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N.º 34

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcelos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Conde de Lagoaça

SUMMARIO

Leitura a e approvação da acta. - O sr. Lencastre communica que o sr. visconde de Villa Mendo não comparece á sessão de hoje, e terá de faltar a mais algumas, por incommodo de saude. - O sr. Pereira Dias dirige algumas perguntas ao governo sobre o cordão sanitario do Algarve. - Responde-lhe o sr. ministro da justiça, e o sr. Pereira Dias volta a insistir em opiniões anteriormente adduzidas.

Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.º 48, relativo ao bill de indemnidade. - O sr. Miguel Maximo discursa sobre o assumpto em ordem do dia, e concluo mandando para a mesa uma moção. É admittida. - Segue-se-lhe no uso da palavra o sr. Pereira Dias, que termina apresentando uma proposta, que é tambem admittida. - O sr. Jeronymo Pimentel, relator, responde ás objecções apresentadas pelo orador precedente. - O sr. José Luciano de Castro começa a justificar uma proposta, e póde para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 20 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente. Não houve correspondencia.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho de ministros, e ministros du justiça e da instrucção publica.)

O sr. Luiz de Lencastre: - O digno par o sr. visconde de Villa Mendo encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que, por incommodo de saude, não tem podido comparecer ás sessões, e que, pelo mesmo motivo, deixará de comparecer a mais algumas.

O sr. Pereira Dias: - Desejava fazer algumas considerações sobre a saude publica, na presença do sr. ministro do reino.

S. exa. não está presente e não sei se virá hoje a esta camara.

O sr. Ministro da Justiça. (Lopo Vaz): - O sr. presidente do conselho foi á assignatura regia, e se as circunstancias lh'o permitirem, estou certo que não deixará de vir hoje a esta camara.

O Orador: - Li nos jornaes que estava estabelecido ou que ía estabelecer-se um cordão sanitario na fronteira do Algarve.

Desejo saber se com effeito ha rasão para se estabelecer desde já este cordão sanitario e para só installarem os respectivos lazaretos.

A camara sabe que se o publico se preoccupa muito com a idéa de uma invasão epidemica não tem em menos apreço as despezas que intempestiva e inutilmente se possam realisar, e é por isto que eu desejo saber se é ou não verdade estar já estabelecido o cordão sanitario e os respectivos lazaretos, quaes as rasões justificativas d'estas providencias.

Eu não sei se algum dos srs. ministros presentes me poderá dar algumas explicações a este respeito; mas, seja como for, peço a v. exas. que se dignem communicar estas minhas brevissimas considerações ao seu collega do reino, se por acaso elle não comparecer á sessão de hoje.

Se o nobre presidente do conselho não vier hoje a esta camara, é possivel que possa assistir á sessão de ámanhã ou á de segunda feira, para dar as explicações que eu acabo de pedir.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - Sr. presidente, eu não posso dar ao digno par explicações minuciosas ácerca das perguntas que acaba de fazer, porque o assumpto a que ellas se referem não corre pela minha pasta; todavia devo dizer a s. exa. que o meu collega do reino procura conciliar quanto possivel as conveniencias do thesouro com a necessidade de empregar todos os meios que obstem á invasão do cholera no nosso paiz.

Em harmonia com esta ordem de idéas, s. exa. procura executar da maneira mais economia possivel, as deliberações que a junta de saude publica vae tomando dia a dia nas suas resoluções successivas.

Não conheço a natureza d'essas resoluções, mas parece-me que se estabeleceu no Algarve o cordão, sanitario, e que recentemente a mesma junta indicou a necessidade de estender esse cordão até ao Guadiana.

Se já está estabelecido, não sei; mas se o digno par não ficar satisfeito com as minhas explicações, por certo obterá do meu collega do reino os esclarecimentos que não lhe posso fornecer.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Pereira Dias: - As explicações do sr. ministro da justiça satisfizeram-me até certo ponto. Sei perfeitamente que, se o governo não seguisse os conselhos e as providencias indicadas pelo conselho de saude, incorreria n'uma grandissima responsabilidade.

Mas é por isso mesmo que eu desejo saber quaes foram as rasões que levaram a junta a indicar o estabelecimento do cordão sanitario em uma tão grande extensão e os seus respectivos lazaretos.

Surprehende-me o facto de &e mandar estabelecer o cordão sanitario em uma tão grande extensão, quando as noticias vindas agora sobre a epidemia do cholera são para nos animar e não para nos entristecer.

Desejo, pois, conhecer os factos que determinaram a indicação da junta, para os avaliar e para ao mesmo tempo me convencer de que essas providencias são ou não indispensaveis, e se deviam ou não ser indicadas.

(S. exa. não reviu.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 48. relativo ao bill de indemnidade

O sr. Presidente: - Passâmos á ordem do dia.

Tem a palavra o sr. Miguel Maximo da Cunha Monteiro.

O sr. Cunha Monteiro: - Sr. presidente, eu começo por ter a honra de mandar para a mesa a proposta que passo a ler.

(Leu.)

Sr. presidente, tambem eu venho dizer algumas palavras em defeza do projecto que está em discussão.

Não tenho commigo a vaidade de convencer ninguem,

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mas procurarei responder condignamente ao digno par que me precedeu, o meu amigo o sr. Oliveira Monteiro, nos pontos em que no decorrer do seu conceituoso discurso discordou da opinião que eu vou manifestar e que a camara já prevê pelos fundamentos da minha proposta.

De s. exa. sei dizer, e digo o que sinto, que cada um falla como póde e não como quer, mas se me fora dado fallar como quizesse eu quereria fallar como o digno par.

Sr. presidente, este projecto tem em si duas questões distinctas e separadas; uma é a parte politica, a questão puramente constitucional, a dictadura em si é a ponderação das causas que levaram o governo a pratical-a; a outra, a que se póde chamar, por assim dizer, administrativa é a resultante da apreciação dos decretos dictatoriaes, que me parece mais adquado tratal-a na discussão da especialidade do parecer.

Sr. presidente, se eu tiver que referir-me a alguns dignos pares, desde já peço a s. exas. que n'essas referencias esqueçam por um pouco a elevação dos merecimentos das pessoas a quem me referir e a escassez de recursos intelle-ctuaes do referente, se bem que, diga-se em verdade, n'esta assembléa reina em todos e em tudo uma perfeita igualdade.

Os maiores não são tanto como a collectividade que aqui representam; os mais pequenos, esses elevam-se pelos poderes que trazem, e uns e outro, e cada um de per si, e todos por igual representámos aqui a magestade da patria.

Aqui não ha grandes nem pequenos, nem arabes nem sarracenos...

Patria!...

Sr. presidente, eu não sei que sentimento poderoso e sobrenatural se apodera de mim ao proferir esta palavra:

patria!

Um dos principaes oradores da peninsula, senão o primeiro, pelo menos dos roais considerados, o sr. Emilio Castelar, para affirmar ao congresso hespanhol que era patriota, disse que era tão patriota que chegava a ser cosmopolita, porque dizia elle: "desejo para o meu paiz o pensamento scientifico da Allemanha, o genio artistico da Italia, a liberdade do trabalho da Inglaterra, e o espirito uuiversal da França".

Eu de mim sei dizer e sinto o que digo.

Dizem que todo este planeta é terra, mas a terra que não é de Portugal, não é a terra cujo succo trago no coração e nas veias.

Dizem que toda a atmosphera é ar, mas o ar que sopra nas outras nações e não sopra no meu paiz, não é o ar que me tem revivificado o sangue desde o primeiro momento do meu nascer.

Dizem que todo o sol é luz, mas a luz que não illumina a minha terra não é a luz que me lampejou a fronte desde a minha primeira infancia e que por assim dizer faz parte, da vista dos meus olhos.

Dizem que todos os homens são irmãos, mas eu não: considero meus irmãos senão os meus conterraneos, porque alem de outras afinidades exprimem o seu sentimento pela facunda, clara, e graciosissima lingua portugueza, providencialmente sublimada por Camões, para transmittir aos vindouros os feitos heroicos de Albuquerque, do Gama e do Condestavel.

