O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 277

N.º 34

SESSÃO DE 3 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios-os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

(Assiste o sr. ministro da fazenda.)

Pouco depois das duas horas, tendo-se verificado a presença de 25 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, que se declarou approvada.

Não houve correspondencia.

O sr. Bispo de Bragança: - Pedi a palavra a v. exa., porque me julgo em divida para com a camara, em vista das repetidas faltas que tenho commettido, não comparecendo ás suas sessões, como era do meu dever.

As rasões que me têem, impedido de comparecer este anno são as mesmas que obstaram a que eu viesse aqui o anno passado, isto é, a falta de saude, que eu poderia comprovar com attestados, que não tenho aqui presentes, e que de certo a camara me dispensa de apresentar, porque julgo acreditará que o meu estado de saude (que ainda não é bom) perigou de tal modo, que nem mesmo tenho podido residir na minha diocese.

Dadas estas explicações, que eu devia a v. exa. e á camara, permitta-me v. exa. que eu continue a usar da palavra, porque desejo referir-me por esta occasião a um outro assumpto que reputo importante.

Posto que o meu estado seja ainda muito valetudinario, não pude resistir ao impulso que senti, para vir ter a honra de juntar o meu insignificante voto ao dos dignos pares que approvaram o projecto de lei relativo ao caminho de ferro da Beira Alta.

Lendo, que este projecto se achava dado para ordem do dia, vim com dedicação votal-o: quiz assim contribuir com o insignificante contingente do meu voto para este melhoramento e progresso, que eu reputo de muita importancia.

Não foi, porém, sr. presidente, completamente desinteressado este meu impulso, porque desejei por esta occasião chamar a attenção do governo, a fim de lhe pedir igual melhoramento para o districto em que se acha collocada a minha diocese.

É de grande necessidade que o governo mande proceder aos estudos convenientes para a construcção de um caminho de ferro na provincia de Traz os Montes, que a faça ligar-se á rede da viação accelerada, em direcção á fronteira de Hespanha, ou a entroncar com o caminho de ferro do Douro, conforme á illustrada intelligencia, do governo e dos respectivos funccionarios technicos parecer mais conveniente; comtanto que a capital do districto e as localidades mais importantes assim fiquem ligadas.

Isto será por certo grande beneficio para aquella provincia, que parece estar como esquecida d'esta ordem de melhoramentos, que em nossos dias tanto desenvolvimento têem tido, e vão tendo em todas as outras provincias do nosso paiz.

Sei que são grandes as difficuldades do thesouro para que se possam fazer avultadas despezas, mas tambem sei que a provincia de Traz os Montes, a que eu tenho hoje a honra de pertencer, como humilde prelado da diocese de sua capital, não é uma provincia tão insignificante, que deva ficar estacionaria, em presença dos melhoramentos que estão beneficiando todas as outras provincias.

Todas ellas são importantes, todas têem attendiveis interesses, todas gosam de gloriosas tradições e timbres; mas, digamos a verdade, a provincia de Traz os Montes gosa de certos fóros naturaes de estima, que faz resultar em titulo de nobre orgulho o caracter e o nome de transmontano.

Sinto que não esteja presente o sr. ministro das obras publicas, pois que a s. exa. queria eu dirigir, não digo observações, porque a subida intelligencia de tão digno e illustrado cavalheiro não necessita d'ellas, mas para lhe pedir que não seja adiado para alongado praso o curar da provincia de Traz os Montes, e determinadamente do districto de Bragança, sobre o indicado assumpto; e que, logo que lhe seja possivel, haja por bom serviço do paiz mandar proceder aos estudos necessarios, a fim de que esta provincia seja incluida no numero d'aquellas que estão gosando dos melhoramentos dos caminhos de ferro.

Confio bastante na illustração da camara, e por isso sei que não estranhará que eu, tendo aqui assento pelo titulo e caracter ecclesiastico de bispo do reino, levante pela primeira vez a minha débil e não auctorisada voz no parlamento, para tratar de um negocio meramente temporal, e não com relação a algum outro que diga respeito aos interesses da igreja.

Nos grandes mestres da vida pastoral vejo traçados um a um os deveres do meu ministerio, um dos quaes é innegavelmente curar das vantagens, das utilidades, dos commodos mesmo, do rebanho que me está confiado. Não recorrerei a exemplos, que em epocha muito proxima á nossa, teem deixado alguns dos mais illustres prelados; poderia apontar, com especial distincção, o nome do sr. D. Francisco Gomes, bispo do Algarve, que ao empenho mystico de dirigir espiritualmente o seu rebanho, pelos tramites da perfeição evangelica, reuniu o de curar de todos os melhoramentos temporaes dos seus diocesanos, descendo até ás mais determinadas especialidades.

Mas eu em epochas muito mais alongadas encontro iguaes documentos.

No seculo IV da igreja o grande Hilario de Poitiers traçava entre os deveres pastoraes: Utilitates et commoda-commissi sibi gregis curare, isto é, que aos prelados como um dos ónus do seu ministerio incumbe fazer a diligencia por obter todo o genero de melhoramentos, utilidades e commodos temporaes, que possa haver para aquelles cuja direcção espiritual lhes está confiada.

É n'este sentido que eu me honro muito de, pela primeira vez que uso da faculdade de levantar a minha debil voz n'esta assembléa, vir advogar, não os interesses da minha, determinada missão ecclesiastica, no que aliás faria muita bem, porque ella constituo uma parte da representação do estado, mas determinadamente os interesses da minha provincia, como necessitada de meios de viação, para dever fruir as utilidades e commodos que ás outras localidades se acham facultados.

Não expenderei as rasões que fundamentam este meu desejo ácerca das condições de melhoramentos e de progressos indispensaveis á provincia de Traz os Montes, pois todos as conhecem muito melhor, e, alem d'isso, porque não está presente o sr. ministro das obras publicas.

Devo mais declarar, que seguindo-se na ordem dos tra-

34

Página 278

278 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

balhos parlamentares d'esta camara o projecto da reforma d'ella, que actualmente está em discussão na especialidade, tive a honra de votar a sua generalidade; e como se trata da especialidade, pedirei a palavra sobre alguns dos artigos d'elle, se entender assim conveniente aos dictames da minha consciencia.

Tambem desejo, na occasião em que se acharem presentes os srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros, dizer algumas palavras ácerca das missões do padroado real no Oriente, e em especial ácerca das missões que estão em começo em Timor e em Hainam; aquellas, que vão progredindo com dedicado empenho dos seus missionarios; estas, em que elles estão lutando a braços com grandes difficuldades, perigos de perseguição sanguinolenta, e ausencia quasi completa de protecção e garantia, pela falta de tratado entre o governo portuguez e o imperio da China.

Termino aqui as minhas considerações, e peço desculpa á camara pelos momentos que tomei a sua attenção, agradecendo a benevolencia com que me prestou attenção.

O sr. Marquez de Vallada: - Pedi a palavra para solicitar de v. exa. que houvesse por bem dar para ordem do dia a minha interpellação, relativa ás misericordias do reino, e com especialidade á de Braga, assim como a que diz respeito á organisação do collegio dos orphãos de S. Caetano.

O sr. presidente do conselho declarou que o seu collega, o sr. ministro do reino, já estava habilitado a vir responder; portanto, peço a v. exa. que as dê para ordem do dia, porque é um negocio que eu não posso deixar do tratar, não só pela importancia do assumpto, como tambem pela especialidade da minha situação; espero, pois, que v. exa., o mais breve que for possivel, satisfaça o meu pedido.

Sr. presidente, não me sentarei sem felicitar o meu nobre amigo, o sr. bispo de Bragança, que me honra com a sua amisade. S. exa. sabe perfeitamente que o homem compõe-se de duas substancias, espirito e materia, por isso o illustre prelado não podia tambem deixar de attender aos interesses materiaes dos seus diocesanos.

Recorda-me o nobre prelado um nome, que todos os bons portuguezes não podem deixar de recordar com sentimentos de muito respeito, o sr. bispo D. Francisco Gomes, que honrou a sua cadeira episcopal do Algarve, tornando-se notavel, como prelado, na resolução dos negocios ecclesiasticos, não desdenhando descer do seu palacio para ir ao tugurio do pobre levar consolações e auxilios, e até á cabana do camponez, para ir amestrar os cultivadores, no campo, sobre os melhores meios e methodos das diversas culturas.

