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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1858.

Presidencia do ex.mo Sr. visconde de Laborim,

vice-presidente.

Secretarios, os Srs. Conde da Louzã (D. João)

Visconde de Balsemão.

Feita a chamada ás tres horas da tarde, e verificada a presença de 28 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão,

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada, na fórma do Regimento, por não haver reclamação em contrario.

O Sr. Secretario deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio da Guerra, remettendo o autographo do Decreto das Côrtes geraes, já sanccionado por Sua Magestade, estabelecendo as regras que de futuro se hão de observar nas promoções aos postos de alferes de cavallaria e infanteria.

- do Ministerio das Obras Publicas, enviando 73 exemplares do Boletim n.º 12, de 1857, do mesmo Ministerio.

- do Ministerio da Marinha, remettendo dois autographos dos Decretos das Côrtes geraes, auctorisando o Governo a mandar addir ao corpo de veteranos de marinha os officiaes reformados das diversas classes da Armada, e restituindo ao quadro effectivo dos officiaes de fazenda da mesma Armada o primeiro official de fazenda reformado. Filippe José da Silva Landal.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada pede a palavra para quando estiver presente algum dos Srs. Ministros.

O Sr. Marquez de Vallada, na conformidade do Regimento, e dos usos parlamentares, pediu ser inscripto para dentro de alguns dias apresentar um projecto de lei.

(Entrou o Sr. Ministro da Marinha.)

O Sr. Presidente, visto achar-se presente o Sr. Ministro da Marinha, concedeu a palavra ao Digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada, que assim o pedíra.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Fallou-se hontem aqui da entrada neste porto de um navio procedente do Brazil, e que trazendo passageiros, alguns destes haviam fallecido na viagem, trazendo muitos outros doentes; e eu desejava saber se o navio saíu já (O Sr. Ministro da Marinha— Saiu), e que mais providencias se deram, porque me dizem que os passageiros foram mandados para o lazareto, e alli admittidos. Isto, como é natural, fez muita bulha, porque o publico geralmente confia muito pouco nesse lazareto, pela má organisação que se lhe nota, como o proprio Governo já confessou. Disseram-me até que tres dos passageiros, que para alli haviam sido mandados, tinham fugido, e eu desejava que o Sr. Ministro me dissesse o que havia a este respeito.

O Sr. Ministro da Marinha, se bem não podia entrar em grandes detalhes sobre o objecto em que acabava de fallar o Digno Par, comtudo brevemente exporia á Camara o que havia.

Constava-lhe que o navio vindo do Brazil tivera um certo numero de mortos durante a viagem, trazendo além disso passageiros doentes. Os que se destinaram ao reino foram para o lazareto, mas não lhe constava que nenhum desses individuos estivesse doente, motivo por que não foram mandados para um pontão, como pelo respectivo Regulamento deviam ir, se effectivamente estivessem doentes. No entanto o navio seguira neste dia para Inglaterra.

Era o que podia dizer, em quanto algum dos seus illustres collegas não vinha dar á Camara mais largos esclarecimentos.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Reservo a palavra para quando se achar presente mais algum Sr. Ministro, que melhor me possa informar.

O Sr. Conde de Linhares — Sr. Presidente, aproveito a presença do Sr. Ministro da Marinha para dirigir a S. Ex.ª algumas observações sobre a promoção que vejo no Diario do Governo de um Aspirante a Engenheiro de Marinha ao posto de Segundo Tenente Constructor {leu). A vista do que acabo de lêr não posso deixar de estranhar, e muito, em primeiro logar o despacho, e em segundo a sua redacção, para a qual julgo foi surprehendida de singular maneira a boa fé de S. Ex.ª; diz elle o seguinte; «despachado o Aspirante Cassiano Marques por ter as habilitações da Lei», e eu responderei que nem ha Lei que regule esta materia, nem o individuo tem habilitações... Uma asserção desta natureza carece demonstrada, e é o que vou fazer o mais breve que me fôr possivel. Em quanto á Lei que regule estas materia apenas podemos invocar a de 1796 (creio eu que é esta a sua data) que creou uma aula de constructores, e regulou o seu accesso até certos e determinados postos; lá se diz, se me não engano, que se exigem para o constructor os conhecimentos praticos, e as maiores luzes theoricas; mas de maneira alguma esta escóla, que foi creada, e hoje não existe, se póde considerar como uma escóla, de applicação do genero daquellas que tanto tenho insistido para que o Sr. Ministro estabeleça para futuro complemento da nossa Escóla Polytechnica, da qual, sem a creação das competentes escólas de applicação, nunca obteremos o verdadeiro e vantajosíssimo resultado. A Lei de 1796, muito boa para o tempo em que foi creada, e posta em execução, não podia prever a moderna, Escóla Polytechnica, da qual não é de maneira alguma complemento, ou applicação; a demais, hoje esta Lei não existe senão no papel, e não é licito a ninguem quando se não aproveitam as suas disposições na parte em que ella ainda poderia ser applicavel para a creação de bons mestres, ou por outra, de um certo nucleo de constructores praticos, de vir aproveitar-se unicamente de que existe uma Lei que não foi revogada, mas que quasi ninguem conhece, e servindo-se assim desta ignorancia promover um individuo que não é constructor, que não tem os conhecimentos, nem as maiores luzes theoricas, como vou demonstrar, de architectura naval e construcções, de estabilidade, de machinas a vapôr, etc... etc... que são, se me não engano, as luzes theoricas que se podem e devem exigir de um Engenheiro de Marinha.