Enthusiasma me ver o espirito patriotico, ainda mesmo quando elle signifique o amor consagrado á terra alheia, por aquelles que lhe pertencem.

E, se a camara me permitte, narrar-lhe-heí um exemplo que tive a honra de ouvir em Madrid a um dos homens mais importantes das côrtes constituintes hespanholas de 1869 o sr. D. Eusebio Mazarredo, eleito pela circumscripção que se estende desde Soria até Biscaia e desde Álava até Santander.

Dizia elle: "Eduquei-me no estrangeiro e recebí tantas caçoadas dos meus condiscipulos em differentes escolas onde: aprendi, sobretudo guando estudava geographia, tantas caceadas e ditos picantes pelo facto da bandeira ingleza estar tremulando em Gibraltar, n'el penou, n'aquella ponta da Europa, n'aquella terra hespanhola, e foi tão assignalada e duradoura a minha indignação, que ainda outro dia, tendo de fazer uma viagem de Cadiz a Alicante, preferi te mar a diligencia, dar um grande rodeio e ir por Madrid, a passar por diante da bandeira ingleza arvorada em Gibraltar, onde tremula desde 1704."

(Entrou na sala o sr. Olheira Monteiro.)

Confirmando, em latim, com quanto a traducção não seja bem á letra, o que ha pouco disse em portuguez, repetirei a proposito do discurso que s. exa. proferiu hontem, o que a respeito de um notavel orador dizia Tacito:

Ista magna eloquentia ut ignis materia halitur et orendo clarecit.

Eu estou inteiramente convencido de que o governo praticou a dictadura em beneficio da minha patria, das instituições que eu prezo e da propria liberdade, que por igual é vulneravel pelo abuso como pela restricção. Ha quem tire da liberdade o direito de aggredil-a, mas a liberdade deixa de o ser e é licença, se os seus preceitos decretam a impunidade dos que pretendem decapital-a.

Conforme os meus meios de investigação, verifiquei que as dictaduras que têem havido, são as seguintes: a de 1834, a de 1836, a de 1846, a de 1868, a de 1870, a de 1881, a de 1884, a de 1886 e a deste anno. De todas ellas as que me parecem, conscienciosamente, praticadas em bem do paiz são as de 1834, 1846 e a ultima. Classifico como sendo praticadas a bem do interesse geral as de 1834, de 1846 e a que se discute, porque as outras foram principalmente, senão exclusivamente, de interesse partidario.

O digno par e de quem sou amigo, o sr. Barros e Sá, com aquella proficiencia que lhe é propria e com a auctoridade que lhe dá a sua longa carreira politica, mui rica de factos discretamente meditados, dizia ha poucos dias a esta camara, que já em 1600 encontrára a historia de dictaduras na Europa.

Pois eu vou mostrar á camara que as dictaduras são muito mais antigas.

O sr. Emilio Castellar, fervoroso apostolo das formulas republicanas, e que não póde ser suspeito neste assumpto por isso que, pelas suas opiniões politicas, deve ser e é estrénuo antagoniza das dictaduras, dizia, e permitta-me a camara que eu leia o que elle disse no seu primoroso discurso proferido no congresso hespanhol, em 3 de novembro de 1870, a proposito de dictaduras, porque ficará mais satisfeita ouvindo a proprias palavras do eloquente tribuno do que as minhas referencias:

"Os romanos consentiam as dictaduras de tempos a tempos. Cincinato a exerceu por quinze dias, e em quinze dias a immortalisou. Seis mezes era o termo legal das dictaduras; enfermidade destinada a matar outras enfermidades maiores, etc."

De modo que já n'aquelles tempos as dictaduras tinham um certo cunho de legalidade, senão eram exercidas alem de seis mezes.

Tambem me parece que s. exa. disse que Tito Ligario fora um dos que assassinou Cesar, e a historia romana não ensina isso.

Segundo ella, quem assassinou César foram dois romanos, um chamado Casca e outro Metello Cimbrio.

Faço esta rectificação porque a historia é o meu estudo predilecto de todos os dias. Gosto, quando a estudo, ter a certeza de que estudo a verdade, e por isso desejo que ella se faça bem, e a historia não se faz bem senão fazendo-a verdadeira.

Ora eu classifiquei as dictaduras portuguezas em dictaduras por interesse nacional e dictaduras por interesse partidario.

E quaes são as dictaduras por interesse partidario? São aquellas que os governos praticam simplesmente para se sustentarem no poder, e cujo fim é só arredar do

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seu caminho todas as difficuldades, fazendo desapparecer! as leis e circumstancias adversas, que o governo seu antecessor decretou para lhe tolher a viabilidade constitucional.

A consequencia fatal e inevitavel é a dictadura, praticada pelo governo que succede áquelle que assim praticou.

Eu estava em Lisboa no dia 11 de fevereiro, e presenciei essas manifestações, que não foram a final senão o reflexo das agitações que em Lisboa, no Porto e nos centros de população mais densa, e por isso mais adequados para a excitação promoveram os que, menos sinceramente, e quanto a mim menos patrioticamente, pretendem especula, com o sentimento popular.

Aqui, como nas outras partes, fez-se um appello ao sen sentimento patriotico do povo para o desvairar, congregar em multidão desordenada com o pretexto, cuja analogia com os factos que produziram a allucinação popular d'aquelle dia, ainda não pude determinar, de collocar uma corôa de louros, na fonte já laureada do insigne cantor das glorias patrias.

Eu, se querem que lhes diga, até n'essa occasião estive de accordo com o governo por ter afastado da imagem do homem cuja memoria de todos é venerada, esse prestito desordenado a que chamavam civico e mudar-lhes a direcção para o Vasco da Gama.

Bem sei que esses dois grandes vultos da nossa historia não podem comparar-se; a cada um o seu logar, que é elevado, e grandioso, mas differente.

A gloria de Camões é grande, pelo seu estro e pela escolha do assumpto que cantou; mas a gloria de Vasco da Gama não lhe é somenos; é a gloria de quem praticou os feitos que produziram a gloria de quem os cantou.

Portanto o civismo aristidico que pedia heroicidade e não pedia estrophes, porque antes dos grandes feitos póde ter o propheta que revelar, mas nunca o poeta que enaltecer, mais bem encaminhado foi para o Vasco da Gama.

E, se hoje a memoria de Vasco da Gama não está rediviva como a de Camões, é porque na vida são os Mecenas que douram com os clarões que lhes sobejam os louros altivos dos Virgilios. Na morte são os Virgilios que illuminam e perpetuam com os reflexos da sua gloria os vultos da Mecenas. (Vozes: - Muito bem.)

Por consequencia até n'isso estive de accordo com o governo...

O governo teve necessidade urgente de exercer dictadura vendo-se ante correrias e agitações vertiginosas do povo, nos principaes centros de população. Evitou com ella consequencias graves e talvez compromettedoras das instituições.

Quanto a mim, que prezo mais a ordem do que as normas constitucionaes, comquanto que tambem tenha estas em grande apreço, o governo fez o seu dever, e não só o relevo mas louvo-o por isso.

Pois devia o governo presenciar, de braços cruzados, aquellas agitações desvairadas e completamente despidas de ordem e de seriedade?! Não, mil vezes não; faltaria ao mais elevado mister que a sociedade espera d'elle, a sustentação da ordem publica, que é a primeira, senão a unica ambição, de todos os cidadãos pacificos e morigerados, que felizmente têem no nosso paiz um numero miriades de vezes superior ao dos que figuravam no prestito de 11 de fevereiro.

Seria uma inacção altamente criminosa.

Seria o mesmo espectaculo que nos transmitte a lenda de estar Carlos V em Yuste assistindo resignado aos proprios funeraes, o que cá para o caso era aos funeraes das instituições que o governo, não digo resignadamente, mas criminosamente assistia.

Esso seria o triste e sin.gu.lavissfan0 espectaculo da morte do filho dó Filippe, que morreu asphixiado, victima da etiqueta côrtes porque comquanto estivesse rodeado da sua côrte não estava no seu posto o empregado encarregado de regular a temperatura do fogão que aquecia a sala...

Pois o governo tambem havia de permanecer estatico diante do desvairamento agudo a que o povo attingiu, escravo e respeitador das normas constitucionaes?!