Quando em 1873 estive no Algarve, ainda me chegou aos ouvidos um echo das virtudes nobilissimas d'esse grande prelado, que soube engrandecer-se e chegar até ás alturas da sua situação.

Mas se este prelado só engrandeceu e illustrou, teve imitadores egregios no grande arcebispo de Braga D. Frei Caetano Brandão, homem notavel, que despendia todo o seu numerario, que era pouco, em beneficio dos pobres; foi este illustre prelada quem creou um collegio para orphãos, destinado para um conservatorio de artes e officios, a que ha pouco me referi, e sobre o qual ainda tenciono fallar, tendo já apresentado uma proposta a seu respeito, proposta que foi approvada pela junta geral do districto de Braga quando tive a honra de ali ser governador civil.

Temos ainda mais, sr. presidente, temos o sr. bispo D. João de Magalhães e Avellar, que tem na cidade do Porto um monumento immorredouro da sua gloria; e o sr. D. Frei Manuel do Cenaculo Villas Boas, fundador da bibliotheca de Evora, onde tem o seu retrato e quando o não tivesse, estava retratado, na sua obra, monumento do seu patriotismo e padrão da sua gloria.

E pelas obras e pelos trabalhos que os homens se nobilitam e se engrandecem.

Depois olhemos para Beja e para Leiria, onde estão vinculados nos hospitaes que levantaram á caridade os nomes illustres de um D. José Valerio e D. Manuel de Aguiar, que ennobreceram estas dioceses.

Percorrendo todo o paiz encontramos figurando brilhantemente os nomes de prelados illustres, que souberam comprehender a sua missão em toda a sua elevação e grandeza, e que nós folgâmos hoje de poder apontar e citar como dignos e honrados exemplos a seguir.

Lançando um rapido golpe de vista por sobre a historia do mundo, encontramos a cada passo vinculados a quasi todos os trabalhos, a quasi todos os melhoramentos scientificos, e a quasi todos os ramos da actividade os nomes de veneraveis prelados.

Olhando para a bancada dos srs. tachygraphos recordo-me, por exemplo, que as primeiras tentativas da arte que exercem foram emprehendidas por um prelado.

São isto factos que todos reconhecem, e que a historie, exuberantemente comprova, para que seja necessario insistir sobre este assumpto.

Eu peço a v. exa. que me desculpe estas poucas palavras que pronunciei, mas não podia deixar de o fazer depois do discurso do digno prelado de Bragança como um testemunho da profunda e respeitosa amisade que lhe consagro, e com que muito me honro, bem como com a de seu illustre irmão, um dos mais distinctos ornamentos d'esta camara; por quem tenho o mais sincero respeito e a mais viva estima.

Desculpe-me, pois, s. exa. esta manifestação que as suas concisas e auctorisadas palavras provocaram, e que não é mais do que uma homenagem sincera ás suas virtudes e saber.

E prestada essa homenagem devida, permitta-me s. exa. que lhe peça a sua valiosa cooperação em uma questão em que me acho empenhado n'esta casa do parlamento, questão que póde considerar-se politica, porque politicas são todas as questões que se referem ás relações dos povos entre si; fallo da importantissima questão da dotação do culto e clero; questão, sr. presidente, que é necessario resolver, mesmo para resalvar todas as complicações e embates, que podem prejudicar a sociedade.

É necessario que os parodies, assim como os bispos, sejam os verdadeiros pastores, uns da parochia, outros da diocese; instando com todos os poderes publicos, e especialmente com o sr. ministro da justiça, para que se dignem resolver esta questão.

Ainda tenho esperança de, nos poucos dias que nos restam de sessão parlamentar, poder levantar convicto a minha voz, e appellar para o patriotismo do sr. Barjona de Freitas, para que esta questão seja resolvida.

Para essa occasião peço eu o auxilio dos nobres prelados que têem assento n'esta camara, e particularmente do sr. bispo de Bragança; porque se todos nós nos empenharmos devidamente no assumpto, decididos e unidos em uma só vontade, eu creio que poderemos chegar a um resultado util e proficuo para a nação.

Nada mais tenho a dizer.

O sr. Visconde de Bivar (sobre a ordem): - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda.

Lidos na mesa foram a imprimir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 284

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia.

Pela ordem da inscripção cabia a palavra ao sr. Vaz Preto, mas como s. exa. não está presente, tem a palavra o sr. conde de Rio Maior.

O sr. Conde de Rio Maior: - O digno par o sr. Barros e Sá, tomando hontem a palavra quando estava quasi a fechar a sessão, fez-me a honra de se occupar das considerações que eu tinha apresentado a esta assembléa.

Página 279

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 279

Cabe-me, pois, o dever de responder a s. exa. não só porque a isso sou obrigado pelas regras de cortezia, mas tambem porque não me é possivel deixar sem resposta algumas das observações do meu antigo amigo o sr. relator da commissão, que ao dirigir-se a mim entendeu dever fazer-me umas accusações, que necessitam levantadas.

Disse s. exa. que as minhas idéas. eram um pouco confusas e contradictorias, porque eu ora advogava doutrinas radicaes, ora defendia doutrinas conservadoras.

Eu explico ao digno par e á camara a apparente contradicção que s. exa. teve a bondade de observar.

Sou radical todas as vezes que se trata de emittir voto ou opinião energica em presença de quaesquer demazias do poder; sou radical quando se trata de estabelecer ou votar reformas, que são urgentemente reclamadas pelo interesse do paiz; sou conservador quando querem alterar a carta constitucional de modo menos legal, julgando eu não ser prudente estabelecer precedente que possa servir mais tarde de exemplo para se dizer que esta arca santa das nossas liberdades foi offendida impunemente; sou conservador quando entendo que se não devem comprometter ligeiramente as leis, em que assentam a sociedade e a familia, a religião, a ordem e o bem estar social! Sou conservador, finalmente, quando penso em não augmentar a despeza, e não comprometter com o meu voto o estado da fazenda publica.

Não desejo pela minha parte de modo algum, prolongar este debate, nem tão pouco podia deixar de me referir áquelles argumentos, que eu julgava necessarios para provar a verdade das minhas asserções. É por isso que entendi, e entendo, que me era licito trazer á tela da discussão factos e circumstancias que podessem servir de uteis auxiliares.

Foi debaixo deste ponto de vista que me reportei, nos discursos que tenho proferido n'esta discussão, a questões que talvez a muitos pareçam alheias á materia principal, mas que, quanto a mim, podiam e deviam entrar no debate.

Dadas estas explicações ao meu .nobre amigo e collega, o sr. Barros e Sá, as quaes servem de resposta á accusação pessoal que s. exa. me dirigiu, peço licença para me referir agora ás outras reflexões que s. exa. apresentou.

Declarou o digno par, que não comprehendia como eu podia entender que as categorias cerceavam a prerogativa regia, e ao mesmo tempo facilitavam as demazias por parte do governo na nomeação dos membros d'esta casa. Se ha resposta facil, creio que é esta.

Sr. presidente, eu podia, no negocio das nomeações regias, ter uma opinião mais decidida, mas preferi encostar-me a boas auctoridades e inclinar-me diante de opiniões respeitaveis, como as do duque de Palmella e conde de Lavradio.

O digno par diz que o que estes cavalheiros affirmam, com relação á questão do pariato, não podia servir de fundamento aos meus argumentos; mas a verdade é que os principies professados por áquelles homens illustres não me collocam em terreno escorregadio. Appello para tudo quanto tenho dito no assumpto.

Não contesto a constitucionalidade do voto que possamos dar quanto ao estabelecimento das categorias, mas estou convencido de que esta providencia é inopportuna actualmente, e póde dar logar a acreditar-se que se pratica um acto de desconfiança para com o poder moderador. Entendo, pois, que são desnecessarias as categorias; lá está a responsabilidade ministerial, tão pouco considerada pelo illustre relator, para evitar sufficientemente a entrada n'esta casa de homens, que não tenham as qualidades indispensaveis para fazerem parte d'esta respeitavel assembléa.

O meu collega e amigo, referindo-se ás categorias, disse que se ellas não se estabelecessem, poderiam entrar aqui homens que fossem menos dignos de pertencer a esta camara.

