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SESSÃO DE 6 DE JULHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Coado de Castro, vice-presidente

Secretarios - os dignos pares Visconde de Soares Franco, Conde de Fonte Nova

(Assistia o sr. ministro da fazenda.)

Pouco depois do meio dia, tendo-se verificado a presença de 19 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

Não se mencionou correspondencia.

O sr. Presidente: - Como não ha ninguem que peça a palavra vamos entrar na

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 10

O sr. Presidente: - Continua com a palavra o sr. Conde d'Avila.

O sr. Conde d'Avila: - Continuando o seu discurso, interrompido hontem, mostrou por meio de cálculos que o governo apenas vinha a receber deste emprestimo réis 13.099:000$000, quantia insuficiente para occorrer aos encargos a que o destinava.

Lastima que no contrato Goschen só haja vantagens para aquella casa; que nós tinhamos de pagar a multa até por factos independentes da nossa vontade; e não se estipulasse alguma reciprocidade a nosso favor; e estranha que aquelles que estão dispostos a approvar o contrato Goschen rejeitassem a emenda do sr. Conde de Thomar que o assegurava, e relevava o governo do excesso de jurisdicção contratando com tão humilhantes condições não estando para isso auctorisando.

Indicou o que lhe pareceu mais adequado e efficaz para sairmos das difficuldades da situação presente, e entre as diversas providencias insistiu na desamortisação dos bens ecclesiasticos em larga escala.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, não serei longo.
A camara não espera de certo que eu entre neste debate para analysar o contrato que está em discussão e que tem de certo relação com o projecto que veiu da outra casa do parlamento.
O meu fim unico é dar algumas explicações sobre os motivos que me levaram a apresentar uma substituição ao artigo 1.° do projecto de que a camara se está occupando.
Uma necessidade urgente por motivos domesticos me obrigou a sair de Lisboa no sabbado á noite. Não pude regressar no domingo e só pude faze-lo na segunda feira.

Constou-me que o sr. relator da commissão fizera, por parte desta, a declaração de que a commissão de fazenda rejeitava a minha substituição de accordo com o governo.

Sr. presidente, parecia me que uma substituição apresentada por um homem que não terá outras qualidades, mas é um dos mais antigos parlamentares, posso até dizer que raros haverá no parlamento que contem maior antiguidade do que eu, e que tem uma longa pratica dos negocios publicos, e sobretudo dos usos e costumes desta casa; parecia-me, digo, que uma simples substituição sobre objecto importante, apresentada por tal homem, merecia bem um parecer escripto, a fim de que a camara e o auctor dessa substituição podessem avaliar os motivos que havia para ella se rejeitar. (O sr. Costa Lobo: - Peço a palavra.) Uma simples declaração verbal, nestes casos, não é bastante.

Hoje o sr. Conde d'Avila disse alguma cousa a este respeito, e parece que a urgencia da decisão deste negocio fez com que a commissão não desse o seu parecer escripto. S. exa. acrescentou que o motivo principal por que aquella minha substituição não era adoptada, parecia provir das difficuldades que suscitaria a sua approvação, porque teria
O projecto de voltar á outra camara, se fosse aqui approvado, e ali seria muito difficil a sua approvação.

Sr. presidente, se porventura existe a pressão sobre o governo da parte da outra camara, para que não seja approvada qualquer emenda que vá desta casa, não posso deixar de dizer que é um desgraçado acontecimento (apoiados), e que destroe pela base o governo representativo, o qual se compõe de dois ramos.

Estes dois ramos devem trabalhar de accordo, mas ao mesmo tempo cada um com a independencia necessaria para poder tomar as deliberações que julgar convenientes.

Portanto desde que appareça uma camara que queira impor ao governo a obrigação de approvar as suas decisões, o governo representativo desapparece, e eu lamento que isto se dê na occasião em que estão á frente dos negocios publicos homens que considero liberaes.

Espero que possa apparecer um desmentido a esta asserção, que se tem tornado uma voz geral e que passa por verdade em quasi todos os circulos politicos.

Sr. presidente, na minha posição eu não poderia apresentar uma moção qualquer que tivesse por fim hostilisar o governo, porque, comquanto eu não seja ministerial do actual gabinete, no mentido que vulgarmente se dá a esta palavra, não sou inimigo delle, e por muitas vezes tenho mostrado desejos de o ajudar.

Na reunião particular a que fomos convocados, e a respeito da qual se póde fallar aqui, porque foi annunciada da cadeira da presidencia, eu declarei positivamente que determinado pelo sentimento de auxiliar o governo, e desejando que elle vencesse as dificuldades financeiras, estava disposto a votar o projecto em discussão, uma vez que não se apresentasse durante o debate alguma outra proposta que fosse preferivel. Todos os dignos pares que estiveram presentes naquella reunião poderão dar testemunho do que acabo de dizer (apoiados).

Sr. presidente, reservei sempre a minha independencia para poder, em vista do que se passasse na discussão, seguir o caminho que julgasse mais conveniente aos interesses do meu paiz.

Appareceu na tribuna o digno par, o sr. Rebello da Silva, e em seguida a elle o sr. Conde d'Avila, e demonstraram que = em vista da letra do contrato Goschen, era absolutamente indispensavel que se fizesse menção delle no actual projecto em discussão = As rasões que foram adduzidas por estes dois dignos pares calaram no meu animo e convenceram-me.