Sr. Presidente, em 1796 reconheceu-se a necessidade de crear Constructores para a nossa Marinha, necessidade ainda urgente hoje; mas como nesse tempo as idéas eram diversas, e não se per, tendia crear uma escóla de applicação, o que se fez foi entregar o cuidado desta educação, que consistia principalmente em um ensino da pratica da construcção de um navio, ou propriamente na applicação da parte da architectura naval que diz respeito a desenho de planos, traçamento na sala em verdadeiras dimensões, levantamento de formas, e mais tudo aquillo que tambem diz respeito á parte artistica da construcção do navio, ao Engenheiro constructor do Arsenal; e como era justo que tal serviço fosse convenientemente remunerado, entenderam com razão, que este primeiro Engenheiro, além de muito boa paga em dinheiro que tinha, podesse chegar até ao posto de Capitão-tenente; não posso agora dizer, por não ter bem presente a Lei, se este posto era considerado até certo ponto como graduação honorifica, O legislador quiz, além disso, crear no Arsenal da Marinha uma escóla para estes Engenheiros, garantiu-lhes certas vantagens, e exigiu delles certas provas, que provavelmente eram efficazes nesse tempo, para os promover, uns a segundos Tenentes, outros a primeiros. Se me não engano era então Ministro meu avô o Sr. D. Rodrigo de Sousa, ou o seu antecessor; e nem um nem outro, creio eu, desprezaram a sciencia a ponto de quererem só Engenheiros praticos; mas a ninguem lembrará a idéa, que julgo extravagante, que elles quizeram estabelecer uma escóla de applicação: elles o que fizeram foi crear uma escóla de construcção pratica, ou de architectura naval, o que é bem differente para todos aquelles que entendem destas cousas. O programma dos trabalhos praticos e theoricos desta escóla ficou para ser apresentado depois, e determinado por um regulamento que nunca se fez, e que por conseguinte nem apparece na Lei, nem existe. É pois, em virtude desta Lei, que S. Ex.ª vem hoje promover um individuo ao posto de Segundo Tenente Engenheiro; mas se a Lei serve para esta promoção, por que não servirá tambem para se executarem as suas disposições em outras partes, que melhor podem offerecer utilidade ao paiz, pois na falta de melhor, esta Lei cria uma escóla boa ou má. Onde está escondida que ninguem sabe della? Se S. Ex.ª m'a indicar muito estimarei conhecel-a. Esta Lei estabelece um certo ensino a cargo de primeiro" Engenheiro constructor, ou dos seus immediatos. Quem é elle? Estabelece a Lei trabalhos praticos, falla em luzes theoricas, aonde brilham? Não sei.... Tudo isto acabou.. não ha nada! absolutamente nada...; e eu entendo que sou moderado, pois podia fallar nas quantidades negativas que não metto em linha de conta; podia fallar na sala do risco do Arsenal! mas como quero conservar todo o meu sangue frio... callo-me. Está pois demonstrado que não se póde invocar Lei alguma para esta promoção de um Engenheiro sem habilitações.

Vou agora mostrar, que nessa parte tambem não foi menos surprehendida a boa fé do Sr. Ministro. Eu sou incapaz de vir atacar nesta casa uma pessoa que se não póde defender aqui, e nem conheço o tal engenheiro; sei comtudo que tem merecimento pois estudou, e creio que satisfatoriamente, um curso da Escóla Polytechnica, muito sufficiente para o habilitar a matricular-se na Escóla de Applicação, mas como não frequentou nenhuma Escóla de Applicação fóra do paiz, e que no paiz não existe tal Escóla, está claro que não está habilitado. Um axioma não se demonstra, escuso dizer mais. Nesse caso todos os engenheiros do exercito, todos os officiaes de artilheria, todos os officiaes de estado-maior, são constructores de marinha; forçando um pouco quasi direi, todos os legistas, todos os bachareis em medicina são constructores; mas para os primeiros estou na rigorosa verdade, porque todos esses officiaes teem um curso da Escóla Polytechnica igual ao do individuo promovido. Quando se entenderá, que fallando de theoria para o constructor se entende aquella que diz respeito á sua profissão, e não theoria em geral; o contrario seria muito simplesmente absurdo.

Sabe S. Ex.ª o que fez promovendo este aspirante a engenheiro sem as habilitações? Se elle, como quero acreditar, tem merecimento, fez S.

Ex.ª que elle nunca as adquira..... Fez que um homem que no futuro podia ser engenheiro aproveitável para o Estado, e para si proprio, nunca verifique taes condições. Ainda que S. Ex.ª ámanhã estabeleça uma escóla, na qual este individuo se matricularia com proveito para todos, acredita o Sr. Ministro que elle hoje, que já é engenheiro, se vai sujeitar a ser alumno de construcção? De certo o não fará, e, digo mais, fará muito bem.

Quer S. Ex.ª povoar a sua futura Escóla de engenheiros ou de alumnos a engenheiros? Creio mesmo, que esta idéa não nos honraria muito pela sua novidade perante estranhos e nacionaes. Não saberá que nós já temos um pessoal de vinte e tantos engenheiros sem habilitações, que, não sei; onde havemos de empregar, e em que quando finalmente nos resolvermos a crear a escóla de applicação que determina, é verdade, accesso illimitado e vantagens, mas isto para homens habilitados e uteis, não sabe o Sr. Ministro, que precisâmos indispensavelmente de seis ou sete engenheiros verdadeiros; e que se S. Ex.ª assim continuar pensando só em estabelecer o equilibrio entre o augmento de despezas dos differentes projectos que tem em seu podér, e da despeza actual, e entretanto fôr fazendo muitos despachos desta natureza, quando menos o julgar terá realisado um igual encargo para o Estado sem nenhuma das vantagens propostas?

Vê agora claramente S. Ex.ª como vão começando a apparecer as difficuldades que lhe anunciei, e esta é ainda dos menores? Conhece a razão que me assiste para perseguir, perseguir é a palavra, a S. Ex.ª com a creação da Escóla?

Terminarei notando, que bem posso suppôr a razão do despacho. Este aspirante, e mais dous outros individuos, foram mandados assistir em Inglaterra á construcção dos navios que se encommendaram, e como o seu soldo e gratificação eram diminutos, entendeu S. Ex.ª que convinha promovel-o....

O Sr. Visconde d'Athoguia—Mas dava-se uma diaria....

O orador—Pois bem seria uma diaria: nesse caso nenhum motivo vejo á promoção.

Declaro tambem, que não é passeando pelos estaleiros estrangeiros, ou escrevendo memorias para o Almirante e para o Sr. Ministro, que estes individuos estudaram um curso de architectura naval, um de estabilidade, um curso de machinas, e um curso de resistencia de materiaes, que taes são principalmente as habilitações indispensaveis para o engenheiro de marinha; e note V. Ex.ª, que fallo na generalidade, porque o curso de applicação comprehende outras e indispensaveis materias.

Termino aqui, esperando do Sr. Ministro uma explicação clara e franca. Rogo da bondade de S. Ex.ª por quem tenho sempre a maior consideração, que se não aproveite da sua pratica parlamentar para fugir á questão: eu o que disse foi, que não havia Lei que justificasse o despacho, o que o aspirante não tinha as invocadas habilitações; não entrei em analyse do merecimento delle: peço pois resposta a estes dois pontos, e não a outros em que não fallei.

O Sr. Ministro da Marinha responde ao Digno Par que julga melhor reservar S. Ex.ª por ora os seus trabalhos sobre o objecto, porque tendo a outra Camara dado o anno passado ao Governo a auctorisação a que S. Ex.ª se referiu, poz-lhe a clausula de a refórma não exceder a somma votada para aquelle Ministerio. Em vista dessa auctorisação, elle orador, mandára logo proceder a differentes trabalhos nas diversas repartições do seu Ministerio, arsenal, escóla naval e outras, combinando-se o augmento da despeza por umas com a diminuição em outras, e daqui se seguiria talvez, no caso da apresentação deste trabalho isoladamente, algum embaraço.

