O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 461

N.º 34

SESSÃO DE 20 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo (vice-presidente)

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Os dignos pares os srs. Bandeira Coelho, Vaz Preto e Antonio Augusto de Aguiar mandam para a mesa varios requerimentos de differentes officiaes de engenheria, pedindo providencias contra a organisação dos serviços technicos das obras publicas feita na ultima dictadura. Determinou-se que estes requerimentos vão á commissão que tiver de dar parecer sobre o bill de indemnidade. - O digno par o sr. Vaz Preto manda tambem um requerimento pedindo esclarecimentos. É expedido. - O digno par o sr. Luiz de Bivar participa que o sr. visconde de Bivar não comparece á sessão por falta de saude. - O digno par o sr. Mendonça Cortez, por intermedio do sr. ministro da fazenda, chama a attenção dos seus collegas do reino e das obras publicas para que providenceiem no sentido de que se evite qualquer incendio em os nossos theatros. - O digno par o sr. Fernando Palha declara que, no mesmo intuito, já a camara municipal tomara providencias. - O sr. Mendonça Cortez insiste ainda n'este ponto e pede que tambem se cure do estado lastimoso em que se acha o aterro. Responde lhe o sr. ministro da fazenda. - Ordem do dia: continuação da discussão sobre o orçamento rectificado. - Usada palavra o sr. ministro da fazenda, seguindo-se-lhe o digno par o sr. Antonio de Serpa. - Levanta-se a sessão, designa-se a immediata e a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 21 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.}

O sr. Bandeira Coelho: - Tenho a honra de mandar para a mesa dez requerimentos de officiaes da arma de engenheria, que pedem a esta camara que não approve o decreto de 24 de julho de 1886, o qual organisou a engenheria civil no ministerio das obras publicas.

Creio que estes requerimentos devem ser remettidos á commissão que tem de dar parecer sobre o bill de indemnidade. Reservar-me-hei para então dizer o que se me offerecer sobre o assumpto, e hei de fazei-o em harmonia com a posição politica que occupo n'esta casa, com a minha dignidade pessoal e com as obrigações que, por coherencia e convicção, tomei perante os meus collegas.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para mandar para a mesa alguns requerimentos de officiaes de engenheria, que pedem se lhes faça justiça por terem sido preteridos na ultima organisação de engenheria civil.

Declaram e allegam elles que, tendo um curso official e especial, pela nova organisação foram substituidos por engenheiros civis, que vem prostergar os direitos que elles tinham por lei.

Aproveitando o estar com a palavra, mando tambem para a mesa um requerimento, pedindo alguns esclarecimentos, pelo ministerio da fazenda a fim de responder á provocação que o sr. ministro da fazenda dirigiu á camara.

Na sessão de 18 declarou o sr. ministro da fazenda que muito estimaria que na camara algum dos dignos pares tratasse a questão das transferencias dos escrivães de fazenda, que elle mostraria que, em logar de ser prepotente e arbitrario, tinha sido benévolo com aquelles empregados, e que alguns d'elles deveriam ter sido demittidos.

Eu já tenho na minha mão documentos para mostrar o contrario, pelo que respeita a alguns; mas, como quero provar que o sr. Marianno foi pouco escrupuloso, despotico, intolerante na generalidade das transferencias, e como quero mostrar mais uma vez que elle faltou á sua palavra e programma do governo, eis a rasão por que fiz aquelle requerimento, pedindo documentos que devem esclarecer a camara. Por agora bastará narrar á camara um facto, por cuja veracidade eu me responsabiliso. Havia no meu districto um escrivão de fazenda intelligente, activo e probo que se tinha distinguido tanto, que o sr. Pedro de Carvalho, ex-director das contribuições directas, que não fazia politica com os empregados, promovera a segunda classe pelo seu bom serviço. Este empregado premiado, continuou a desempenhar-se do serviço com o maximo zêlo e pontualidade para não desmerecer. No serviço das matrizes quiz dar garantias a todos, e fazer cumprir a lei, nomeando como lhe competia, um pessoal habilitado.

Não o póde fazer porém porque recebeu ordem superior para acceitar o pessoal inepto e analphabeto, que não satisfazia as prescripções da lei, indicado pelo administrador do concelho!! Teve de obedecer, mas os resultados não se fizeram esperar. Como o serviço era de compadres, n'uma freguezia em que andavam cento e tantas propriedades fôra da matriz, que elle fez entrar, esse pessoal escolhido pelo administrador entendeu que devia subir só 5$000 reis! Deu parte d'isto, e sabe v. exa. e a camara o que fez este sr. ministro da fazenda.

Transferiu-o e mandou-o para uma das peiores comarcas do reino sem se lembrar que este intelligente servidor do estado tinha mulher e filhos, que lhe constituem uma familia numerosa!!! Outros pobres desgraçados, tambem bons empregados soffreram innumeras perseguições, porque foram transferidos successivamente, alguns seis vezes.

É necessario que o sr. ministro da fazenda se convença de que esse systema arbitrario e despotico de praticar crueldades e injustiças não lhe traz votos, mas sim odios perfeitamente bem justificados. Se s. exa. não tem a consciencia de todo adormecida, um dia mais tarde virá em que hão de pesar n'ella estas arbitrariedades acompanhadas dos remorsos. Creia s. exa. que no systema que seguiu não prestou um unico serviço nem ao estado, nem ao seu partido, é foi unicamente mero e verdadeiro instrumento das vinganças de partidarios insoffridos, apesar do pouco valor que têem.

Pelo que respeita ao meu districto, os factos lhe mostrarão que fez violencias e prepotencias, que só lhe acarretaram uma derrota completa por toda a parte.

