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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1858.

Presidencia do ex.mo Sr. visconde de Laborim,

vice-presidente.

Secretarios, os Srs. Conde da Louzã (D. João)

Visconde de Balsemão.

Feita a chamada ás tres horas da tarde, e verificada a presença de 28 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão,

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada, na fórma do Regimento, por não haver reclamação em contrario.

O Sr. Secretario deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio da Guerra, remettendo o autographo do Decreto das Côrtes geraes, já sanccionado por Sua Magestade, estabelecendo as regras que de futuro se hão de observar nas promoções aos postos de alferes de cavallaria e infanteria.

- do Ministerio das Obras Publicas, enviando 73 exemplares do Boletim n.º 12, de 1857, do mesmo Ministerio.

- do Ministerio da Marinha, remettendo dois autographos dos Decretos das Côrtes geraes, auctorisando o Governo a mandar addir ao corpo de veteranos de marinha os officiaes reformados das diversas classes da Armada, e restituindo ao quadro effectivo dos officiaes de fazenda da mesma Armada o primeiro official de fazenda reformado. Filippe José da Silva Landal.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada pede a palavra para quando estiver presente algum dos Srs. Ministros.

O Sr. Marquez de Vallada, na conformidade do Regimento, e dos usos parlamentares, pediu ser inscripto para dentro de alguns dias apresentar um projecto de lei.

(Entrou o Sr. Ministro da Marinha.)

O Sr. Presidente, visto achar-se presente o Sr. Ministro da Marinha, concedeu a palavra ao Digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada, que assim o pedíra.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Fallou-se hontem aqui da entrada neste porto de um navio procedente do Brazil, e que trazendo passageiros, alguns destes haviam fallecido na viagem, trazendo muitos outros doentes; e eu desejava saber se o navio saíu já (O Sr. Ministro da Marinha— Saiu), e que mais providencias se deram, porque me dizem que os passageiros foram mandados para o lazareto, e alli admittidos. Isto, como é natural, fez muita bulha, porque o publico geralmente confia muito pouco nesse lazareto, pela má organisação que se lhe nota, como o proprio Governo já confessou. Disseram-me até que tres dos passageiros, que para alli haviam sido mandados, tinham fugido, e eu desejava que o Sr. Ministro me dissesse o que havia a este respeito.

O Sr. Ministro da Marinha, se bem não podia entrar em grandes detalhes sobre o objecto em que acabava de fallar o Digno Par, comtudo brevemente exporia á Camara o que havia.

Constava-lhe que o navio vindo do Brazil tivera um certo numero de mortos durante a viagem, trazendo além disso passageiros doentes. Os que se destinaram ao reino foram para o lazareto, mas não lhe constava que nenhum desses individuos estivesse doente, motivo por que não foram mandados para um pontão, como pelo respectivo Regulamento deviam ir, se effectivamente estivessem doentes. No entanto o navio seguira neste dia para Inglaterra.

Era o que podia dizer, em quanto algum dos seus illustres collegas não vinha dar á Camara mais largos esclarecimentos.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Reservo a palavra para quando se achar presente mais algum Sr. Ministro, que melhor me possa informar.

O Sr. Conde de Linhares — Sr. Presidente, aproveito a presença do Sr. Ministro da Marinha para dirigir a S. Ex.ª algumas observações sobre a promoção que vejo no Diario do Governo de um Aspirante a Engenheiro de Marinha ao posto de Segundo Tenente Constructor {leu). A vista do que acabo de lêr não posso deixar de estranhar, e muito, em primeiro logar o despacho, e em segundo a sua redacção, para a qual julgo foi surprehendida de singular maneira a boa fé de S. Ex.ª; diz elle o seguinte; «despachado o Aspirante Cassiano Marques por ter as habilitações da Lei», e eu responderei que nem ha Lei que regule esta materia, nem o individuo tem habilitações... Uma asserção desta natureza carece demonstrada, e é o que vou fazer o mais breve que me fôr possivel. Em quanto á Lei que regule estas materia apenas podemos invocar a de 1796 (creio eu que é esta a sua data) que creou uma aula de constructores, e regulou o seu accesso até certos e determinados postos; lá se diz, se me não engano, que se exigem para o constructor os conhecimentos praticos, e as maiores luzes theoricas; mas de maneira alguma esta escóla, que foi creada, e hoje não existe, se póde considerar como uma escóla, de applicação do genero daquellas que tanto tenho insistido para que o Sr. Ministro estabeleça para futuro complemento da nossa Escóla Polytechnica, da qual, sem a creação das competentes escólas de applicação, nunca obteremos o verdadeiro e vantajosíssimo resultado. A Lei de 1796, muito boa para o tempo em que foi creada, e posta em execução, não podia prever a moderna, Escóla Polytechnica, da qual não é de maneira alguma complemento, ou applicação; a demais, hoje esta Lei não existe senão no papel, e não é licito a ninguem quando se não aproveitam as suas disposições na parte em que ella ainda poderia ser applicavel para a creação de bons mestres, ou por outra, de um certo nucleo de constructores praticos, de vir aproveitar-se unicamente de que existe uma Lei que não foi revogada, mas que quasi ninguem conhece, e servindo-se assim desta ignorancia promover um individuo que não é constructor, que não tem os conhecimentos, nem as maiores luzes theoricas, como vou demonstrar, de architectura naval e construcções, de estabilidade, de machinas a vapôr, etc... etc... que são, se me não engano, as luzes theoricas que se podem e devem exigir de um Engenheiro de Marinha.