Em quanto ao individuo a que o Digno Par alludira, não só tinha os estudos prescriptos pelas Leis do seculo passado, que são as unicas que por ora ha, no objecto em questão, mas tambem muitos outros. Fez o seu requerimento, que informou o Director da escóla naval, e foi depois mandado praticar no arsenal, e quando se quiz. mandar alguns individuos para Inglaterra, para ahi foi depois de Moraes e de Carvalho, e lá se acha servindo com informações boas do Almirante Visconde de Penha firme, a cujas ordens está. Pediu depois a sua promoção, havendo óptima informação do Almirante, que diz ter elle propensão extraordinaria para esta profissão.

Concorda com o Digno Par em que não é conveniente preencher os logares antes de se publicar a Lei, mas considera as differentes circumstancias em que este individuo estava.

Cumpria-lhe tambem declarar á Camara, que, tendo pedido o nosso Ministro em Londres ao governo inglez licença para os engenheiros constructores portuguezes praticarem nos arsenaes inglezes, aquelle governo ordenára se admittissem os nossos estudantes nos dois arsenaes principaes, e facultando-lhes sala para poderem trabalhar, o que foi um favor especial, porque não é de uso fazer-se. Daqui se espera que aproveitem muito. Impoz-se-lhes a obrigação de apresentarem mensalmente um relatorio, sobre o que diz respeito á marinha tanto nacional como estrangeira, e desse trabalho já tem resultado varias indicações convenientes para o serviço.

Do exposto necessariamente se deduz que estes engenheiros virão sufficientemente habilitados para dirigirem as nossas construcções.

Agradece finalmente ao Digno Par a benevolencia com que sempre o tem tractado, e julga que sobre o assumpto nada mais tem a dizer.

O Sr. Visconde d'Athoguia começa expondo ao nobre Ministro, o Sr. Visconde de Sá, que sem duvida reconhecerá quanto o respeita, e que faz votos para que S. Ex.ª continue na administração da pasta que tão bem dirige, mas ha de permittir lhe diga, que, relativamente ao incidente em discussão, elle orador, está em perfeito desaccordo com S. Ex.ª segundo o que lhe ouvira expender, notando ao mesmo tempo que S. Ex.ª deixou de parte uma circumstancia que deseja esclarecida; e é, qual a razão porque este engenheiro que tem estudos theoricos é feito engenheiro constructor, e o outro que tem sobre tudo uma grande pratica, já provada, não tem igual despacho?

O nobre Ministro dissera que havia Leis do seculo passado que o auctorisavam a fazer essa nomeação; porém quando elle orador esteve no Ministerio da Marinha examinára essas Leis, e dellas deduzira, talvez mal, o contrario. Assim deseja que S. Ex.ª lhe explicasse em que se fundou, porque não encontra Lei que désse direito a tal promoção. Nos cinco annos que elle orador esteve nesse Ministerio, não despachou nenhum official constructor, por não os achar com conhecimentos praticos de construcção naval; porém já que S. Ex.ª abriu tal exemplo pede-lhe que attenda com justiça e equidade a outro empregado que já se achava a estudar a construcção naval quando entrára para aquella repartição, e que realmente tem apresentado provas de grande adiantamento, sendo optimas as informações que tem sobre a sua capacidade e conducta; sendo, certo que ainda ultimamente deu uma excellente prova do que sabe fazer, encarregando-se da construcção desse navio a que o Digno Par o Sr. Conde de Linhares se referiu com perfeito conhecimento. Se pois o Sr. Ministro achou que tinha razões fortes para fazer uma excepção á Lei, entende que com muita razão procederá, despachando do mesmo medo esse constructor provado, que se chama Carvalho;,e de si dirá desassombradamente, que obrigado a escolher entre os dois para lhe entregar a feitura de um navio, escolhia a Carvalho. Está certo que esta opinião não é só delle orador, mas tambem de muitos officiaes de marinha que conhecem o dito Carvalho, e avaliam bem o seu talento especial para constructor; porque além da tendencia particular para esse ramo, estudou muitissimo n'um dos melhores arsenaes de Inglaterra.

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Falia sobre este objecto sem o mais pequeno caracter politico, nem vislumbre de opposição; e recorda que tanto elle orador, como seus predecessores prestaram todo o auxilio possivel aquelle individuo para que estudando fóra do reino desenvolvesse o seu especial (alento para construcção; e pede a S. Ex.ª já que fez aquelle despacho, não deixe de parte quem está em circumstancias mais recommendaveis.

(Entrou o Sr. Ministro das Obras Publicas.)

O Sr. Conde de Linhares—Sr. Presidente, eu fico sempre satisfeito quando ouço o Sr. Ministro da Marinha, isto pelo muito que estimo o talento, boas intenções e qualidades que adornam a S. Ex.ª; fiquei, pois, hoje ainda satisfeito.....

porém nada convencido, o que é cousa muito differente; agradeço a bondade de S. Ex.ª para comigo, mas isto não faz que seja menos verdade que o Sr. Ministro não póde demonstrar, que existia uma Lei que não temos, nem que um individuo tinha habilitações sem as ter; fica, pois, intacto o que eu demonstrei, e conhecida a razão da minha queixa. S. Ex.ª fallou muito melhor do que eu, não ha duvida, porém não me respondeu.

Nada mais direi a tal respeito, porém continuo a insistir para que seja apresentada a Lei de creação da escóla dos engenheiros de marinha, continuo a dizer que S. Ex.ª sem esta Lei e outras, para a$ quaes existem bons trabalhos, não póde com vantagem usar da auctorisação que tem, ou para melhor dizer tinha, para reformar as repartições a seu cargo. Eu, Sr. Presidente, não faço opposição ao Governo, se a fizesse imitava o exemplo do meu nobre amigo o Sr. Marquez de Vallada, que pediu ha pouco a V. Ex.ª para ser inscripto, a fim de apresentar um projecto de lei; eu podia imital-o, e mesmo nesta parte ir mais longe, pedindo a V. Ex.ª o ser inscripto para apresentar não um projecto de lei, mas sim cinco ou seis projectos de lei para reformar convenientemente as Escólas de Construcção Naval, a mesma Escóla Naval em algumas cousas, o Arsenal da Marinha, etc... Estes trabalhos existem, um dos principaes está aqui diante de mim; ámanhã, hoje mesmo o podia mandar para a Mesa, e os outros tambem os posso obter com a unica demora necessaria para a sua cópia, assim fazia eu opposição se a fizesse, o que não acontece: a consideração que tenho pelo nobre Ministro me impede de lhe roubar aquillo que considero como glorioso para S. Ex.ª Admiro na verdade o desejo do Sr. Ministro de querer por força reformar ás portas fechadas com um voto de confiança, que, dizem muitos, e eu creio ser verdade, já caducou. Ou os projectos são necessarios e bons, e nesse caso não me importa nada que augmentem a despeza, e que venham a discussão publica, ou não prestam os projectos, e nesse caso tambem é bom que se discutam para os rejeitarmos. Voto de confiança para que? Não vejo utilidade, e estou persuadido que caducou aquelle que tinha S. Ex.ª, o que estimo justamente por julgar bons os projectos. Se ha mais despezas paciencia. Imaginam por acaso crear uma boa marinha de graça? Se a querem ha-de-lhes custar caro, e é necessario que se disponham a pagar, e senão estamos perdendo o nosso tempo e palavras. Nada de voto de confiança, pagar sim, mas sabendo para o que.