Leu-se o seguinte

REQUERIMENTO

Requeiro que sejam enviados, com toda a urgencia, a esta camara os documentos que determinaram e sobre que foram fundamentadas as transferencias dos escrivães de fazenda feitas n’estes ultimos dez ou onze mezes, e bem as-

38

Página 462

462 DIABIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

sim aquelles que se referem aos escrivães de fazenda a que o sr. ministro da fazenda alludiu na sessão de sabbado passado, 18 do corrente.

Sala das sessões, 20 de junho de 1887. = M. Vaz Preto.

Mandou se expedir.

O sr. Luiz Bivar: — Participo á camara que o sr. visconde de Bivar não tem comparecido ás sessões por motivo de doença.

A camara ficou inteirada.

O sr. Mendonça Côrtez: — Como está presente o sr. ministro da fazenda, peço a s. exa. chame a attenção dos seus collegas das obras publicas e do reino para o que vou expor.

V. exa. sabe e todos nós sabemos do desgraçado facto que ha poucos, dias enlutou a população de Paris, o incendio da Opera Comica

Para que não tenhamos a deplorar um igual e tão triste acontecimento, peço ao sr. ministro da fazenda, visto sei quem está presente, que chame a attenção do sr. ministro do reino para a inadiavel necessidade de s. exa. tomar as medidas preventivas necessarias, que assegurem os possiveis meios de precaução contra os incendios nos theatros e que a policia d’esses meios seja feita com todo o rigor.

É evidente, bem o sabemos, que depois de acontecerem as desgraças, ha sempre indemnisação para as victima: que escapam, exequias solemnes e pomposas para os que perecem; mas nada d’isso compensa a perda enorme das vidas cortadas.

Portanto, desejo que o sr. ministro da fazenda peça ao seu collega do reino que tome as providencias mais convenientes e previdentes, para evitar qualquer incendio, não só no principal theatro da capital, mas em todos os outros, e, se possivel fosse, em todos do paiz.

Espero que o sr. ministro do reino se apressará a dar satisfação ao meu justo pedido, tomando as providencias que julgue necessarias a este respeito.

Como pediu apalavra o dignissimo presidente da camara municipal de Lisboa, rogo a v. exa. queira inscrever-me depois de s. exa., porque é possivel que eu tenha algumas observações a fazer.

O sr. Fernando Palha: — Foi a recommendação feria pelo digno par o sr. Mendonça Cortez o que me provocou a pedir a palavra, para lembrar a s. exa. que, appellando para o sr. ministro do reino, não appellou bem, porque, pela legislação actual, á camara de Lisboa pertence conhecer dos projectos de construcção de qualquer natureza, cagas de habitação, casas do espectaculo, etc. Ella regula as condições em que devem ser feitas, de accordo com um certo numero de corporações officiaes, tambem estabelecidas por lei, e ás quaes compete informar sobre esses assumptos.

A camara de Lisboa não descura esta sua obrigação, e tanto que ha muito tempo está elaborado um regulamento com referencia aos theatros. Foi apresentado na ultima reunião da camara, e o vereador respectivo, um dos meus collegas, envidou todos os esforços para que se approvasse immediatamente.

A camara oppoz-se, porque havia n’aquelle documento disposições verdadeiramente draconianas, que de certo iam estabelecer imposições inauditas, não só nos theatros já existentes, mas nos que se construirem mais tarde. Entendendo que não podia, no espaço de duas ou tres horas, to mar uma resolução que envolvia grande responsabilidade, nem querendo deliberar tambem sob a impressão de um panico, que não se experimentou só em Paris, mas era todo o mundo, auctorisou comtudo a commissão executiva a publicar desde já por editaes a parte d’esse regulamento) que podesse ser posta em execução, sem modificações essenciaes nas construcções existentes.

São estas as explicações que me julguei obrigado a dar n’este momento, não só como par do reino, mas como presidente, que sou, da camara municipal de Lisboa.

O sr. Mendonça Cortez: — O digno par que acaba de fallar provavelmente faz-me a justiça de reconhecer que eu sei qual é o direito vigente sobre theatros e, portanto, quaes os deveres que incumbem ao municipio ou aos seus presidentes, em relação ás casas de espectaculo.

O sr. Fernando Palha: — A legislação não é igual para os outros municipios; é especial para o de Lisboa.

O Orador: — Mas devo tambem notar a s. exa. que conheço sufficientemente as conveniencias politicas e o regimento d’esta camara, para entender que num caso de policia administrativa como este possa dirigir-me a outra entidade que não seja ao sr. ministro do reino, pois que elle exerce toda a auctoridade como supremo fiscal e tutor sobre os municipios, que, embora não estejam sob a jurisdicção administrativa immediata de s. exa., estão comtudo sob a sua jurisdicção de protecção, vigilancia e tutela.

A camara municipal de Lisboa, como as demais, apesar do seu organismo especial, e talvez mais ainda do que as outras, acha-se precisamente n’este caso. Portanto, qualquer responsabilidade sobre o assumpto de que fallei, ha de ser pedida, não a s. exa., mas ao sr. ministro do reino.

Eis a rasão por que pedi amigavelmente ao sr. ministro da fazenda que chamasse a attenção do seu collega do reino, para as providencias que me parece necessario adoptar relativamente aos theatros.

Emquanto ao que o digno par nos acabou de dizer sobre providencias já tomadas pela camara municipal de Lisboa, agradeço, e seguramente agradecem todos, ao illustre presidente d’essa corporação a delicadeza e hombridade com que se dignou dar estas explicações.