Permitta-me s. exa. que lhe diga, que este argumento não o acceito, estando eu sinceramente convencido, que todos os governos têem desejos de acertar, e não de errar; não acredito que haja um só, que ouse propor á corôa a nomeação de um par, que esteja em condições taes, que o sentimento publico rejeite indignado a ousada escolha do ministro.

A escolha póde ser menos boa; mas se houvesse um governo que lembrasse um nome impossivel, esta camara teria a independencia necessaria para pedir ao ministro, que tal fizesse, estreitas contas do seu acto.

Portanto, entendo que, n'esta parte, a responsabilidade ministerial nos guarda, de um modo conveniente, dos perigos que possam resultar por occasião da lista que tem de figurar na fornada.

Quando usei da palavra sobre a generalidade do projecto, no primeiro dia em que elle se discutiu, citei auctoridades importantissimas, que diziam que o principio das categorias para nada servia, e que viciava a corrente, não estabelecendo dique capaz de a dominar.

Hontem declarei que me parecia tambem, e isto me explicava o enthusiasmo ministerial da ultima hora pelo projecto, que o artigo das categorias era excellente para o governo, e que este teria d'ora avante um principio optimo para justificar as suas fornadas, embora fosse á custa da corôa. Tinha categoria o candidato, nada podem dizermos adversarios!

Eis-aqui, pois, a resposta que posso dar ao sr. Barros e Sá, sobre as categorias cercearem as attribuições reaes, e ao mesmo tempo facilitarem ao ministro o rude trabalho das nomeações ao pariato.

Eu estou respondendo ás observações do digno par, pela ordem que s. exa. as apresentou.

Disse tambem s. exa., que eu tinha censurado a adopção nas emendas do principio, que a commissão tinha riscada no projecto, relativamente á admissão nesta casa das pessoas que tivessem prestado serviços relevantes ao paiz, e que de mais a mais não lhe parecia que a emenda tivesse entrado por uma porta falsa.

O que eu disse, sr. presidente, foi que este principio, apresentado pelo illustre auctor do projecto, tinha sido eliminado pela commissão, porque esta tinha o seu pensamento subordinado á idéa de fazer valer principalmente as categorias dos funccionarios, e que esse pensamento é que fôra a causa de uma suppressão tão pouco agradavel; mas, não deixei comtudo de applaudir a commissão por ter acceitado de novo o principio, e de o ter restabelecido no projecto, até porque esta doutrina muito a indicava eu nas minhas emendas.

Referiu-se igualmente o sr. relator da commissão ao quadro politico que eu apresentei, e a ter-me occupado de* um modo pouco favoravel da lei eleitoral; e disse s. exa. que a responsabilidade da lei eleitoral não era d'este governo, mas da administração transacta.

Sr. presidente, não me pertence a mim defender a lei. eleitoral; mas o facto é que o ministerio a que v. exa. presidiu apresentou esse projecto para estudo na commissão, era susceptivel de ser modificado, e não significava opinião definitiva.

Pois não vimos nós uma reforma constitucional, que é um negocio que precisa ser muito meditado, e depois de ter sido apresentada, foi retirada, ou, para melhor me exprimir morreu na commissão; porque o governo inscreveu depois na sua bandeira a celebre maxima, que só quando todos os partidos se associassem e unissem para realisar a reforma ella podia ser uma verdade.

Não admirava, pois, que este projecto inicial, apresentado por v. exa., fosse modificado ainda com o assentimento, accordo, e digo mais pela inspiração de v. exa. isto quando se, discutisse na commissão ou na camara dos senhores deputados.

Eu creio que os illustres homens d'estado, que então es-

Página 280

280 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tavam á frente dos negocios publicos, entendiam que esse projecto não era mais do que um estudo previo para chamar a attenção das pessoas competentes.

Em todo o caso o governo actual acceitou a proposta, discutiu-a na commissão da camara dos senhores deputados, fel-a ali votar, e por consequencia a responsabilidade d'essa reforma hoje cabe toda a este ministerio. Mas, sr. presidente, seja qual for o governo que se apresente como editor responsavel desta medida, e ainda que eu tivesse muitos desejos de apoiar esse governo, e sympathisasse com o seu systema de administração, por esse facto não deixaria de sustentar os meus principios e de combater o projecto nos pontos em que entendesse dever fazei-o, porque, para mim, os principios estão em primeiro logar, e não transijo em questões de doutrina fundamental.

Adoptei em politica uma certa ordem de idéas, e d'ellas não me afasto, sejam quaes forem as relações pessoaes de amisade e mesmo politicas entre mim e os cavalheiros auctores dos projectos.

Disse o sr. relator da commissão, que uma cousa que admirava era ver os seus adversarios, a proposito da reforma d'esta camara, tocarem na questão politica, e em muitas outras cousas que não vinham nada para a tela da discussão. Creio que o argumento já foi sobejamente respondido; porém posso repetir, não foi inverter muito o assumpto tratar da questão politica. É facto que se disse aqui que aquelles que sustentavam a minha opinião eram pela immobilidade.

Era necessario explicar o que é essa immobilidade, quem oram aquelles que sustentavam idéas conservadoras, quem eram aquelles que debaixo de um certo adorno de palavras sustentavam idéas a que só chamarei erradas e prejudiciaes para os interesses do paiz, como eu o comprehendo.

Sr. presidente, não affirmo, mas tenho a impressão que o voto a favor do projecto é mais uma concessão por parte da maioria do que uma affirmação.

Eu levantei a questão politica, e disse, como entendia, que os principios conservadores eram offendidos pela adopção deste projecto, d'esta parte tomei algumas notas para responder ao illustre relator da commissão; mas, realmente, depois de vinte e quatro horas decorridas desde o discurso de s. exa., estou mais a sangue frio, e julgo conveniente não continuar a occupar-me d'esta parte da questão, continuando a responder a mais algumas considerações apresentadas pelo digno par relator.

Ha um argumento ácerca do qual não posso deixar de dar explicações ao meu amigo o sr. Barros e Sá.

Disse s. exa. que o exemplo de Inglaterra era mal trazido. Ora em Inglaterra o que se deu, foi um voto a respeito da constitucionalidade do acto praticado pelo governo.

E quer o sr. relator saber o que por fim aconteceu?

Não o disse hontem, mas dil-o-hei hoje; depois de longa luta, querendo ambas as partes chegar a um accordo resolveu-se examinar se, embora não fosse constitucional o acto do governo, podia comtudo justificar-se pelo lado da legalidade. Os inglezes não julgam constitucional tudo quanto data da Magna Carta, mas nem por isso invalidam as antigas leis. O caso julgado conserva muita auctoridade.

Rejeitada a nomeação do par vitalicio, os lords mandaram examinar os antigos arestos, para ver se havia algum que podesse cohonestar até certo ponto a resolução que a assembléa queria tomar.

Chamou-se á barra da camara o guarda mór da torre de Londres, para se indagar se lá existiria algum documento ou aresto, por onde melhor se conhecesse se já em alguma epocha remota se tinham nomeado pares vitalicios.

Peço desculpa á camara do lhe tomar um instante mais a sua attenção para referir este facto curioso.

Veiu á camara o guarda mór da Torre de Londres, rodeado de todas aquellas galas que se costumam usar em taes occasiões na livre Inglaterra, e apresentou alguns arestos escriptos n'um latim antiquissimo, e em caracteres custosos de decifrar. Depois de feita a leitura d'este documento official por aquelle empregado, que se annunciára com tanta pompa, e que mostrou nada perceber do documento; a camara, que o tinha esperado com anciedade para se informar do que havia a respeito do assumpto em questão, tambem nada percebeu. Desataram todos a rir, e disseram ao guarda mor: "Vá para sua casa traduzir o seu latim e traduza-nos isso em boa linguagem." O guarda mór fez o que lhe mandaram, e então concluiu-se que nos reinados de Ricardo II, Henrique V e VI, se tinham nomeado alguns pares vitalicios.

A camara reconheceu, portanto, que não havia illegalidade na nomeação de sir James Parke; e sendo necessario fortificar um pouco o numero dos jurisconsultos ali existentes, resolveu-se por fim escolher n'esta classe dois ou tres pares vitalicios, que depois foram nomeados pela coroa. Aqui está, pois, em tudo quanto acabo de referir, demonstrado evidentemente que as duvidas que se suscitaram foram sobre a constitucionalidade e legalidade do acto, e não sobre o facto da nomeação regia.

