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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 19 DE ABRIL.

Presidencia do Em.mo Sr. Marquez de Loulé, Vice Presidente supplementar

Secretarios — os Srs.

Conde de Fonte Nova.

Brito do Rio

O Sr. Presidente — São duas horas e meia, mas a Camara ainda não está em numero.

O Sr. Presidente — S. Ex.ª terá talvez de fechar a sessão, mas peço-lhe que queira ter a bondade de mandar avisar a todos os dignos Pares que se achata em Lisboa, para que compareçam no dia que V. Ex.ª designar, a fim de accordarmos no modo de sair deste embaraço, em que quasi todos os dias nos achamos - por falta de numero para a Camara poder funccionar; porque em fim estamos aqui a vir, perdendo tempo que nos é preciso, sem que façamos cousa alguma.

O Sr. Visconde de Algés concorda em que é necessario tomar uma resolução que acabe estes embaraços; porque é realmente notavel que á proporção que vão tomando assento novos Pares augmentam-se as difficuldades, visto que se contam mesmo os que não só não vem, mas nem ao menos justificam a sua falta. Isto não póde continuar assim; e parece ao digno Par que é facil o meio, e está em contar-se o terço que é necessario para a Camara funccionar, não da totalidade dos dignos Pares, mas dos que estão em Lisboa, e são effectivos aos trabalhos da Camara, e quando muito dos que lhe dirigem officio promettendo vir á sessão. Seria portanto conveniente encarregar-se uma commissão, por exemplo, a do Regimento, de apresentar, conjunctamente com a Mesa, se assim tambem convier, uma providencia neste sentido, ou como pareça melhor.

O Sr. Aguiar — A Mesa mesmo que apresente algum alvitre...

O Sr. Conde de Thomar — A Mesa, ou uma commissão, e a do Regimento parece-me a mais competente; porque é de toda a necessidade que se apresente um meio para sairmos deste embaraço, que não é pequeno.

(Entram alguns dignos Pares.)

O Sr. Presidente — Vão entrando alguns dignos Pares, e a Camara creio que brevemente estará em numero; vai portanto fazer-se a chamada, a ver se entretanto chegam mais alguns.

O Sr. Secretario Conde de Fonte Nova fez a chamada, e disse que estavam presentes 35 dignos Pares.

O Sr. Presidente — Estão presentes 35 dignos Pares, e vem entrando o Sr. Barão de Porto de Moz, que prefaz o numero de 36.

(Entra o Sr. Barão de Porto de Moz.)

O Sr. Presidente — Temos presentes 36 dignos Pares. Vai ler-se a acta da ultima sessão, e a da reunião de hontem em que a Camara não funccionou por falta de numero legal.

Leram-se as actas da sessão do dia 17, e da reunião do dia 18, contra as quaes não houve reclamação.

O Sr. Secretario deu conta do seguinte expediente:

Um officio do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, enviando, sanccionado, um dos authographos do Decreto das Côrtes, que authorisa a despeza de dez coutos de réis na concorrencia dos productos da industria nacional á exposição geral em Paris.

Para o archivo.

— da Camara dos Srs. Deputados, enviando

uma proposição de lei, que permitte aos clerigos, beneficiados e egressos alhear bens de raiz em sua vida, ou dispôr livremente delles para depois da sua morte.

A commissão de legislação.

— da Junta do Credito publico, acompanhando 80 exemplares das contas da mesma Junta, respectivas á gerencia della em 1853 a 1854, e exercicio de 1852 a 1853.

Distribuiram-se os exemplares.

O Sr. Presidente — Vai ler-se o authographo da proposição de lei, que aqui foi approvada na sessão de 17 do corrente.

Lida, foi approvada.

O Sr. Presidente — A Deputação ultimamente nomeada para levar á Sancção Real projectos de lei, já approvados, é igualmente encarregada de apresentar mais este, quando Sua Magestade se Dignar de designar dia e hora para lhe ser apresentada. Agora tem a palavra o Sr. Visconde de Balsemão.

O Sr. Visconde de Balsemão pediu a palavra para declarar que por sua parte não tem duvida nenhuma em annuir ao pedido do digno Par o Sr. Conde de Thomar, como já annuir o digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, para que se vote sobre o projecto, retirando a commissão a emenda que proposera para a eliminação das palavras = mais necessitados = com quanto julgasse a commissão, quando a propoz, que as Camaras municipaes ficariam com muito menos arbitrio; no entretanto desiste, como já disse, pela sua parte, mesmo para não retardar esta lei.