De modo nenhum.

Não convocou as côrtes porque a demora era discutir e deliberar era prejudicialissima, mas chamou a guarda municipal e a policia civil como o caso urgia; procedeu com acerto, e a vê-se está n'essa santa paz octaviana que ahi está.

Eu sempre ouvi citar, sr. presidente, este proloquio, e os proloquios são as phylosophias populares; têem a sancção da observação e da experiencia, que os meios extraordinarios são os normaes em casos extraordinarios tambem. As circumstancias eram extraordinarias, e os meios para evitar essas circumstancias e as suas respectivas consequencias tambem deviam ser extraordinarios.

Sr. presidente, para firmar o mais solidamente possivel a minha opinião de que a agitação popular produziu a anarchia, vou dizer á camara uma passagem do primoroso elogio historico do Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I de saudosa memoria, elaborado e pronunciado na academia real das sciencias pelo distinctissimo orador e ornamento d'aquella illustre e esclarecida agremiação scientifica, o sr. Antonio Candido Ribeiro da Costa.

N'este notavel elogio, que eu escutei com toda a minha attenção, o distincto orador pronunciou as seguintes palavras:

"Depois appareceu o conflicto com a Inglaterra. A dor, o espanto, o odio (odio sagrado que nenhuma moral censura) produziram aquella estranha e temerosa anarchia, que é sempre o primeiro movimento de um povo insultado ou vencido.

"Mas o estado de desvairamento agudo a que attingi-mos honra-nos, não nos envergonha, não nos desluz. Devia apparecer, mas não podia continuar.

"Na vida dos individuos a morte é sempre preferivel á loucura, e na vida dos povos é muitas vezes uma sublime demencia o que os engrandece ou os desaffronta."

Sr. presidente, o desvairamento agudo a que attingimos não podia nem devia continuar.

Eu preso muito as instituições vigentes; quero que se aperfeiçoem e se conservem, porque a Índole do povo, refiro-me ao povo morigerado, está habituada e conformada com ellas; voto contra as transformações sociaes, e digo que não me parece sincero quem propaga que o povo as reclama.

Sr. presidente, eu sei o que são as transformações sociaes; diz-m'o a historia, que me habituei a consultar desde creança.

Sempre que de uma sociedade ou de uma instituição surge outra sociedade ou outra, instituição novas, é lei fatal e immutavel, nasce sempre em opposição radical á antiga; isto dá-se tanto nas artes, como nas sciencias, como na phylosophia, como na religião e como na fórma social, que são os pontos mais culminantes da mentalidade humana.

E senão vejâmos:

O espirito grego nasceu do Oriente, e para crescer teve que negar o Oriente. Nas artes, o renascimento nasceu da idade media, e para tomar renome chamou barbara á idade media; Miguel Angelo e Raphael, e o mesma papa Leão X, e Bembo e Sadoleto, não virara na arte gothica senão o padrão da barbarie das artes. Na fórma social citarei, entre outros, Voltaire, que, como Aristophanes ao finalisar a Grecia, Luciano ao analisar Roma, Boccacio ao finalisar a primeira metade, a, metade mais theocratica dos seculos medios, Cervantes ao finalisarem os tempos cavalheirescos, pretendeu destruir uma fórma social, e destruiu-a, alluiado pelos fundamentos as instituições, suas

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contemporaneas, atiradas por elle aos quatro ventos da revolução. (Vozes: - Muito bem.)

Em religião, sr. presidente, e agora volto-me reverente e submisso para dois ornamentos distinctissimos da igreja lusitana que me escutam e que me honram e obsequeiam com a sua attenção...

(O orador volta-se para os srs. bispos que estavam presentes).

Em religião, a igreja saíu de sua mãe, o paganismo nas suas variadas fórmas, como a ave para voar rompe o ovo que a incerra; o christão oppoz-se á sinagoga preteriu a igreja pela mesquita e foi maldit-o pelos sacerdotes da antiguidade, pelos phariseus.

Todas ou quasi todas as religiões extinguiu or, enfraqueceu o christianismo desde a religião que adorava o talo da couve, a gota do rocio, a ave gigantesca que abria as azas na região dos ventos, a lua cheia quando surgia do seio dos mares; desde a religião que adorava a natureza em que os deuses maiores estavam lá no empireo, coroados pelo iris, chovendo estrellas no céu e orvalho nos campos e a deusa Harmonia transformava os raios do sol em cordas da sua harpa, e Homero desseria era cada accorde da sue lyra a alma de um deus, até a religião, que adorava o homem, em que os deuses menores habitavam as cumiadas dos montes, tendo por templo os bosques e por altares os penhascos e enchia de faunos a selva, de nymphas o arrojo e de nereiades o mar e outras invenções de phantasia pagas e em cada gruta ou quebrada das encostas celebrava seus mysterios ao som d'esses canticos cheios de voluptuosidade que enebriavam toda a terra, e enviavam coros de virgens coroadas de verbena, tangendo citharas de oiro, entoando os canticos da mais sublimes poetas desde o sol que saía por detraz do Himeto até ás margens do mar Egeo.

Fui então que o espirito humano horrorisado de culto tão sunsual, no dizer do illustrado bispo de Cambraya, dirigiu as suas preces conscientes para Deus, erigiu as cathedraes gothicas e as matizou com os matizes na luz por meio dos vidros de cores, e as povoou de estatuas, que representam outros tantos graus da meditação e da dor, e lhes deu o murmurio de uma prece nos accordes do orgão, e lingua para fallar aos ventos por meio dos sinos, e laço para, o ceu pela alta cupula que se banha nos arreboes do ar, deixando nos espaços essas obras de arte que formam como que a escada mysteriosa por onde o espirito do crente sobe espanejando as azas do pó da terra para se transfigurar nas amplidões da eternidade.

Eu bem sei o que têem sido as transformações sociaes

Sei que o raio da tempestade social é tão tremendo como o raio da tempestade atmospherica, que nada respeita, e indistinctamente fulmina ou a cupula das igrejas ou a arvore secular.

Eu sei, sr. presidente, que uma das situações mais dolorosas que se póde apresentar diante de um pensador, é o ter que circumscrever-se em uma limitada area de attribuições; mas tambem é certo, que se esse pensador for, basta, medianamente morigerado, encontra muito primeiro o limite do dever e da seriedade do que a restricção imposta pelas nossas leis.

Praticamente o povo não sabe o que é uma dictadura; os que sã affligem, os que se assustam são os que tendem naturalmente a abusar da lei.

O povo laborioso, o povo agricultor, o povo junto do qual eu venho, v. exa. sabe-o perfeitamente, não percebe o que são dictaduras, nem com ellas se importa, nem com ellas se preoccupa.

Eu vou tambem fazer a minha profissão de fé politica.

Sou monarchico, sou conservador. Não quero o despotismo no poder, não quero a imposição das multidões, quero que os governantes promulguem lei e as coadunem com a indole dos povos e quero que só de toda a repressão quando por parte dê povo se infrinjam as leis.

O sr. Vaz Preto: - E se forem os governos que as infrinjam?

O Orador: - Se os governos as infringirem, então quero a liberdade dos povos, mas a compativel com a sua Índole com os seus habitos e com a sua civilisação.

Eu quero a harmonia dos poderes, mas sem vir da imposição das multidões.

Eu gosto de ver o povo reunido como quando no forum de Roma pugnava pela dilatação das, suas fronteiras terrioriaes.

Gosto de ver o povo reunido como no pantheon de Athenas para ir a Maratona e a Salamina; mas não gosto de o ver reunido no tabernaculo de Jerusalem a pedir a cabeça de Christo.

Em taes casos eu antes quero abrigar-me debaixo da bandeira absoluta de um Rei que se chamou Pedro V ou Luiz I do que debaixo do estandarte de um presidente de republica que se chamou Felix Pyat ou com a protecção de um cidadão republicano que se chamou Lopez.

Agora, vou terminar, porque não é meu proposito fatigar a camara; mas antes d'isso permitta-me v. exa. que eu me dirija ao digno par e meu amigo o sr. Oliveira Monteiro, que chamou actos de força á selvageria do povo portuense, quando amotinado e vertiginoso assassinou o capitão da primeira companhia de granadeiros do regimento de infanteria n.° 12, João Pitta Bezerra, cujo cadaver arrastaram pelas das da cidade até que o atiraram ao rio Douro.