Sr. Presidente, em 1796 reconheceu-se a necessidade de crear Constructores para a nossa Marinha, necessidade ainda urgente hoje; mas como nesse tempo as idéas eram diversas, e não se per, tendia crear uma escóla de applicação, o que se fez foi entregar o cuidado desta educação, que consistia principalmente em um ensino da pratica da construcção de um navio, ou propriamente na applicação da parte da architectura naval que diz respeito a desenho de planos, traçamento na sala em verdadeiras dimensões, levantamento de formas, e mais tudo aquillo que tambem diz respeito á parte artistica da construcção do navio, ao Engenheiro constructor do Arsenal; e como era justo que tal serviço fosse convenientemente remunerado, entenderam com razão, que este primeiro Engenheiro, além de muito boa paga em dinheiro que tinha, podesse chegar até ao posto de Capitão-tenente; não posso agora dizer, por não ter bem presente a Lei, se este posto era considerado até certo ponto como graduação honorifica, O legislador quiz, além disso, crear no Arsenal da Marinha uma escóla para estes Engenheiros, garantiu-lhes certas vantagens, e exigiu delles certas provas, que provavelmente eram efficazes nesse tempo, para os promover, uns a segundos Tenentes, outros a primeiros. Se me não engano era então Ministro meu avô o Sr. D. Rodrigo de Sousa, ou o seu antecessor; e nem um nem outro, creio eu, desprezaram a sciencia a ponto de quererem só Engenheiros praticos; mas a ninguem lembrará a idéa, que julgo extravagante, que elles quizeram estabelecer uma escóla de applicação: elles o que fizeram foi crear uma escóla de construcção pratica, ou de architectura naval, o que é bem differente para todos aquelles que entendem destas cousas. O programma dos trabalhos praticos e theoricos desta escóla ficou para ser apresentado depois, e determinado por um regulamento que nunca se fez, e que por conseguinte nem apparece na Lei, nem existe. É pois, em virtude desta Lei, que S. Ex.ª vem hoje promover um individuo ao posto de Segundo Tenente Engenheiro; mas se a Lei serve para esta promoção, por que não servirá tambem para se executarem as suas disposições em outras partes, que melhor podem offerecer utilidade ao paiz, pois na falta de melhor, esta Lei cria uma escóla boa ou má. Onde está escondida que ninguem sabe della? Se S. Ex.ª m'a indicar muito estimarei conhecel-a. Esta Lei estabelece um certo ensino a cargo de primeiro" Engenheiro constructor, ou dos seus immediatos. Quem é elle? Estabelece a Lei trabalhos praticos, falla em luzes theoricas, aonde brilham? Não sei.... Tudo isto acabou.. não ha nada! absolutamente nada...; e eu entendo que sou moderado, pois podia fallar nas quantidades negativas que não metto em linha de conta; podia fallar na sala do risco do Arsenal! mas como quero conservar todo o meu sangue frio... callo-me. Está pois demonstrado que não se póde invocar Lei alguma para esta promoção de um Engenheiro sem habilitações.