Agora aproveito a occasião para mandar para a ilesa a seguinte proposta (leu).

«Proponho que esta Camara possa funccionar, logo que estejam presentes 17 Pares, que é o numero que está designado para que ella possa constituir-se como Tribunal de Justiça. Camara dos Pares, 19 de Abril de 1855. = Visconde de Balsemão.»

Ficou sobre a mesa para ter segunda leitura,

O Sr. Visconde de Fornos participa que o digno Par o sr. Silva Costa o encarregou de fazer saber á Camara que não comparece á sessão de hoje, nem a mais algumas, por incommodo de saude.

O Sr. Presidente — O digno Par o Sr. Conde de Mello tambem participou que lhe não era possivel comparecer á sessão de hoje.

O Sr. J. M. Grande declara igualmente que por incommodo de saude faltou á sessão de hontem.

O Sr. Visconde de Granja leu e mandou para a Mesa os pareceres da commissão de guerra, n.ºs 213 e 214, sobre os projectos de lei vindos da Camara dos Srs. Deputados, n.°s 187 e 190.

O Sr. Presidente — Mandam-se imprimir, para serem distribuidos e entrarem em discussão.

ORDEM DO DIA

Continúa a discussão do parecer n.º 212, que teve principio na sessão de 17.

O Sr. Marquez de Ficalho teria cedido da palavra, ou mesmo não a teria pedido, se a Camara na sessão passada se achasse em numero para poder votar este projecto de lei; mas como a discussão ficou para a sessão de hoje, por não ter havido numero para a votação, reservou ai palavra para fazer algumas mui breves considerações.

O orador diz que tem recebido algumas cartas do Minho, e de pessoas de todo o credito, as quaes todas são concordes em dizer que: effectivamente ha escacez de generos, e carestia no preço delles; mas tambem ha falta de trabalho, e com quanto vote por este projecto, intendeu que alguma cousa deveria dizer a este respeito; porque ha factos que reputa importantes, e que tem presenceado por ter vivido muito tempo no campo, e em logar onde esses

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factos se teem dado. Com effeito, annos tem havido em que não só se tem sentido falta de generos, mas até em que tem apparecido fome, e essas necessidades tem sido mitigadas, e a fome tem a final desapparecido pelos esforços e meios adoptados pelos proprios particulares, dando trabalho a quem delle necessitava. À caridade dos particulares tem muitas vezes prestado serviços mui grandes e mui proficuos. Por exemplo, em 1844 a Camara municipal do logar onde elle se achava, desejando acudir á necessidade que affligia a classe pobre, e remediar assim a fome que já apparecia, convocou todos os particulares que eram lavradores ou tinham terras, e depois de reunidos, concordaram todos em que se fizesse uma especie de lei de. repartição, porque segundo as terras que cada um tinha, assim tinha de dar trabalho a certo numero de homens que delle precisavam; e assim recebeu elle quarenta, outro sessenta, e assim os demais, e o caso é que a crise desappareceu, e passadas vinte e quatro horas já quasi não restava nenhum receio, porque houve trabalho, e cada um com ò seu jornal occorria ás necessidades de sua sustentação. Ora eis-aqui está o effeito da caridade dos particulares, e eis-aqui está porque se julga authorisado a dizer, que por mais que faca a caridade organisada, já com a sopa economica, já com outros meios, de que muitas vezes dispõe, nunca poderá em tão pouco tempo produzir os bons resultados, nem ter a proficuidade da caridade particular, a qual está de tal modo arreigada no nosso paiz, que se acaso o homem a quem lhe falta trabalho se vê por isso na necessidade de ir pedir esmola, não baterá de certo a nenhuma porta, onde não encontre caridade, porque a familia do casal a cuja porta bater, julga-se na rigorosa obrigação de com elle repartir o seu pão.

O nobre Par está persuadido por isso de que neste projecto de lei falta uma parte muito importante, e é aquella que deve providenciar sobre o modo de se dar trabalho a quem delle necessite; mas quando isto diz, não tem nenhuma intenção de apresentar algum additamento, porque não deseja demorar esta lei; sentindo, porém, não ver presente algum dos Srs. Ministros, para, em logar de additamento, que não apresenta, fazer a SS. EE. uma recommendação naquelle sentido.