Direi tambem de passagem, que se é verdade (não o sei com certeza) que ainda não foi despachado o Sr. Carvalho, que é o engenheiro que deu o plano para o brigue Pedro Nunes, acho que este estava mais no caso, pois o Governo acceitando o seu plano e mandando-o pôr em execução, e tendo na verdade ficado bom o navio, se obrigou de alguma maneira a considerar o homem como engenheiro, porém o que se deve fazer neste caso, é dizer que foi despachado engenheiro o Sr. Carvalho, não por ter habilitações marcadas ou determinadas por Lei, mas sim despachado o Sr. Carvalho por apresentar o plano de um navio que o Governo acceitou e mandou construir, ficando boa esta construcção. Assim parece-me justo, e é a verdade. Assim seguindo nesta parte o meu conselho não será S. Ex.ª censurado nem interpellado por ninguem, mas noto que se já estivesse estabelecida a escóla e o quadro dos engenheiros de marinha formado legalmente, mesmo isto não poderia com justiça fazer o Ministro.

O Sr. Presidente pede ao Sr. Visconde de Sá da Bandeira que se termine este incidente (apoiados.)

O Sr. Ministro da Marinha declara que se estivesse prevenido, traria os documentos para responder ao Digno Par, esperando desvanecer o seu equivoco.

O Sr. Visconde de Athouguia (sobre a ordem), pediu que se passasse á ordem do dia, ficando este negocio para outra occasião, porque o seu nobre amigo o Sr. Visconde de Sá ha de querer mostrar este negocio em toda a sua clareza.

O Sr. Ministro da Marinha assim o promette.

O Sr. Presidente declara que se passa á ordem do dia, sendo em primeiro logar a votação sobre o parecer n.º 107, sobre o qual na vespora ficára fechada a discussão, faltando só votar-se.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Peço licença para observar a V. Ex.ª que eu tinha pedido a palavra para quando estivesse presente algum dos Sr. Ministros, porque o Sr. Visconde de Sá da Bandeira disse que não me podia responder á pergunta que lhe fiz, e agora está presente o Sr. Ministro das obras publicas, que já hontem se julgou habilitado para tratar do objecto a que me referi, e hoje talvez esteja mais.

O Sr. Presidente—Eu já tinha inscripto a V. Ex.ª, mas quando olhei para o seu logar não o vi, e então tem agora o Digno Par a palavra.

O Orador—Sr. Presidente, eu ha pouco tempo pedi ao Sr. Visconde de Sá que tivesse a bondade de me dizer se sabia o que tinha acontecido com o navio de que já hontem aqui se fallou, porque me constava que tinham ido para o lazareto algumas pessoas vindas n'aquelle navio. Ora, a população de Lisboa está assustada, e com muita rasão, pelo receio que tem da epidemia da febre amarella, e não sei se o navio já saíu. (O Sr. Ministro das Obras Publica—Sim senhor.) Muito bem: agora desejava saber se o Governo tomou todas as medidas a respeito das pessoas que estavam doentes, para que o contagio se não possa propagar, e se as fazendas e mais objectos que trazia este navio foram para o lazareto? Isto tem feito muita bulha em Lisboa, e então era util que os Sr. Ministros déssem as explicações que podessem dar a este respeito. Mas diz-se que entre aquellas pessoas que entraram no lazareto, ou deviam entrar, tinham fugido tres. Talvez seja falso o que é certo, é que o lazareto não merece confiança e por isso peço ao Sr. Ministro que olhasse para este negocio com toda a attenção, e que tome as medidas que forem convenientes para evitar a renovação do contagio. Espero que S. Ex.ª me queira dar algumas noticias sobre este objecto para descanso da população de Lisboa.

O Sr. Ministro das Obras Publicas explicou ao Digno Par, e á Camara, que soubera pelo seu respectivo collega, que o paquete vindo do Brazil, infelizmente tivera a bordo quarenta e tantos casos de febre amarella, dos quaes morreram dez homens, não sendo da febre um desses obitos. Felizmente, porém os passageiros que vinham com destino para Lisboa, quando entraram no lazareto foram em estado de saude. Ao, principio julgara-se que o guarda-mór da saude tinha comettido falta em não passar para um pontão as pessoas que vinham doentes, mas verificou-se depois que não teria motivo para tal.

É exacto, como disse o Digno Par, não existirem no lazareto todas as circumstancias necessarias; mas até certo ponto já se hão remediado alguns inconvenientes, augmentando o numero dos guardas e destacamentos, estabelecendo-se um cordão, e enviando-se para alli dois delegados de saude. Estas foram as medidas que se tomaram, podendo elle orador assegurar que por ora nenhum dos individuos que entraram no lasareto estava em estado de doença.

O Sr. Presidente concede a palavra ao Sr. Barão de Porto de Moz.

O Sr. Barão de Porto de Moz declara que a pedíra sobre a ordem do dia quando esta se annunciára, e por conseguinte não entrava no assumpto que nesse momento se debatia.

O Sr. Ministro das Obras Publicas accrescenta que lhe esquecera dizer que não tinha conhecimento do facto de terem fugido tres individuos que vinham no vapôr, e parecia-lhe não haver fundamento para essa noticia.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—São ditos, e eu mesmo digo que não sei se é verdade.

Ordem do dia.

O Sr. Banco de Porto de Moz declara que tendo-se achado incommodado havia dias, faltára por esse motivo ás sessões, e quando pela primeira vez podia continuar a assistir a ellas vinha encontrar já em votação o projecto e parecer n.º 107. Que quando anteriormente fallára sobre o assumpto dissera que lhe não parecia o objecto inteiramente conforme com a justiça distribuitiva, e oppondo-se a elle na respectiva discussão, não em virtude de opposição sua, mas por proposta do Sr. Conde de Thomar voltára o projecto novamente á commissão (contra a opinião delle orador) para dar esclarecimentos de que a questão não precisava. Agora via o mesmo projecto, e outro parecer, sem nenhum esclarecimento ou razão, qual o primeiro. Primitivamente declarára tambem que quando voltasse da commissão o projecto havia ser presente para combate-lo; mas como o Sr. Presidente exposera que a discussão estava encerrada, não tendo já direito para fallar, restava-lhe, declarar que votava contra, e pedia, se não se abrisse novamente a discussão, que assim se mencionasse na acta.

O Sr. Presidente explica ao orador que terminada, como estava a discussão, S. Ex.ª só podia declarar o seu voto para se lançar na acta (apoiados).