S. exa. podia augmentar a lista dos actos de selvageria praticados pelo povo amotinado a que chamou actos, de força, e addicionar o assassinato do tenente coronel Oliveira, o proprietario da casa das sereias apodado de jacobino e assassinado diante da relação do Porto quando cá entraram os francezes.

Podia addicionar ainda o assassinato de Bernardim Freire, succedido, tambem n'essa occasião e tambem alcunhado de jacobino, em frente da cadeia da cidade de Braga, e outros.

Quer s. exa. que lhe diga o que são actos de força do povo portuguez como eu entendo que o são?

Acto de força do povo portuguez foi quando elle, ao mando do condestavel e de D. João i, affirmou a nossa nacionalidade nos campos de Aljubarrota a 14 de agosto de 1385.

Acto de força do povo portuguez foi quando elle, á voz de D. Affonso IV, affirmou a nacionalidade da peninsula nos campos entre Sevilha e Granada junto ao rio Salado.

Actos de força do povo portuguez foi quando elle, estendendo o seu braço potente, desde as margens do Tejo á America, á Africa e á Asia, levando ali os reflexos da nossa civilisação e sepultando na uma do esquecimento todos os preceitos por que até então aquelles povos barbaros se regeram e sobre a lousa era que os guardou, ergueu, encimando-a com o nome portuguez, a orgulhosa tábua das nossas leis á dextra das nossas quinas.

Vozes: - Muito bem.

(Muitos dignos, pares cumprimentaram o orador.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. Miguel, Maximo.

Foi lida e admittida á discussão a moção do digno par, que é do teor seguinte:

Moção

A camara dos dignos pares do reino, conhecendo as circumstancias extraordinariamente anormaes e imperiosas que levaram o governo a exercer funcções legislativas, releva-o por isso e passa á ordem do dia.

O sr. Pereira Dias: - Começando por declarar que está inteiramente de accordo com o sr. presidente do conselho, que, era resposta ao digno par sr. Barros e Sá disse "falle se serio, porque a questão é seria",pedia licença ao sr. Miguel Maximo para. salvando a respeitabilidade da sua pessoa, que muito considera, não lhe responder já.

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Para fallar a serio numa questão seria, carece mais uma vez de ser chefe de si mesmo, quebrando absolutamente todos os laços da disciplina partidaria, para obedecer unica e simplesmente á disciplina dos deveres da sua consciencia, como portuguez e como representante do paiz.

Seguindo este rumo, condensará o assumpto sob uma formula geral, que o colloca acima das paixões e interesses partidarios.

É mister que a paixão só se manifeste a favor da pureza das instituições que nos regem.

Antes, porém, de formular a sua these, o orador dirá alguma cousa dos illustres dictadores e da dictadura.

Chamam-lhes déspotas e tyrannos. Não lhes dará a honra d'essa qualificação, salvo se s. exas. lhe cencederem o prazer de o considerarem seu primeiro escravo ou victima da sympathia tyrannica que lhe inspiram. Mas s. exas. não são despotas nem tyrannos, e se é permittida esta phrase, o orador nunca viu oppressores e opprimidos mais pueris.

Da dictadura tambem pouco dirá. A dictadura do actual governo é illimitada, indefinida e justificada pelo estado doentio da politica portugueza.

Ha, porém, n'ella uma feição que reputa gravissima.

Os governos elegem as suas maiorias, já o escreveu o sr. presidente do conselho, e é verdade. O que, porém, nunca se viu foi um governo, depois de eleger as suas maiorias, oito dias depois de eleitas, dez ou doze dias antes da reunião do parlamento, se arrogar funcções legislavas, dando por esta fórma a entender que elegeu bem e que tinha maiorias promptas para approvar tudo. E não se enganou.

Ora este procedimento não é mais do que um golpe de profundo desprezo vibrado ás faces do systema parlamentar. O systema parlamentar acabou; o que resta é uma sombra vã e aviltada do que elle devia ser.

Dito o que tinha a dizer dos dictadores e da dictadura, vae ler a sua moção.

(Leu.)

O orador não combate nem defende esta dictadura. Acceita-a, como acceitou a precedente; como o medico é obrigado a acceitar o symptoma de uma enfermidade.

As nossas instituições soffrem muitissimo, e este soffrimento não é organico, e sim resultante dos erros e dos vicios praticados por aquelles que se dizem seus mantenedores.

E, visto o sr. presidente do conselho ter convidado a fallar-se serio, porque a questão é seria, tratará de muito seriamente apreciar as difficuldades do assumpto, que são espinhosas.

Para este soffrimento são estereis e inefficazes os remedios que se propõem; e, quando muito, apenas lhe supprimiriam ou suavisariam as asperezas visiveis da sua incommoda superficie. E mister buscar as suas raizes mais fundas, e descobrir o terreno d'onde se extrhae o sueco vicioso que o alimenta.

O orador vae expor um esboço do verdadeiro mal das nossas instituições. A camara sabe que no actual momento historico todos os povos, mais ou menos civilisados, se sentem agitados por um impulso de movimento social, que visa a um fim puramente economico, e que para o conseguir tenta arruinar as instituições monarchicas, substituindo-as por outras que julga mais accommodadas ao seu ideal.

Este movimento, que turba as instituições em toda a parte, cresceu depois de ter fallado o monarcha que reconheceu a justiça da sua causa. Em face d'esse movimento o que fazem os governos? E este o ponto mais delicado das suas considerações.

O orador tem por honrados e honestos todos os nossos homens publicos. E se ás vezes no seu espirito têem passado suspeitas fugitivas, ellas só dependem das malsinações reciprocas, que uns e outros dizem e escrevem. Mas este é o facto. E de opinião que nos tempos que vão correndo o homem publico não deve fiar a sua honra do testemunho só da propria consciencia, porque carece do testemunho da consciencia alheia.

Tratando se de negocios publicos, é indispensavel este apoio. É preciso, pois, que os homens publicos não se colloquem em situações equivocas que possam originar suspeitas, e sobretudo calumnias.

Definido bem o seu intuito, que não é melindrar ninguem, mas expor o facto, continuará nas suas considerações, perguntando de novo: o que têem feito os governos em face do movimento, a que alludiu?

Uni facto recentissimo, que corista já dos registos parlamentares, vem provar o grande mal de que soffrem as nossas instituições. Porque, se os politicos se envolvem em emprezas e industrias, ha outros que se enxameiam em volta dos ministros de todas as situações, e, quer estes queiram ou não, hão de ser victimas dos laços que lhes armam. E vamos ao facto.

N'uma das ultimas sessões o sr., conde de Linhares perguntou se o governo estava ou não resolvido a comprar os cruzadores, sobre os quaes havia já pareceres da maioria e minoria da sub-commissão. Pois no mesmo dia, no immediato, ou no anterior, na outra camara levantou-se um membro d'essa sub-commissão, distincto official de marinha, deputado governamental, e requisitou os dois pareceres, acrescentando que queria varrer a sua- testada, porque n'este negocio andam envolvidos mercurios politicos e não politicos.

Este facto é tristemente eloquente; estos factos, se forem verdadeiros, e oxalá que o não sejam, desprestigiam profundamente as nossas instituições. E pois preciso remedios mais energicos do que aquelles que o governo propõe em alguns decretos da dictadura. Creia o governo e creia a camara que o prestigio de que as nossas instituições carecem não póde nem deve estar no Carmo e na Boa Hora.

Esses remedios mais ou menos applicados passam, e o mal fica; e contra este é que é necessario um remedio adequado. Não sabe qual elle possa ser, mas no fim das suas considerações apresentará a sua receita.

Vejâmos agora como n'este estado de enfermidade politico-social, nós vemos subirem uns governos e descerem outros. Vejâmos quaes são as armas constitucionaes de que todos os partidos d'esta camara se têem servido para conseguirem a ambição dos seus homens se sentarem nas cadeiras do poder.