Não era necessario que s. exa. o fizesse. Todos sabemos que até onde as suas forças podem chegar, não se recusa a empregar todos os meios ao seu dispor, a fim de que esse gravissimo negocio da publica administração corra o mais convenientemente possivel; mas desejos e esforços analogos de presidentes dos municipios não são exclusivos a s. exa., e comtudo não bastam; tambem os conselhos municipaes de Paris e de Vienna de Austria tinham manifestamente os melhores desejos de evitar os grandes sinistros que enlutaram aquellas duas capitaes, e comtudo esses sinistros deram-se.

Aproveitando a occasião, que indirectamente o digno par o sr. Fernando Palha me proporcionou, seja-me permittido dirigir-me pessoalmente a s. exa., para lhe pedir que sacrifique um pouco ao interesse publico as formalidades burocraticas que se têem introduzido no municipio de Lisboa, como aliás em todos os ramos da administração publica, para que se não perca um momento em tomar as possiveis precauções contra taes sinistros; porque depois d’elles acontecerem não ha providencias de qualidade alguma que tirem á respectiva auctoridade a responsabilidade de ter cooperado ou deixado de cooperar indirectamente para as consequencias desgraçadissimas d’essas fatalidades.

Portanto, não nos prendamos com formalidades de pura administração, e aproveitemos é tempo.

É o que peço ao sr. ministro do, reino, e a quem mais competir olhar por este assumpto.

Visto tratar-se de pedir providencias, lembrarei tambem ao sr. ministro da fazenda a conveniencia de chamar a attenção dos seus collegas do reino e da marinha, para que mandem inspeccionar as condições de salubridade em que está o aterro da Boa Vista, condições que, por motivo do calor extraordinario que ultimamente tem feito, não são favoraveis á saude dos habitantes de Lisboa e das quaes póde resultar algum desastre, penoso pelas suas consequencias, para a capital.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento rectificado

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Respondendo ao sr. Vaz Preto, declara que o re-

Página 463

SESSÃO DE 20 DE JUNHO DE 1887 463

querimento, mandado para a mesa por s. exa., estava concebido em termos tão vagos, que difficilmente se lhe poderia satisfazer.

O sr. Vaz Preto: - Interrompo e diz que tal difficuldade sómente provinha das innumeraveis transferencias de escrivães de fazenda que s. exa. fizera.

O Orador: - Observa-lhe que não raro succedia que uma unica transferencia motivava um longo processo, mas que, não obstante, tão vivos eram em si os desejos de liquidar as suas responsabilidades, que suppriria quaesquer difficuldades, enviando ao digno par os documentos pedidos nos seus respectivos originaes.

Passa depois a responder ás perguntas do sr. Hintze Ribeiro.

Começa por julgar bom, em geral, o principio dos concursos para emprestimos, se bem entenda haver alguns casos em que tal principio póde ser funesto.

Quanto, porém, ao ultimo emprestimo contraindo, protesta que nenhum compromisso tomara no que de palavra ou por escripto dissera, e que muito espontaneamente levara as propostas fechadas a conselho de ministros, onde naturalmente se escolhera a que tomava o emprestimo firme e por juro menor.

Quanto ás negociações, que lhe imputam, como com referencia aos portadores dos titulos do emprestimo de D. Miguel, crê que os ministros são responsaveis pelos seus actos, mas nunca pelas suas intenções.

Comtudo, garante-lhe que o governo actual não tem a menor intenção sobre este assumpto, e lê uma carta do sr. Hintze Ribeiro ao sr. Tinseau, capitulando-a de indiscreta, por s. exa. mostrar n'ella desejos de que o negocio d'esses titulos viesse a ter uma solução favoravel.

Refere-se á alta dos nossos fundos, parecendo-lhe que em verdade n'ella exercem grande influxo as causas geraes, mas que as especiaes não deixam de ter tambem alguma influencia.

Reporta-se a varios serviços que reformára, cujo pessoal augmentára, porém, de maneira que nem por isso houvera acrescimo de despeza.

Lembra que, ao assumir a pasta da fazenda, achara o corpo da guarda fiscal tão mal ordenado, que havia um sem numero de guardas a menos, cuja despeza figurava no orçamento, alem de outros, existentes, mas sem cavallo, embora houvessem recebido dinheiro para o comprar.

Louva-se em que o sr. Hintze Ribeiro lhe não negasse o seu voto á reforma das tabellas do trafego, e allude a varios addidos e empregados reformados, ácerca dos quaes a necessidade das circumstancias o levara a providenciar.

Faz referencia aos tribunaes e auditores que creára, justifica os vencimentos que a estes ultimos estipulara, e espera que d'esta instituição resultarão grandes vantagens para o serviço publico.

Assegura que o excesso das despezas accusado no orçamento provém principalmente de dividas feitas pela situação anterior, posto que justissimas, mas "que á situação actual cumpria necessariamente pagar.

Individua, aprecia e faz o cômputo d'essas dividas.

Tem por certo que se os gabinetes regeneradores administrassem com mais calculo e parcimonia, já o déficit estaria extincto, ou pelo menos muito reduzido. Porém, ao contrario succedia que sob a sua gerencia cada vez tomava maio vulto, entretanto espera que com as medidas que adoptou elle em breve se extinguira.

Cita differentes verbas do orçamento, e dilata-se ainda em longas explanações, no intuito de comprovar a sua recta administração, e conclue por appellidar este orçamento de liquidação, a exemplo de uma empreza que fiscalisa ou se transforma e muda de administração ou adminitrador.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para discutir o orçamento rectificado, e não quero com isto dizer que não viesse a proposito tratar n'este momento de toda a questão de fazenda.