As Camaras municipaes vão por este projecto de lei ser atithorisadas a contrair emprestimos, destinados á compra de generos cereaes, hypothecando aos mutuantes desses capitães os mesmos cereaes comprados, ou o seu producto; e com quanto tambem lhes fique a faculdade de hypothecarem todos os impostos o rendimentos municipaes, que não estejam applicados a outro emprestimo ou encargo especial, duvida muito que ellas possam por este modo, e com estas unicas garantias, levantar dinheiro; e nesse caso é de presumir que as Camaras municipaes se vejam em grandes difficuldades, sem nada poderem fazer. É certo que ás vezes dão-se casos que, com quanto muito desgraçados e de tristes consequencias, proporcionam ao menos occasião a tomarem-se medidas, que de outro modo encontrariam a maior repugnancia, mas que dados esses casos são geralmente abraçados. A medida, pois, que elle orador desejava que se adoptasse, era que fosse permittido ás Camaras poderem hypothecar os seus baldios ás dividas ou emprestimos que houvessem de contrair. Todos sabem o que são baldios: são umas porções de terreno improductivo, e de ordinario o monopolio do tres ou quatro pessoas, e não é suspeito quando assim falla, porque é do numero daquelles que monopolisam. Estes baldios intende que seriam umas excellentes hypothecas sobre qualquer capital emprestado, e que se quizesse applicar a algumas dessas despezas productivas de que as municipalidades tanto carecem para lhes dar movimento e para assim dizer — vida.

O digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz já fallou sobre este projecto de lei, e fallou como sempre costuma fallar em todas as questões em que toma parte. Quando S. Ex.ª falla, pouco ha depois a accrescentar, de modo que teria elle orador até cedido da palavra, se por acaso não se tivesse tocado em um ponto que julga importante, e digno de menção especial.

As Camaras municipaes pelo modo que estão organisadas, não inspiram confiança nenhuma: se se compara a sua organisação ha vinte annos, com a actual, ninguem dirá que ella tem melhorado, porque o que vê é que durante esses vinte annos ellas tiveram um rendimento de réis 4.000:000$000, e que os despenderam sem se vêr em que, a não ser o terem caiado a parede do frontespicio do seu edificio, e nada mais! O Governo deve vigiar constantemente sobre a administração das municipalidades, cuja organisação necessita de ser reformada para que dellas obtenhamos os resultados que são de esperar. Os baldios podiam ser hypothecados, como já deixou dito, a emprestimos por ellas contraídos para a construcção das estradas concelhias, porque da sua construcção e melhoramento póde vir sim grande remedio nestas crises produzidas pela escassez dos géneros de primeira necessidade, e pela falta de trabalho; porque hypothecando-se esses baldios, que hoje de nada servem, a capitães mutuados com applicação á factura de estradas, offerecendo-se por este meio trabalho a quem delle necessitasse, e estabelecendo entre nós as vias de communicação, de que tanto carecemos, seria muito melhor do que tractar ide contrair emprestimos para comprar e vender generos a quem delles precise, mas que só os terá se os puder pagar com o dinheiro do seu jornal; e, não havendo trabalho, ignora como o trabalhador pode ter dinheiro pari comprar generos, ainda que baratos sejam. E, além de se dar trabalho, far-se-iam estradas, cujo estado infelizmente todos sabem qual é no nosso paiz. Algum dia, debaixo da fórma do antigo Governo, os Juizes de fora chamavam os povos e ordenavam-lhes que por mal ou por bem concertassem, é conservassem as suas estradas, 6 elles emfim, lá como podiam, aqui tapavam um buraco, alli faziam uma pontesinha; mas desde então para cá nada se tem feito; comtudo é evidente que o Governo deve fazer alguma cousa, porque é impossivel poder existir um paiz com taes estradas; um paiz em que se paga 6%000 réis pelo transporte de uma tonelada no espaço de uma legoa, como a elle orador lhe tem acontecido; e isto succede em quanto vemos que nos outros paizes uma tonelada no espaço de vinte e duas legoas apenas paga seis libras. Bem podia agora dizer muito a este respeito, mas não o faz, porque não foi para isso que pediu a palavra. Se tocou neste ponto foi unicamente para mostrar a conveniencia da construcção das estradas concelhias; fica por aqui porque não quer cançar a Camara, e concluiu dizendo, que vota com repugnancia por este projecto de lei, porque o julga não só inutil, mas até prejudicial, mas ao mesmo tempo intende que quando se pede pão, e ao mesmo tempo se indicam os meios para o dar, esse individuo, a quem se pede, collocar-se-ía n'uma posição muito desagradavel, se declarasse que recusava esses meios, por isso que um outro, ou uns outros haveriam com que mais tarde se podesse dar pão aos que neste momento delle tanto necessitam. Alli está a rasão do seu voto a favor do projecto; se a crise não fosse momentanea votaria de certo contra, elle.