Vou agora mostrar, que nessa parte tambem não foi menos surprehendida a boa fé do Sr. Ministro. Eu sou incapaz de vir atacar nesta casa uma pessoa que se não póde defender aqui, e nem conheço o tal engenheiro; sei comtudo que tem merecimento pois estudou, e creio que satisfatoriamente, um curso da Escóla Polytechnica, muito sufficiente para o habilitar a matricular-se na Escóla de Applicação, mas como não frequentou nenhuma Escóla de Applicação fóra do paiz, e que no paiz não existe tal Escóla, está claro que não está habilitado. Um axioma não se demonstra, escuso dizer mais. Nesse caso todos os engenheiros do exercito, todos os officiaes de artilheria, todos os officiaes de estado-maior, são constructores de marinha; forçando um pouco quasi direi, todos os legistas, todos os bachareis em medicina são constructores; mas para os primeiros estou na rigorosa verdade, porque todos esses officiaes teem um curso da Escóla Polytechnica igual ao do individuo promovido. Quando se entenderá, que fallando de theoria para o constructor se entende aquella que diz respeito á sua profissão, e não theoria em geral; o contrario seria muito simplesmente absurdo.

Sabe S. Ex.ª o que fez promovendo este aspirante a engenheiro sem as habilitações? Se elle, como quero acreditar, tem merecimento, fez S.

Ex.ª que elle nunca as adquira..... Fez que um homem que no futuro podia ser engenheiro aproveitável para o Estado, e para si proprio, nunca verifique taes condições. Ainda que S. Ex.ª ámanhã estabeleça uma escóla, na qual este individuo se matricularia com proveito para todos, acredita o Sr. Ministro que elle hoje, que já é engenheiro, se vai sujeitar a ser alumno de construcção? De certo o não fará, e, digo mais, fará muito bem.

Quer S. Ex.ª povoar a sua futura Escóla de engenheiros ou de alumnos a engenheiros? Creio mesmo, que esta idéa não nos honraria muito pela sua novidade perante estranhos e nacionaes. Não saberá que nós já temos um pessoal de vinte e tantos engenheiros sem habilitações, que, não sei; onde havemos de empregar, e em que quando finalmente nos resolvermos a crear a escóla de applicação que determina, é verdade, accesso illimitado e vantagens, mas isto para homens habilitados e uteis, não sabe o Sr. Ministro, que precisâmos indispensavelmente de seis ou sete engenheiros verdadeiros; e que se S. Ex.ª assim continuar pensando só em estabelecer o equilibrio entre o augmento de despezas dos differentes projectos que tem em seu podér, e da despeza actual, e entretanto fôr fazendo muitos despachos desta natureza, quando menos o julgar terá realisado um igual encargo para o Estado sem nenhuma das vantagens propostas?

Vê agora claramente S. Ex.ª como vão começando a apparecer as difficuldades que lhe anunciei, e esta é ainda dos menores? Conhece a razão que me assiste para perseguir, perseguir é a palavra, a S. Ex.ª com a creação da Escóla?

Terminarei notando, que bem posso suppôr a razão do despacho. Este aspirante, e mais dous outros individuos, foram mandados assistir em Inglaterra á construcção dos navios que se encommendaram, e como o seu soldo e gratificação eram diminutos, entendeu S. Ex.ª que convinha promovel-o....

O Sr. Visconde d'Athoguia—Mas dava-se uma diaria....

O orador—Pois bem seria uma diaria: nesse caso nenhum motivo vejo á promoção.

Declaro tambem, que não é passeando pelos estaleiros estrangeiros, ou escrevendo memorias para o Almirante e para o Sr. Ministro, que estes individuos estudaram um curso de architectura naval, um de estabilidade, um curso de machinas, e um curso de resistencia de materiaes, que taes são principalmente as habilitações indispensaveis para o engenheiro de marinha; e note V. Ex.ª, que fallo na generalidade, porque o curso de applicação comprehende outras e indispensaveis materias.

Termino aqui, esperando do Sr. Ministro uma explicação clara e franca. Rogo da bondade de S. Ex.ª por quem tenho sempre a maior consideração, que se não aproveite da sua pratica parlamentar para fugir á questão: eu o que disse foi, que não havia Lei que justificasse o despacho, o que o aspirante não tinha as invocadas habilitações; não entrei em analyse do merecimento delle: peço pois resposta a estes dois pontos, e não a outros em que não fallei.