A camara comprehende bem que eu não podia deixar de responder ao meu amigo o collega, o sr. Barros e Sá, e por isso desculpará, com a benevolencia que até hoje me tem dispensado, haver eu feito agora uso mais uma vez da palavra.

O sr. Sequeira Pinto: - As propostas mandadas para a mesa, e as declarações feitas por alguns dignos pares com relação ao projecto de reforma desta camara, resolveram-me a pedir a palavra, o que não tencionava fazer, por isso que estava de accordo com o pensamento do projecto, e com a maior parte das suas disposições geraes, e assim era naturalmente levado a dar o meu voto de approvação a este projecto, cuja responsabilidade de iniciativa pertence a um dos mais privilegiados talentos do nosso paiz.

Se forem approvadas as emendas mandadas para a mesa, é necessario harmonisar a doutrina dos diversos artigos do projecto; de outra maneire, ficará sem a unidade de pensamento, que é mister conservar.

Sr. presidente, digo com toda a franqueza a s. exa. e á camara, que sympathiso mais com a segunda parte do projecto, a qual se refere ao modo por que deve ser regulado o direito de successão, ou da entrada n'esta assembléa legislativa pelo principio da hereditariedade. Acceito sem o menor reparo esta doutrina, porque mais se approxima do que eu penso quanto ao direito de successão.

Salvo todo o respeito ao direito constituido, e ás disposições legaes estabelecidas para garantir o direito de herança do pariato, considero-o inacceitavel, e em theoria hoje não se póde defender.

Para fundamentar o que acabo de asseverar, não tenho necessidade de recorrer ás leis que extinguiram os vinculos, nem ás disposições que se encontram no codigo civil, regulando mais racionalmente a successão nos bens de natureza emphyteutica; aproveita-me com toda a vantagem o unico principio que me parece justo e rasoavel, para, era virtude d'elle ser concedida a entrada nas casas do parlamento aos individuos que tenham de exercer as altas funcções que aqui desempenhamos; esse principio é o do merecimento pessoal.

Sr. presidente, de conformidade com estas idéas, não posso deixar de concordar com o parecer da commissão, e de acceitar os requisitos que se estabelecem para a entrada, n'esta casa, por direito de hereditariedade.

Não é dado desconhecer a conveniencia de ser determinada certa ordem de habilitações para se obter uma cadeira n'esta camara.

Sr. presidente, entrando na apreciação da primeira parte do projecto, devo declarar que não considero que fosse indispensavel regulamentar desde já o artigo da carta constitucional, que garante a prerogativa que tem o chefe do es-

Página 281

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 281

tado de poder nomear pares do reino, porque não só tenho a convicção de que a corôa não tem abusado d'esse prerogativa, mas nem receio que para o futuro proceda de outra fórma; parecendo-me mais acceitavel o direito constitucional que hoje vigora.

Sr. presidente, este projecto trata de estabelecer as categorias, das quaes o poder moderador ha de escolher os pares do reino. Não chamo para aqui a questão constitucional, porque me parece inutil depois da votação que teve logar, mas estou propenso a suppor que o auctor do projecto e os illustres membros da commissão que se encarregaram de o estudar e sustentar aggravam, a limitação das categorias com a exigencia de serviço effectivo pelo tempo de cinco annos, no desempenhodas1 mais elevadas funcções politicas, judiciaes e administrativas:

Sr. presidente, a commissão concorda que a idade de trinta e cinco annos seja reduzida a trinta; não se conforma, porém, com a eliminação do praso marcado para o serviço effectivo em algumas das categorias.

N'esta parte não estou de accordo. Estabelecidas as categorias, entende a commissão que ainda se deve exigir uma determinada diuturnidade de serviço.

O digno par; o sr. Sousa Pinto, mandou para a mesa uma substituição com referencia á categoria setima, relativa aos generaes de brigada, aos quaes se exigem cinco annos de serviço.

Approvo a substituição apresentada por s. exa. Todos nós conhecemos quão vagaroso é o accesso na vida militar, e que só em avançada idade podem ser alcançados os postos do generalato; é de certo exagerada a exigencia de diuturnidade de serviço.

D'esta maneira, sr. presidente, em logar de reformarmos a camara dos pares, corremos o risco de fazermos uma camara de reformados; é conveniente eliminar esta parte do artigo 4.° § 7.° do projecto; e o que referi com relação ao generalato, tem applicação tambem aos magistrados superiores, judiciaes, cujo accesso é muito vagaroso.

O magistrado, que é promovido ã juiz da relação: depois de uma larga carreira publica, está habilitado a poder exercer as funcções de par, sem necessidade de se lhe exigirem mais cinco annos de serviço; do mesmo modo que o militar, que obtem o posto de general de brigada, tem a prudencia e conhecimentos necessarios para poder entrar no parlamento, discutir, votar um projecto de lei, e apreciar devidamente o que é conveniente aos interesses do paiz.

A camara sabe muito bem que o suprema tribunal de justiça é o mais graduado na escala judicial, assim como na escala administrativa tem o primeiro logar o supremo tribunal administrativo: os magistrados que têem nos diversos tribunaes posições de igual categoria devem estar nas mesmas condições de direito para entrarem n'esta camara, não sendo por isso rasoavel que os conselheiros do supremo tribunal administrativo não possam ser nomeados pares sem terem tido cinco annos de exercicio.

O numero 13. ° das categorias diz tambem o seguinte: " procurador geral da corôa e fazenda com cinco annos de exercicio".

Sr. presidente, se as observações que apresentei procedem com relação aos logares que acabo de enumerar, por maioria de rasão tem applicação ao logar do procurador geral da corôa e fazenda, que é o chefe do ministerio publico, equiparado em suas honras e graduação aos conselheiros do supremo tribunal de justiça; para a procuradoria geral da corôa e fazenda só póde ser despachado, jurisconsulto que tenha reconhecido merecimento e profunda largueza de intelligencia e illustração, devendo ter perfeito conhecimento da legislação conhecida e vigente nó paiz e fóra d'elle; o procurador geral da corôa é o conselheiro permanente dos governos, é chamado a dar voto nos negocios da mais grave responsabilidade.

Sr. presidente, se eu quizesse corroborar; esta minha opinião com o testemunho dos factos, podia appellar para as nomeações que têem sido feitas. V. exa. sabe com quanta distincção têem exercido esta commissão os cavalheiros para ella nomeados, taes como os srs. Ottolini, Sebastião de Almeida e Brito, e actualmente o digno par o sr. conselheiro Mártens Ferrão. (Apoiados.)

Não devemos, pois, ser exagerados. É necessario estabelecer categorias? Já estão designadas; não as limitemos, porém, de modo que o chefe do estado possa encontrar-se embaraçado quando no uso do poder moderador seja levado por qualquer urgencia constitucional a nomear pares do reino.

As categorias de que trata o projecto, mesmo parecendo muito numerosas, não o são effectivamente, porque estão os mesmos individuos occupando ao mesmo tempo diversos logares ou commissões que as constituem.

No n.º 5.° se lê: " Marechaes do exercito ou almirantes." Com rasão a commissão dá um logar de honra ao marechal do exercito e ao almirante; mas se o poder moderador quizer escolher n'estas categorias não o póde fazer; porque hoje não existe nenhum official do exercito ou da armada com qualquer d'estes postos excepcionaes; e nós fazemos votos para que esses postos excepcionaes estejam vagos, porque é certo que tão elevadas graduações só pódem ser dadas em circumstancias excepcionaes, que o paiz deseja ver afastadas para bem longe.

Sr. presidente, no que existe ainda grande desigualdade é no tempo de serviço exigido para os funccionarios que têem habilitações e servido o seu paiz por largo espaço, e as condições de admissão para os que são comprehendidos na categoria 19.º, que diz:

(Leu.)

O proprietario; precisa só provar a diuturnidade do seu serviço com os conhecimentos respectivos da materia nos tres ultimos annos, mas não se-lhe exige habilitação alguma litteraria.

Póde ter entrada n'esta camara um proprietario ou commerciante, o qual no tribunal da Boa Hora tenha impedimento legal de ser jurado! (Apoiados,)

O que1 acabo de expor não importa uma censura á commissão ou ao auctor do projecto; tem unicamente por fim mostrar, que as condições que se exigem para o funccionario não estão em harmonia com as exigidas ao proprietario.

Não assevero que n'esta casa deva ser negada a entrada aos homens que representam a grande propriedade, que concorrem com grandes quantias para o thesouro, em virtude dos impostos que pagam.