Um destes dois dignos pares appellou para os jurisconsultos que estavam nesta casa, e eu que sou um delles, posto que dos mais infimos, nem por isso deixo de ter os conhecimentos necessarios, para ter podido verificar que, em vista da letra do contrato, uma vez que no projecto em discussão não se faça menção delle, o governo, passados os quatro mezes, contados desde 16 de abril, ha de necessariamente responder pela bonificação ou multa, como lhe quizerem chamar, porque os efiettos são os mesmos. Então disse eu - estas rasões convencem-me. Achava-se ao meu lado um meu particular amigo, a quem disse - têem rasão os dois dignos pares; mas como eu tinha declarado na reunião particular que votava pelo projecto, não podia dar um passo sem consultar e prevenir o governo a este respeito. E por isso dirigi-me ao sr. ministro da fazenda e disse-lhe que - me parecia que as rasões apresentadas por aquelles dignos pares eram juridicas, e que por utilidade do governo, e por lealdade para com os seus compromissos, e

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para evitar um grande prejuizo ao paiz, me parecia conveniente fazer-se menção do contrato Goschen no projecto em discussão; tanto mais que, não levando o governo a effeito esse contrato, lá ficava com a auctorisação no artigo 7.° para poder levantar um emprestimo de 18.000:000$000 réis, quantia que elle julgava indispensavel para vencer as dificuldades financeiras em que se encontra.

O sr. ministro da fazenda teve a bondade de me ouvir, e disse-me (mas veja que no projecto ha outras provisões, que julgo serem indispensaveis.

Li com a maior attenção o projecto, vi que s. exa. tinha rasão, e entendi que a alteração que se apresentasse devia unicamente ser relativa ao artigo 1.°

Dei conta a s. exa. da intenção que tinha de apresentar uma substituição ao artigo 1.°, fazendo menção do contrato Goschen. S. exa. não se oppoz; pelo contrario, disse me que = não achava difficuldade em se apresentar a emenda e em ser admittida =. Mas eu, não contente ainda com isto, porque me prezo de ser homem de lealdade, o em virtude dessa lealdade para com os meus amigos é que posso declara-lo na presença da camara, cheguei a ter um grande numero de pessoas que me acompanharam nas crises mais arriscadas (apoiados); não contente, repito, têem esta simples declaração, dirigi-me, não obstante sem o sr. ministro da fazenda o mais competente para dar uma resposta sobre este objecto, ao sr. presidente do conselho e dei-lhe parte das difficuldades que appareciam na discussão, disse-lhe qual era o meu pensamento, e mostrei-lhe, em vista do artigo 4.° do primeiro contrato e do artigo 17.° do segundo, em como as observações que se tinham feito eram juridicas. S. exa. perguntou-me se eu já tinha fallado com o sr. ministro da fazenda, e eu respondi que - sim, e que, pela resposta do sr. ministro, suppunha que estava de accordo em que se apresentasse a substituição. Foi em consequencia disto que eu a apresentei.

Agora, sr. presidente, se o governo teve outros motivos, e motivos fortes, para mudar da opinião que tinha naquella occasião, proceda como entender; mas eu devia a mim, devia ao publico e ao paiz a explicação dos motivos por que apresentei a minha substituição. Estes negocios não se decidem pelas paixões politicas, mas unicamente pelo que está escripto. E quando a questão for levada aos tribunaes inglezes, vejam que é levada a tribunaes que não decidem senão pelo que está escripto na lei, e a lei n'estes caso é o contrato (apoiados).

Sr. presidente, o que diz o artigo 17.°? Diz (leu).

O que diz o artigo 7.° do primitivo contrato? (Leu.}

Ora pergunto, neste projecto ha uma unica palavra relativa ao contrato Goschen? Não ha; logo passados os quatro mezes que estão correndo, esta casa tem direito para dizer ao governo - Tu faltaste aos compromissos que tomaste no contrato que celebramos, porque o não fizeste passar nas côrtes dentro do praso de tempo estipulado, e por isso estou auctorisado a reter em meu poder as quantias que são necessarias para satisfazer a bonificação de que trata o mesmo contrato.

O governo, sr. presidente, ha de, se quizer haver aquellas quantias, promover um litigio em Inglaterra permite os tribunaes, e todos nós sabemos as grandes despezas que demanda um pleito em Inglaterra, e tambem sabemos que juridicamente fallando não ha tribunal nenhum, em vista da letra deste contrato, que deixe de condenar o governo de Portugal. (O sr. Visconde de Seabra: -Apoiado.) Eu estimo muito que um jurisconsulto tão distincto, como é o sr. Visconde de Seabra, apoie o que acabo de dizer (apoidos).

Agora, sr. presidente, ha outra cousa, se o governo entende que é preferivel sujeitar-se ao pagamento d'esta multa a approvar o contrato Goschen, isto e outra questão, e talvez que o governo hoje, em consequencia das analyses feitas a este contrato, esteja convencido do que é melhor pagar aquella multa. Mas ainda assim não creio que um governo serio proceda desta maneira (apoiados), e não prefira ser leal aos seus compromissos, até para não estabelecer um precedente terrivel, de que póde resultar não querer nenhuma casa estrangeira ou portugueza contratar com o governo qualquer emprestimo de que este necessite.

Sr. presidente, com a minha substituição não quiz senão fazer um serviço ao governo, e sobretudo ao meu paiz. Ao governo, porque o livrava do pagamento desta multa; ao paiz, pela mesma rasão, e porque o conservava leal á obrigação contrahida em seu nome; ao governo, porque o relevava igualmente da falta que commetteu.

Sr. presidente, parece-me que a dignidade da camara pedia que se tivesse dado um parecer escripto sobre a minha substituição, onde se consignassem as rasões e fundamentos da rejeição; posto estar convencido de que nenhum fundamento rasoavel podia ser apresentado, e que foi por isso que se recorreu ao subterfugio de dizer que a commissão de accordo com o governo rejeitava a minha substituição, por modo que vae de encontro a todos os usos, costumes e precedentes desta casa.

