições sociaes, embora criadas n'um espirito de justiça e de interesse publico, se abusa pela falta de sinceridade na sua execução; e não havemos de bani-las por isso, lançando a sociedade no chaos, ou pelo menos em aventuras perigosas.

Nem a liberdade anda para ahi tão fortalecida que possaprescindir d'aquelle reducto para sua defesa.

Mascate onde deve admittir-se a intervenção do jury no julgamento dos crimes de imprensa?

Em todos os casos não acho bem.

Sou acima de tudo, liberal; mas, sinceramente, entendo que as offensas ao

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Rei não devem ser julgadas pelo jury.

Poderei vir a pensar de modo contrario, mas por ora não.

Da sentença absolutoria proferida pelos juizes poderá dizer-se que não havia crime, ou que o reu o não praticou, sem que o Rei fique por isso ferido no seu prestigio; mas de todas as decisões absolutorias proferidas pelo jury, em materia de offensa ao Rei, se havia de dizer que a absolvição do accusado fôra a condemnação do Rei pela opinião publica, ou seja pela soberania popular, representada pelo jury na funcção do julgamento.

Não. Não vou por este caminho, assim como não iria se, em logar de um Rei, se tratasse de um Presidente de Republica.

Nos crimes de injuria não admitto a intervenção do jury, salvo se a injuria for consequencia natural, logica e necessaria de facto criminoso imputado a pessoa particular, ou de facto diffamatorio, criminoso ou não, imputado a qualquer empregado publico, no mesmo impresso onde a injuria foi feita.

Não quero o jury no julgamento da diffamação a particulares, excepto sendo criminosos os factos imputados.

Quero, porem, o jury no julgamento de todos os crimes de diffamação referentes a empregados publicos ou a pessoas a elles equiparadas, quer os factos sejam referentes ás suas funcções, quer não sejam.

A vida do funccionario publico deve ser translucida em tudo, tendo a claridade de uma casa de crystal, em que todos podem ver de fora o que lá dentro se passa.

Eu supprimiria os artigos 16.° e 17.° do projecto, os do gabinete negro, substituindo-os pelo artigo 21.° e paragraphos da lei de 7 de julho de 1898.

E não era preciso mais.

Não tinha razão o illustre relator do projecto, quando disse que o Governo merece elogios por haver substituido as suas instrucções para a instauração dos processos de imprensa pela acção responsavel do Ministerio Publico.

Approvado este projecto, a acção do Ministerio Publico será fundamentalmente a mesma que hoje pelo artigo 21.° d'aquella lei, segundo a qual este promove sem dependencia de instrucções superiores; e as instrucções do Governo ao Ministerio Publico, relativamente a processos de imprensa, poderão ser dadas do mesmo modo, em vista do artigo 5.° do regulamento organico d'aquella instituição, de 24 de outubro de 1901.

A tal respeito tudo como d'antes, a não ser a criação escusada, inconveniente e espectaculosa' do gabinete negro, que provavelmente virá a ser um flagello, porque os delegados, para evitar tantas penas fulminadas contra elles, promoverão processos a tort et à travers.

Repugna-me a segunda parte do § 2.° do artigo 18.°, que é um mal pensado accrescentamento feito ao § 2.° do artigo 4.° da lei de 7 de julho de 1898.

Estabelecer a presumpção, sem admissão de prova em contrario, no sentido de que uma certa phrase allusiva se refere á pessoa que n'ella se julga visada, sem que possa referir-se a outra qualquer pessoa, só porque o auctor d'essa phrase, e, na falla d'elle, a pessoa responsavel pela respectiva publicação, não fez a declaração de que a mesma phrase não se referia ao reclamante, ou deixou de a fazer com umas certas formalidades, não me parece cousa que deva ficar na lei.

Qual é o justo fundamento de tal presumpção para todos os casos?

O artigo 19.° e seguintes do projecto são referentes ao processo por crimes de imprensa, o qual foi organizado de maneira que os reus de taes crimes sejam julgados com a celeridade do despotismo.

Para todos os accusados ha no processo de instrucção formulas e figuras de juizo, que aos reus de imprensa são recusadas.