O Sr. Ministro da Marinha responde ao Digno Par que julga melhor reservar S. Ex.ª por ora os seus trabalhos sobre o objecto, porque tendo a outra Camara dado o anno passado ao Governo a auctorisação a que S. Ex.ª se referiu, poz-lhe a clausula de a refórma não exceder a somma votada para aquelle Ministerio. Em vista dessa auctorisação, elle orador, mandára logo proceder a differentes trabalhos nas diversas repartições do seu Ministerio, arsenal, escóla naval e outras, combinando-se o augmento da despeza por umas com a diminuição em outras, e daqui se seguiria talvez, no caso da apresentação deste trabalho isoladamente, algum embaraço.

Em quanto ao individuo a que o Digno Par alludira, não só tinha os estudos prescriptos pelas Leis do seculo passado, que são as unicas que por ora ha, no objecto em questão, mas tambem muitos outros. Fez o seu requerimento, que informou o Director da escóla naval, e foi depois mandado praticar no arsenal, e quando se quiz. mandar alguns individuos para Inglaterra, para ahi foi depois de Moraes e de Carvalho, e lá se acha servindo com informações boas do Almirante Visconde de Penha firme, a cujas ordens está. Pediu depois a sua promoção, havendo óptima informação do Almirante, que diz ter elle propensão extraordinaria para esta profissão.

Concorda com o Digno Par em que não é conveniente preencher os logares antes de se publicar a Lei, mas considera as differentes circumstancias em que este individuo estava.

Cumpria-lhe tambem declarar á Camara, que, tendo pedido o nosso Ministro em Londres ao governo inglez licença para os engenheiros constructores portuguezes praticarem nos arsenaes inglezes, aquelle governo ordenára se admittissem os nossos estudantes nos dois arsenaes principaes, e facultando-lhes sala para poderem trabalhar, o que foi um favor especial, porque não é de uso fazer-se. Daqui se espera que aproveitem muito. Impoz-se-lhes a obrigação de apresentarem mensalmente um relatorio, sobre o que diz respeito á marinha tanto nacional como estrangeira, e desse trabalho já tem resultado varias indicações convenientes para o serviço.

Do exposto necessariamente se deduz que estes engenheiros virão sufficientemente habilitados para dirigirem as nossas construcções.

Agradece finalmente ao Digno Par a benevolencia com que sempre o tem tractado, e julga que sobre o assumpto nada mais tem a dizer.

O Sr. Visconde d'Athoguia começa expondo ao nobre Ministro, o Sr. Visconde de Sá, que sem duvida reconhecerá quanto o respeita, e que faz votos para que S. Ex.ª continue na administração da pasta que tão bem dirige, mas ha de permittir lhe diga, que, relativamente ao incidente em discussão, elle orador, está em perfeito desaccordo com S. Ex.ª segundo o que lhe ouvira expender, notando ao mesmo tempo que S. Ex.ª deixou de parte uma circumstancia que deseja esclarecida; e é, qual a razão porque este engenheiro que tem estudos theoricos é feito engenheiro constructor, e o outro que tem sobre tudo uma grande pratica, já provada, não tem igual despacho?

O nobre Ministro dissera que havia Leis do seculo passado que o auctorisavam a fazer essa nomeação; porém quando elle orador esteve no Ministerio da Marinha examinára essas Leis, e dellas deduzira, talvez mal, o contrario. Assim deseja que S. Ex.ª lhe explicasse em que se fundou, porque não encontra Lei que désse direito a tal promoção. Nos cinco annos que elle orador esteve nesse Ministerio, não despachou nenhum official constructor, por não os achar com conhecimentos praticos de construcção naval; porém já que S. Ex.ª abriu tal exemplo pede-lhe que attenda com justiça e equidade a outro empregado que já se achava a estudar a construcção naval quando entrára para aquella repartição, e que realmente tem apresentado provas de grande adiantamento, sendo optimas as informações que tem sobre a sua capacidade e conducta; sendo, certo que ainda ultimamente deu uma excellente prova do que sabe fazer, encarregando-se da construcção desse navio a que o Digno Par o Sr. Conde de Linhares se referiu com perfeito conhecimento. Se pois o Sr. Ministro achou que tinha razões fortes para fazer uma excepção á Lei, entende que com muita razão procederá, despachando do mesmo medo esse constructor provado, que se chama Carvalho;,e de si dirá desassombradamente, que obrigado a escolher entre os dois para lhe entregar a feitura de um navio, escolhia a Carvalho. Está certo que esta opinião não é só delle orador, mas tambem de muitos officiaes de marinha que conhecem o dito Carvalho, e avaliam bem o seu talento especial para constructor; porque além da tendencia particular para esse ramo, estudou muitissimo n'um dos melhores arsenaes de Inglaterra.