O Sr. Barão de Porto de Moz (sobre a ordem) expôz que se insistia era por se ter declarado que a Camara votara o encerramento da discussão daquelle objecto, esquecendo-se que a votação se não fizera por falta de numero. Assim, não havendo numero para a votarão, necessariamente o não haveria para se encerrar a discussão, e a Camara pois não podia declarar que estivesse encerrada.

Não insiste para que haja nova discussão, pois é inimigo de sobrecarregar as discussões, nem tem vaidade de podér esclarecer cousas que pessoas tão Ilustres já tem esclarecido; parece-lhe, comtudo, que vinha a ser a ordem a seguir-se propôr á Camara se o projecto continuava em discussão, porque a anterior decisão feita sem numero não podia vigorar.

O Sr. Presidente declara ao Digno Par, que se acha naquella cadeira para cumprir o regimento, e nelle se determina que esgotada a inscripção está o negocio acabado (apoiados]. Não havendo, portanto, na precedente sessão mais ninguem inscripto, não se carecia de consultar a Camara.

O Sr. Visconde de Castro—Eu tinha pedido a palavra.

O Sr. Barão de Porto de Moz expõe que não precisa recorrer a uma consequencia que julga logica, porque acabando-se de dizer que se encerrou a discussão por não haver já inscripção....

O Sr. Presidente observa ao Digno Par que ainda lhe não concedêra a palavra, nem lh'a dava por se seguir o Sr. Visconde de Castro, podendo sómente o Digno Par fallar depois do Sr. Visconde.

O Sr. Barão de Porto de Moz significa ao Sr. Presidente que bastava só uma palavra de S. Ex.ª para lhe impôr silencio. Pede a palavra sobre I ordem.

O Sr. Presidente interroga o Sr. Visconde de Castro se a palavra pedida é sobre a ordem?

O Sr. Visconde de Castro declara ser sobre a materia;

O Sr. Presidente neste caso concede a palavra ao Sr. Barão de Porto de Moz sobre a ordem.

O Sr. Barão de Porto de Moz observa portanto que a discussão não está encerrada por não haver inscriptos, pois elle orador já pedíra a palavra sobre o assumpto, e na vespora não houvera votação declarando-a encerrada, nem a Camara, não tendo o numero legal, se podia julgar constituida para se podér julgar encerrada a discussão.

O Sr. Marquez de Vallada pede a palavra sobre a ordem.

O Sr. Barão de Porto de Moz continua asseverando que a discussão não está terminada, porque elle orador pede a palavra sobre a materia.

O Sr. Presidente concede a palavra sobre a ordem ao Sr. Marquez de Vallada.

O Sr. Marquez de Vallada observa ao seu nobre amigo, o Sr. Barão de Porto de Moz, que S. Ex.ª não estava na Camara quando se tractou deste projecto, e que o Sr. Presidente fez verificar se havia numero na sala para se proceder á votação, pois já não havia nenhum Digno Par inscripto sobre a materia.

Nessa occasião o seu nobre amigo, o Sr. Barão da Vargem da Ordem, observára não haver numero para se votar. Esta era a exactidão do que se passár. Nestes termos o Sr. Barão de Porto de Moz, pessoa assas razoavel, e com quem elle orador está sempre de accôrdo, ha de entender que o Sr. Presidente andou bem no negocio, porque realmente estava acabada a discussão por não haver ninguem inscripto, e se faltou a votação foi por falta de numero, não tendo a Camara nesta occasião outra cousa a fazer mais do que votar o assumpto (apoiados).

O Sr. Barão de Porto de Moz, pela mesma razão que expende o Sr. Marquez de Vallada, lhe parece que não estando a Camara em numero, nada se podia fazer. Desde que não havia numero na Camara nem se póde dizer que acabou a inscripção, nem que está concluida a discussão.

Sendo notavel que haja tão longo debate para se não discutir ainda um projecto que se não votou por falta de numero, limita-se a declarar que vota contra.

O Sr. Presidente parece-lhe que o Digno Par avançou uma proposição que não poderia provar, a saber, que quando acabara a inscripção já não havia numero na Camara — facto de que S. Ex.ª não tem noticia. Assevera ao Digno Par que effectivamente quando se esgotara a inscripção havia numero na Casa (apoiados).

O Sr. Barão de Porto de Moz declara ao Sr. Presidente, que se S. Ex.ª assim o disser se accommoda, e o crê.

O Sr. Marquez de Vallada pede a palavra. '

O Sr. Presidente expõe que o Sr. Visconde de Castro tambem tem a palavra, mas não sabe se é sobre a ordem.

O Sr. Visconde de Castro cedo, da palavra.

O Sr. Presidente nestes termos concede a palavra ao Sr. Marquez de Vallada.

O Sr. Marquez de Vallada expõe que se podia ter discutido, ainda que não houvesse numero, e que a discussão correu largamente, tomando parte nella varios oradores; mas quando se tractou de proceder á votação, o Sr. Presidente, sob observação do Sr. Barão da Vargem da Ordem, reconheceu que já não havia numero para se votar, e fez o que logicamente se devia fazer.

O Sr. Presidente observa ao Digno Par que quando na Mesa se conheceu que não havia numero fóra no acto da votação, o que não tem ligação com o acto da inscripção.

O Sr. Marques de Vallada—Muito bem.

Vozes—Votos, votos.

O Sr. Presidente declara que se vae lêr o parecer (apoiados).

Leu-se e approvou-se com o projecto, e a mesma redacção.

O Sr. Presidente declara que se passa á leitura do parecer n.º 109.

O Sr. Secretario leu-o, e é do theor seguinte:

PARECEU N.º 109.

Senhores: A commissão de fazenda, tendo examinado o projecto de lei n.º 107, remettido a esta Camara pela dos Senhores Deputados, auctorisando o Governo a applicara parte do rendimento da Alfandega de Vianna que fôr necessaria ao pagamento dos juros e amortisação do emprestimo de 22:000$000 réis, que o Governo está auctorisado a contrair pela Carta de Lei de 5 de Julho de 1856 para o acabamento da estrada deVian-na a Caminha; e considerando a commissão que este projecto só tem por fim facilitar a execução do que está legislado, é de parecer que seja approvado.

Sala da commissão, em 3 do Março de 1858. — Visconde de Castro —Visconde d'Algés— Felix Pereira de Magalhães.

PROJECTO DE LEI N.° 107.

Artigo 1.° É o Governo auctorisado para applicar ao pagamento dos juros o amortisação de um novo emprestimo de 22:000$000 réis, que houver de contractar com a Companhia Viannense, em virtude da Carta de Lei de 5 de Julho de 1856, para o acabamento da estrada de Vianna do Castello a Caminha, a parte do rendimento da Alfandega de Vianna que fôr necessaria para conjuntamente com o saldo das consignações adjudicadas á Companhia Utilidade Publica satisfazer os encargos do referido emprestimo.

