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462 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mas procurarei responder condignamente ao digno par que me precedeu, o meu amigo o sr. Oliveira Monteiro, nos pontos em que no decorrer do seu conceituoso discurso discordou da opinião que eu vou manifestar e que a camara já prevê pelos fundamentos da minha proposta.

De s. exa. sei dizer, e digo o que sinto, que cada um falla como póde e não como quer, mas se me fora dado fallar como quizesse eu quereria fallar como o digno par.

Sr. presidente, este projecto tem em si duas questões distinctas e separadas; uma é a parte politica, a questão puramente constitucional, a dictadura em si é a ponderação das causas que levaram o governo a pratical-a; a outra, a que se póde chamar, por assim dizer, administrativa é a resultante da apreciação dos decretos dictatoriaes, que me parece mais adquado tratal-a na discussão da especialidade do parecer.

Sr. presidente, se eu tiver que referir-me a alguns dignos pares, desde já peço a s. exas. que n'essas referencias esqueçam por um pouco a elevação dos merecimentos das pessoas a quem me referir e a escassez de recursos intelle-ctuaes do referente, se bem que, diga-se em verdade, n'esta assembléa reina em todos e em tudo uma perfeita igualdade.

Os maiores não são tanto como a collectividade que aqui representam; os mais pequenos, esses elevam-se pelos poderes que trazem, e uns e outro, e cada um de per si, e todos por igual representámos aqui a magestade da patria.

Aqui não ha grandes nem pequenos, nem arabes nem sarracenos...

Patria!...

Sr. presidente, eu não sei que sentimento poderoso e sobrenatural se apodera de mim ao proferir esta palavra:

patria!

Um dos principaes oradores da peninsula, senão o primeiro, pelo menos dos roais considerados, o sr. Emilio Castelar, para affirmar ao congresso hespanhol que era patriota, disse que era tão patriota que chegava a ser cosmopolita, porque dizia elle: "desejo para o meu paiz o pensamento scientifico da Allemanha, o genio artistico da Italia, a liberdade do trabalho da Inglaterra, e o espirito uuiversal da França".

Eu de mim sei dizer e sinto o que digo.

Dizem que todo este planeta é terra, mas a terra que não é de Portugal, não é a terra cujo succo trago no coração e nas veias.

Dizem que toda a atmosphera é ar, mas o ar que sopra nas outras nações e não sopra no meu paiz, não é o ar que me tem revivificado o sangue desde o primeiro momento do meu nascer.

Dizem que todo o sol é luz, mas a luz que não illumina a minha terra não é a luz que me lampejou a fronte desde a minha primeira infancia e que por assim dizer faz parte, da vista dos meus olhos.

Dizem que todos os homens são irmãos, mas eu não: considero meus irmãos senão os meus conterraneos, porque alem de outras afinidades exprimem o seu sentimento pela facunda, clara, e graciosissima lingua portugueza, providencialmente sublimada por Camões, para transmittir aos vindouros os feitos heroicos de Albuquerque, do Gama e do Condestavel.

Enthusiasma me ver o espirito patriotico, ainda mesmo quando elle signifique o amor consagrado á terra alheia, por aquelles que lhe pertencem.

E, se a camara me permitte, narrar-lhe-heí um exemplo que tive a honra de ouvir em Madrid a um dos homens mais importantes das côrtes constituintes hespanholas de 1869 o sr. D. Eusebio Mazarredo, eleito pela circumscripção que se estende desde Soria até Biscaia e desde Álava até Santander.

Dizia elle: "Eduquei-me no estrangeiro e recebí tantas caçoadas dos meus condiscipulos em differentes escolas onde: aprendi, sobretudo guando estudava geographia, tantas caceadas e ditos picantes pelo facto da bandeira ingleza estar tremulando em Gibraltar, n'el penou, n'aquella ponta da Europa, n'aquella terra hespanhola, e foi tão assignalada e duradoura a minha indignação, que ainda outro dia, tendo de fazer uma viagem de Cadiz a Alicante, preferi te mar a diligencia, dar um grande rodeio e ir por Madrid, a passar por diante da bandeira ingleza arvorada em Gibraltar, onde tremula desde 1704."

(Entrou na sala o sr. Olheira Monteiro.)

Confirmando, em latim, com quanto a traducção não seja bem á letra, o que ha pouco disse em portuguez, repetirei a proposito do discurso que s. exa. proferiu hontem, o que a respeito de um notavel orador dizia Tacito:

Ista magna eloquentia ut ignis materia halitur et orendo clarecit.

Eu estou inteiramente convencido de que o governo praticou a dictadura em beneficio da minha patria, das instituições que eu prezo e da propria liberdade, que por igual é vulneravel pelo abuso como pela restricção. Ha quem tire da liberdade o direito de aggredil-a, mas a liberdade deixa de o ser e é licença, se os seus preceitos decretam a impunidade dos que pretendem decapital-a.

Conforme os meus meios de investigação, verifiquei que as dictaduras que têem havido, são as seguintes: a de 1834, a de 1836, a de 1846, a de 1868, a de 1870, a de 1881, a de 1884, a de 1886 e a deste anno. De todas ellas as que me parecem, conscienciosamente, praticadas em bem do paiz são as de 1834, 1846 e a ultima. Classifico como sendo praticadas a bem do interesse geral as de 1834, de 1846 e a que se discute, porque as outras foram principalmente, senão exclusivamente, de interesse partidario.

O digno par e de quem sou amigo, o sr. Barros e Sá, com aquella proficiencia que lhe é propria e com a auctoridade que lhe dá a sua longa carreira politica, mui rica de factos discretamente meditados, dizia ha poucos dias a esta camara, que já em 1600 encontrára a historia de dictaduras na Europa.

Pois eu vou mostrar á camara que as dictaduras são muito mais antigas.

O sr. Emilio Castellar, fervoroso apostolo das formulas republicanas, e que não póde ser suspeito neste assumpto por isso que, pelas suas opiniões politicas, deve ser e é estrénuo antagoniza das dictaduras, dizia, e permitta-me a camara que eu leia o que elle disse no seu primoroso discurso proferido no congresso hespanhol, em 3 de novembro de 1870, a proposito de dictaduras, porque ficará mais satisfeita ouvindo a proprias palavras do eloquente tribuno do que as minhas referencias:

"Os romanos consentiam as dictaduras de tempos a tempos. Cincinato a exerceu por quinze dias, e em quinze dias a immortalisou. Seis mezes era o termo legal das dictaduras; enfermidade destinada a matar outras enfermidades maiores, etc."

De modo que já n'aquelles tempos as dictaduras tinham um certo cunho de legalidade, senão eram exercidas alem de seis mezes.

Tambem me parece que s. exa. disse que Tito Ligario fora um dos que assassinou Cesar, e a historia romana não ensina isso.

Segundo ella, quem assassinou César foram dois romanos, um chamado Casca e outro Metello Cimbrio.

Faço esta rectificação porque a historia é o meu estudo predilecto de todos os dias. Gosto, quando a estudo, ter a certeza de que estudo a verdade, e por isso desejo que ella se faça bem, e a historia não se faz bem senão fazendo-a verdadeira.

Ora eu classifiquei as dictaduras portuguezas em dictaduras por interesse nacional e dictaduras por interesse partidario.

E quaes são as dictaduras por interesse partidario? São aquellas que os governos praticam simplesmente para se sustentarem no poder, e cujo fim é só arredar do