É tarde, sr. presidente, para o governo se querer eximir das obrigações que contrahiu pelo contrato Goschen; e neste caso parecia-me que se devia ter seguido outro caminho. Adoptando a minha substituição, o governo collocava-se numa melhor posição, nunca podia ser arguido de falta de lealdade aos seus compromissos, e não ficava privado de obter o que deseja, que é uma auctorisação para contrahir o emprestimo na importancia de 18.000:000$000 réis, e por consequencia habilitar-se com os meios que precisa para poder vencer, senão todas, pelo menos uma grande parte das difficuldades financeiras.

Sr. presidente, eu já disso que não entraria na analyse do contrato, e não dou ao debate as largas proporções que lhe deu o digno par que mo precedeu, aliás muito competente para tratar desta materia; mas peço ao governo que considere bem na situação em que se acha collocado.

Eu mantenho o que disse na reunião parlamentar. Voto a auctorisação ao governo para levantar o emprestimo a 18.000:000$000 réis; mas sinto que elle nos collocasse na necessidade de pagar a multa.

Sr. presidente, se fora possivel vir na lei uma disposição, pela qual se tornassem responsaveis pela multa, perante a nação, os individuos que votassem por ella, não teria um unico voto. Mas, quando as questões se decidem por politica, quando se entende que não se deve approvar uma substituição, porque veiu de um homem que se chama Conde de Thomar, quando certos individuos tremem á vista deste nome, e parecem receiar que eu aspire novamente ao poder, tendo eu já declarado tantas vezes que a minha, carreira ministerial acabou ha muito tempo, o que os deveria socegar, quando se marcha em negocios tão importantes a força de pressões, venham ellas donde vierem, digo a v. exa. que não agouro bem do futuro do meu paiz (apoiados),

(O orador não viu as notas dos seus discursos.}

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - Confirmou a exactidão da narrativa do sr. Conde de Thomar, declarando que posteriormente reconhecera o governo que não havia conveniencia em approvar a substituição, porque o contrato ainda não tem valor por ser meramente provisorio.

Respondendo ao sr. Conde d'Avila disse que tem grande confiança na desamortisação, mas não para agora, por não poder obter-se com ella a somma indispensavel para nos livrar das difficuldades com que lutâmos, a qual se obtem pelo emprestimo que, posto não seja bom, foi o melhor que se póde obter nas condições em que então nos achavamos.

O sr. Presidente: - Agora está inscripto o sr. Rebello da Silva.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, v. exa. deve estar certo de que eu pedi a palavra como relator da commissão de fazenda.

O Sr. Presidente: - Então tem v. exa. a palavra.

O Sr. Costa Lobo: - Disse que a commissão não lho im-

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poz a obrigação de formular um parecer por escripto sobre a substituição do sr. Conde de Thomar, e simplesmente de fazer uma declaração verbal; e nem isto, nem a não aceitação da proposta de s. exa. podia ser effeito de menos consideração pela sua pessoa. A proposta, sendo approvada por esta camara, podia trazer delongas e complicações que convinha evitar; e que dahi não vinha nenhum dezar para esta camara, como nenhum recebeu a camara dos lords na Inglaterra por ir aceitando o bill sobre a igreja official na Irlanda para evitar igualmente graves complicações.

O sr. Conde de Thomar: - Admiro o talento do digno par, e sinto que s. exa. não prestasse attenção ao meu pequeno discurso.

Quando faliei da pressão da camara dos senhores deputados não me referi á commissão, mas ao governo. Portanto vem fora de proposito as considerações que s. exa. apresentou referindo-se ao que eu disse quando faliei dos motivos que podia haver para approvar ou rejeitar a minha emenda. Referi-me a motivos politicos. Aqui, nesta camara, não ha rasões nenhumas para alludir a motivos pessoaes, nem ninguem que fosse capaz de o fazer. Por consequencia a resposta que tenho a dar é que se combine o meu discurso com o que acabou de dizer o digno par.

O sr. Rebello da Silva: - Não vou entrar na questão propriamente dita, porque pedi a palavra sobre a ordem, e restrinjo-me ao assumpto para que a pedi, que é o inci- dente que occorreu aqui sobre mudar-se a forma da redacção da proposta da auctorisação.

Eu tenho tambem que dizer alguma cousa á camara a este respeito; mas devo confessar que visto a maneira por que o sr. ministro da fazenda ratificou tudo o que o sr. Conde de Thomar expoz a este respeito, dispensa-me completamente de juntar mais observações.

O sr. ministro da fazenda reconheceuque effectivamente tinha aceitado o pensamento da substituição do sr. Conde de Thomar, e que mudara desta opinião por considerações que lhe foram feitas no seio da commissão.

Todavia o que digo é que, apesar das observações do illustre relator da commissão e do sr. ministro da fazenda, estou ainda firme na idéa de que a forma desta auctorisação nos arrisca a ter de soffrer a bonificação importante e avultada, a que dá logar um dos artigos do contrato de 16 de abril. O proprio relator da commissão, no discurso que acabamos de ouvir, declarou que era a mais conveniente a forma que eu tinha lembrado, enunciando uma questão previa, que de proposito não quiz escrever e mandar para a mesa, para se não dizer que nós, o sr. conde d'Avila e eu, queriamos levantar uma questão politica, por sermos adversarios do gabinete, mas o sr. Conde de Thomar teve a bondade de fazer a sua substituição no sentido das nossas idéas. O digno par, relator da commissão, confessou que a forma ficava mais clara, que a redacção se tornava effectivamente mais explicita: desde o momento pois em que isto se reconhece, para a apreciação de uma camara sisuda como é a camara dos pares, parece que a questão ficou decidida. O que restará apenas ver é se os inconvenientes que o digno par indicou têem a força que s. exa. lhes dá, se isso com effeito póde mover a opinião da camara para que ella prescinda da superioridade da forma, que todos reconhecem ser mais clara e muito mais explicita, e por consequencia mais conveniente e até já aceita pelo ministerio.