Art. 2.° Fica assim ampliada a auctorisação dada ao Governo pela Carta de Lei a que se refere o artigo 1.º, e revogada toda a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 27 de Janeiro de 1853. Joaquim Filipe de Soure, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario == D. Antonio da Costa, Deputado Secretario.

O Sr. Presidente, como não está presente o Sr. Ministro da Fazenda, não sabe se a Camara quererá entrar na sua discussão.

O Sr. Ministro das Obras Publicas diz achar-se habilitado para dar as explicações precisas.

O Sr. Visconde de Castro declara que tem voto neste parecer o Digno Par o Sr. Barão de Chancelleiros, que o não assignou por não se achar na Casa quando foi apresentado.

O Sr. Presidente abre a discussão sobre o parecer.

Não. havendo quem pedisse a palavra, poz-se á votação o parecer e projecto que foram approvados, e a mesma redacção.

O Sr. Presidente declarou que se ía lêr o parecer n.º 111.

O Sr. Secretario leu-o, e é do theor seguinte:

PARECER N.º 111.

Foi presente á commissão de guerra o projecto de lei n.º 91, que veio da Camara dos Senhores Deputados, auctorisando o Governo a melhorar a refórma no posto de Marechal de Campo ao Brigadeiro reformado Visconde de Ervedosa.

A commissão considerando que o Official de que se tracta foi reformado sem o pedir, e sem -as formalidades legaes;

Considerando que o mesmo se faz digno de toda a contemplação pelos seus serviços e soffrimentos que teve pela Causa da Liberdade, anteriores á refórma;

Considerando, finalmente, que outros Coronéis reformados nas mesmas circumstancias e na mesma época, ou voltaram á effectividade, ou lhes foi melhorada a refórma; é de parecer que o dito projecto de lei n.º 91 seja approvado por esta Camara.

Sala da commissão de guerra, 5 de Março de 1858. — Duque da Terceira = Conde do Bomfim = Conde de Santa Maria —Visconde de Villa Nova de Ourem.

PROJECTO DE LEI N.º 91.

Artigo 1.º É melhorada a refórma no posto de Marechal de Campo ao Brigadeiro reformado Visconde de Ervedosa.

Art. 2.° Esta concessão não lhe dá direito a outros vencimentos que não sejam os que da data da presente Lei lhe possam pertencer.

Art. 3.º Fica revogada a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 9 de Julho de 1857. = Joaquim Filippe de Soure, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario Miguel Osorio Cabral, - Deputado Secretario.

O Sr. Visconde d’Athoguia, visto não estar presente o Sr. Ministro da Guerra, não lhe estranhará o perguntar aos Srs. Ministros presentes — se foi proposta do Governo que deu origem a este projecto de lei?

O Sr. Visconde d'Ourem declara que póde pela commissão do guerra informar o Digno Par, que este projecto de lei teve origem em um requerimento do interessado, requerimento que se tem repetido ha sete ou oito annos. Deve declarar por esta occasião, que elle orador não é suspeito neste negocio, porque quando foi relator da commissão de guerra na Camara dos Srs. Deputados, por duas vezes votou contra esta pertenção, por estar em opposição com as Leis. Mas agora, em presença de cento e tantos exemplos que já ha em contrario, e que recaíram em individuos que não estavam em boas circumstancias como as deste official, não se acha com forças de votar contra.

O Sr. Visconde d'Athoguia não avalia as razões que teve a commissão de guerra para dar este parecer, apenas faz uma pergunta, e agradece ao Digno Par a bondade de o informar a respeito della. Já sabe portanto, que este projecto de lei não foi confeccionado em virtude de proposta do Governo, e sim em vista de requerimento de parte. Agora pergunta se o Governo deu a sua approvação a este projecto, e se sendo ouvido o Sr. Ministro da Guerra elle achou justa a pertenção, e não lhe viu inconvenientes.

O Sr. Visconde d'Ourem não estando presente o Sr. Ministro da Guerra para dar as informações que pede o Digno Par, julga-se obrigado a dál-as por parte da commissão. Diz portanto, que o Governo foi ouvido sobre a pertenção deste official, e reconheceu que tinha justiça no que pedia. Em presença pois desta informação, e do grande numero da exemplos identicos que teem havido, e em vista das circumstancias favoraveis deste individuo que fez grandes serviços antes de ser reformado, perdendo até dois filhos que foram assassinados no tempo da usurpação, e que na outra Camara foi confeccionado o projecto de lei, o qual não teve duvida em approvar a commissão de guerra desta casa. Ora, da informação do Governo se vê que este official foi reformado illegalmente, e não o foi só, com elle foram mais 14 Coronéis; e a todos lhes foi já, ou melhorada a refórma, ou passados á effectividade, e é este só o que restava. Em vista de tanta justiça parece-lhe que não póde haver duvida em se approvar.

O Sr. Visconde d'Athoguia expõe que fizera duas perguntas muito simples: uma dellas foi se os Srs. Ministros presentes podiam responder sobre este projecto de lei, visto não assistir á sessão o seu collega da guerra. S. Ex.ª não responderam, mas o Digno Par; relator de commissão, havia satisfeito. A outra pergunta foi se o Governo tinha approvado esta medida; á qual respondeu igualmente o Digno Par relator da commissão, que sim. Ficou então elle orador satisfeito com esta informação.

Entenda-se portanto, que não pertendeu fazer opposição a este projecto de lei, pelo contrario, pois as circumstancias que referiu o Digno Par, e que se dão neste official são conhecidas, e tanto que se visse impugnar o parecer, procuraria defendel-o com os seus argumentos ainda que fracos. Vota portanto pelo parecer e projecto.

Vozes — Votos, votos.

Posto a votos o parecer e projecto, foram approvados na generalidade e especialidade, com a mesma redacção.

O Sr. Presidente declara que se passa ao parecer n. ° 114.

O Sr. Secretario leu-o, e é do theor seguinte:

PARECER N.° 114.

Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.º 103, vindo da Camara dos Srs. Deputados, tendo por objecto auctorisar o Governo a contrair um emprestimo até á quantia de réis 40:000$000, para o fim de proteger a fabricação do assucar na ilha da Madeira, e bem assim o relatorio da commissão de fazenda da mesma Camara, que alli precedeu o mesmo projecto; e a commissão de fazenda desta Camara, conforman-

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dose coto as razoes expendidas no mesmo relatorio. 6 de parecer que, sendo merecedor de toda a contemplação e protecção especial o estado excepcional em que, por mais de uma calamidade se acha constituida aquella ilha, o referido projecto de lei é digno de ser approvado por esta Camara, a fim de subir á Sancção Real.

Sala da commissão, 8 de Março de 1838. = Visconde de Castro — Barão de Chancelleiros = Visconde de Algés —Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

PROJECTO DE LEI N.º 103.