A commissão, porém entendeu conveniente alterar parte do projecto primitivo; e faz distincção entre proprietario, capitalista e industrial; a proposta primitiva era mais racional, e é a que deve ser votada.

Sr. presidente; a camara póde deixar de acceitar as modificações, que a tive a honra de indicar, se tem o proposito de manter o projecto tal qual está; mas, se admittir a substituição apresentada pelo nosso collega, o sr. Sousa Pinto, ou qualquer outra, não creio que, possa ter duvida em eliminar a diuturnidade do serviço.

Sr. Presidente, são estas as considerações que offereço á apreciação de v. exa., da camara e da commissão, para as tomarem na conta que merecerem.

O sr.- Barros e Sá: - Comquanto esteja e mais a commissão em completo accordo com os principios geraes expostos pelo precedente orador, entendo comtudo conveniente dar algumas explicações.

Não receia que das categoruias provenha nenhum inconveniente, e tratou de mostrar que ellas tinham a vantagem de impossibilitar alguns erros e precipitações, que sem ellas seriam muito faceis. Se em Portugal não se póde imputar á corôa nenhum abuso na nomeação de pares, é certo que os têem havido n'outros paizes, que nomeou.

Passou a justificar as categorias, e a auctorisar ás condições que a commissão tinha exigido para tornar conhe-

34 *

Página 282

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 282

cido e incontestavel o merito dos individuos n'ellas comprehendidos, e simultaneamente a combater as em rasão dos que ou não as queriam, ou arguiam de muito longo o tempo de exercicio que se exige em algumas.

O sr. Visconde de Ponte Arcada: - Eu já disse que votava contra este projecto; e não tenho agora necessidade de insistir nas rasões que me impellem a reproval-o, porque essas rasões já estão exuberantemente expostas e justificadas por mim mais de uma vez.

Por exemplo, no artigo 1.°, ha uma contradicção tão flagrante, como já aqui disse, que não me parece muito airoso que a camara o vote, porque vae votar para uma cousa que não existe.

E o proprio sr. presidente do conselho conheceu tanto os defeitos do projecto na generalidade, que declarou não fazer d'elle questão ministerial. Limitou-se a dizer isto, não apresentando considerações algumas em sua defeza.

O que s. exa. devia declarar, era se queria ou não, visto que se pretendia reformar esta camara, mas não o fez, contentando-se unicamente em dizer, que não o considerava como questão ministerial, devendo todavia apresentar um projecto para esse fim, ou rejeitar toda e qualquer reforma.

Ora, tudo isto, sr. presidente, prova que nós estamos em circumstancias muito difficeis, ás quaes é necessario dar remedio prompto e efficaz.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Não usarei da palavra por muito tempo; serei o mais breve possivel; e só quero servir-me d'ella para explicar o meu voto, porque se é certo que não entrei na discussão especial d'este artigo, não será agora que entrarei n'ella, depois de o terem feito os dignos pares que me precederam. Eu rejeito o artigo.

Uma das cousas que me parece ter ficado bem reconhecida, pela discussão da especialidade do projecto, foi que, apesar da carta constitucional ser uma das mais perfeitas instituições politicas; apesar das vantagens reconhecidas na maior parte das suas disposições, comtudo devia ser reformada em alguns dos seus pontos que careciam de aperfeiçoamento, ou não estavam já no espirito da epocha.

Reconheceu-se tambem que um dos pontos da carta que exigiam reforma era o que se referiu á organisação d'este corpo politico, d'esta parte do parlamento chamada camara dos pares; e que essa reforma se podia fazer pelos poderes ordinarios que tem o parlamento; isto é, que estes principios constitucionaes da carta se podiam regular por este modo.

Veiu, pois, a reforma, e um dos principios que se admittiram foi o das categorias para provar a capacidade, tanto para a successão como para a nomeação de novos membros para esta camara, estabelecendo-se uma serie de regras para isso.

Ora, o que eu não desejava deixar de indicar era um outro modo de provar a capacidade; isto é, pela confiança publica, pelo principio eleitoral.

Se o não proponho é porque vejo perfeitamente que esta camara o não acceitaria, e eu não quero demorar mais a discussão d'este projecto, que ainda precisa da approvação da outra camara para ser convertido em lei do estado.

Voto, pois, contra; mas votaria a favor se se acceitasse para esta reforma o principio da liberdade eleitoral; porque, embora o governo mostre entender a questão como a entende a commissão, com os principios admittidos n'esta lei póde vir uma outra situação que de uma outra interpretação aos artigos d'ella.

Digo isto, porque entendo que, embora se diga que o direito eleitoral não é bem exercido entre nós, comtudo é o mais preferivel; porque é necessario que se saiba que ainda quando a auctoridade commetta abusos, cerceando esse direito, se o paiz verdadeiramente quizesse ainda, pelo mesmo principio, podia dar uma lição severa a quem fosse contra a liberdade eleitoral.

Tenho dito.

(O orador não reviu as suas notas.)

O sr. Presidente: - Está acabada a inscripção.

O sr. Conde de Rio Maior: - As observações apresentadas pelo illustre relator da commissão sobre a responsabilidade ministerial, emquanto ás nomeações regias, levam-me a pedir a v. exa. para propor á camara se consente que as duas propostas que eu tinha apresentado, alterando um pouco a emenda do sr. visconde de Seabra, possam ser retiradas.

E faço este pedido, porque depois de ouvir essas interessantes declarações, não só voto contra o artigo do projecto, como tambem contra a emenda. Voto contra tudo isto, porque desejo que as cousas fiquem como estão até que o paiz resolva um dia a melhor maneira de tornar effectiva a responsabilidade politica do governo.

Fiquem as cousas como estão, é o mais seguro.

O sr. Presidente: - Eu peço licença a s. exa. o sr. conde de Rio Maior; parece-me que s. exa. se referiu unicamente ás propostas que tinha feito com relação á substituição do sr. visconde de Seabra. Não é assim?

O sr. Conde de Rio Maior: - Eu propuz que me fosse concedido retirar a minha emenda para não ser contradictorio, porque hei de votar contra a substituição do sr. visconde de Seabra, bem como hei de votar contra o artigo, e por este facto desejo retirar os meus additamentos.

O sr. Presidente: - O digno par vota contra o artigo do projecto, e contra a substituição mandada para a mesa pelo digno par o sr. visconde de Seabra, por consequencia deseja retirar as propostas que tinha feito a este artigo e áquella proposta; não é assim?

O sr. Conde de Rio Maior: - Sim, senhor.

O sr. Presidente: - Eu chamo a attenção da camara.

O digno par, o sr. visconde, de Seabra mandou para a mesa uma proposta de substituição ao artigo 4.° d'este projecto.

Alem d'isto, mandou tambem um additamento, a que chamou artigo 5.°, e do qual uma parte está comprehendida no § 1.° da commissão.

Quando se votar o § 1.°, eu hei de mostrar qual é a parte do artigo 5.° apresentada pelo sr. visconde de Seabra, que n'elle está comprehendida, e qual a parte que o não está.

Eu hei de propor á camara, se o digno par, o sr. visconde de Seabra, não declarar que desiste da sua proposta de substituição ao artigo 4.°, que vote primeiramente o artigo proposto pela commissão, e só proporei a substituição do sr. visconde de Seabra no caso de ser rejeitado o artigo.

É verdade que o parecer comprehende o artigo 4.° e as categorias, e eu entendo que a camara não póde deixar de votar especialmente cada uma d'ellas, porque existem sobre a mesa algumas propostas com relação a muitas d'essas categorias, e seria uma grande confusão se se votasse promiscuamente o artigo e as categorias que elle comprehende.

Chamo a attenção da camara para cada uma das propostas que foram feitas com relação a este artigo.

O sr. Conde de Rio Maior: - Parece-me que v. exa. disse que se votava primeiramente o artigo 4.° e depois os n.ºs 1.°, 2.° e 3.°; foi isto o que comprehendi; sendo assim, eu requeiro que a votação, com relação ao artigo, seja nominal.

O sr. Presidente: - A primeira cousa que tenho a fazer é consultar a camara se quer votar o artigo 4.° separado de cada uma das categorias.

Consultada a camara resolveu affirmativamente, bem como que a votação sobre o artigo fosse nominal.