Os orçamentos, em geral, e sobretudo o orçamento rectificado são naturalmente o transumpto, ou por assim dizer, a photographia da situação financeira do paiz, mas, e tando a sessão actual tão adiantada, e havendo a discutir as propostas com que o governo conta vencer as nossas difficuldades financeiras, limito-me unicamente a entrar na analyse dos documentos que estão em ordem do dia.

O digno par e meu amigo o sr. Hintze Ribeiro tinha todo o direito, tinha até a obrigação de aproveitar este primeiro ensejo que se lhe offerecia para explicar e justificar os actos da sua gerencia financeira, assim como os seus projectos, tão injustamente censurados; (Apoiados.) e bem fez s. exa. em confrontar as providencias que adoptou, com aquellas que estão sendo actualmente postas em pratica pelo actual governo, as suas propostas com as dos seus successores.

O sr. ministro da fazenda, respondendo ao digno par a quem me refiro, disse que as propostas de s. exa. não eram más, tinham até cousas excellentes, mas que a situação estava gasta, e foi essa a rasão porque a opinião se pronunciou contra ellas.

Effectivamente entre nós, uma situação que dura quatro ou cinco annos póde considerar-se gasta.

As situações politicas em Portugal não excedem muito o praso de quatro ou cinco annos.

Applaudo a franqueza com que o sr. ministro da fazenda declarou que eram boas, e até excellentes, algumas das propostas apresentadas pelo sr. Hintze Ribeiro, e registo a espontaneidade de uma tal declaração.

Mas, sr. presidente, deixemos este ponto, porque já declarei que não pedi a palavra para tratar a questão de fazenda, o referindo-me á longa exposição que s. exa. fez, não me é possivel deixar de apresentar ligeiras observações, das muitas que o seu discurso me sugeriu.

Começarei quasi pelo final da longa exposição de s. exa., e, referindo-me ao emprestimo de D. Miguel, seja-me permittido lastimar que s. exa. não desse ao sr. Hintze Ribeiro uma resposta formal e categorica a respeito do assumpto.

Estimaria que se tivesse declarado que, no estado a que chegou esta questão, ella era uma questão morta, e que não poderia mais reviver.

Disse s. exa. que as reclamações dos portadores do emprestimo de D. Miguel teem sido feitas a todos os ministros da fazenda. Não sei se a todos, mas a mim, tendo eu sido ministro da fazenda, durante os cinco primeiros annos, ninguem me fallou no emprestimo de D. Miguel, e eu proprio quasi nada sabia d'essa questão. Tinha apenas a idéa de que tinha havido em tempo uma reclamação dos portadores d'aquelle emprestimo, e que não tinha sido attendida.

Na ultima epocha, porem, da minha gerencia, que não foi curta, dos negocios da fazenda, apresentou-se-me um dos portadores dos titulos do emprestimo de D. Miguel, que era o mesmo sr. conde de Raillac, de quem tanto se fallou ultimamente. Mandei ouvir sobre o assumpto o procurador geral da corôa e fazenda, como é pratica seguida nos diversos ministerios, quando se trata de questões de importancia para o estado, e sobretudo de questões de direito, como era uma reclamação d'esta ordem. Mas antes de chegar á resposta do procurador geral da corôa, sai do ministerio, e por isso não tive occasião de me pronunciar sobre o assumpto. No emtanto, o sr. conde de Raillac em muitas occasiões me pediu uma resposta sobre a questão, resposta que eu disse não lhe podia dar, porque ainda não tinha chegado a consulta dos jurisconsultos da corôa, que me elucidasse sobre este grave assumpto.

E vem a proposito dizer qual é a minha opinião sobre o emprestimo de D. Miguel, depois que por essa occasião

Página 464

464 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

examinei o assumpto, e tive conhecimento dos factos anteriores, e da opinião dos homens de lei. Direi ao sr. ministro da fazenda o que disse ao representante de uma potencia estrangeira, junto do nosso governo.

Esse diplomata veiu oficiosamente procurar-me, dizendo-me que o seu governo o encarregara de indagar qual era o estado da questão, e se havia ou não esperanças de que se podesse regular este negocio. Eu, que já então estava ao facto da questão, apesar de não ter ainda recebido officialmente a consulta dos fiscaes da corôa, disse-lhe que a historia d'este negocio era um pouco longa, que ia tentar-lh'a minuciosamente, mas que antes d'isso lhe diria uma cousa, e era: que para pagar qualquer quantia aos portadores do emprestimo de D. Miguel era necessario que as camaras votassem ao governo a necessaria auctorisação, mas que os pares e deputados que haviam de votar aquella lei ainda não tinham nascido. Elle percebeu perfeitamente o que isto significava, dispensou-me de lhe contar a historia, e disse-me que já sabia o que havia da dizer ao seu governo.

Do mesmo modo penso eu hoje: as côrtes que hão de votar o, emprestimo de D. Miguel ainda não nasceram.

O sr. ministro da fazenda, no principio do seu discurso, a que não assisti, consta-me que, tratando da gerencia do sr. Barros Gomes em 1882, disse que s. exa. se vira na necessidade de pagar despezas que não eram da sua responsabilidade, e sim da responsabilidade do governo passado, a que eu tive a honra de pertencer, sendo a primeira d'essas despezas alguns centenares de contos de réis, pagos á caixa geral de depositos.

A reflexão que eu quero fazer é que aquella despeza não era da responsabilidade do governo transacto, era da responsabilidade dos governos que indevida e menos regularmente tinham recorrido ao deposito publico para tirar de lá o dinheiro que pertencia aos depositantes. Esses governos não foram aquelle de que eu fiz parte.