O ideal politico acabou. Em todos os espiritos predomina a febre de riqueza e a politica não é para muitos senão um meio de conseguir este ideal. D'ahi o descredito dos homens que governaram, dos que governara e dos que aspiram a governar.

Onde se accentua bem o jogo d'esta arma é no parlamento e na imprensa.

A imprensa diz se que é diffamadora e insultadora. E é verdade. Mas onde está a imprensa politica deste paiz? Quem são os jornalistas politicos? A imprensa politica está no parlamento. Os jornalistas politicos são deputados ou pares do reino, ou ministros que são ou que foram.

O remedio contra as calumnias e diffamações da imprensa será d'ora avante uma rolha que os membros do parlamento votam a si proprios. Ora, isto positivamente não é serio, e o orador, que correu ao convite do sr. presidente do conselho para fallar serio n'esta questão, vê-se obrigado a dizer estas cousas, para ver se é possivel encontrar um remedio para o mal que aponta.

Poderá haver alguem que creia que os membros do parlamento, que são os que directa ou indirectamente escrevem na imprensa, venham n'um momento dizer: Alto lá, d'aqui por diante rolha na bôca, ou penna quebrada, ou melhor aparada?!

Já na epocha em que pela primeira vez foi eleito, a pureza dos immortaes principios não era irreprehensivel. To-

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davia, ainda n'este tempo a brandura dos nossos costumes se apresentava como um principio de evolução.

Em materia eleitoral o sr. presidente do conselho lembrara-se bem d'aquellas sessões tempestuosas, por causa do governador civil da celebre mócada. Lembra-se tambem das tempestades que houve por causa de um simples rapto parlamentar, e por causa de 2:000 libras dadas a um intermediario de um emprestimo; quando agora não ha intermediario nenhum que passe pela vergonha de pedir e acceitar 2:000 libras. 2:000 libras! Que ninharia para os tempos modernos.

A imprensa politica do nosso paiz é o echo do que se diz hoje no parlamento.

Quantas vezes não se tem visto um deputado ou par da opposição flagellar um ministro com insinuações que lhe maculam a honradez e honestidade de caracter? A camara não, mas o paiz julga que isto é serio, quando a final não passa de comedia, porque no fim da sessão aggressor e aggredido comprimentam-se amavelmente, como se nada tivesse havido.

Ora, estes factos não são de molde a dar ás nossas instituições o prestigio que lhes pertence. D'estes factos, das relações intimas entre aggressores e aggredidos, tira-se a conclusão de que tudo isto não é serio.

E o publico tira outra conclusão: é que tão bons são uns como os outros.

O que o orador tem dito na imprensa é o mesmo que póde dizer dos comicios, das associações. Os politicos introduzem-se n'essas aggremações, desviando-as dos seus intuitos,

O orador traz isto só para dizer que são os politicos que têem causado este mal, e são agora elles que vão remediar, como? Pela prohibição dos comicios, pela rolha da imprensa, pela censura? Todos estes meios serão inefficazes, ainda assim o mal tem raizes fundas que se não extirpam facilmente. E ninguem se illuda.

Mas haverá verdadeiro remedio contra o grande mal? Onde está elle? No parlamento não. Salvo uma hypothese: se todos accordassem n'uma dictadura, a dictadura do exemplo, de maneira que elle descesse da sua maior altura até ás mais infimas profundezas. Era preciso que todos se arrependessem, e deviam arrepender-se em beneficio do prestigio e da existencia de umas instituições, que ainda são necessarias á prosperidade do paiz.

Não é do Carmo nem da Boa Hora que ha de vir o respeito ás instituições.

Não ha poder nenhum que se imponha só pela força.

Já Rodrigues Sampaio escrevera, que se neste paiz ainda havia força, essa força era a de El-Rei. O assumpto é delicado, e o orador chegou ao ponto o mais grave da dictadura, pelas explicações que o sr. presidente do conselho deu para a justificar.

S. exa. na outra camara, enumerando as difficuldades que herdara da situação passada, acrescentara mais uma, que vem como consequencia da morte do senhor D. Luiz.

Essa difficuldade estava em ter herdado o throno, em consequencia d'esse successo, um rei moço e inexperiente. Desde que para a discussão vem a mocidade e a inexperiencia de El-Rei, desde que o primeiro ministro de um paiz põe a descoberto o representante das instituições monarchicas que nos regem, assiste ao orador o direito de protestar contra esta inconveniencia.

Não o faz para elogiar El-Rei, porque, como individuo, não precisa d'elle, mas como cidadão portuguez e representante do paiz, deseja que se não amesquinhe o prestigio devido a tão alto personagem, justamente no momento em que elle concede uma dictadura para manter a ordem e eliminar a propaganda republicana.

Não era no momento em que se assumiam funcções legislativas que o sr. presidente do conselho devia declarar á camara que El-Rei era moço e inexperiente.

Moço, sim; inexperiente, nunca. E se esta camara não fosse uma sombra vã e aviltada do que deveria ser, no dia seguinte a esta declaração já s. exa. não seria ministro.

Não deduzirá as conclusões que se podem tirar d'esta declaração, porque quer attribuil-a a s. exa. não ter pensado na conveniencia de a fazer n'esse momento.

Por El-Rei ser inexperiente é que concedeu uma dictadura illmitada, e é que se formou essa organisação ministerial naquelle momento solerane. E depois ainda se cansam os amigos do governo em dizer que o governo, não só tinha a força para manter a ordem, mas era mister mostrar que a tinha. O que era necessario era mostrar que se tinha a confiança da corôa.

No momento era que era necessario mostrar que se tinha a confiança da corôa, vir dizer que essa confiança promanava de um Rei inexperiente, é pelo menos desprestigiar ou enfraquecer a auctoridade real.

O paiz hoje não se dirige ao parlamento. O paiz que ainda ha poucos annos se dirigia a esta camara, considerando-a o palladio das liberdades, já hoje não sabe o caminho que a ella conduz. Já não tem confiança na sua acção e predominio; porque, em virtude da sua reforma e das dictaduras dos governos, já não tem a importancia que devia ter.

O paiz dirige-se a El-Rei, e El-Rei manda responder por um camarista.

O orador não censura este procedimento, desde que já não lha n'este paiz as forças chamadas constitucionaes. Mas ha n'isto um perigo que póde ter consequencias fataes. No momento de uma crise nacional, em que ás dificuldades policicas se alliem as difficuldades financeiras; no momento em que já não haja pão, embora haja kermesses, póde-se pedir responsabilidades a quem não se deviam pedir.

O orador não espera que haja revolução, mas sim degeneração, e esta já existe.

No momento de uma crise, se porventura houver algum facto politico, como já houve, receia que não haja então força capaz de resistir, não ao impulso violento, mas ao tumulto e confusão que são proprios de taes movimentos.

E não se conte com a força publica, porque ella ha de ser a primeira victima. E infelizmente o orador não vê no paiz um homem com auctoridade bastante para resistir a esse movimento.

Esse perigo é grande, e cada vez se approximará mais, desde que se continue no rumo que se está seguindo.

Já disse que não precisa de El-Rei para nada, como individuo, mas como cidadão portuguez, membro desta camara, e como monarchico sincero, como sempre tem sido, precisa muito d'elle.

Vae terminar, mas não o fará sem pedir ao governo e aos seus amigos que não continuem a dizer que se quiz explorar o sentimento patriotico.

Para que o dizem?

E o supplemento da Gazeta de Portugal?

Não foi elle que deu o exemplo, abrindo a porta ás explorações d'esse sentimento, se as houve?

Não foi elle que quando caiu a situação progressista, disse abaixo os ladrões e os traidores á patria?

Então isto não será exploração politica?

E depois como queriam os actuaes srs. ministros que o exemplo não fosse seguido?

Por isso o orador pedia que não se apresentasse como justificação da dictadura esta exploração.

O supplemento da Gazeta de Portugal, quer queiram, quer são queiram, ha de passar para a historia, como um padrão de verdadeira exploração politica.

Não combatendo nem defendendo a dictadura, e acceitando-a como um symptoma da grave enfermidade que affecta as instituições, não quiz o orador melindrar ninguem; tudo o que disse foi unicamente no intuito de cumprir um dever da sua consciencia.