O digno par relator declarou-nos que elle entendia que na auctorisação se incluiam as forças do contrato, e por isso se podia dispensar a melhor forma de redacção; é isso porem justamente o que eu questiono. Eu entendo que na auctorisação não se contem as forças do contrato. Eu vejo, e a camara observa tambem sem duvida alguma, uma circumstancia que se revela sem ser preciso profundar muito o assumpto, e é, que pelo annexo do contrato de 16 de abril está explicita a condição de que o governo ha de auctorisar a casa Goschen a pagar a somma decretada pelo
producto do emprestimo, em titulos a 6 com annuidade, ao passo que o artigo 4.° da auctorisação diz que será satisffeita como melhor convier ao estado, em titulos de 3, segundo o valor do mercado, ou, como diz o sr. ministro da fazenda, podendo-se crear um fundo com amortisação.

Confesso, que não me parece que o artigo 4.° da auctorisação esteja nas forças do contrato, e por isso renovo ao sr. ministro o meu pedido, para que diga se tem declaração do banqueiro, de que elle aceita esta transformação, e se se póde julgar comprehendida na auctorisação.

Se s. exa. disser que tem tal declaração por parte do banqueiro, eu cedo, por isso mesmo que não quero pôr difficuldades, o que quero é salvar a hypothese de que o banqueiro possa usar do direito de lançar no mercado repentinamente uma grande somma de inscripções que já tem em seu poder (apoiados).

Isto é o que todos nós queremos acautelar; assim como eu tenho receios e duvidas de que na auctorisação dos 6 por cento para cobrir as despezas, o governo não fique suficientemente habilitado para satisfazer aos differentes encargos e onus, comprehendendo o que diz respeito ao caminho de ferro.

De certo que não é facil dizer se a quantia abonada é sufficiente. Eu desejarei que se satisfaça, mas a maneira clara de sair da questão, como disse mesmo o digno par, o sr. Costa Lobo, era incluir a ratificação nos termos que é uso e costume, como ainda se fez com o contrato de 14 de outubro, em que o ministro trouxe ao seio do parlamento a proposta para ser auctorisado, e não se tratava então sómente da questão do caminho de ferro. E aqui vem a proposito, por isso que o digno relator se referiu aos documentos mandados pelo sr. ministro da fazenda, e que eu tinha sido o primeiro a pedir; vem a proposito, digo, o agradecer a s. exa. a brevidade com que satisfez, mandando effectivamente esses mesmos documentos, que eu agora peço que estejam sobre a mesa. (O sr. Ministro da Fazenda: - São os originaes, não tenho outros.) Para se desembaraçarem póde a nossa secretaria extrahir copia delles sem que nisso se de inconveniente algum, por isso mesmo que a secretaria desta casa tem a mesma fé que as outras secretarias d'estado, e logo que a copia estiver tirada entregam-se os originaes ao illustre ministro.

Mas o que me parece é que desse proprio documento não resulta um argumento a favor da redacção um pouco confusa, para que ella se adopte de preferencia á redacção clara e positiva.

Os banqueiros parece que considerara que a approvação da auctorisação implica a do contrato; tomei até uma nota a este respeito (leu).

Se é esta a redacção parece-me que muito mais motivos tenho para insistir em que os banqueiros consideram a approvação da lei como a approvação do contrato, isto é, que fica sanccionado o contrato pela approvação da auctorisação,

Na outra camara foi, é verdade, tratado este assumpto com todo o desenvolvimento; varios cavalheiros mostraram a sua proficiencia sobre elle, e a camara, approvando-o, sabia muito bem as clausulas que sanccionava, porque tinha, e nem podia deixar de o ter, presente o contrato; mas nada disto obsta a que esta camara lhe faça as emendas que julgar convenientes, pois não ha nisso nada de offensivo para a outra casa do parlamento.

Se esta camara achou um meio mais claro de redacção para dar ao projecto, seria absurdo julgar que é outro ramo do poder legislativo o não aceitaria por questão de amor proprio. Nestas cousas cada um vota, quer approve quer rejeite, confiado em que póde por esse modo concorrer para a solução de uma questão grave, e com a consciencia de que procede como deve; por consequencia se ha uma redacção melhor, se ha uma nova forma pela qual se póde tornar mais claro o assumpto, adopta-se; e não ha, nem póde haver questões de amor proprio que levem uma camara a não aceitar essa redacção.

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Sr. presidente, apresentou o sr. ministro a urgencia deste negocio como uma das rasões mais fortes para se lhe approvar o projecto; mas eu peço á camara que, apesar do pedido de s. exa., attenda bem se um assumpto que tem levado perto de dois mezes, já na commissão respectiva, já na tela da discussão na outra camara, onde foi apreciado, pelos homens mais distinctos e habilitados, póde ser sem offensa profunda e mortal para dignidade desta camara levado quasi de assalto? Conceda-se o que se poder conceder ao governo, destruam-se todas as peias, aplanem se todos os embaraços, faça-se tudo isto; mas o que não podemos é dispensar-nos de entrar na questão, o que não podemos é declinar de nós a responsabilidade de a avaliar, nem tão pouco aceitar o diploma de mera chancellaria.

Portanto, sr. presidente, eu espero que a camara ha de manter na mais plena amplitude a liberdade do debate; porque felizmente nós até agora ainda não temos tradicção, nem uso algum de se nos coarctar a voz, impedindo a liberdade de expor as nossas opiniões (muitos apoiados).

Espero pois que se não ha de agora introduzir essa nova pratica.

Sr. presidente, nesta casa os homens que representam a opposição, tanto pelo seu dever como pelo impulso da sua consciencia e vigor das suas idéas, são bastante fortes para fazerem manter as regalias constitucionaes e as immunidadades da camara (muitos e repetidos apoiados).

