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SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1890 463

seu caminho todas as difficuldades, fazendo desapparecer! as leis e circumstancias adversas, que o governo seu antecessor decretou para lhe tolher a viabilidade constitucional.

A consequencia fatal e inevitavel é a dictadura, praticada pelo governo que succede áquelle que assim praticou.

Eu estava em Lisboa no dia 11 de fevereiro, e presenciei essas manifestações, que não foram a final senão o reflexo das agitações que em Lisboa, no Porto e nos centros de população mais densa, e por isso mais adequados para a excitação promoveram os que, menos sinceramente, e quanto a mim menos patrioticamente, pretendem especula, com o sentimento popular.

Aqui, como nas outras partes, fez-se um appello ao sen sentimento patriotico do povo para o desvairar, congregar em multidão desordenada com o pretexto, cuja analogia com os factos que produziram a allucinação popular d'aquelle dia, ainda não pude determinar, de collocar uma corôa de louros, na fonte já laureada do insigne cantor das glorias patrias.

Eu, se querem que lhes diga, até n'essa occasião estive de accordo com o governo por ter afastado da imagem do homem cuja memoria de todos é venerada, esse prestito desordenado a que chamavam civico e mudar-lhes a direcção para o Vasco da Gama.

Bem sei que esses dois grandes vultos da nossa historia não podem comparar-se; a cada um o seu logar, que é elevado, e grandioso, mas differente.

A gloria de Camões é grande, pelo seu estro e pela escolha do assumpto que cantou; mas a gloria de Vasco da Gama não lhe é somenos; é a gloria de quem praticou os feitos que produziram a gloria de quem os cantou.

Portanto o civismo aristidico que pedia heroicidade e não pedia estrophes, porque antes dos grandes feitos póde ter o propheta que revelar, mas nunca o poeta que enaltecer, mais bem encaminhado foi para o Vasco da Gama.

E, se hoje a memoria de Vasco da Gama não está rediviva como a de Camões, é porque na vida são os Mecenas que douram com os clarões que lhes sobejam os louros altivos dos Virgilios. Na morte são os Virgilios que illuminam e perpetuam com os reflexos da sua gloria os vultos da Mecenas. (Vozes: - Muito bem.)

Por consequencia até n'isso estive de accordo com o governo...

O governo teve necessidade urgente de exercer dictadura vendo-se ante correrias e agitações vertiginosas do povo, nos principaes centros de população. Evitou com ella consequencias graves e talvez compromettedoras das instituições.

Quanto a mim, que prezo mais a ordem do que as normas constitucionaes, comquanto que tambem tenha estas em grande apreço, o governo fez o seu dever, e não só o relevo mas louvo-o por isso.

Pois devia o governo presenciar, de braços cruzados, aquellas agitações desvairadas e completamente despidas de ordem e de seriedade?! Não, mil vezes não; faltaria ao mais elevado mister que a sociedade espera d'elle, a sustentação da ordem publica, que é a primeira, senão a unica ambição, de todos os cidadãos pacificos e morigerados, que felizmente têem no nosso paiz um numero miriades de vezes superior ao dos que figuravam no prestito de 11 de fevereiro.

Seria uma inacção altamente criminosa.

Seria o mesmo espectaculo que nos transmitte a lenda de estar Carlos V em Yuste assistindo resignado aos proprios funeraes, o que cá para o caso era aos funeraes das instituições que o governo, não digo resignadamente, mas criminosamente assistia.

Esso seria o triste e sin.gu.lavissfan0 espectaculo da morte do filho dó Filippe, que morreu asphixiado, victima da etiqueta côrtes porque comquanto estivesse rodeado da sua côrte não estava no seu posto o empregado encarregado de regular a temperatura do fogão que aquecia a sala...

Pois o governo tambem havia de permanecer estatico diante do desvairamento agudo a que o povo attingiu, escravo e respeitador das normas constitucionaes?!

De modo nenhum.

Não convocou as côrtes porque a demora era discutir e deliberar era prejudicialissima, mas chamou a guarda municipal e a policia civil como o caso urgia; procedeu com acerto, e a vê-se está n'essa santa paz octaviana que ahi está.

Eu sempre ouvi citar, sr. presidente, este proloquio, e os proloquios são as phylosophias populares; têem a sancção da observação e da experiencia, que os meios extraordinarios são os normaes em casos extraordinarios tambem. As circumstancias eram extraordinarias, e os meios para evitar essas circumstancias e as suas respectivas consequencias tambem deviam ser extraordinarios.

Sr. presidente, para firmar o mais solidamente possivel a minha opinião de que a agitação popular produziu a anarchia, vou dizer á camara uma passagem do primoroso elogio historico do Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I de saudosa memoria, elaborado e pronunciado na academia real das sciencias pelo distinctissimo orador e ornamento d'aquella illustre e esclarecida agremiação scientifica, o sr. Antonio Candido Ribeiro da Costa.

N'este notavel elogio, que eu escutei com toda a minha attenção, o distincto orador pronunciou as seguintes palavras:

"Depois appareceu o conflicto com a Inglaterra. A dor, o espanto, o odio (odio sagrado que nenhuma moral censura) produziram aquella estranha e temerosa anarchia, que é sempre o primeiro movimento de um povo insultado ou vencido.

"Mas o estado de desvairamento agudo a que attingi-mos honra-nos, não nos envergonha, não nos desluz. Devia apparecer, mas não podia continuar.

"Na vida dos individuos a morte é sempre preferivel á loucura, e na vida dos povos é muitas vezes uma sublime demencia o que os engrandece ou os desaffronta."

Sr. presidente, o desvairamento agudo a que attingimos não podia nem devia continuar.

Eu preso muito as instituições vigentes; quero que se aperfeiçoem e se conservem, porque a Índole do povo, refiro-me ao povo morigerado, está habituada e conformada com ellas; voto contra as transformações sociaes, e digo que não me parece sincero quem propaga que o povo as reclama.

Sr. presidente, eu sei o que são as transformações sociaes; diz-m'o a historia, que me habituei a consultar desde creança.

Sempre que de uma sociedade ou de uma instituição surge outra sociedade ou outra, instituição novas, é lei fatal e immutavel, nasce sempre em opposição radical á antiga; isto dá-se tanto nas artes, como nas sciencias, como na phylosophia, como na religião e como na fórma social, que são os pontos mais culminantes da mentalidade humana.

E senão vejâmos:

O espirito grego nasceu do Oriente, e para crescer teve que negar o Oriente. Nas artes, o renascimento nasceu da idade media, e para tomar renome chamou barbara á idade media; Miguel Angelo e Raphael, e o mesma papa Leão X, e Bembo e Sadoleto, não virara na arte gothica senão o padrão da barbarie das artes. Na fórma social citarei, entre outros, Voltaire, que, como Aristophanes ao finalisar a Grecia, Luciano ao analisar Roma, Boccacio ao finalisar a primeira metade, a, metade mais theocratica dos seculos medios, Cervantes ao finalisarem os tempos cavalheirescos, pretendeu destruir uma fórma social, e destruiu-a, alluiado pelos fundamentos as instituições, suas