O Sr. Barão de Porto Moz — Como nã oha outra cousa de que a Camara se occupe, e a sessão não está muito adiantada, pediu a palavra, não para combater o digno Par, que acaba de fallar, não para accrescentar mais alguma

cousa ao que S. Ex.ª disse sobre o projecto de lei em discussão, porque ambos estão de accôrdo no voto, e nos fundamentos delle.

É sobre um outro ponto em que o digno Par tocou, mostrando que tinha desejos de que esta hypotheca, que aqui no projecto se dá aos capitaes que se tomarem de emprestimo, fosse substituida pela hypotheca dos baldios das Camaras municipaes, que elle orador vai fallar. Esses baldios, que reputa de nenhum proveito, no estado em que se acham, para o paiz, sendo aliás terrenos que muito podiam produzir e desenvolver a riqueza publica; considera elle orador a existencia delles como um grande mal

(apoiados).

A existencia dos baldios é muito mais prejudicial que a dos morgados! (Apoiados.) E com, tudo observou, com pasmo seu, que ninguem falla nelles! A existencia dos baldios é um grande mal, porque sendo uma cousa de todos não é de ninguem! (Apoiados.) 0 seu terreno nada produz, além do que expontaneamente produz, e todos sabem quanto é exigua essa producção, entretanto podiam elles ser mais uma fonte da riqueza publica: tambem elle orador sente que não estejam presentes os Srs. Ministros, porque SS. Ex.ªs haviam de concordar com elle, sobre os motivos porque não propuzeram que os baldios fossem hypothecados; não o fizeram, porque os baldios não se podem hypothecar, e não se podem hypothecar, porque os povos opporiam a uma tal medida a maior resistencia, O digno Par sabe quanto elles são affeiçoados (ou antes certos d'entre os visinhos do concelho), ao logro desses terrenos, e a gana, por assim dizer, com que sempre pertendem defender os seus pertendidos direitos e posse dos baldios, que elles reputam propriedade sua. Como é pois que o digno Par quer que o Governo os vá hypothecar? E quem é que emprestaria o seu dinheiro com tal hypotheca? E quem garantiria essa hypotheca? Metta o digno Par a mão na sua consciencia, e diga se emprestaria o seu dinheiro garantido com a hypotheca de baldios?... Está certo de que S. Ex.ª não quereria similhante garantia; e se o digno Par anão quereria, como a propõe?

Os baldios com tudo são uma cousa importante que deve merecer toda a attenção do Governo; os seus terrenos, principalmente, na provincia do Alemtejo, são excellentes, são terrenos de primeira ordem, capazes de produzir grandes cearas, muitos arvoredos, e que infelizmente nada produzem, pela devastação continúa a que estão sujeitos.

Mas o digno Par deseja que se organise um systema de trabalho, e elle orador é de opinião, que o trabalho não póde estar melhor organisado do que está actualmente, porque a procura dos trabalhadores não pode ser maior, e a offerta de braças não póde ser mais escassa, chegando os lavradores a recear não os terem para a sacha dos milhos, e cavas de vinhas neste anno! isto que está dizendo é dito por todos, e diante de quem sabe se é ou não verdade, porque não ha canto nenhum do paiz onde os proprietarios de terras, onde os lavradores não levantem suas queixas na presença de uma tal falta de braços: que mais se ha de portanto fazer? Trabalho não falta a quem delle necessite, e. quantos braços apparecerem, quantos são logo empregados, já na agricultura, onde delles ha tanta procura, já nas estradas a construir, que occupam immensos braços; homens, mulheres, crianças, tudo alli se occupa: portanto, a este respeito esteja o digno Par descançado, porque todo o individuo que quizer trabalhar, ha de achar trabalho.