Eu sei que o sr. ministro da fazenda me póde dizer que foi o governo regenerador que creou a caixa geral de depositos e que estabeleceu que o estado pagasse o que devia ao deposito. Mas o governo regenerador, mandando fazer o que era devido, não creou nenhuma obrigação, nem nenhuma despeza nova; não fez mais do que declarar o que era direito, e honra-se de ter assim procedido. Em todo o caso a responsabilidade da divida, e portanto da despeza, não foi do governo que ordenou a segunda, mas do que contrahiu a primeira.

A caixa geral de depositos dispõe já de largas quantias e creio que é a instituição financeira official mais util que se tem creado n'este paiz nos ultimos tempos.

Esta caixa de depositos com os seus lucros já dá fundamento ao sr. ministro da fazenda para basear n'elles uma das suas, principaes propostas de fazenda, proposta tão importante; que s. exa. conta pagar com aquelles lucros em setenta e cinco annos quasi toda a nossa divida externa.

Sr. presidente, com respeito a responsabilidades, é certo que o sr. ministro da fazenda com a sua reconhecida habilidade, com os seus cálculos, a que nós chamámos de orçamentologia, quiz provar que o partido progressista tem sempre pago os encargos que lhe foram legados pelos gabinetes regeneradores.

Esses calculos, e o proprio facto, ainda que se désse, não tinham a significação que s. exa. lhes quer dar.

É certo que os. partidos regenerador e progressista se têem alternado no poder, e cada um d'elles tem feito governo por dois, tres, quatro e cinco annos. Houve apenas, creio eu, um ministerio regenerador que durou mais de cinco annos.

É um facto historico que o partido regenerador é o que tem emprehendido os mais importantes melhoramentos que temos realisado. Estes melhoramentos levam muito tempo a executar.

Com respeito a caminhos de ferro, a camara sabe que temos primeiro que mandar fazer os estudos, depois abrir concurso, e que a subvenção é paga em tres prestações.

A primeira paga-se sómente quando as terraplanagens e as obras de arte estão feitas, e, por consequencia, o grosso da despeza não vem senão tres ou quatro annos depois da obra estar votada.

Não admira, pois, que obras d'esta natureza sejam pagas durante o ministerio que se seguir aquelle que as iniciou.

Isto não significa nada, nem vem a favor nem contra a gerencia financeira de qualquer partido que esteja no poder, quer elle seja regenerador ou progressista.

O sr. ministro da fazenda ainda a este respeito estabeleceu uma theoria muito habilmente architectada, mas que pecca na demonstração.

S. exa. asseverou que, em regra, o deficit, quando entrava no poder um gabinete regenerador, era pequeno; que este achava paga a divida fluctuante, e a situação do thesouro prospera, mas que tal deficit ia crescendo durante a administração regeneradora.

Que, pelo contrario, a administração progressista quando entrava no poder, encontrava um deficit enorme, e que o ia fazendo diminuir durante a sua gerencia.

Em primeiro logar, a historia do partido regenerador não é só desde 1881, data de ha trinta e seis annos, data de 1851.

S. exa. referiu-se unicamente aos ultimos seis annos, porque não podia referir-se a epochas anteriores, porque essas diziam o contrario do que s. exa. asseverou.

O governo regenerador, se, por acaso em 1881 achou a divida fluctuante paga, porque se tenha realisado para a pagar um grande emprestimo, se achou os titulos acima de 50, porque tambem os tinha deixado em 1879 n'aquella elevação; é certo que n'outras occasiões, como por exemplo em 1871, tinha achado uma divida fluctuante enorme, os fundos por um preço infimo, e a situação da fazenda no estado mais precario que se póde imaginar.

O partido regenerador entrou no poder em 1871, achando-se uma avultada divida fluctuante, que pagava juros de 8, de 10, de 12 e de 14 por cento, e achou os fundos abaixo de 40.

Quando saiu do poder, tendo construido obras importantissimas, tendo dado um grande desenvolvimento ás estradas e caminhos de ferro, sendo os do Minho e Douro por conta do estado, deixou os fundos acima de 50.

Não pôde, pois, dizer-se que os ministerios regeneradores encontram sempre prospera a situação da fazenda publica e que a deixam em muito peiores condições.

A historia diz-nos o contrario.

O sr. ministro da fazenda disse que em 1883-1884 o deficit foi pequeno, que no anno seguinte já fôra maior e que no ultimo anno, no anno passado, fôra de nove mil e tantos contos.

As contas do thesouro accusavam no ultimo anno um deficit de 9.695:000$000 réis.

Diz agora s. exa., que no orçamento rectificado d'este anno já o deficit é um pouco menor, devendo ser muito menor ainda no anno seguinte.

Ora s. exa. é muito habil; mas todos vêem o sophisma.

O sr. ministro da fazenda comparou o deficit do anno passado com o deficit d'este anno, que ainda não acabou e não se lembrou que n'este orçamento rectificado ha um artigo que auctorisa o governo a applicar ás despezas legaes, isto é, a gastar as sobras, que houver nos differentes capitulos das tabellas votadas para este anno, no ministerio das obras publicas, mas até as sobras das tabellas do exercicio passado. As sobras dos diiferentes capitulos do ministerio das obras publicas, no exercicio passado, as já conhecidas por uma conta provisoria, publicada nos documentos officias, orçam já por 600:000$000 réis. Logo o deficit do actual exercicio calculado n'este orçamento rectificado, que estamos discutindo, em somma quasi igual ao

Página 465

SESSÃO DE 20 DE JUNHO DE 1887 465

deficit do exercicio passado, ha de effectivamente ser maior do que este.