E não queria por modo nenhum seguir o caminho d'aquelle que querem considerar a dictadura como um attentado

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á carta constitucional, que já não existe, e querem liquidar se esta dictadura é melhor ou peior do que as outras.

Para este grande mal só vê como remedio efficaz o mudarem todos de vida, offerecendo ao paiz a dictadura dos bons exemplos.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas).

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. Pereira Dias.

Foi lida e admittida á discussão a moção do si. Pereira Dias, que é do teor seguinte:

Moção

A camara, affirmando que as dictaduras são a expressão symptomatica, clara e manifesta, do mal intimo e profundo que affecta as instituições vigentes, passa á ordem do dia. = Pereira Dias.

O sr. Jeronymo Pimentel: - No meio da muita attenção que prestava ao digno par que me precedeu, e por entre as preoccupações do meu espirito, naturalmente abatido diante de algumas das considerações que s. exa. apresentou, inspiradas por um pessimismo, capaz de desalentar o animo mais esperançado no futuro aperfeiçoamento das nossas instituições politicas, a minha memoria não podia furtar-se á recordação de alguns factos da nossa historia parlamentar, que mais se relacionam com o assumpto que discutimos

Então perguntava eu a mim mesmo é á historia politica do meu paiz, se este digno par poderia tambem levantar a mão iminaculada para atirar com a pedra aos dictadores de hoje; se s. exa. seria tambem outra vestal do templo, que nunca abandonou o seu posto para manter sempre accesso na ara santa o fogo do seu amor e do seu respeito pelas instituições politicas do paiz. A historia respondia-me que não, e s. exa. com a nobreza do seu caracter confirmava o testemunho da historia.

O unico que se destaca d'esta multidão de politicos culposos, é o digno par o sr. Coelho de Carvalho. Este está só e isolado como o espargo no monte, da trova popular. Na historia das nossas dictaduras, no capitulo dos immaculados, reserva-lhe ella um logar distincto, como bem merece, quem está tão isento de responsabilidades, como elle aqui se declarou.

O digno par, a quem tenho a honra de responder, não é um innocente, é um arrependido; e ainda bem para s. exa., porque dos arrependidos é o reino do ceu; porque as sagradas paginas dizem que no céu se festeja mais a entrada de um arrependido do que a de muitos innocentes.

S. exa. é mais do que um arrependido talvez, porque, no meio d'aquellas lamentações, que é possivel preoccupassem o espirito da camara, parecia o propheta da biblia chorando sobre os escombros da cidade santa as desgraças do seu povo.

Parecia até que estava representando uma das duas escolas em que, n'um dado tempo, se resumia a philosophia grega; a dos heraclitos que por tudo chorava, a dos democritos que de tudo ria.

S. exa. parecia um heraclito dos tempos modernos.

Sr. presidente, eu nem estou innocente, nem arrependido.

Não estou innocente em questão de dictaduras, porque tenho votado algumas e espero ainda votar esta, á qual fica ligada a minha dupla responsabilidade pelo meu voto na camara e pela minha assignatura no parecer da commissão de que sou relator; não estou arrependido, porque entendo no intimo da minha consciencia que, se as votei, se relevei os governos passados de terem, algumas vezes, assumido funcções legislativas, o fiz inspirado pelos interesses do meu paiz.

Mas, sr. presidente, se relevando esses governos temos commettido faltas, eu tenho esperança de encontrar aqui mesmo nesta camara quem me conceda o perdão para as faltas commettidas; espero que, invocando a qualidade especial de um digno par meu amigo de ha muitos annos, sempre estimado e respeitado, o nobre bispo de Betsaida, que sinto não ver presente, me será concedido perdão. Digo isto porque o dictador que assignou o decreto de 11 de abril de 1865, que abriu os nossos portos aos cereaes estrangeiros, não deixará de me absolver.

(interrupção que não se ouviu.)

Hoje é que eu peço a absolvição e elle hoje tem faculdades para isso.

Sr. presidente, apesar de não estar nem innocente, nem arrependido, não venho santificar as dictaduras, nem achar bons estes ataques á constituição do estado.

As dictaduras, nem se justificam no campo dos principios nem se legitimam em face do nosso codigo fundamental; mas acceitam-se, toleram-se, desculpam-se, consoante as circumstancias que se tenham dado.

É por isso que para apreciar actos d'esta natureza, devemos attender antes de tudo, e mais que tudo, ás circumstancias era que se encontraram os governos, quando foram forçados a lançar mão d'este recurso extraordinario, que só ellas podem desculpar.

As dictaduras não se preparam antecipadamente, calculadamente, no remanso do gabinete do poder executivo. São filhas das circumstancias; são uma anormalidade constitucional, que só podem dar-se em circumstancias extraordinarias e tambem anormaes.

Se houvesse um governo, qualquer que fosse, ainda mesmo este, a que me ligam as antigas affeições partidarias, que pensadamente, no proposito de se desembaraçar de difficuldades parlamentares, no remanso do seu gabinete, projectasse e realisasse um d'estes desvios do recto caminho, que demarca a constituição do estado, eu nunca o relevaria d'esse acto.

Sr. presidente, se as dictaduras podessem ter uma theoria, ou podessem estar sujeitas a regras, ninguem as definiu melhor do que o honrado chefe do partido progressista, o sr. conselheiro José Luciano de Castro, quando na sessão de 21 de março de 1885 dizia:

"As dictaduras são sempre actos excepcionalmente violentos e anormaes; são muitas vezes como que a explosão de imperiosas necessidades publicas, longo tempo esquecidas ou desprezadas. Ninguem as previne; ninguem as evita. Não as decreta o acaso, nem as improvisa o capricho ou a vaidade de qualquer homem de estado. Vem á sua hora. Surgem, de temerosas calamidades, ou por entre formidaveis perigos, que ás vezes ameaçam as nações, como expediente de salvação. Não se preparam, nem se discutem antecipadamente no gabinete dos ministros; acceitam-se ou desculpam se como um facto inevitavel, providencial determinado pela fatalidade das circumstancias."

Dizia eu que, se as dictaduras podem estar sujeitas a normas, nestas palavras eloquentes do digno par, auctorisadas pela sua elevada posição, estavam estabelecidas as normas que lhes deviam servir de regra.

Eu não farei a historia das dictaduras no nosso paiz, que já vem de longe, não só porque são de todos conhecidas, mas mesmo porque isso pouco aproveita ao meu fim. Não quero attenuar com precedentes a responsabilidade do governo actual; não quero appellar para o passado, como justificação do presente.

Dizia um publicista que eu acostumei a respeitar, desde os bancos da universidade, pelo seu grande merecimento e serviços prestados ao paiz, o sr. Silvestre Pinheiro Ferreira: os governos devem reger-se pelos principios e não pelos precedentes.

Eu conformo-me com esta opinião do eminente publicista, porque não me parece, nem regular, nem digno que nós, os que hontem combatemos um facto, uma opinião,

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venhamos hoje defendel-a fundamentando-nos unica e simplesmente nos precedentes estabelecidos.

Isso apenas serve para os que, são dictadores, por amor da arte; por espirito de imitação; porque os seus adversarios o foram, ou porque d'ahi resultem grandes vantagens para um partido.

Na sessão de 25 de março de 1885 dizia o mesmo digno par, notavel estadista, a que ha pouco me acabei de referir:

"Os nossos governos fazem dictaduras, não porque ellas sejam precisas; não porque alguma necessidade imperiosa o exija, mas porque é de bom tom fazel-as, porque é necessario affirmar a supremacia de um homem, ou de um partido sobre a magestade das leis. Fazem-se dictaduras, porque se fizeram uma, duas, muitas vezes, e não é conveniente deixar quebrar ou interromper a tradição indigena."

Era assim que classificava as dictaduras quem, um anno depois, decretava a mais larga, a mais inutil, e a mais injustificavel dictadura que tem havido no nosso paiz.

A historia triste das nossas dictaduras divide-se em dois periodos; o que vae até 1852, que marca lima epocha notavel na nossa chronica politica, e o que decorre d'aqui para cá.