O Governo e a Camara podem estar certos, de que todo o homem, que póde, e quer trabalhar, acha um salario certo e elevado, comparativamente aos annos anteriores; e não sabe quaes sejam as causas, por que em algumas partes se tem dado a mingoa, em que aqui se fallou, por que sabe-se que no paiz ha localidades, aonde os cereaes conservam um preço pouco mais de mediano, em quanto em outras é elle excessivo, ás vezes com pequenas distancias. É sem duvida a falta de communicações a causa disto.

Pode desculpa ao digno Par, por não poder concordar com a sua idéa de dar os baldios de hypotheca; seria uma hypotheca illusoria, porque se não verificará, e nota que esta Lei carece de prompta execução, se ella ha-de ter algum effeito salutar. Dia virá em que os baldios serão arroteados, mas desejará muito que a iniciativa para isso parta do Governo, não só porque a experiencia mostra, que alcançam mais facilmente approvação as suas propostas, como porque póde elle, e deve estar mais informado da utilidade ou desvantagem da medida. Entretanto, quer que se saiba que a cousa não é sem difficuldades: ha tres ou quatro homens (em cada povoação, que tem baldios), que são como um poder organisado, e de tal maneira, que parece que nem o povo quer que esses baldios se dividam. Elle! que quasi nada delles aproveita, senão é alguma esteva para queimar; e por isso ha-de ser preciso uma guerra profligada para vencer este inimigo do aproveitamento dos terrenos maninhos.

A Idanha, por exemplo, onde a torra é da melhor, comtudo é o paiz mais pobre, embora tenha as proporções para ser bem rico. Corra-se o Alemtéjo, não ha freguezia, que não tenha baldios, salva uma ou outra excepção; a terra é de primeira ordem, poucas vezes de segunda; mas que fosse mesmo toda de segunda ordem? Como está desfructada por dois ou tres, é uma burla. Os que teem mais meios comem tudo; mas o commum dos povos das freguezias, que possuem menos gados, ou nenhum têem, nada desfructam desse pouco que esta terra desaproveitada produz; se fosse dividida, seria grande o quinhão para todos. Assim mesmo que vão lá dizer que se dividam os baldios! Muitos se têem já dividido a pouco e pouco, mas não é nem a centessima parte do que ha, e o que se tem conseguido tem sido sempre com muitas difficuldades, depois de incendios, batalhas, mortes e conflictos, que duram nas familias por muitos annos; por consequencia, essa idéa devia partir do Governo. É uma idéa altamente economica, a que elle deve attender com urgencia, e incessantemente, porque a riqueza publica ha-de augmentar na mesma proporção, em que convenientemente se divida essa immensa extensão de terrenos, que hoje são inteiramente maninhos, faltos de producção e de arvoredo; os que o tinham foi na quasi totalidade devastado, e não ha um palmo desse terreno que não podesse ser arborisado, e até o que resta de arvoredo de nada sorve, por isso que os povos lançam-se fora de tempo sobre as arvores, a quem tractam ainda barbaramente para colher-lhe o fructo, e estragam as, porque intendem que quem mais apanha, mais tem, e isto é verdade.

O orador pede, ao concluir, desculpa á Camara, de a ter entretido agora com uma materia, em que ha-de vir dia que ella se tracte mais profundamente (vozes—Muito bem).