Artigo 1,° É o Governo auctorisado a contrair um emprestimo até á quantia de 40:000$000 réis com juro que não exceda a 7 por cento, hypothecando para esse fim o imposto da canna do assucar creado pela Carta de Lei de 5 de Janeiro de 1837, e na falta delle quaesquer rendimentos da Alfandega do Funchal.

Art. 2.º O Governo poderá adiantar o producto do emprestimo de que tracta o artigo I." aos proprietarios da ilha da Madeira que quizerem comprar acções de qualquer Companhia que se formar com o fim unico de estabelecer uma ou mais fabricas de assucar na mesma ilha, sendo os Estatutos da Companhia approvados pelo Governo.

§ unico. Não poderá comtudo adiantar a nenhum proprietario mais de 3:000$000 réis, nem fazel-o antes de formada a Companhia.

Art. 3.° Serão hypothecados ao pagamento destes emprestimos que o Estado fizer aos referidos proprietarios:

1.° As acções que forem compradas com a quantia mutuada pelo Governo;,

2.° Quaesquer bens livres ou emphyteuticos dos mutuatarios;

3.º E subsidiariamente os bens vinculados, dispensando-se para este effeito na legislação respectiva.

Art. 4.° Os mutuatarios pagarão, além de 3 porcento do amortisação, um juro igual áquelle, pelo qual o Governo contrair o emprestimo de que tracta o artigo 1.°

§ unico. Este pagamento porém só começará a ter logar um anno depois de estabelecidas as fabricas, sendo permittido aos mesmos mutuatarios augmentar em qualquer tempo a importancia da amortisação.

Art. 5.º Fica o Governo auctorisado a estabelecer e administrar convenientemente uma fabrica até que só forme alguma das Companhias a que se refere o artigo 2.°

Art. 6.º O Governo dará conta ás Côrtes do uso que fizer da auctorisação que pela presente Lei lhe é concedida.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 27 de Janeiro de 1858. — Joaquim Filippe do Soure, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario = D. Antonio da Costa, Deputado Secretario.

O Sr. Conde de Thomar diz que este projecto de lei está de accôrdo com as suas idéas sobre as necessidades da ilha da Madeira, e entende que desta providencia ha de tirar muito proveito aquella ilha; assim como entendeu que nenhum lhe resultava da accumulação no mesmo individuo das funcções militares e administrativas, o que só dára em resultado o receber esse individuo mais alguns centos de mil réis (apoiados), e esta foi a razão por que o impugnou. Este porém tem lodo o seu assentimento, e vota por elle porque deseja muito a prosperidade da ilha da Madeira.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — O artigo 5.° auctorisa o Governo a estabelecer por sua conta uma fabrica de assucar na Madeira (leu). Eu estou disposto, Sr. Presidente, a votar tudo quanto fôr para beneficio e desenvolvimento da industria da ilha da Madeira, mas não posso approvar um artigo que auctorisa este Governo, ou qualquer outro a ser fabricante. E note a Camara que o artigo que eu li não estava no projecto primitivo da commissão, appareceu na outra Camara quando elle alli se discutiu, e foi depois introduzido nelle.

Ora, segundo este artigo, se não se podér formar a companhia, estabelecer-se-ha a fabrica por conta do Governo: — isto é que eu não posso approvar, porque não quero que o Governo seja fabricante; a primeira razão e porque não quero que a este respeito venha a succeder o mesmo que com a fabrica da marinha grande. E a segunda é que é impossivel que o Governo possa administrar convenientemente qualquer estabelecimento desta ordem. E, por tanto, com quanto eu esteja disposto a votar pela generalidade deste projecto de lei, não posso comtudo approvar o seu artigo 5.°, que desfaz o principio consignado no projecto, principio que eu espero que será proficuo. O fim do projecto é o Governo auxiliar companhias que se destinem á fabricação do assucar na ilha da Madeira, mas como póde acontecer que essas companhias se não estabeleçam logo, ahi fica o Governo auctorisado pelo artigo 5.° a estabelecer e dirigir uma fabrica por sua conta, e é isto o que eu não quero.

Talvez que se me diga que já ha companhias formadas ou que estão em espectativa, mas se isso assim fôr, para que é que serve este artigo 5.°? Concluo, pois, dizendo que estou prompto a concorrer quanto podér para fazer prosperar a ilha da Madeira, mas o que eu não quero de modo nenhum e que o Governo se torne fabricante (apoiados).

O Sr. Visconde de Castro—Eu tenho de responder ao Digno Par sobre a disposição do artigo 5.° a que S. Ex.ª se referiu, mas será agora a occasião de se tractar da sua doutrina? Se me é licito responder já, não terei duvida de o fazer, mas parecia-me mais regular votar-se agora a generalidade do projecto, e quando chegassemos ao artigo 5.° tractarmos da sua materia em especial.

O Sr. Presidente recorda aos Dignos Pares que estarão certos de que lembrara ao Digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada, que era melhor reservar as suas reflexões par: quando se tractasse do artigo 5.°, mas S. Ex.ª respondeu que o seu voto sobre a generalidade do projecto dependia do artigo 5.º do mesmo projecto.

O Sr. Visconde de Castro — Quem é que leia lido um ou dois livros de economia politica que logo não tenha sabido que os Governos não podem nem devem ser agricultores ou fabricantes?... No entanto, é certo que nesta casa já temos votado algumas vezes de accôrdo com as doutrinas estabelecidas neste artigo 5.° do projecto. A tantas companhias que por ahi se teem formado, ou tentado organisar, como, por exemplo, a das carreiras a vapôr entre Lisboa e o Algarve, Lisboa e outros pontos, não temos nós aqui votado auxilios? Ninguem o negará, logo por que é que se não ha de agora auctorisar o Governo a podér estabelecer uma fabrica na ilha da Madeira, para assim ir excitando o estabelecimento de outras, ás quaes prestará o auxilio que neste projecto se consigna? No momento em que uma ou mais companhias estabeleçam fabricas de assucar deixa logo de existir essa que o Governo tiver estabelecido. Se nesta nação houvesse energia bastante indispensavel para se entrar em negocios desta ordem; se nesta nação se tivesse generalisado o espirito de empreza como em muitas outras, não seria a ilha da Madeira tão importante e tão rica que nos viria pedir este auxilio, que agora nos pede; mas não existindo essa energia, porque estamos n'um perfeito marasmo, de que é preciso saír a todo o custo, mesmo com alguma excepção, aos principios, parece-me que muito bem andaremos se adoptarmos este projecto tal como elle se acha concebido.