As dictaduras que abrangem o periodo até 1852, quando ainda estavamos muito proximos do estabelecimento do regimen constitucional entre nós, periodo cortado de difficuldades, e atravessado por luctas civis, encontram natural desculpa n'essas mesmas circumstancias.

As que se seguiram depois, em epochas de completa tranquilidade publica, causam naturalmente certas preoccupações n'aquelles que desejam a fiel e regular execução do systema constitucional, e o aperfeiçoamento das nossas instituições politicas.

Noto, porém, sr. presidente, que á medida que nos afastámos do tempo em que foi estabelecido o systema parlamentar entre nós, quando parecia que deviamos estar mais aperfeiçoados na nossa educação politica, mais vezes se tem lançado mão d'estes remedios extremos, que constituem uma anomalia constitucional.

Desde 1852 tem havido nada menos de doze dictaduras.

Por doze vezes o poder executivo tem assumido funcções legislativas.

Em 1865, com o decreto de 11 de abril, que abriu os portos aos cereaes estrangeiros.

Em 1868, para revogar a reforma administrativa, o imposto de consumo e outras medidas do ministerio da fusão.

Em 1869, para decretar uma nova circumscripção eleitoral.

Em 1870, á dictadura dos cem dias do marechal Saldanha.

Em 1876, com os decretos de 18 e 26 de agosto, para acudir á crise bancaria.

Em 1877, para a creação da cadeira junto do curso superior de letras da lingua e litteratura sãoskrita, vedica e classica.

Em 1879, para pôr em execução uma reforma no ministerio das obras publicas.

Em 1881, para a cobrança de impostos.

Em 1884, para á reforma do exercito, providencias sanitarias e ultramarinas.

Em 1886, para muita cousa, que a camara sabe.

Em 1889, cujo bill ainda aqui não chegou, para a creação de um curso theorico e pratico de pathologia e clinica ophtalmologica.

Em 1890, a dictadura que estamos discutindo.

N'esta historia tenho notado que os que se têem referido a ella, não mencionam a de 1865, que foi a primeira que se seguiu á de 1852

Isto é bom que se diga e se saiba, não só para que a historia fique bem feita, mas para que não esqueça esta dictadura, que eu não censuro, e a que está ligada a responsabilidade de alguns membros illustres d'esta casa, um dos quaes vejo entrar n'este momento, o sr. bispo de Bethesaida, assim como a do sr. João Chrysostomo, do sr. Mathias de Carvalho e do sr. marquez de Sabugosa.

Mas, dizia eu, que, naturalmente, é motivo para reparos a circumstancia de que quanto mais nos adiantâmos na pratica do systema parlamentar, quando parecia que elle devia estar mais aperfeiçoado, tanto mais os governos se têem afastado do recto caminho constitucional.

Será este facto devido ás circumstancias extraordinarias em que os governos de todos os partidos se têem encontrado?

Ou derivará elle de motivos de outra ordem, o que mais grave ainda o torna?

Diz-se que os povos da raça latina, estão sentindo um certo mal estar, e que os seus parlamentos se resentem d'isso; que um vicio affecta profundamente o seu organismo depauperado e enfermiço; que no seu seio se travam luctas mesquinhas de ambições e de interesses.

N ao quero acompanhar nas suas largas considerações o digno par, que me precedeu no uso da palavra; mas sempre direi que sé os parlamentos se não resntem dos defeitos que affectam é corroem o organismo das sociedades, é certo, porém, que elles têem um vicio de origem.

Filhos da má ou imperfeita comprehensão do systema eleitoral, não digo que n'elles se venha reflectir o egoismo, a violação dos sacrosantos direitos da consciencia, a postergação dos principios da dignidade civica, é dos sagrados deveres dos cidadãos, que é no que infelizmente consisce a lucta eleitoral; mas por entre os explendores da sua eloquencia, por entre as apparencias de uma convicção mais ou menos sincera, mais ou menos postiça, não representam a discussão elevada dos principios; a critica imparcial dos factos; uma aspiração magnanima; uma superior comprehensão dos legitimos interesses da patria.

Na tribuna parlamentar nem sempre se discute a verdade. Os parlamentos nem sempre se levantam com toda a sua magestade acima dos vicios e dos defeitos da sociedade.

O digno par, a quem tenho a honra de responder, declarou-se chefe de si mesmo e pretendeu quebrar, n'este momento, os laços que ha tanto tempo o ligavam aos seus partidarios e á sua politica.

E parece-me que s. exa. fez bem em se declarar independente; ficou assim mais á vontade nas condições em que se collocou.

Se s. exa. queria ser desagradavel aos actuaes ministros, errou o seu alvo; os tiros resvalaram, e só foram ferir os seus partidarios.

S. exa. disse que queria gastar pouco tempo com os dictadores e com a dictadura; e referindo-se aos actuaes srs. ministros disse que elles não eram déspotas riem tyrannos, porque tyrannos e déspotas n'um paiz de escravos não se comprehende.

Se não houvesse escravos não havia déspotas nem tyrannos; se ha escravos é porque ha tyrannos e déspotas.

É contra isso que eu protesto em nome dá verdade e da justiça; em nome d'esta nação livre, que sé não é a mais feliz, se não tem ainda completa a sua educação constitucional, estima muito a sua independencia e liberdade.

Debaixo d'este bello céu da peninsula, este jardim á beira mar plantado, tem realmente as mais largas aspirações para conquistar todas as liberdades e todas as garantias.

É por isso que eu, como disse, em nome d'este paiz, não poude ouvir sem um protesto muito intimo, que agora torno publico e solemne, as palavras do digno par, que dava ao paiz e aos seus concidadãos o pouco agradavel titulo de escravos. (Vozes: - Muito bem.)

Disse tambem s. exa. que não via oppressores nem opprimidos mais pueris.

Ora onde é que estão os oppressores?

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Para haver oppressores é preciso que haja opprimidos, que se queixem da oppressão.

O paiz n'este momento caminha socegado, sem reclamação, sem protestos, continuando cada um no seu trabalho e todos desejando que vamos de conquista em conquista, aos aperfeiçoamentos e melhoramentos do paiz e das instituições; desejando que se consiga manter a nossa independencia e o respeito pelos nossos direitos.

Onde é que estão, pois, aqui os opprimidos e os protestos contra os oppressores?

Não os vejo, e creio que nenhum digno par os vê.

Diz s. exa. que são pueris; eu não comprehendo esta puerilidade.

Quando se trata de oppressores e opprimidos, é uma questão que affecta a liberdade, é uma questão seria, e não póde ser uma questão pueril.

Da dictadura disse s. exa. que pouco fallaria, porque nem a combate nem a defende; não comprehendia com tudo a necessidade d'ella no seu segundo periodo. O governo tinha eleito as suas maiorias, e dentro em pouco teria com a reunião do parlamento o seu auxilio e o seu apoio.

Para que era, pois, necessaria aquella violencia?

Os ministros não elegem as suas maiorias como s. exa. affirmou.

O partido da situação dominante é que elege as maiorias para poder manter e conservar os governos.

Alem d'isso nem sempre os governos conseguem obter maiores n'uma eleição.

Governos tem havido n'este paiz, que não conseguiram trazer á camara as maiorias que desejavam.

E sem ir mais longe, refiro-me ao ministerio de 1865, presidido pelo sr. duque d'Avila e de Bolama, que logo na primeira reunião do parlamento que se seguiu á eleição reconheceu que não podia contar com a maioria.

E antes d'esse me recordo de um outro, conhecido pelo ministerio Primavera, que tambem não logrou obter maioria nas eleições que fez.

Ora o que o digno par nunca viu, segundo affirmou, é que, oito dias depois de uma eleição, em que alcançava ganhar uma extraordinaria maioria, viesse um governo assumir funcções legislativas.

Este facto novo e inexplicavel fazia com que a dictadura fosse um golpe do mais profundo desprezo, vibrado ás faces do systema parlamentar.

O que s. exa. considera como um facto extraordinario, não é mais que um resultado de circumtancias extraordinarias.

Não era, pois, com receio de que o parlamento lhe levantasse difficuldades, que o governo procedeu d'aquella fórma.

Pois se elle tinha maioria e confiava, n'ella, como podia confiar, já vê o digno par que se seguiu aquelle caminho, não foi porque o outro não lhe estivesse aberto; seguiu aquelle que a força das circumstancias lhe indicava.