Decididamente os ladrões e os assas nos, os vadios e os gatunos teem nas leis mais garantias do que os grandes scelerados da imprensa.

Como isto foi já demonstrado n'esta discussão pelo Sr. Campos Henriques, não quero reproduzir nem ampliar essa demonstração; mas não terei duvida de o fazer, se for preciso.

Os artigos 19.°, 20.° e 21.° bem carecem de refundição.

Cadinho com elles, e moldes novos. Ou antes o antigo molde processai da lei de 7 de julho de 1898, que dá garantias a todos, aos accusadores e accusados.

Não quero ir mais longe n'este momento. Mas o que disse parece-me bastante para mostrar que a lei premeditada, como se premedita um crime, é injusta, violenta e desnecessaria. Acima de tudo desnecessaria.

Esta Camara ainda ha pouco, já no anno corrente, votou um projecto, que está convertido na lei de 29 de janeiro ultimo.

É a lei que decretou a immortalidade de Antonio Rodrigues Sampaio, auctorizando o Governo a conceder o bronze para o monumento que se procura levantar á memoria do grande escriptor e homem publico.

Do grande escriptor, sem duvida. Mas esse homem notavel só foi jornalista na sua qualidade de escriptor; e como jornalista escreveu a Revolução de Setembro e o Espectro.

Ora nas paginas immorredouras d'estes dois periodicos, principalmente no Espectro, ha escriptos, muitos escriptos, cuja leitura na Camara dos Pares obrigaria a Presidencia d'ella a chamar á ordem quem a fizesse.

Não vá a Camara dos Dignos Pares do Reino, depois de votar a lei que glorificou Sampaio, votar outra lei que seria apparelhada para elle, se hoje vivesse, como para individuo incompativel com a ordem social.

Sim, ha delictos de imprensa. Sejam elles castigados. De modo, porem, que a sua punição não seja feita com ultrage da liberdade e da justiça.

Se o projecto for approvado a lei progressista de 7 de julho de 1898 morrerá virgem e martyr nas mãos do franquismo, sem que os defeitos d'ella fiquem conhecidos para a historia da legislação, ou indo receber na outra vida somente o premio posthumo da sua incomprehendida virtude.

E d'este modo cumpri o meu dever.

(O Digno Par não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção apresentada pelo Digno Par.

Foi Lida.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que a admittem á discussão juntamente com o projecto, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Mando para a mesa por parte da commissão de agricultura, ouvidas as commissões de fazenda, legislação e commercio e industria, o parecer sobre o projecto respeitante á questão dos vinhos do Douro.

Foi a imprimir.

O Sr. Alexandre Cabral: - Pedi a palavra para mandar para a mesa, por parte da commissão de administração publica, ouvida a de fazenda, o parecer sobre o projecto de lei relativo a passaportes.

Foi a imprimir.

O Sr. Luciano Monteiro: - Sr. Presidente: como V. Exa. vê, a minha voa está hoje roufenha. Isto colloca-me em circumstancias de não poder usar da palavra por muito tempo.

O meu illustre amigo Sr. Dr. Medeiros, referindo-se ao decreto de 1890, disse que eu tinha participado n'esse diploma.

N'uma das sessões passadas o illustre parlamentar Sr. Julio de Vilhena, quando terminava o seu discurso, teve ensejo de se referir a alguns homens distinctos d'essa epoca.

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(A'parte do Digno Par Sr. Julio de Vilhena que não se ouviu).

S. Exa. referiu-se a Manoel da Assumpção e outros que fizeram comnosco a vida academica e depois foram nossos companheiros na vida parlamentar.

Ora eu disse ominosos os decretos dictatoriaes de 1890, esquecendo que alguns signatarios d'esses decretos já não existiam.

Quero tambem por minha vez falar de um morto illustre, e faço o com tanto mais calor quanto é certo que devo a Lopo Vaz uma das mais subidas provas de estima e consideração que tenho recebido.

Foi pela mão d'elle que eu entrei no Parlamento, e é certo que entrei em condições excepcionaes, isto é, como Deputado da opposição.

Fui seu amigo, honro-me de o dizer aqui bem alto, porque elle era digno da alta consideração que a todos merecia.