Estou longe de attribuir ao governo o desejo de querer fazer calar as nossas opiniões, estou mesmo persuadido de que ninguem melhor avalia as consequencias tanto mais graves que se tirariam de um tal intuito; mas é preciso que em certas circuinstancias se faça conhecer bem qual é a disposição de todos nós, quando se pensa no direito que nos cabe de sustentar taes regalias constitucionaes, e um direito tal como aquelle que todos nós temos quando occupamos a tribuna.

Eu sinto que em outro logar o sr. ministro da fazenda, depois de um discurso grave referindo-se á necessidade de varias medidas tributarias, logo depois da apresentação do bill de indemnidade, na casa electiva, se compromettesse a apresentar ali as propostas necessarias para se estabelecerem taes medidas. (O sr. Ministro da Fazenda: - Peço a palavra para uma explicação.)

Eu sinto que o sr. ministro da fazenda não solvesse desde logo a sua promessa fazendo-a condicional, e sinto que não desse desde logo a explicação que, segundo vejo, vae agora dar; sinto isto tanto mais, porque parece significar um esquecimento da carta, que estabelece os dois ramos do poder legislativo, e dá a esta camara os mesmos direitos, a mesma liberdade, e estabelece os mesmos principios para se reger tanto uma como a outra casa na confecção das leis, e tudo o mais que lhe pertence tratar, comprehendendo por consequencia as leis tributarias, que não podem deixar de vir aqui, e que devem lembrar ao sr. ministro que só depois de plenamente absolvido tanto numa como na outra casa do parlamento, isto é, com o voto das duas camaras e a sanação do rei, é que podia expressar-se como se expressou, a similhante respeito, na outra casa do parlamento; por consequencia que não houve, como eu creio que não houve da parte do governo ou do sr. ministro, a idéa de insinuar qualquer coacção moral na discussão e largueza deste debate, e menos consideração pelas immunidades desta camara, e pela sua dignidade. Se eu não estivesse certo disso havia de me certificar agora que s. exa. mostrará toda a resistencia a qualquer obstaculo, ainda o mais pequeno, que se queira pôr á nossa liberdade, não considerando a questão como politica, mas sobretudo como constitucional, pois por ella sempre havemos de pugnar com toda a energia e firmeza.

Eu pela minha parte, depois do que tenho ouvido, não hesito em declarar á camara o sentido em que votarei.

Eu concedo a auctorisação do artigo 7.°, estou prompto em deixar armar o governo com os meios necessarios para acudir ás necessidades publicas, mas não com a auctorisação dos seis artigos que dizem respeito ao contrato com a casa Fruhling & Goschen, porque estou convencido que este contrato vae augmentar, longe de attenuar, as nossas difficuldades; e que nas mãos dos concessionarios, quando se voltar a outra qualquer parte da Europa, está um docucumento que nada ha de abonar a prudencia com que nós gerimos a fortuna publica, deixando-nos assim carregar com titulos de bonificação, de corretagens, e de commissões, de maneira que suppõem a maior desconfiança da lealdade do governo portuguez. Esses titulos não nos hão de levantar por certo no conceito de quaesquer banqueiros estrangeiros.

Peço pois ao sr. ministro da fazenda, que sobretudo tome o conselho do sr. conde de Ávila, tome por base quanto possivel o producto que deve resultar da lei da desamortisação, e que trate de nos afastar deste caminho que nos conduz ao precipicio e á ruina; o que não é de certo culpa do governo, mas que, permitta-me o sr. ministro da fazenda dizer-lho, algumas medidas do governo têem provocado.

Eu entrarei em considerações mais profundas quando tomar a palavra sobre a materia. Por agora direi que voto a auctorisação para o governo contratar um emprestimo, mas nego-a com referencia ao contrato Goschen, porque a final póde acontecer o que ha pouco tempo aconteceu a uma casa respeitavel da Bélgica, que não póde levantar um emprestimo que tinha contratado, e póde acontecer que as circumstancias tendam a aggravar-se e nos levem a um ponto que eu não quero descrever, mas que está na mente de todos.

(O orador não reviu as notas dos seus discursos.}

O sr. Ministro da Fazenda: - Não quero por modo algum coarctar a liberdade mais ampla da discussão, e nem póde interpretar-se assim o desejo que tem manifestado de que se aproveite o tempo. Explica as palavras que disse na camara dos senhores deputados, que talvez por menos desenvolvimento da sua idéa, mereceram os reparos do digno par; e declara que zela os foros e as prerogativas desta camara tanto por ser liberal, como por ter a honra de ser membro della, e portanto serem seus proprios os foros que a carta lhe concedeu.

O sr. Rebello da Silva: - Estimo muito que o nobre ministro rectificasse as expressões que proferiu na outra casa do parlamento, e acredito que s. exa. respeita esta camara, porque faço justiça aos seus sentimentos nobres. Sinto só que não tivesse bem presentes todos os foros desta camara para os manter illesos, quando assignou um decreto de dictadura, pelo qual reformou os quadros dos empregados desta casa, invadindo assim as attribuições que só a ella pertencem, e passando uma rasoura por cima do que estava estabelecido (apoiados).

Quanto aos sentimentos liberaes de s. exa., não os ponho em duvida; e reservo-me para entrar na discussão da materia depois de ouvir o illustre relator da commissão.

O sr. Conde d'Avila: - Responde a algumas asserções, com relação ao contrato Stern, que não foi acto da sua administração, mas que nem por isso deixará de o defender no que for menos exactamente apreciado; e com relação á amortisação observa, que não entrando no seu plano fazer nenhuma operação sobre aquelles bens, e unicamente a sua venda gradual no mercado, não lhe parece procedente a impugnação do nobre ministro.