Aqui pecca pois a asserção que s. exa. pretendia demonstrar. Mas em relação ao anno futuro ainda pecca mais, porque em relação ao anno futuro o sr. ministro da fazenda suppõe que o deficit ha de ser o que elle calculou no orçaçamento de previsão. Ora estamos vendo agora neste mesmo momento que os deficit, calculados nos orçamentos de previsão ou na lei de meios, apparecem augmentados, e ás vezes acrescentados no dobro nos orçamentos rectificados. Logo comparem o deficit ao anno que vem, deficit de previsão, e ás vezes de phantasia, com o deficit effectivo e realisado em annos anteriores, de que já conhecemos as contas é comparar cousas heterogeneas, e a argumentação fundada n'esta base não prova nada.

Disse ainda o sr. ministro da fazenda que, partindo de 1883-1884, em que houve um pequeno deficit de réis 4.000:000$000 se tivesse havido uma administração economica, como é a progressista (estamol-o vendo), hoje haveria saldo em vez de deficit, contando com o crescimento que de então para cá têem tido as receitas.

Mas resta provar isto.

No anno passado figuram entre as despezas 1.400:000$000 réis gastos extraordinarios com a saude publica, por causa da colera em Hespanha, e hão de figurar sommas ainda mais avultadas com os encargos dos deficits annuaes que na importancia de 6.000:000$000 a 9.000:000$000 réis vão trazendo cada anno um acrescimo constante de despeza.

Estas e outras despezas inevitaveis fazem que seja impossivel a hypothese de terem estacionado as despezas, ficando no que eram em 1883-1884, porque sómente n'esse caso haveria hoje saldo em vez de deficit, em virtude do augmento das receitas.

Tambem no actual tem havido um grande acrescimo de receitas, e o deficit do orçamento rectificado que estamos discutindo para este mesmo anno é quasi tão grande, como o do anno passado, e ameaça de ser na realidade maior no fim do exercicio.

Desejo restringir-me á materia do orçamento rectificado, porque não pretendo fazer um discurso de partido, um discurso de politica partidaria.

Eu sinto que se não diga sempre a verdade sobre a nossa situação financeira, que umas vezes se amesquinha, outras se encarece, fazendo-o uns por illusão e boa fé, outros por paixão politica.

Ora a verdade é que a nossa situação financeira é má, posto que, com boa administração nas despezas, possa ir melhorando successivamente.

O facto porém é que este governo que, ha um anno, quando propoz a lei de meios, entendeu que podia viver com 36.000:000$000 réis, já este anno entende que não póde viver, em relação ao mesmo anno, com menos de 44.000:000$000 réis.

Se portanto, os deficits dos annos anteriores fossem principalmente devidos a esbanjamentos, seria mau que elles se tivessem dado, mas por outro lado seria satisfactorio para o paiz que se soubesse que, removida aquella causa, passando a ter uma administração economica, podemos viver com menos despeza, pois que como se dá o facto do augmento das receitas, rapidamente se equilibraria a situação financeira.

Acontece porém o contrario. Agora, que terminaram os esbanjamentos, agora que se administra bem, as despezas crescem mais do que quando se administrava mal, na opinião do sr. ministro da fazenda.

No anno passado augmentou a despeza no orçamento rectificado em relação ao orçamento de previsão 3.400:000$000 réis, em quanto que no anno anterior a differença entre os dois orçamentos tinha sido de 2.000:000$000 réis. No anno actual a differença é de perto de 6.000:000$000 réis.

O sr. ministro da fazenda diz-nos que este orçamento é um orçamento de liquidação. Outras vezes defende-se do excesso de despezas que n'elle apparece, dizendo que essas despezas não são da responsabilidade do actual governo. Vamos ao primeiro ponto. Em que é este orçamento um orçamento de liquidação? Isto é uma phrase. Todos os orçamentos rectificados são orçamentos de liquidação. É orçamento de liquidação porque terminam as despezas com os caminhos de ferro do Minho e Douro? Acabam essas despezas, e começam outras. Essas mesmas, as do Minho e Douro não creio que acabem n'este exercicio. Mas começam as do porto de Lisboa. Continuam as do porto de Leixões. Disse s. exa. que as despezas com a reforma do municipio de Lisboa não são da sua responsabilidade. Mas o que tem isso com o ser ou não ser este um orçamento de liquidação. Essas despezas provenientes da reforma do municipio de Lisboa deixam de ser permanentes? Pretende o governo abolir aquella reforma, e repor as cousas no estado anterior? Não pertende, logo este augmento de despeza, que recresce no actual orçamento rectificado, tende a repetir-se para o anno.

As despezas que acrescem em resultado do ultimo emprestimo, ou, se querem, em resultado do deficit do anno passado, são despezas de liquidação? Não. São despezas permanentes, que hão de repetir-se nos annos seguintes e indefinidamente até á sua amortisação, e para o anno hão de ser acrescentadas com os encargos do deficit do anno actual.

Disse eu, sr. presidente, que pelo § 2.° do artigo 2.° d'este projecto de lei o governo fica auctorisado a applicar ás despezas legaes do ministerio das obras publicas do actual exercicio as sobras das diversas verbas das tabellas da despeza, não só do exercicio de 1885-1886, como dó actual; quer dizer fica auctorisado a gastar talvez cerca de réis 1.000:000$000 mais do que gastava sem esta auctorisação, e cerca de 600:000$000 réis mais do que a somma tirada n'este orçamento.

E isto é facil de ver.