O sr. Presidente: - Se for approvado este artigo fica prejudicada a proposta do sr. visconde de Seabra.

Vozes: - Não, senhor.

Página 283

DIARIO DA GAMAM DOS DIGNOS PARES DO REINO 283

O sr. Presidente: - O sr. visconde de Seabra deseja fallar sobre este objecto? Tem s. exa. a palavra.

O sr. Visconde de Seabra: - É sobre este objecto.

É necessario reparar que o artigo 4.° comprehende tambem as categorias.

Queira v. exa. ver a ultima parte do artigo.

O sr. Presidente: - Mas v. exa. falla sobre a sua substituição?

O sr. Visconde de Seabra: - Eu tinha acabado de dizer que no artigo 4.° se comprehendem tambem as categorias.

Queira v. exa. ter a bondade de ler o final do artigo, e verá que não é exacto o que diz. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Eu chamo a attenção da commissão e do illustre auctor do projecto.

A muitas das categorias foram apresentadas emendas; portanto, como é possivel n'uma só votação comprehender-se o artigo 4.° e todas as categorias?

Vozes: - Não póde ser.

O sr. Presidente: - A primeira votação ha de racaír, pois, sobre o artigo 4.° que a commissão emendou, e propõe agora nos termos seguintes:

"Artigo 4.° Só podem ser nomeados pares do reino os cidadãos portuguezes que, tendo nascido taes, nunca perderam nem interromperam, por acto ou omissão propria, a sua nacionalidade, e provarem que têem trinta annos de idade, que estão no pleno goso dos seus direitos civis e politicos, e que se acham comprehendidos em alguma das seguintes categorias."

E sobre cada uma das categorias ha de haver votação especial, votando-se tambem, com relação a cada uma d'ellas, as propostas que foram mandadas para a mesa.

Se a camara concorda nisto (Vozes: - Muito bem, muito bem.), fica entendido que a votação nominal é sobre o artigo 4.°, como se acaba de ler.

Se este artigo for approvado, considera-se prejudicada a substituição proposta pelo sr. visconde de Seabra, salva uma parte della, que é rigorosamente um additamento, e para que chamarei a attenção da camara quando se chegar ao logar competente. (Vozes: - Muito bem.)

Em vista da manifestação da camara, vae proceder-se á votação nominal do artigo 4.°

Feita a chamada

Disseram approvo os dignos pares: Cardeal Patriarcha; Marquezes, de Fronteira, de Vianna; Condes, de Bomfim, do Casal Ribeiro, do Cavalleiros, de Fonte Nova, da Torre; Bispos, de Bragança e do Porto; Viscondes, de Bivar, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia Grande, de Seisal, da Silva Carvalho; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Agostinho Ornellas, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Costa Lobo, Cau da Costa, Palmeirim, Sequeira Pinto, Larcher, Mártens Ferrão, Braamcamp, Franzini, Menezes Pitta, Duque d'Avila e de Bolama (presidente),Visconde de Soares Franco (1.° secretario) e Eduardo Montufar Barreiros (2.° secretario).

Disseram rejeito os dignos pares: Marquezes, de Ficalho, de Pombal, de Sabugosa, de Vallada; Condes, dos Arcos, do Farrobo, da Ribeira Grande, de Rio Maior; Viscondes, de Fonte Arcada, de Ovar, de Seabra; Sousa Pinto, Xavier da Silva e Pinto Bastos.

O sr. Presidente: - Foi approvado o artigo 4.°, como o propoz a commissão, por 37 votos contra 14.

Por consequencia está prejudicada, n'esta parte, a substituição feita pelo sr. visconde de Seabra.

Passamos a votar as categorias.

Foi approvada a l.ª

2.ª Categoria.

O sr. Presidente: - O sr. conde de Rio Maior propoz a eliminação das palavras "com dois annos de effectivo serviço". Não sei se o digno par mantem esta emenda?

O sr. Conde de Rio Maior: - Se a camara me auctorisa, retiro todas as emendas que apresentei.

O sr. Presidente: - N'esse caso submetto á votação o n.° 2.° tal qual está no parecer da commissão.

Foi approvado, assim como os n.ºs 3.°, 4.°, 5.° e 6.°

7.ª Categoria.

O sr. Presidente: - O sr. general Sousa Pinto propoz a eliminação das palavras "com cinco annos de exercicio n'este posto". Por consequencia devo submetter á votação primeiramente esta emenda.

Não foi approvada.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o n.° 7.° tal qual está no parecer da commissão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado, assim como os n.ºs 8.° e 9.°

10.ª Categoria.

O sr. Presidente: - A este numero propõe o sr. visconde de Seisal uma substituição: que, em logar de cinco annos de exercicio, se diga "tres annos de exercicio".

Foi rejeitada a substituição.

Approvou se o n.° 10.° e mais os n.ºs 11.° e 12.°

13.ª Categoria.

O sr. Presidente: - O sr. visconde de Seisal propõe a eliminação das palavras "com cinco annos de exercicio".

Posta á votação, foi rejeitada.

Approvou-se o n.° 13.°, o n.° 14° e o n.° 15.°

16.ª Categoria.

O sr. Presidente: - A este numero ha duas emendas: a primeira é do sr. visconde de Seisal, que propõe a eliminação das palavras "tendo alem d'isto as habilitações exigidas no § 4.° do artigo seguinte"; a outra é do sr. Agostinho de Ornellas, que propõe um additamento, concebido n'estes termos "devendo, porém, o director geral nomeado optar entre o seu logar e o de par do reino".

Pergunto aos dignos pares, auctores d'estas propostas, se desejam mantel-as?

O sr. Ornellas: - Peço licença para retirar a que apresentei ultimamente.

O sr. Visconde de Seisal: - Eu tambem retiro a minha.

Foram approvados os n.ºs 16.° e 17,°

18.ª Categoria.

O sr. Presidente: - A commissão offerece uma nova redacção a este numero, a qual comprehende varias propostas, que foram mandadas para a mesa e que a commissão approvou. Os dignos pares que approvam este numero como a commissão o redigiu ultimamente, tenham a bondade de sé levantar.

Foi approvado o n.° 18.°

19.ª Categoria.

O sr. Presidente: - O sr. Ornellas propõe a seguinte emenda:

"N.° 19.° - Proprietario com rendimento não inferior a 8:000$000 réis annuaes provado pelas respectivas matrizes de contribuição predial; ou capitalista com rendimento não inferior a 16:000$000 réis annuaes, provado por titulos de divida publica fundada devidamente averbados com tres annos de antecipação pelo menos."

O sr. Ornellas: - Peço licença para retirar, á excepção da ultima, todas as emendas que apresentei e não foram adoptadas pela commissão.

O sr. Presidente: - É uma substituição, que só deve ser votada se for rejeitada a redacção da commissão. Vae pois, votar-se esta redacção.

Posta á votação, foi approvada.

20.ª Categoria.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a categoria 20.ª, sem os seus paragraphos, que serão votados separadamente, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Agora vou submetter á votação o § 1.°, que a commissão propõe. Está redigido de modo

Página 284

284 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que comprehende varias propostas mandadas para a mesa por alguns dignos pares, o uma parte do additamento do sr. visconde de Seabra, que passo a ler:

"Artigo 5.°- A. Podem igualmente ser nomeados pares do reino, por distincção especial, os cidadãos que d'essa distincção se houverem tornado dignos por serviços e meritos extraordinarios, sem outra condição mais que a proposta do ministerio e approvação unanime do conselho d'estado."

Se o sr. visconde de Seabra mantem esta proposta, entendo que devo submettel-a á votação da camara depois de votado o § 1.°

O sr. Visconde de Seabra: - Mantenho a minha proposta tal qual é.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o § 1.°, salvo o additamento proposto pelo sr. visconde de Seabra, e sobre que ha de recair votação espacial, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o additamento proposto pelo sr. visconde de Seabra, tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitado.

O sr. Presidente: - Segue-se o§ 2.°, que contem uma parte do § unico.

(Leu.)

Posto á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: - Ha outra proposta para uma nova categoria, que não sei se o sr. visconde de Seisal quer sustentar.

O sr. Visconde de Seisal: - Peço licença para retiral-a.

A proporção que se votavam, iam sendo lidos na mesa os diversos numeros de categorias.

O sr. Presidente: - Então passâmos á discussão do artigo 5.°

Leu-se na mesa.