O Sr. J. M. Grande— Eu pouco tenho a accrescentar ao que disse o digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, cumprindo-me primeiro que tudo observar a S. Ex.ª que me pareceu haver encarado mal a minha opinião sobre o assumpto de que I se occupou. Eu tenho as mesmas idéas a res peito dos baldios, tenho-o já dito no Parlamento, e pela imprensa: tenho como certo que o - maior flagello para a agricultura deste paiz é, nas provincias do sul, a aglomeração da propriedade, e a sua amortisação. Os baldios obstam não só á divisão, mas tambem á boa cultura dos terrenos. O campo vasio é um grande flagello para Portugal: é o vandalismo da agricultura. O terreno que é de todos não é de ninguem, não tem dono, não se beneficia, não se aproveita, é um capital e uma riqueza perdida a morta. Neste caso estão os terrenos baldios, que, por desgraça, são era muitos concelhos do, reino terrenos de excellente qualidade. As suas producções são apenas as que a natureza espontaneamente dá. São alguns pastos mesquinhos, e de pessima qualidade, que em vez de serem economicamente aproveitados, são destruidos e talados por toda a casta de gados que percorrem simultaneamente de tropel aquelles terrenos, que ficam com estas excursões arrasados e maninhos. Isto não é exaggerado, a pratica demonstra que não existe no paiz maior flagello para a agricultura do que os baldios e pastos communs, e tanto assim, que no Alemtéjo tem havido concelhos que já se tem deliberado por seu proprio, proveito a aforar alguns desses terrenos, arbitrio de que tem tirado um grande interesse; como acontece nos concelhos de Fronteira, Estremoz, Veiros, Souzel e outros, onde se vêem magnificos vinhedos e olivaes nos terrenos concelhios, distribuidos ou aforados aos habitantes destes municipios. Assim vê pois o digno Par que eu não tenho a esse respeito uma opinião differente da sua: os pastos communs considero-os como os vinculos das municipalidades, e tanto me hei-de oppor a estes vinculos, como aos outros, se essa lei aqui vier. É necessario que a terra não esteja sempre condemnada a ser só de um individuo, de uma familia, ou de uma corporação: este é que é o principio fecundo em resultados economicos, pelo menos o principio pelo qual eu hei-de sempre pugnar, porque me parece que a allodialidade da terra; é o aperfeiçoamento da cultura: esta é a verdade, que o povo sente e conhece tão geralmente, que ás mulheres estereis chama maninhas em algumas das nossas provincias — fazendo com, esta comparação conhecer que os baldios são de uma esterilidade deploravel A terra fecunda-a a liberdade e o trabalho do dono, e quando é condemnada a ter muitos ou a ficar em perpetua immobilidade, torna-se maninha como a mulher esteril. O decretamento da alienação dos baldios, seria uma grande medida, sobretudo se o producto dessa alienação fosse empregado na abertura e construcção das estradas concelhias. É um grande capital de que se póde tirar immenso proveito. O Governo deveria mandar estudar nas localidades este objecto, preparar depois deste, estudo uma proposta de lei, e trazel-a ao Parlamento.

O Sr. Marquez de Ficalho vai dizer poucas palavras, porque deseja que se vote quanto antes, senão poderia discutir muitas horas com o digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, que aliás combina com elle orador em muitas cousas.

O Sr. Marquez não propoz cousa alguma; disse mesmo que votava pelo projecto tal qual estava, porque conhecia a urgencia delle; mas em logar do additamento, que não fazia por aquelle motivo disse, que recommendaria ao Governo que tivesse am attenção a necessidade do trabalho n'um ou outro districto. Apresentou aquella lembrança a respeito dos baldios, porque foi o valor pertencente ás Camaras municipaes que mais depressa lhe chegou ao pensamento e que reputa um dos maiores. Em quanto ao trabalho não ha dúvida que elle produz os resultados que acabou ha pouco de dizer, e ainda que elle falta n'outras partes, no Alemtéjo é de ordinario carissimo e interrompe-se muitas vezes por falta de gente, porque até é quasi sempre feito por meio da emigração, a qual afflue no tempo da ceifa, por isso que teem a certeza do trabalho, como tambem succede no tempo da cava das vinhas, mas nesse intervallo não se resolve um homem a fazer uma jornada de quinze dias sem ter a certeza de que acha que fazer; e mesmo assim o que concorre é a gente a que se chama malteses, homens solteiros que não estão ligados a familia, Estes é que vão procurar trabalho a distancias muito grandes no baixo e alto Alemtéjo.

Das cartas a que se referio, tem agora mesmo uma na mão, é de Guimarães: o nella se diz -que alli falta o trabalho, e que osso é um dos conflictos; eis a razão porque fallou do trabalho; e diz ao digno Par que não insiste, em que os baldios sejam hypotheca para essa operação, mas insiste em que, se esta crise continuar, o remedio não será o dos emprestimos, mas sim o do dar trabalho para se obter genero e dinheiro, empregando-se tambem alguma gente nos trabalhos das estradas concelhias, trabalho este que é para toda a qualidade de pessoas.