O sr. Presidente: - Na ordem da inscripção tem a palavra o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: - Eu cedo da palavra n'este estado da discussão. Não me hei de seguir ao sr. conde d'Avila, porque tambem fallo contra o projecto.

O sr. Presidente: - O unico que se acha inscripto depois do sr. Rebello da Silva é o sr. ministro do reino, mas s. exa. não está presente, e ninguem mais tem a palavra,

(Entrou o sr. ministro do reino.)

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O sr. Presidente: - Vejo entrar o sr. ministro do reino, tem v. exa. a palavra.

O sr. Ministro ao Reino: - Pergunta se não ha nenhum digno par inscripto antes delle.

O sr. Presidente: - Apenas se achava inscripto antes de v. exa. o sr. Rebello da Silva, que já cedeu da palavra em vista da ordem da discussão, por ter que se seguir ao sr. Conde d'Avila, que tambem fallara no mesmo sentido de opposição em que s. exa. fallaria. Tem por isso v. exa. a palavra.

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - Corroborou o que tinha dito o sr. ministro da fazenda com relação aos motivos por que não póde o governo aceitar a substituição do sr. Conde de Thomar; e deu largas e desenvolvidas explicações sobre as diversas tentativas para emprestimos que não poderam realisar se, quaes por um motivo, quaes por outro, até que se chegou ao da casa Goschen.

O sr. Presidente: - Amanhã continua a mesma ordem do dia. __

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 6 de julho de 1869

Os ex.mos srs.: Conde de Castro; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Sousa, de Vallada; Condes, das Alcáçovas, d'Avila, da Azinhaga, de Fonte Nova, de Fornos, da Louzã, da Ponte, de Rio Maior, de Samodães, de Thomar, Bispo de Vizeu; Viscondes, de Algés, de Almeidinha, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Monforte, de Ovar, de Porto Covo, de Seabra, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Villa Nova de Foscôa; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Teixeira de Queiroz, Rebello de Carvalho, Barreiros, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Larcher, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Baldy, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Miguel Osorio, Menezes Pita, Fernandes Thomás, Ferrer.

Discurso proferido pelo digno par visconde de Fonte Arcada, na sessão de 5 de julho, de que se publicaram os respectivos extractos a pag. 391, col. l.ª, e 394, col. l.ª

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, pedi hontem a palavra, porem o sr. barão de Villa Nova de Foscôa pediu-a primeiro do que eu; mas como não vejo aqui nem o sr. relator da commissão, nem o sr. ministro da fazenda, e tendo de me referir ao que s. exas disseram na sessão passada, não me é possivel fallar na ausencia de s. exas.

(Entraram os srs. ministro da fazenda e o relator da commissão o sr; Costa Lobo.)

Sr. presidente, tenho ouvido com a maior attenção as reflexões dos dignos pares que encetaram a discussão sobre o parecer da commissão, bem como as respostas do sr. Ministro da fazenda e do sr. relator, confesso que as duvidas dos primeiros dignos pares não me parece que fossem desfeitas pelos srs. ministro da fazenda e relator, por isso não posso deixar de rejeitar o referido parecer; como porem, sr. presidente, ainda tenha outros motivos que me levam a rejeita -lo, vou manifesta-los á camara, e peço licença para ler uns periodos do relatorio do sr. ministro da fazenda, de 4 de maio:

"Desde muitos annos que se preparou a crise financeira que hoje nos afflige, que temos vivido de credito, mas credito ficticio, que nos alentava á maneira que nos preparava a ruina, e que temos uma divida de honra a pagar á custa dos maiores sacrificios.

"Não considero o paiz em circumstancias prosperas para supportar, sem sacrificios, um grande augmento de imposto, mas julgo que o póde soffrer, cabendo isso nas forças tributarias, e sobretudo que a sua honra, o seu credito, a sua independencia, o seu futuro reclamam imperiosamente este sacrificio."

Isto é uma verdade que todos nós conhecemos, pois é evidente que desde ha muito se tem preparado a sittiação em que nos achamos. Eu não gosto de censurar o que já lá vae, mas entretanto não posso deixar de observar que o systema de administração seguido até agora não podia dar outro resultado senão o que estamos vendo, e neste ponto tem toda a rasão o sr. ministro da fazenda de dizer o que disse; quanto á minha humilde pessoa tenho a dizer que nunca me illudi com as promessas pomposas que se nos faziam, e ha muito que entendia que o resultado desse systema não podia ser outro senão o que estamos vendo, e foi esta persuasão e esta convicção que me moveram sempre a fazer opposição ao systema seguido.

Ha muito, sr. presidente, que eu tenho avaliado as circumstancias do nosso paiz, que nos tem levado á situação presente; e muito desejava, digo-o com toda a sinceridade, que os factos me desmentissem, e que passasse antes por um visionario excentrico, do que ver o que estou vendo; porem succede o contrario, a verificação desses factos mostra que não me enganava quando apreciava o systema seguido, que nos levou ao que eu sempre entendi que seria o seu resultado, e por isso fiz sempre opposição, não opposição acintosa, porque a não faço ás pessoas, mas á sua politica, e este meu proceder era motivado porque eu previa as circumstancias que se haviam de dar por força, e que são aquellas em que nos achamos.

É notavel que, existindo um grande déficit e uma grande divida fluctuante, se queiram remir só com emprestimos e impostos, isto é, seguir a estrada ha muito trilhada.

Tem-se feito economias, é verdade, mas que pouco avultam em proporção daquellas que são necessarias.

