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466 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O digno par e meu amigo sr. Carlos Bento costuma accusar os ministros da fazenda de não serem ferozes. Eu fui victima em tempo d'esta accusação, e creio que ella era verdadeira.

A ferocidade não me parece que seja o meu defeito predominante. Ora, se eu não fui um tigre para com os meus collegas, creio que o sr. ministro da fazenda é para com os seus mais brando que um cordeirinho. Basta ler o orçamento de previsão do anno passado, as contas que se publicam no Diario do governo e as medidas apresentadas pelos seus collegas.

Agora, porém, vou eu defender de futuras accusações de outra ordem o sr. ministro da fazenda. D'aqui a um anno, havemos de ouvir dizer a opposição: O sr. ministro da fazenda errou os seus calculos; tinha-nos dito que o deficit havia de ser. de 400:000$000 réis e elle está no dobro ou no triplo. Dirão isto os mais moderados e cortezes. Outros dirão talvez: o sr. ministro da fazenda enganou o paiz. O deficit excede muito a quantia que nos tinha designado no orçamento.

O sr. ministro da, fazenda é muito habil e ha de encontrar alguma resposta, porque a tudo se responde. Porém, o que elle poderia responder, se podesse fallar com franqueza, seria o seguinte:

"Os meus calculos estão certissimos; foram os meus collegas que se pozeram a gastar de modo que excede todas as minhas provisões."

Basta examinar o orçamento de previsão para se ver como gasta o sr. ministro das obras publicas.

N'este orçamento, no capitulo das obras hydraulicas, em. um artigo em que trata primeiro de uma despeza com uma obra que se faz nas barras de Vianna e Espozende, encontro o seguinte:

"Para estudos e outras obras não especificadas, réis 20:000$000.

N'outra parte, ou n'outra circumscripção:

"Para estudos e outros serviços não especificados, réis. 50:0OO$000."

N'outra circumscripção não ha senão esta verba:

"Para estudos e outros serviços não especificados, réis 100:000$000."

Ainda ha n'outra circumscripção uma designação igual de 20:000$000 réis.

E finalmente, no fim do artigo, depois de enumeradas as verbas para todas as circumscripções, a seguinte verba geral:

"Para obras hydraulicas não especificadas, 60:000$OO0 reis."

Para que servem os orçamentos?

Para que se dividem elles em capitulos, em artigos, em secções, e ainda em designações differentes em cada secção?

É justamente para especificar as despezas.

Pois no ministerio de obras publicas ha verbas que são de 20:000$000 réis até 100:000$000 réis para serviços não especificados.

Note-se bem que eu não estou a censurar o sr. ministro das obras publicas.

S. exa. póde até fazer obras utilissimas. Todas as obras publicas em regra são uteis.

Eu sempre fui partidario das estradas, dos caminhos de ferro, dos melhoramentos...

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez, que não se ouviu.)

Foi o. que eu vi no orçamento. Vão-se fazer despezas com obras não especificadas.

E muito bom que se façam obras, mas tambem é muito bom que saibamos quaes são e que se olhe á despeza que custam.

Não basta sómente que uma cousa seja util para que haja de fazer-se.

Se o sr. ministro do reino quizesse estabelecer policia como ella deve ser, em Lisboa e nas outras cidades do resto do paiz, onde não a temos; se quizesse estabelecer em todo o reino policia rural, que não temos; se quizesse elevar a instrucção publica ao grau de aperfeiçoamento de que estamos longe, poderia elevar o orçamento do seu ministerio ao dobro do que é hoje.

O mesmo diremos do ministerio da justiça, se os nossos juizes houvessem de ser pagos como os juizes na Inglaterra.

O mesmo diremos do ministerio da guerra, se quizesse-mos pôr as fortificações do paiz e o exercito a par da defeza dos paizes que mais a têem aperfeiçoado.

Mas o ministro não tem que indagar sómente do que é util para o paiz, deve olhar para os seus recursos.

O que eu vejo é que todos os annos vamos gastando consideravelmente mais do que aquillo que se calculou no orçamento de previsão, o que vejo é que todos os annos ha um deficit de mais de 6.000:000$000 réis.

Os encargos da nossa divida absorvem mais de metade de todas as receitas, e as faculdades do contribuinte estão quasi esgotadas.

Isto é uma questão seria.

O sr. Mendonça Cortez: - O mal não é de hontem...

O Orador: - Oxalá que o mal fosse de hontem; mas, sr. presidente, eu vejo que o deficit este anno é muito maior do que o do anno passado, e, a continuarem as cousas como até aqui, antevejo um futuro que não póde deixar de preoccupar muito seriamente todos aquelles que se interessam pelo bem estar do paiz.

Tudo parece que vae bem no momento actual, porque ha muita abundancia de dinheiro, e o juro é baratissimo. Mas o facto póde não durar muito. A crise, uma reacção, embora temporaria, são cousas inevitaveis.

A diminuição dos juros do capital é um facto filho da nossa civilisação e que ha de continuar a dar-se, se tomarmos a media d'este juro em largos periodos, mas não podemos escapar ás crises, que são tambem naturaes em periodos mais ou menos largos.

Se hoje abunda o dinheiro, havemos de ter infallivelmente falta d'elle, n'uma occasião mais. ou menos proxima, que póde ser ámanhã, póde ser d'aqui a alguns annos.

Nós temos chegado a uma abundancia de dinheiro disponivel como nunca se viu neste seculo, e podemos dizer como nunca se viu no mundo. E o resultado da civilisação material e politica. O grande progresso das sciencias, a sua applicação á industria, a applicação do vapor ás machinas e á navegação, a creação dos caminhos de ferro, e do telegrapho, activaram a producção de uma maneira espantosa, e tem desenvolvido em todo o mundo uma grande riqueza. Por outro lado os longos periodos de paz, porque n'outros tempos as guerras duravam muitos annos, e agora duram apenas mezes. Por outro lado, e este é um facto importantissimo, o progresso politico, dando liberdade e garantias a todos os cidadãos, deu a maior expansão a toda a actividade humana. D'aqui nasceu a creação de uma grande riqueza de grandes capitães, que se empregaram em crear riqueza nova.

Porém os melhoramentos materiaes mais dispendiosos, como os caminhos de ferro mais importantes, as grandes linhas, e que mais haviam de render, estão concluidos. As grandes linhas telegraphicas estão no igualmente. Estão organisadas as grandes emprezas. O emprego do capital nas industrias, que as elevou a um grande grau de perfeição, produziu maravilhas, mas trouxe um excesso de producção, uma plethora, que causou a crise industrial, de que a Europa ha seis ou oito annos padece. A agricultura tambem hoje soffre uma crise em virtude da abundancia e barateza da producção americana.

Isto significa que se crearam grandes capitães, e que estes têem n'este momento pouco emprego, porém, as grandes emprezas de viação, e as mais productivas estão já feitas, e a agricultura e a industria não offerecem juro re-