O sr. Visconde da Silva Carvalho: - Mando para a mesa a seguinte emenda ao § unico.

Se a camara me fizer a honra de admittir a minha proposta á discussão, e a mesma for impugnada, peço desde já a palavra para dizer os motivos em que me fundo para a apresentar.

Foi admittida á discussão conjuntamente com o § 5.° a emenda proposta pelo sr. visconde da Silva Carvalho.

O sr. Presidente: - Devo declarar á camara que sobre este artigo foram mandadas para a mesa as seguintes propostas:

O sr. Costa Lobo propõe:

"Tenho a honra de propor a seguinte emenda ao § unico do n.° 5.° do artigo 5.°:

"Em logar de "2:000$000 réis" seja "4:000$000 réis".== Costa Lobo.:)

"Tenho a honra de propor a seguinte emenda ao n.° 3.° do artigo 5.°:

"Em logar de "trinta e cinco annos" proponho "trinta annos" . = Costa Lobo. "

O sr. Visconde da Silva Carvalho propõe:

"Emenda ao § 3.° do artigo 5.°:

"§ 3.° Que tem trinta annos completos de idade, e se acha no pleno goso dos seus direitos civis e politicos, possuindo alem d'isso moralidade e boa conducta, comprovada pelo attestado de tres pares. = Silva Carvalho."

O sr. Conde do Bomfim propõe:

"Artigo 8.°:

"Proponho que n'este artigo sejam substituidas as palavras "por morte do seu antecessor" pelas seguintes "por serem maiores de vinte e cinco annos". = Conde do Bomfim."

"Artigo 5.°, n.° 3.° - Proponho que n'esta condição seja emendada a idade de "trinta e cinco annos" pela de "vinte e cinco". = Conde do Bomfim.

"Artigo 5.º, n.º 4.º - Proponho que n'esta condição seja eliminado tudo o que se segue ás palavras "polytechnicas e academias", acrescentando-se "ou emfim algum dos cursos superiores de qualquer estabelecimento de instrucção superior do paiz". = Conde do Bomfim.

"Proponho que se augmente no artigo 4.° mais a seguinte categoria:

"21.ª - Aquelle que prestar um relevante serviço á sciencia, ou que pela sua dedicação ou valor fizer um relevante serviço á patria em alguma das carreiras publicas civil ou militar, bastando este facto independente de outra qualquer condição. = Conde do Bomfim. "

"Proponho que o § unico da condição do n.° 5.° do artigo 5.° passe a ser a propria condição, e se lhe acrescente um § unico, tudo redigido do seguinte modo:

"N.° 5.° - Que é membro da magistratura judicial, ou ajudante do procurador geral da corôa e fazenda no continente do reino ou da armada, lente cathedratico na universidade de Coimbra, ou professor proprietario em alguma das escolas superiores de instrucção publica, e prestando a prova de possuir o rendimento liquido de 2:000$000 réis proveniente de alguma das origens estabelecidas no n.° 19.° do artigo 4.° de posto ou de emprego inamovivel.

"§ unico. As condições dos n.ºs 4.° e 5.° d'este artigo ficam dispensadas quando o herdeiro se ache comprehendido em alguma das categorias designadas no artigo 4.°= Conde do Bonfim."

" Artigo 4.°, n.° 19.° - Proponho n'esta categoria a emenda de "4:000$000 reis" em logar de "8:000$000 réis".= Conde do Bomfim."

O sr. Conde de Linhares propõe:

"Emenda ao § 4.° do artigo 5.°:

"§ 4.° - Que é bacharel pela universidade de Coimbra, ou tem o curso de alguma das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, ou das polytechnicas e academias que habilitam para o corpo de estado maior do exercito ou para alguma das armas especiaes de artilheria, engenheria e marinha, ou para engenheria civil, ou o curso de qualquer outro estabelecimento acreditado de instrucção superior nacional ou estrangeiro."

"Substituição ao artigo 8.° da proposta de lei:

"Artigo 8.° - Aquelle que já for maior pelas nossas leis civis ao tempo da promulgação da presente lei, será admittido em conformidade das disposições da legislação anterior, embora vivesse ainda o seu antecessor n'essa data."

(Salva a redacção.)

"Sala das sessões da camara dos pares, em 26 de março de 1878.= Conde de Linhares."

E por ultimo o sr. visconde da Silva Carvalho apresentou a seguinte proposta:

"Emenda ao § unico do n.° 5.° do artigo 5.°:

"Onde se diz: "official superior do exercito do reino ou da armada", diga-se "capitão do exercito do reino, ou primeiro tenente da armada, com cinco annos de exercicio."

O sr. Conde do Bomfim: - Peço licença á camara para retirar as minhas emendas na parte em que não foram acceitas pela commissão.

Assim se resolveu.

O sr. Costa Lobo: - Peço licença tambem para retirar as minhas emendas que não foram adoptadas pela commissão; e mando para a mesa uma nova emenda com respeito á admissão dos cursos das universidades estrangeiras, emenda que não justifico, porque são obvios os seus fundamentos.

Página 285

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 285

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara.

Consultada a camara, concedeu ao sr. Costa Lobo o retirar as emendas que não foram adoptadas pela commissão, e admittiu a nova emenda que apresentou.

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, uso da palavra n'esta occasião unicamente para pedir para retirar as minhas emendas.

Não serei eu, nesta discussão tão enredada, e a que v. exa. tem presidido de uma maneira admiravel, e que a camara louva de certo; (Apoiados.) não serei eu, repito, que vá complicar mais este negocio, protrahindo a votação, quando parece que a camara, decerto, está fatigada.

Expondo as minhas idéas tive unicamense em vista apresentar convicções sinceras sobre o assumpto.

Por agora nada mais tenho a fazer senão retirar as minhas emendas, repetindo o que já disse, isto é, que voto contra todo o projecto.

O sr. D. Affonso de Serpa: - Mando para a mesa um parecer.

O sr. Visconde da Silva Carvalho: - Eu tinha pedido a palavra para sustentar a minha emenda, se ella fosse impugnada, mas como ninguem a impugnou, e não sei mesmo se a commissão a adopta, nada tenho, por emquanto, que dizer.

O sr. Barros e Sá: - Por parte da commissão declaro que é acceita a emenda do sr. visconde da Silva Carvalho, para que o posto exigido seja o de capitão e de primeiro tenente da armada com cinco annos de serviço.

O sr. Presidente: - Está acabada a inscripção. Vae votar-se o artigo.

Foi approvado.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu tinha pedido a palavra.

O sr. Presidente: - O artigo já está votado; no entanto eu consulto a camara se permitte que conceda a palavra a s. exa.

Consultada a camara, respondeu affirmativamente.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, poucas palavras proferirei na altura em que está, a discussão, mas não posso eximir-me a exprimir uma opinião, que desejo tornar bem conhecida de todos.

Eu voto contra este projecto de lei, mas não pelos motivos e rasões que levam alguns membros d'esta camara, e que muito respeito, a votar contra elle.

Eu folgo de ver junto a mim o meu collega, o sr. Barros e Sá, que em todas as discussões politicas de certa gravidade n'esta camara se me figura que é o ministro, porque é sempre s. exa. quem as defende aqui. Esta minha opinião é necessariamente muito lisonjeira para o digno par, e para os cavalheiros da politica de s. exa., porque é um incansavel campeador.

Sr. presidente, eu entendo que depois que os corpos legislativos extinguiram os vinculos (e eu votei pela sua conservação), que depois que foram extinctos os prazos em vida é impossivel a hereditariedade do pariato.

Agora só comprehendo a hereditariedade para o rei, por ser uma imprescindivel necessidade politica; mas a hereditariedade do pariato, depois de não haver que herdar, é completamente absurda, e as leis devem ser logicas e acompanhar o progresso da epocha. Ora, esta é essencialmente democratica, e não aristocratica.

Eu folgaria muito que nos encontrassem no estado e nas circumstancias da culta Inglaterra, que tem sabido manter as suas tradições e alliar o prestigio do poder com as idéas da epocha.

Mas, sr. presidente, a Inglaterra tem nas suas instituições a liberdade de testar, que nós não temos, assim como já não temos os prazos em vida, nem os morgados.