As sobras d'este anno não sei ainda quaes são, nem o posso saber, porque o anno ainda não acabou; mas as do anno passado já sabemos approximadamente quaes são pela conta provisoria que se acha publicada. Em um documento apresentado ás camaras em janeiro, vê-se que as sobras dos differentes capitulos das tabellas de 1885-1866 são de 617:000$000 réis, e que foram de 605:ÒOO$000 réis em 1884-1885.

Logo não iremos muito longe da verdade suppondo que em geral as sobras dos differentes capitulos do ministerio das obras publicas podem produzir n'este anno, assim como produziram nos anteriores, 600:000$000 réis proximamente. Logo as sobras de dois annos podem muito bem ser de 1.000:000$000 réis sem exageração. Em todo o caso as sobras do anno anterior já sabemos que não serão provavelmente inferiores a 600:000$000 réis.

Isto é a primeira vez que se vê n'uma lei de orçamento, e é para o ministerio das obras publicas a abolição do regulamento geral de contabilidade publica.

Vale bem a pena de ter um regulamento de contabilidade em que se diz que não se póde em caso nenhum transferir nenhuma verba de um para outro capitulo, e quando até para a transferencia de um para outro artigo, dentro do mesmo capitulo, é necessario um decreto em conselho de ministros! Vale bem a pena de ter um tribunal de contas, que ponha o visto nas ordens de pagamento, que não auctorise nenhuma despeza que exceda as verbas fixadas nos respectivos, artigos do orçamento, quando para o ministerio das obras publicas não ha outro limite, senão o limite total das sommas em globo auctorisadas para este anno mais as sobras do exercicio passado, que se elevara a centenas de contos!

Para o sr. ministro das obras publicas, que sinto não ver presente n'esta discussão, não ha, nem póde haver orçamento; s. exa. governa despendendo sem conta, nem peso, nem medida.

Página 466

466 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O digno par e meu amigo sr. Carlos Bento costuma accusar os ministros da fazenda de não serem ferozes. Eu fui victima em tempo d'esta accusação, e creio que ella era verdadeira.

A ferocidade não me parece que seja o meu defeito predominante. Ora, se eu não fui um tigre para com os meus collegas, creio que o sr. ministro da fazenda é para com os seus mais brando que um cordeirinho. Basta ler o orçamento de previsão do anno passado, as contas que se publicam no Diario do governo e as medidas apresentadas pelos seus collegas.

Agora, porém, vou eu defender de futuras accusações de outra ordem o sr. ministro da fazenda. D'aqui a um anno, havemos de ouvir dizer a opposição: O sr. ministro da fazenda errou os seus calculos; tinha-nos dito que o deficit havia de ser. de 400:000$000 réis e elle está no dobro ou no triplo. Dirão isto os mais moderados e cortezes. Outros dirão talvez: o sr. ministro da fazenda enganou o paiz. O deficit excede muito a quantia que nos tinha designado no orçamento.

O sr. ministro da, fazenda é muito habil e ha de encontrar alguma resposta, porque a tudo se responde. Porém, o que elle poderia responder, se podesse fallar com franqueza, seria o seguinte:

"Os meus calculos estão certissimos; foram os meus collegas que se pozeram a gastar de modo que excede todas as minhas provisões."

Basta examinar o orçamento de previsão para se ver como gasta o sr. ministro das obras publicas.

N'este orçamento, no capitulo das obras hydraulicas, em. um artigo em que trata primeiro de uma despeza com uma obra que se faz nas barras de Vianna e Espozende, encontro o seguinte:

"Para estudos e outras obras não especificadas, réis 20:000$000.

N'outra parte, ou n'outra circumscripção:

"Para estudos e outros serviços não especificados, réis. 50:0OO$000."

N'outra circumscripção não ha senão esta verba:

"Para estudos e outros serviços não especificados, réis 100:000$000."

Ainda ha n'outra circumscripção uma designação igual de 20:000$000 réis.

E finalmente, no fim do artigo, depois de enumeradas as verbas para todas as circumscripções, a seguinte verba geral:

"Para obras hydraulicas não especificadas, 60:000$OO0 reis."

Para que servem os orçamentos?

Para que se dividem elles em capitulos, em artigos, em secções, e ainda em designações differentes em cada secção?

É justamente para especificar as despezas.

Pois no ministerio de obras publicas ha verbas que são de 20:000$000 réis até 100:000$000 réis para serviços não especificados.

Note-se bem que eu não estou a censurar o sr. ministro das obras publicas.

S. exa. póde até fazer obras utilissimas. Todas as obras publicas em regra são uteis.

Eu sempre fui partidario das estradas, dos caminhos de ferro, dos melhoramentos...

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez, que não se ouviu.)

Foi o. que eu vi no orçamento. Vão-se fazer despezas com obras não especificadas.

E muito bom que se façam obras, mas tambem é muito bom que saibamos quaes são e que se olhe á despeza que custam.

Não basta sómente que uma cousa seja util para que haja de fazer-se.

Se o sr. ministro do reino quizesse estabelecer policia como ella deve ser, em Lisboa e nas outras cidades do resto do paiz, onde não a temos; se quizesse estabelecer em todo o reino policia rural, que não temos; se quizesse elevar a instrucção publica ao grau de aperfeiçoamento de que estamos longe, poderia elevar o orçamento do seu ministerio ao dobro do que é hoje.

O mesmo diremos do ministerio da justiça, se os nossos juizes houvessem de ser pagos como os juizes na Inglaterra.

O mesmo diremos do ministerio da guerra, se quizesse-mos pôr as fortificações do paiz e o exercito a par da defeza dos paizes que mais a têem aperfeiçoado.

Mas o ministro não tem que indagar sómente do que é util para o paiz, deve olhar para os seus recursos.