Disse-se que este artigo 5.º era inutil, e eu digo que elle deve ter desde já effectividade; logo que o projecto seja reduzido a Lei, o Governo deve tractar de estabelecer a fabrica, porque é auctorisado pelo mesmo artigo 5.°; mas apenas se estabelecerem as fabricas particulares, o Governo immediatamente fará adjudicar aquella em praça e com as formalidades que as Leis de fazenda determinam, porque no mesmo artigo se diz: até que se forme alguma das companhias a que se refere o artigo 2.°; logo, nem mais um dia póde continuar a fabrica que o Governo houver estabelecido. Este projecto de lei é altamente protector da ilha da Madeira, e eu estimei muito vêr que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar, com o que acaba de dizer em favor do projecto, desvaneceu toda e qualquer suspeita que por ventura tivesse nascido nascido da discussão que ha pouco aqui teve logar relativamente á auctoridade superior daquella ilha; julgando-se talvez que S. Ex.ª se recusava a concorrer para os melhoramentos de que tão digna se torna aquella provincia, quando era certo, que tanto S. Ex.ª, como o Sr. Visconde d'Algés, em quanto membros de uma administração de que tive a honra de fazer parte, nunca recusaram o seu mais decidido apoio a medida alguma de interesse local daquella ilha.

A ilha da Madeira pela sua importancia, pelas suas condições de salubridade, e pela sua posição geographica, uma das escalas mais frequentadas entre o novo e velho mundo, carece toda a consideração e cuidado, ao menos para que esses que a visitem não se achem nomeio de uma ilha deserta e miseravel,.quando tão populosa e rica lhes póde apparecer; e nós tudo quanto fizermos por ella fazemol-o pelo nosso paiz e por nós todos. Espero, portanto que o Sr. Ministro de Fazenda, como pessoa tão illustrada e amiga do seu paiz, não deixe de concorrer para fazer desenvolver naquella ilha a industria que por este projecto alli se quer introduzir, porque logo que o Governo de o primeiro passo, é de esperar que não falte quem de os outros, os muitos que são indispensaveis para a trazer á vida que lhe compete.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Este artigo 5.° é uma contrariedade ao principio do projecto, porque se é preciso que as companhias sejam auxiliadas pelo Governo, como é que se determina que o Governo estabeleça uma fabrica, afugentando por conseguinte o estabelecimento dessas companhias?

Ora, talvez que o Digno Par não saiba que eu sou interessado neste projecto, porque sendo proprietario na ilha da Madeira, o meu desejo é que alli haja o maior desenvolvimento de prosperidade possivel; no entanto eu entendo que este artigo, concedendo auctoridade ao Governo para estabelecer naquella ilha uma fabrica, estabelece um principio negativo ao fim do projecto, por isso que o Governo logo que tiver estabelecido essa fabrica, empregado nella capitães, já não póde auxiliar as outras companhias que se queiram estabelecer, e portanto digo que este artigo 5.° não só é inutil senão até prejudicial, pois que á vista delle não haverá companhia que se possa estabelecer, porque não póde concorrer com o Governo. Ao menos marque-se um periodo dentro do qual não se formando a companhia ou companhias então o Governo seja auctorisado a construir e a costear a fabrica.

Eu estou prompto a votar por todo o auxilio que se queira prestar á ilha da Madeira, quereria que esses 40:000$000 réis se déssem como auxilio ás companhias que alli se estabelecessem, mas não posso querer que o Governo seja auctorisado a administrar uma fabrica, porque isto é contra todos os bons principios (apoiados).

O Sr. Barão de Porto de Moz declara entrar nesta discussão sob mãos auspícios, por ter sido um dos que votou o parecer da commissão de administração publica, para se não acumullarem os dois logares de Governador civil e Commandante militar da ilha da Madeira em um só individuo; e não sendo por isso menos amigo daquella ilha, se vê,agora tambem obrigado a algumas objecções a este projecto.

Sente que ao enunciar-se livremente uma opinião, que se funda em principios justos, se possa taxar esse individuo de menos amigo da provincia a que o objecto respeita. De si repele que é muito amigo da Madeira, mas nem por isso deve preterir os principios e regras por hão incorrer em censuras.

Vota pelo projecto, mas não deseja ser contradictorio. Ou o fundamento da proposta é estabelecer fabricas na Madeira com auxilio do Governo, ou estabelecel-as este por sua conta, e ser emprezario. E nem se diga que essa qualidade de emprezario é temporaria, porque isso mesmo póde ser causa da impossibilidade de se estabelecerem as fabricas dos particulares, mesmo com auxilio do Governo.

Quer o projecto que n'um paiz onde o principio de associação está, ou por mal conhecido, ou por alguns ensaios adversos, tão pouco desenvolvido, que o Governo e as Camaras facultem todo e qualquer subsidio dentro dos limites possiveis para que elle se desenvolva e estabeleçam as industrias. O projecto diz que o emprestimo é applicado a promover, quanto possivel, os meios de estabelecer a fabricação do assucar.

Sabe o Digno Par o Sr. Visconde de Castro, e muita gente, que as industrias custam muito a estabelecer, e que depois de estabelecidas mais se difficultam as que vierem posteriormente. Ha de acontecer, portanto, que depois do Governo se constituir emprezario, custará muito aos particulares estabelecerem-se. Daqui se deduz que a approvação do artigo 5.° involve contradição, e que com elle se vão crear embaraços. Pela sua parte nem quer ser contradictorio, nem vota nada contra a logica.

Por estes fundamentos concluo votando contra o artigo 5.°; se bem que dadas razões que o convençam de erro, não duvidará ceder.

O Sr. Visconde d'Algés observa que tudo quanto se tem expendido aproveitaria mais na especialidade do projecto, quando se tractasse do artigo 5.°, e agora se poderia votar a generalidade, porque não ha quem a impugne. Neste seu desejo mostra até querer dar mais largueza á discussão.

O Sr. Presidente expõe que ainda se acham inscriptos alguns Dignos Pares...

O Sr. Visconde de Ourem declara que quando pedíra a palavra fóra para tractar do artigo 5.°, porém cede agora della por não ter duvida em approvar o projecto na generalidade sem prejuizo do artigo 5.º

O Sr. Visconde d'Athoguia cede tambem da palavra.

O Sr. Presidente — Como os Dignos Pares cederam da palavra, põe á votação o projecto n.º 114 na sua generalidade.

Foi approvado.

O Sr. Presidente — Como deu a hora fecha a sessão, e dá para a ordem do dia da immediata segunda-feira (15), a especialidade deste projecto, e os pareceres 108, 110, 112 e 113.

Eram cinco horas e um quatro da tarde.

Relação dos Dgnos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 13 de Março de 1858

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Fronteira, das Minas, e de Vallada; Condes: da Azinhaga, do Bomfim, do Farrobo, de Fonte Nova, de Linhares, da Louzã, de Mello, da Ponte, do Sobral, da Taipa, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, da Granja, de Ovar, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: de Chancelleiros, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Margiochi, Larcher, Silva Sanches, e Brito do Rio.

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