Mas, sr. presidente, por meio de emprestimos e impostos é que se ha de organisar a fazenda publica? De certo que não, e se a isso nos limitarmos, a fazenda ficará nas mesmas circumstancias terriveis em que agora está. Para nos salvarmos é necessario mais alguma cousa. Não posso deixar agora de ler tambem um paragrapho do parecer da commissão de fazenda:

"O déficit ordinario e a divida fluctuante externa e interna, que representam a parte delle não preenchida em annos anteriores, são despezas de natureza improductiva que nem a justiça nem a conveniencia social permittem repartir pelas gerações futuras; são obrigações privativas da presente geração, cujo cumprimento não deve ser legado ás idades vindouras. É necessario declarar francamente ao paiz, que lhe não assiste o direito de se descarregar sobre a posteridade senão daquelles sacrificios de que os vindouros poderão auferir beneficios."

E diz mais a commissão:

"A nação deve estar convencida pelas amargas lições da experieccia, de que, sem o lançamento de novos impostos, não ha já remedio possivel, e a vossa commissão mantem firme a esperança de que a presente sessão legislativa não passará sem o previo desempenho deste dever."

Só impostos e emprestimos é o que se tem em vista, e só para elles se appella. Neste logarx farei ao illustrè relator da commissão uma pergunta, e vem a ser se a somma de 2.376:653$751 réis, que, pelo artigo 4.° do projecto, deve ser dada á companhia do caminho de ferro de sueste, não é applicada para pagar um melhoramento de que a geração futura ha de tirar interesses? Porque, se isto assim é, porque é que a geração futura não ha de tambem pagar alguma parte do emprestimo, que é para melhoramentos de que ella ha de tirar proveito?

Depois de tantas despezas feitas e por tanto tempo, como é que ae podem discriminar aquellas de que os vindouros tambem: hão de tirar utilidade, daquellas em que só a geração presente utilisa? Isto é impossivel!

Quaes são as despezas improductivas que se têem feito, para se poder reconhecer aquellas que a geração futura ha

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de pagar, e as que devem ser pagas exclusivamente pala geração presente?

Tanto o meu nobre amigo, o digno par relator da commissão, como o sr. ministro da fazenda, são de opinião que são necessarios novos impostos, e que devem ser lançados ao paiz na presente sessão legislativa, e que é igualmente indispensavel o emprestimo.

Eu tambem entendo que são necessarios impostos e emprestimos, mas é indispensavel mais alguma cousa, a respeito do que nada se diz.

Sr. presidente, eu vejo que constantemente se está a fallar em emprestimos e impostos e em nada mais; mas saber até que ponto o paiz os póde pagar, ainda sobre isto não ouvi dizer cousa alguma; para este assumpto é qne deviam convergir todas as attenções, e não só sobre emprestimos, a fim de se poder entrar no caminho regular da administração publica.

A verdade é que o estado precario em que se acha a fazenda publica é assustador, e estes emprestimos e supprimentos que se estão fazendo constantemente hão de levar nos por um caminho muito perigoso para um futuro, que não póde ser muito lisonjeiro. Ora isto é o que eu receio, e desejo evitar.

Não pertendo porem dizer que impostos e um emprestimo não sejam necessarios para sair da crise em que estamos, mas devemos considerar maduramente, que tanto nos póde arruinar a divida fluctuante, e o déficit continuado, se para pagar tudo isto se lançarem sobre o paiz e o povo impostos vexatorios e extraordinarios, que arruinem o povo e o paiz, e será um curioso expediente financeiro, fazer com que a geração futura nada venha a pagar das nossas dividas actuaes, e ao mesmo tempo legar-lhe um paiz e um povo arruinado, legado este que aquella geração rejeitaria se podesse; antes quero sr. presidente, fazer com que a geração futura venha a pagar alguma parte diis nossas dividas actuaes, para sairmos da crise em que estamos, do que legar-lhe um paiz arruinado.

Sr. presidente, estas considerações não são alheias á questão, antes me parece que concorrem para qus elln possa ser resolvida convenientemente, pelo menos assim o entendo.

O sr. ministro da fazenda no seu programma de fevereiro apresentou um systema, que oxalá o tivesse praticado depois de ministro, no qual mostrava a necessidade de se organisar o paiz de um modo mais conveniente, não só para se poder fazer face ás diversas difficuldades, economicas e financeiras, mas para assegurar uma esperança de que se ia entrar em um caminho mais conducente a esse fim; caminho que infelizmente s. exa. logo deixou de seguir, depois de estar á testa do governo do estado.

Outro programma tambem tinha sido feito na camara dos senhores deputados por um cavalheiro que depois foi ministro, mas esse cavalheiro infelizmente se esqueceu delle, depois da se achar nas cadeiras do poder; não só, sr. presidente, estes dois cavalheiros a que aliado, fizeram programmas para a administração economica do paiz; houve tambem outro, que attendendo ás circumstanuias do paiz, reconheceu a necessidade de se lhe dar uma organização economica; este cavalheiro foi o sr. Luciano de Castro, que no seu discurso proferido no dia 27 de marco de 1865, mostrou a necessidade de se dar ao paiz uma organização baseada na descentralisação administrativa, para que se possa administrar o paiz com toda a economia. Estes tres programmas a que alludo contem os principios que se devem seguir quando se queira sinceramente orgarisar o paiz.

O paiz, sr. presidente, sem descentralisação não se póde organisar como convem que o seja. Esta é a verdade, mas reconhece-se isto ha muito tempo, disse-o já na outra camara em 1865, como acabo de dizer, um illustre deputado conhecedor do nosso estado economico e administrativo, repete-se hoje, mas ninguem trata de pôr este eystema em pratica.

O que acabo do expor, sr. presidente, é a verdade; entendo que a devo dizer ao meu paiz, e desejo que elle e as pessoas que me escutam, tão intelligentes e conspicuas como são, a avaliem devidamente. Eu não posso deixar de repetir que sem uma profunda descentralisação não se podem fazer as economias necessarias. Esta é a verdade, e os poderes politicos do estado que vejam que é necessario attender ás exigencias rasoaveis do paiz, principalmente em tempos era que ha tantos que para os seus fins pertendem explorar o descontentamento do povo.