Sr. presidente, é preciso fallar claro, porque não estamos aqui para illudir ninguem; e, quando digo isto, não me dirijo de certo aos auctores d'esta lei, que de modo algum poderiam ter idéa de querer illudir a camara ou o paiz; porém a verdade é que não é possivel continuar o pariato hereditario, visto que a aristocracia acabou em Portugal e com ella o partido conservador. Este partido não tem hoje rasão de ser. Conservar o que? Partido moderado póde haver, mas partido conservador não; esse acabou de todo, acompanhei-o no seu passamento, assisti aos seus funeraes e estive presente á inscripção do seu epitaphio. Depois que estes factos se realisaram parece-me absurdo querer sustentar que haja uma aristocracia n'este paiz. Não é já possivel havel-a.

A aristocracia portugueza pertence hoje ao passado, tem as suas tradições gloriosas, e nos annaes brilhantes da nossa patria estão inscriptos os nomes dos seus heroes, dos seus filhos mais distinctos, que se engrandeceram nas lutas da intelligencia e da sciencia, e nas façanhas das guerras de alem mar, onde o patriotismo dos nossos avós se expandia, tornando os seus nomes gloriosos para todo o sempre, nos grandes commettimentos levados a cabo com tanto esforço, em beneficio da patria, e honra e gloria da nação.

A aristocracia, pois, tem os seus fastos brilhantes, tem as suas tradições illustres, tem a sua historia gloriosa, mas hoje não tem vida. Por consequencia, não se póde dizer que esta camara é aristocratica; contra isto protesta a historia, a critica, a logica e o bom senso. Quero que a todo o custo se sustente a monarchia e o throno do sr. D. Luiz I; mas assim como quero isto, quero tambem que conheçamos bem o espirito da nossa epocha, que transijamos com as suas idéas e nos compenetremos de uma grande verdade, e é que a epocha actual é toda de democracia. E esta grande verdade profere-a hoje aqui no seio da camara dos pares o honrado representante de uma das familias mais nobres d'este reino, que se honra sobretudo de ser homem do seu trabalho e do seu tempo, e de acompanhar a civilisação e o progresso em tudo que elles possam ter de util e benefico para a humanidade. Acatando o passado e acompanhando o presente, parece-me que sigo a vereda que todo o homem deve seguir, quando se inspira dos verdadeiros principios que o devem guiar.

Nas paginas brilhantes da historia e nas respeitaveis tradições da patria, temos todos um incentivo para caminhar n'uma senda gloriosa, e emprehender novos commettimentos. Estamos n'uma epocha de trabalhos, e n'esse grande arsenal dos conhecimentos humanos, n'esse grande campo onde todas as intelligencias generosas se manifestam, podem ser entregues as corôas brilhantes que designam o grande genio, o amor do trabalho e o amor da patria.

Sejâmos francos, porque temos obrigação de o ser. Não queremos nem devemos illudir ninguem.

Eu reputo uma necessidade a existencia de uma segunda camara, mas todos estes artigos, todas estas categorias e todas estas precauções, permitta-me o illustre relator da commissão que eu diga, de pouco servem, e não satisfazem nenhuma necessidade real.

Cotejando este artigo com o que ha pouco se approvou, o que vemos nós?

Vemos, como disse o sr. Sequeira Pinto, que um homem, que não póde ser jurado, póde ser admittido como par do reino! É a adoração do ouro! É a adoração da materia de preferencia á do genio!

Póde um homem ir para o Brazil, negociar em negros, e depois vir para esta camara! Mas, Alexandre Herculano, se vivesse, não podia entrar aqui, porque não estava comprehendido nas categorias, porque só tinha escripto, alem de outras obras, os quatro brilhantes volumes da sua historia de Portugal! Sim. Havia de fechar-se a porta d'esta casa ao grande escriptor, que era ao mesmo tempo um grande coração, um grande caracter, e que deixou um nome, que ha de ficar na historia como exemplo de grande abnegação, de grande honradez e de eminente patriotismo.

Sr. presidente, quem mostrar que tem 8:000$000 réis de rendimento, comprovado pelos competentes documentos, passados, pelo escrivão de fazenda, tem aqui entrada, sem

Página 286

286 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

precisar de dar provas da sua intelligencia, porque, perante o dinheiro todos se curvam; mas, para os filhos dos pares, para essa hereditariedade imaginaria, exigem se os diplomas das universidades! Estes precisam dar provas de intelligencia; perante aquelles curvam-se todos!

Sr. presidente, lembro-me do que dizia o illustre visconde de Almeida Garrett, na outra casa do parlamento, dirigindo-se ao nobre duque da Terceira: embora elle não fosse descendente dos Sanchos Manueis, curvar-me-ia sempre diante do tão grande vulto, do mesmo modo que me curvaria perante sr. Luiz de Sousa, ainda que não descendesse de tão nobre estirpe, porque era um grande talento, um dos mais eximios escriptores do seu tempo.

Perante estes tambem eu me curvo, mas não posso curvar-me perante os que representam o contrario.

Desde que se extinguiram os vincules, a unica hereditariedade que existe, e que eu quero que continue a existir, é a do rei, porque é conveniente para a ordem publica.

Agora, sr. presidente, vou contar um facto, que talvez seja ignorado por alguns dignos pares.

Houve aqui um cavalheiro chamado José de Faria, que foi ministro de estado, e pediu e obteve a sobrevivencia d'aquelle cargo para seu filho, trabalhando este na secretaria. Lá está este facto na chronica de D. João IV. Aqui estava mais uma sobrevivencia.

O que eu digo, sr. presidente, e repito, é que esta lei não satisfaz os radicaes, nem os que se chamam conservadores, e que ha outras instituições que, com quanto não datem da idade media, se não podem tambem conservar.

"Hoje não é hontem", como já disse o sr. conde do Cazal Ribeiro, e eu repito agora; mas as instituições não morrem de uma vez, reformam-se gradualmente.

Eu voto contra, n'esta questão, como o sr. marquez de Sabugosa, e como outros dignos pares que tomaram parte n'esta discussão. E peço tambem licença para fazer uma prophecia, ainda que muito bem saiba que ninguem é propheta na sua terra, e é que esta lei não póde prevalecer. E talvez não venha muito tarde a epocha em que se exija uma reforma feita por côrtes constituintes.

Eu, sr. presidente, sou liberal, e voto contra esta lei, não porque entenda que se não deve propor a reforma d'esta camara, mas porque a não acho bem liberal e segundo as circumstancias em que nos achamos.

Tenho dito.

(O orador não reviu as notas dos seus discursos.

Foi approvado o n.° 2.° do artigo 6.°

Approvado o n.° 3.°

Leu-se o n.° 4.°

O sr. Presidente: - Sobre este numero ha um additamento do digno par o sr. Cosia Lobo.

(Leu.)

O sr. Costa Lobo: - O meu additamento é para se lhe acrescentarem as palavras "ou o diploma de curso, ou grau conferido por alguma universidade estrangeira. § unico, fica isso dependente da approvação da camará".

Foi approvado o n.° 4.° e rejeitado a additamento do sr. Costa Lobo.

Approvado n.° 5.° com a emenda proposta pelo sr. visconde da Silva Carvalho e acceita pela commissão.

Leu-se o

Artigo 6.º

O sr. Presidente: - Este é o novo artigo 6.° proposto pela commissão, e não o artigo 6.° primitivo, que passará a ser artigo 7.°

Foi approvado.

O sr. Barros e Sá: - Eu requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer que se prorogue a sessão até se votar o projecto todo.

O sr. Presidente: - O sr. relator da commissão propõe a prorogação da sessão até acabar a discussão e votação do parecer.

A camara resolverá como entender; mas eu tenho a ponderar que ha ainda alguns artigos, e muitas emendas, sobre que a camara tem de pronunciar-se. (Apoiados.)

Em vista da manifestação da camara levanto a sessão.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada e os pareceres n.ºs 285, 282, 290 e 291.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de abril de 1878

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; Cardeal Patriarcha; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna, de Monfalim, de Pombal; Condes, dos Arcos, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, do Farrobo, da Fonte Nova, da Ribeira Grande, de Rio Maior, do Bomfim, de Paraty, da Torre; Bispos, de Bragança, e do Porto; Viscondes, de Bivar, de Fonte Arcada, dos Olivaes, de Ovar, de Porto Covo, da Praia Grande, de Seabra, de Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Larcher, Mártens Ferrão, Braamcamp, Pinto Bastos, Franzini, Menezes Pitta, Cau da Costa.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×