Não fez, porém, estas considerações para estorvar o andamento desta Lei; foi como recommendação ao Governo — uma simples lembrança, principalmente para as occasiões de conflictos. (O Sr. Conde de Thomar — Apoiado.)

Observou que o digno Par dissera que a venda, ou adjudicação dos baldios tinha uma grandissima opposição, que é exactissimamente o mos me que tambem elle tinha dito, apresentando porém a lembrança, porque intende que em certas occasiões é que um Governo intelligente se póde aproveitar para destruir prejuisos e promover vantagens, que em tempos normaes são muito custosas de conseguir, (apoiados,) Este é, que era o seu pensamento, mas não sabe se os dignos Pares intenderam como elle se intendia. (apoiados.) Além de que é tambem preciso que se saiba que esses dois ou tres homens, que são os que monopolisam, como disse o digno Par, esses podem com mais alguma facilidade vencer, o conflicto; porque quando se diz que este ou aquelle pinheiro» este ou aquelle carvalho se „ ha de cortar, é sempre muito mais difficultoso,;;se esses dois ou tres homens se querem oppôr a isso. Repetiu que não era suspeito por isso que quando os baldios deixarem de o ser, as suas propriedades diminuem de valor 30 ou 60, por cento, porque hoje está no caso dos dois ou,, tres que podem entrar por, esses campos, o destruir todas as pastagens, mas como bem disse o digno Par, isto não presta, parque assim o! que parece de todos a ninguem pertence (apoia dos), o no entanto está. alli uma grandissima riqueza inutil;, pois qualquer arvore, que alli. se veja, em servindo para cabo do uma enxada, está logo cortada; e assim é que acontece que no Alemtéjo estão arvores de vinte annos de idade, que parece impossivel!

Não indica hoje isto, senão como lembrança ao Governo, para que no caso de necessidade, não se tracte só de pão, mas tambem de dinheiro para o comprar; e o Governo tem na sua mão moios para poder tirar disto algum resultado.

O Sr. Presidente — Não ha mais ninguem inscripto, por consequencia vamos votar na generalidade, o projecto, que tem estado em discussão.

Foi approvado.

Discussão na especialidade.

Artigo 1.°: — approvado sem discussão.

N.° 1. — approvado sem discussão.

N.º 2.

O Sr. Presidente—Não sei se a commissão retirou a sua emenda?

O Sr. Barão de Porto Moz — k commissão, não, fez questão da emenda: mas eu disse na ultima sessão, que não podia declarar, que a commissão a retirava, por isso que não estavam presentes todos os que tinham assignado o parecer,

O Sr. Visconde de Algés tinha a honra de estar dirigindo os trabalhos desta. Camara quando um dos, seus collegas da commissão lhe apresentou o, parecer, e disse, que todos estavam de accôrdo em, fazer-se a alteração proposta; e não duvidou prestar ao parecer a sua assignatura, porque as razões que lho deram para a alteração pareceram-lhe plausiveis — porque por effeito della se retirava uma clausula que, limitando»a acção dos, municipios na distribuição dos generos, impunha-lhes com tudo um preceito difficil de se realisar; o por conseguinte dava-se tambem mais garantias á boa distribuição, e igualdade de proporção della, sem que por a suppressão proposta podesse nunca intender-se, que as Camaras ficavam exoneradas de um dever, que e seu, que está na indole da sua instituição velar em que os auxilios só recaiam em quem os merecer, por isso que a clausula não fazia senão lembrar-lhes esse mesmo dever, não o creava de novo.

Taes foram as razões que elle orador achou, plausiveis para assignar o parecer, a cuja discussão na commissão não assistiu: comtudo se a Camara intende, que convêm restabelecer essa; clausula, por sua parte não se oppõe, e suppõe mesmo que talvez será melhor para não demorar a approvação e sancção cio projecto, com quanto

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contínua a estar convencido de, que a commissão teve razão em propôr a suppressão della.