Veja-se o que aconteceu na ilha de S. Miguel, onde houve aquollas demonstrações, aquelles tumultos, que ainda não são bem conhecidos; tumultos que não sei se já estão apasiguados, o que muito desejo. Confio que o hão de ser. Mas se for preciso acudir a outros em diversos pontos, para remediar acontecimentos similhantes, como é possivel que se possa viver assim?

Julgam acaso os srs. ministros que só com impostos e emprestimos é que se póde resolver a grande questão em que estamos envolvidos? Enganam-se s. Exas. de certo. Mas s. Exes. têem uma rasão clara. Estão de certo convencidos de que não é só por estes meios que se póde ter ordem e organisação no paiz. Mas é necessario que mostrem que querem seguir um systema que organise e descentralise todas as repartições do estado.

O sr. governador civil de Ponta Delgada reconheceu tanto as justas queixas do povo, que ordenou que os processos por custas se fizessem de uma maneira mais suave; assim o li em um jornal.

Vou tambem ler á camara o trecho de uma carta que recebi de Alemquer. Não lerei senão uma pequena parte della, apesar de ser toda muito interessante; mas ver-se-ha como se aclaram as queixas sobre os vexames que o povo soffre. A pessoa que me escreveu esta carta diz-me que ali a divida das contribuições atrasadas era de 40:000$000 réis, mas que dentro dos ultimos oito mezes se tem pago 36:000$000 réis destas contribuições.

Censura-me porem o meu correspondente com toda a urbanidade e benevolencia, de que eu me queixasse aqui na camara outro dia de que em Alemquer se estavam cobrando contribirções atrazadas, o que era muito violento. A isto responde eu que o meu correspondente justifica o que eu disse, e que se o povo dentro em oito mezes tem pago réis 36:000$000 atrazados, de certo que se lhe tivessem exigido as contribuições dentro do praso devido, que estaria pago sem tanto vexame.

E repito que se em geral se tivesse dado a mesma actividade para receber as contribuições em tempo competente, não seria depois preciso que se pedissem juntas, o que é muito vexatorio.

Esta carta diz ainda mais:

" Quanto ás custas (de que eu me tenho queixado nesfa camara) tem v. exa. rasão no que disse, mas note que os culpados são os deputados e pares do reino, que approvaram a tabella judicial de 30 de junho de 1864, por onde se fazem as contas. V. exa. sabe que ha um processo que tem autoação, certidões, caminhos, etc., e se a citação se for fazer muito longe, ás vezes um contribuinte, que só deve pagar de contribuição 40 reis, paga de custas 2$000 e 3$000 reis."

Ora, sr. presidente, á vista disto, os povos queixam se, e queixam se com rasão. Estes gravames são antigos, accumulam-se pouco a pouco, e por fim, por qualquer motivo novo, podem dar occasião a factos lamentaveis e de funestas consequencias, como os de S. Miguel.

Os srs. ministros, com muito sentimento o digo, perderam a melhor occasião de organisar o paiz como convem que o seja para tirar este paiz, quanto humanamente fosse possivel, do estado em que se acha. As ovações que se fizeram e as representações que se apresentaram a s. Exas. mostravam que a opinião geral do paiz era de que os actuaes srs. ministros eram os homens mais proprios para a situa-

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ção actual, mas desgraçadamente não se tomaram aquellas medidas que eram e são necessarias para melhorar a nossa triste situação, o que o paiz deseja anciosamente.

(Interrupção.)

Pergunta-me o meu nobre amigo, o sr. Costa Lobo, quaes são essas medidas. A primeira é a reforma parlamentar, na qual eu não queria fallar agora, mas uma vez que se me pergunta quaes as medidas para melhorar a organisação financeira do paiz, não posso deixar de expor mais uma vez as minhas idéas a tal respeito.

A reforma parlamentar, como já aqui o tenho dito, é a primeira medida a tomar, porque sem ella não se póde dar ao paiz a organisação economica de que carece para evitar a renovação das circumstancias actuaes; isto mesmo foi reconhecido pelo sr. ministro da fazenda antes de estar naquelle logar, e s. exa. devia não esquecer como ministro o que proclamou antes de o ser.

Sr. presidente, os srs. ministros, repito, perderam a melhor occasião de organisar o paiz, e agora acham-se em circumstancias muito graves e difficeis. Por um lado o paiz já não confia tanto em s. exas, e por outro lado as reformas que fizeram, feriram interesses, embora fosse necessario faze-lo até certo ponto, mas despertaram contra elles o odio de muitas pessoas que lhe fazem agora crua guerra.

Vêem-se pois em circumstancias difficeis, porque lhe falta o apoio do paiz, e têem contra si odios que lhes movem guerra tenaz, e nesta situação ha de ser-lhes difficil sustentarem-se no poder. Se tivessem sabido conservar o apoio da opinião publica, satisfazendo aos anciosos desejos do paiz, poderiam vantajosamente resistir a essa guerra de interesses feridos, mas assim, não tendo feito o que se esperava, mas o contrario do que deviam fazer, por isso a sua posição é muito difficultosa, o que muito sinto, porque respeito muito a todos.

Eu desejo que os srs. ministros se lembrem das circumstancias em que se acham, do mau estado em que estamos e que nos salvem delle, se poderem, mas disto não se segue que eu vote com s. exas, quando entenda que o não devo fazer.

Qual será, sr. presidente, a final, o resultado de todas estas circumstancias tão complexas? Não sei. Desejo porem que se encaminhem as cousas de tal modo que possamos chegar a um estado normal, sem transtorno da ordem publica, mas isso será difficil.

Não posso dizer mais nada.

l;206 -IMPRENSA NACIONAL -1869

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