Quando se realizou uma solemnidade religiosa em acção de graças pelas suas melhoras, solemnidade em que o distincto orador e nosso collega Sr. Santos Viegas pronunciou uma oração eloquentissima salientando as brilhantes qualidades d'esse homem de Estado, eu, Sr. Presidente, tive a suspeita, o presentimento cruel, de que as melhora de Lopo Vaz eram ficticias e de que elle estava prestes a sair do numero dos vivos.

Infelizmente a minha suspeita realizou-se a breve trecho, e eu posso dizer que nem por de algum modo a esperar senti menos a perda d'esse amigo dilecto, de quem ainda conservo uma saudade vivissima. (Apoiados).

Sr. Presidente: V. Exa. não me levará decerto a mal que eu intercalasse no meu discurso esta manifestação de pesar e estima por aquelle que tanto considerei e que se chamou Lopo Vaz.

Posto isto, vamos ao projecto.

O Digno Par Sr. Medeiros começou a sua impugnação pelo final do projecto.

Disse o illustre parlamentar que não ha corpo de delicto em processos d'esta natureza, para os jornalistas, quando ha para o mais infimo e miseravel delinquente.

Um assassino, um ladrão, um defraudador, todos teem corpo de delicto: os jornalistas é que o não teem.

Parecia á primeira vista, attenta a majestade com que falou, que a maior regalia que podiam ter os jornalistas, quando commettessem algum delicto de liberdade de imprensa, era o corpo de delicto.

Mas não é assim.

Nós estamos todos a discutir este assumpto sem nos recordarmos de que a lei de liberdade de imprensa afasta os crimes de imprensa da lei commum.

Só isto, por si, já representa uma grande prerogativa e regalia.

Mas vamos ao corpo de delicto.

Para que serve elle?

Para se saber se houve ou não provocação.

Esta apreciação é do illustre collega Sr. Dr. Medeiros.

Mas, em questões de imprensa, o corpo de delicto está na propria constatação do artigo offensivo.

Sobre este ponto mais duas palavras apenas.

Pelo regimen da lei de 1898, se um exemplar do jornal estivesse num logar publico, esse simples facto representava o corpo de delicto sufficiente.

Pelo projecto que se discute, a parte que reclama contra um pretenso offensor, tem de acompanhar o seu requerimento com um exemplar da publicação em que é offendido.

Isto corresponde precisamente ao caso do regimen da lei do Sr. Beirão.

Tambem o Digno Par julgou desacertado o que se dispõe no § 2.° do artigo 18.°

Diz-se n'esse paragrapho que, mesmo no caso do notificado deixar de fazer a declaração de que é o auctor de allusões ou phrases equivocas, será pronunciado, quando haja de mover-se processo crime em virtude de taes allusões, caso ellas se retiram ao reclamante, não sendo admissivel qualquer prova em contrario.

Eu entendo que essa disposição é perfeitamente justificada.

Muito peores são, em meu juizo, as phrases equivocas que as allusões francas e directas.

Esta disposição é geral, em direito. A ausencia, ou o silencio do accusado é sempre tido como a confissão do acto que lhe é imputado, e tem o valor de prova plena.

O Sr. Presidente: - É a hora.

O Orador: - Muito estimo sabê-lo, porque hoje a minha voz mal me permitte, decerto, fazer-me ouvir.

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. quer eu reservo-lhe a palavra para a sessão seguinte.

O Orador: - O meu dever de relator obriga-me a concordar com o alvitre de V. Exa.

Ficarei pois com a palavra reservada.

(O Digno Par não reviu este extraio nem as notas tachygraphicas do seu discurso).

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira, 4 do corrente, é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 2 de março de 1907

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Marquezes: de Avila e de Bolama, do Lavradio, de Sousa Holstein, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo-Bispo da Guarda; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Paraty, de Tarouca, de Valenças, de Villa Real, de Villar Secco, de Sabugosa; Viscondes: de Athouguia, de Monte São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Carlos Palmeirim, Carlos Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Coelho de Campos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, Teixeira de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Affonso Espregueira, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

Página 330

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