O Sr. Visconde de Granja — Sr. Presidente, quando se começou a discussão deste projecto não estava eu presente, por me haver retirado em razão de achar-me alguma cousa incommodado, por consequencia não ouvi as razões que se produziram para impugnar a emenda que a commissão propunha; não esperava portanto que alguem dissesse que a commissão annuia a isso. (O Sr. Visconde, de Balsemão—Não foi por parte da commissão que eu declarei.) Pois pareceu-me ouvir dizer ao digno Par, quando pediu a palavra antes da ordem do dia, que a commissão estava prompta a desistir da sua emenda. (O Sr. Visconde de Balsemão — Fallei só de mim.) Bem. Então não tenho nada a dizer sobre isso

O digno Par o Sr. Visconde de Algés já expendeu melhor do que eu faria as razões que serviram de fundamento aos membros da commissão para inserir no parecer o voto de que se deviam eliminar aquellas palavras; não tenho que accrescentar, porque me parece que a Camara ouviu bem essa explicação; o que digo é, que na minha opinião ainda se devia sustentar a emenda. E pela minha parte estou resolvido a isso. Ainda vou mais longe; eu combino com o que disse o Sr. Marquez de Ficalho; não tenho muita fé na efficacia do remedio que se apresenta, não só pelas circumstancias que se teem ponderado, mas tambem porque não tenho muita confiança na boa administração que em geral os corpos municipaes farão desta faculdade. Nós sabemos os abusos que geralmente praticam esses corpos collectivos no exercido da ampla liberdade que teem de lançar tributos, e ainda mais no pessimo systema da sua cobrança, e este emprestimo, que a final se vem a traduzir n'uma imposição de tributos, talvez em logar de dar remedio ás necessidades dos povos vá dar motivo a novos vexames: entretanto é esta uma Lei de circumstancias a que se não póde fazer opposição (apoiados), pois se eu quizesse oppôr-me a isto em toda a extensão, estou bem certo que daria motivo a que logo se calumniassem as minhas intenções, e se diria que eu queria obstar a uma medida que vai matar a fome a muita gente: finalmente, desenvolver-se-ía sem duvida muito sentimentalismo, o recairia sobre mim um grande odioso; por isso não querendo, em taes circumstancias, arrostrar com similhante calumnia, é que me decido, ainda que com repugnancia, a approvar o projecto, mas insistindo lia clausula que poz a commissão, pois acho que assim sempre fica algum correctivo para os abusos que se possam commetter.

O Sr. Visconde de Balsemão — Declara que não desistiu, por parte da commissão, mas sim como voto pessoal, em consequencia das considerações que fizeram os Srs. Conde de Thomar, e Barão de Porto de Moz. Para se não causar entorpecimento a lei concordou com SS. Ex.ªs; mas tambem, como elles, nem por isso está convencido da inutilidade da emenda, pois continúa a pensar que era assim muito mais vantajoso; não obstante, por não demorar o andamento da mesma Lei, pareceu-lhe dever assim proceder.

O Sr. Presidente — Vou submetter á approvação da Camara a clausula segunda, tal qual está. Se for approvada, fica prejudicada a emenda da commissão.

Foi approvada.

N.º 3 approvado.

N.° 4 approvado.

Art. 2.º approvado sem discussão, e bem assim os demais.

O Sr. Presidente - A primeira sessão só pode ter logar na terça-feira. A ordem do dia é a discussão dos pareceres n.ºs 213 e 214 da commissão de guerra que hoje se mandaram imprimir; e na 1.ª parte a 2.ª leitura da proposta do Sr. Visconde de Balsemão.

O Sr. Conde de Thomar — Parecia-me que se aproveitava mais, mandando já hoje essa proposta á commissão do regimento.

Vozes — Não ha essa commissão.

Vozes — Ha.

O Sr. Presidente — Eu creio que essa commissão era formada da Mesa com o Sr. Visconde de Algés, e o Sr. Barão de Chancelleiros.

Vozes — É bastante, e são muito competentes.

O Sr. Presidente — Se o auctor da proposta e os mais dignos Pares nisso convém, procede-se nessa conformidade (apoiados).

Foi approvado.

O Sr. Presidente — Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 19 do corrente.

Os Srs. Silva Carvalho; Duque da Terceira; Marqueses de Ficalho, de Fronteira, o de Loulé; Arcebispo Bispo Conde; Condes da Arrochella, do Bomfim, de Fonte Nova, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, do Sobral, de Thomar, e de Villa Real; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Balsemão, de Castro, de Fornos de Algodres, de Francos, da Granja, e de Nossa Senhora da Luz; Barões do Chancelleiros, de Lazarim, e de Porto de Moz; Mello e Saldanha, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Margiochi, Aguiar, Larcher, Guedes, José Maria Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, e Aquino de Carvalho.

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