O que eu vejo é que todos os annos vamos gastando consideravelmente mais do que aquillo que se calculou no orçamento de previsão, o que vejo é que todos os annos ha um deficit de mais de 6.000:000$000 réis.

Os encargos da nossa divida absorvem mais de metade de todas as receitas, e as faculdades do contribuinte estão quasi esgotadas.

Isto é uma questão seria.

O sr. Mendonça Cortez: - O mal não é de hontem...

O Orador: - Oxalá que o mal fosse de hontem; mas, sr. presidente, eu vejo que o deficit este anno é muito maior do que o do anno passado, e, a continuarem as cousas como até aqui, antevejo um futuro que não póde deixar de preoccupar muito seriamente todos aquelles que se interessam pelo bem estar do paiz.

Tudo parece que vae bem no momento actual, porque ha muita abundancia de dinheiro, e o juro é baratissimo. Mas o facto póde não durar muito. A crise, uma reacção, embora temporaria, são cousas inevitaveis.

A diminuição dos juros do capital é um facto filho da nossa civilisação e que ha de continuar a dar-se, se tomarmos a media d'este juro em largos periodos, mas não podemos escapar ás crises, que são tambem naturaes em periodos mais ou menos largos.

Se hoje abunda o dinheiro, havemos de ter infallivelmente falta d'elle, n'uma occasião mais. ou menos proxima, que póde ser ámanhã, póde ser d'aqui a alguns annos.

Nós temos chegado a uma abundancia de dinheiro disponivel como nunca se viu neste seculo, e podemos dizer como nunca se viu no mundo. E o resultado da civilisação material e politica. O grande progresso das sciencias, a sua applicação á industria, a applicação do vapor ás machinas e á navegação, a creação dos caminhos de ferro, e do telegrapho, activaram a producção de uma maneira espantosa, e tem desenvolvido em todo o mundo uma grande riqueza. Por outro lado os longos periodos de paz, porque n'outros tempos as guerras duravam muitos annos, e agora duram apenas mezes. Por outro lado, e este é um facto importantissimo, o progresso politico, dando liberdade e garantias a todos os cidadãos, deu a maior expansão a toda a actividade humana. D'aqui nasceu a creação de uma grande riqueza de grandes capitães, que se empregaram em crear riqueza nova.

Porém os melhoramentos materiaes mais dispendiosos, como os caminhos de ferro mais importantes, as grandes linhas, e que mais haviam de render, estão concluidos. As grandes linhas telegraphicas estão no igualmente. Estão organisadas as grandes emprezas. O emprego do capital nas industrias, que as elevou a um grande grau de perfeição, produziu maravilhas, mas trouxe um excesso de producção, uma plethora, que causou a crise industrial, de que a Europa ha seis ou oito annos padece. A agricultura tambem hoje soffre uma crise em virtude da abundancia e barateza da producção americana.

Isto significa que se crearam grandes capitães, e que estes têem n'este momento pouco emprego, porém, as grandes emprezas de viação, e as mais productivas estão já feitas, e a agricultura e a industria não offerecem juro re-

Página 467

SESSÃO DE 20 DE JUNHO DE 1887 467

numerador ao capital pela crise actual, que é a superabundancia da producção. D'aqui vem a abundancia do capital disponivel e a barateza do juro, como nunca houve.

Mas esta barateza de juro, se em parte é um resultado natural da civilisação, que ha de contribuir para resolver a questão social, a lucta entre o capital e o trabalho, porque a esta barateza do juro do capital vae correspondendo o augmento dos salarios, por outro lado é filha neste momento das causas que apontei, e algumas das quaes são transitorias. Se pois o juro dos capitães em regra tende a diminuir, não é de uma maneira constante, havemos de ter epochas de crise e de reacção, quando essas epochas vierem, e ellas serão inevitaveis, se não tivermos melhorado com seriedade, e não só na apparencia as nossas condições financeiras, correremos grave risco.

Sr. presidente, a camara está cansada, e eu já fiz as declarações que tinha a fazer. Voto o orçamento rectificado, mas sei o que voto. Voto as sommas aqui fixadas e mais 600:000$000 réis em que importam as sobras do orçamento do ministerio das obras publicas do exercicio passado, e a isenção para o ministro d'aquella pasta de todas as disposições do regulamento de contabilidade. Votemos, mas saibamos todos o que votâmos.

O sr. Presidente - A proxima sessão terá logar amanhã, e a ordem do dia é a continuação da mesma e o parecer n.° 55.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e sete minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 20 de junho de 1887

Ixmos. srs.: João de Andrade Corvo; duque de Palmella; marquezes, da Foz, de Rio Maior; condes, de Alte, do Bomfim, de Campo Bello, de Castro, da Folgosa, de Gouveia, de Magalhães, de Paraty, do Restello, de Valenças; viscondes, de Arriaga, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de Carnide, da Silva Carvalho; Agostinho Lourenço, Aguiar, Quaresma, Sousa Pinto, Silva e Cunha, Antunes Guerreiro, Arrobas, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Bento, Carlos Testa, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Van Zeller, Ressano Garcia, Henrique de Macedo, Candido de Moraes, Holbeche, Mendonça Cortez, Valladas, Vasco Leão, Andrada Pinto, Coelho de Carvalho, Gusmão, Braamcamp, Bandeira Coelho, Baptista do Andrade, Costa Pedreira, Ayres de Gouveia, Castro, Silva Amado, Lobo d'Avila, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Pinheiro Borges, Luiz Bivar, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, D. Miguel Pereira Coutinho, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Serra e Moura.

Redactor = Ulpio Veiga.

Página 468

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×