O governo não assumiu só a dictadura depois da eleição, mas muito antes que ella se realisasse; o paiz portanto teve occasião de julgar o acto do governo, de ver e apreciar estas medidas, antes de eleger os seus representantes.

Pelo facto de dar essas maiorias ao governo sanccionou de antemão as medidas que elle tinha adoptado em dictadura.

Disse o digno par que esta dictadura, era o golpe do mais profundo desprezo vibrado ás faces do parlamento.

(Interrupção do sr. Pereira Dias.)

Em todo o caso a dictadura é O golpe do mais profundo desprezo!

Sr. presidente, se as dictaduras são golpes de desprezo, ha tantos annos que o parlamento ou o paiz os está soffrendo!

Que magna para nós que o digno par, para a boa administração do paiz, e para a moralidade da politica, não se tivesse apresentado aqui ou na outra casa do parlamento a protestar com toda a energia da sua palavra contra esses golpes profundos, quando, ao contrario, s. exa. votou e defendeu dictaduras, ou pelo menos apoiou governos que as decretaram.

Pois houve dictadura mais inutil do que a progressista?

(Interrupção do sr. Pereira Dias.)

Quer o digno par confrontar aquella dictadura com esta que nós discutimos?! Acha que esta excede a todas na sua magnitude?!

N'isso não posso concordar, nem ninguem que aprecie as idéas imparcialmente.

Houve já dictadura mais inutil, mais desnecessaria, mais injustificavel do que foi aquella?! Pois não provam os factos que o governo progressista, assumindo a dictadura em tão larga escala, não quiz senão, dispensar a collaboração do parlamento?!

Se a maioria, se o parlamento em 1886tinha promettido o seu apoio franco, apoio dentro dos limites da sua dignidade partidaria, ao governo progressista quando elle apresentasse medidas necessarias; se este acceitou o apoio d'essa maioria para as medidas que precisava para viver; para que veiu depois fechar o parlamento para fazer a mais larga dictadura que tem havido e para preparar a machina eleitoral?!

Pois porventura não foi mais grave, mais temivel, mais vibrante esse golpe dado na constituição do paiz?

Então, o digno par, que tinha voz e voto n'esta camara, defendeu e approvou esse golpe...

(Interrupção do sr. Pereira Dias, que não se ouviu.)

V. exa. não me parece que distinguisse. O digno par não foi intransigente com as dictaduras e a sua consciencia, e o seu passado estão em contradicção com as suas idéas de hoje.

S. exa. considera as dictaduras como symptomaticas do mal grave que affecta o nosso organismo; mas, sr. presidente, eu não digo que o nosso organismo politico esteja completo e perfeito, esteja isento de defeitos e vicios: como seria natural aspiração n'um paiz constitucional, mas pergunto:

- Quem tem concorrido para isso?

Somos nós, sou eu, que ha pouco me não confessei arrependido, é o digno par, é o partido que foi seu?

Mas liquidemos responsabilidades.

Nos doze golpes vibrados ao parlamentarismo, á constituição do estado, que tantas são as dictaduras que tem havido desde 1852, ha apenas quatro que são da responsabilidade do partido regenerador.

E se não, veja-se:

A de 1865 é de inteira e completa responsabilidade do partido progressista, ou antes do partido historico, de cujas tradições e responsabilidades foi herdeiro.

A de 1868 é do partido reformista, um dos elementos do actual progressista.

Então, não estava ainda realisado o conubio, não sei se incestuoso se legitimo, de que saíu este partido.

de 1869 é do partido reformista, que decretou, a reforma da circumscripção eleitoral poucos dias antes, de se realisarem as eleições.

A de 1876 é da, responsabilidade do partido regenerador; mas esta foi de tal ordem, foi decretada em, condições tão excepcionaes, que o proprio sr. Adrianno Machado a pediu ao sr. Fontes, para que se salvassem da bancarota os bancos do Porto, para que se evitassem as funestas consequencias da crise que avassalava o paiz.

A de 1877 tambem não é da responsabilidade do partido regenerador, mas de um governo que tinha,0 apoio incondicional do partido, progressista.

A de 1879 é da exclusiva responsabilidade do partido progressista, que decretou então uma certa reforma do ministerio das obras publicas.

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470 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A de 1881 e a de 1884 são do partido regenerador; a de 1886 e a de 1889, do partido progressista.

A de 1890...

(Aparte.)

O digno par entende que o mal de que está affectado o nosso organismo politico, não é exclusivo d'este paiz, tornou-se geral, sentem-n'o todos os demais paizes; não dimana das instituições, mas dos homens que as executam.

Ora, se é assim, maior culpa cabe áquelles que por mais tempo ou por mais vezes têem praticado infracções da lei.

O digno par, querendo attribuir á nossa politica os males a que se referiu, citou a imprensa e o parlamento como causa de todos elles.

Mas ao mesmo tempo fazia esta interrogação: Onde está a imprensa?

E dizia: Está no parlamento.

(Aparte.)

Sim, imprensa e parlamento são, no seu entender, os dois factores que mais contribuem para esse mal; que era por um d'esses dois meios que uma politica interesseira e baixa pretendia conseguir os seus fins.

Não desejo entrar n'este caminho, que não sei onde iria dar.

Disse tambem s. exa. que o ideal do systema representativo estava sacrificado por um ideal ignobil, e que o modo de o realisar consistia numa certa politica sómente inspirada no interesse e na immoralidade.

S. exa., para mostrar que este mal já vem de longa data, e para mostrar ao mesmo tempo como d'antes se protestava contra quaesquer suspeitas que se levantavam a respeito da honestidade de caracter dos homens politicos, referiu-se á celebre questão da mócada, e das suspeições politicas no districto de Villa Real; referiu-se aos raptos parlamentares, hoje tão frequentes, como ainda vimos durante a situação passada; mas na epocha de que s. exa. fez menção, quando se deu um, que tempestade se ergueu! A esse tempo entrava eu na vida politica por meio da imprensa; redigia um jornal com o meu saudoso amigo Silva Gayo, collega do digno par a quem estou respondendo. Então como hoje pertencia ao partido regenerador, e para tornar mais frisante a accusação, mandei imprimir no jornal em grandes letras, as maiores que tinha a typographia, o nome do deputado que fôra raptado. Effectivamente o acontecimento do rapto produzira uma certa indignação no espirito publico; e hoje e depois, muitos tem havido, e o facto quasi que passa desapercebido. N'esta parte tem rasão o digno par.

S. exa. referiu-se ainda a outros factos; referiu-si1 tambem ao barulho que na imprensa e no parlamento se fez por causa de 2:000 libras dadas a um intermediario do emprestimo contrahido com a casa Youle.

Tambem se podia referir a outros acontecimentos que por esse tempo se deram, e que foram então apregoados como escandalos praticados pelo governo d'essa epocha. Por exemplo, á arrematação dos bens do convento de Arouca; á questão das farinhas de João de Brito e a outras.

Ora, todos estes factos, que o digno par recorda como pouco regulares, como suspeitos de pouca moralidade, foram imputados ao partido historico, o antecessor do actual partido progressista; e quem os combatia era o partido regenerador.

É bom que se diga e se saiba isto, quando fallâmos das responsabilidades dos partidos...

O sr. Pereira Dias: - E da questão de Salamanca e outras, quem foi o responsavel? Não foi o partido regenerador?

O Orador: - Eu estou índo por ordem, respondendo ás considerações que s. exa. fez, e apreciando os factos a que alludiu.

Essas questões foram anteriores, e eu tenho-me referido áquellas que o digno par recordou.

Fallou tambem s. exa. nos syndicatos; quando entre nós appareceram em mais larga escala, e quando os syndicateiros se tornaram uma classe poderosa e influente, foi durante a administração progressista. Antes d'isso, fallou-se apenas no syndicato Salamanca, que era uma exigencia de uma importante cidade, apresentada e defendida por correligionarios do digno par.

Já lá fóra tinha havido syndicatos, e se n'elles se falla vá ein Portugal, era como de uma planta exotica para nós, que só aqui se aclimatou bafejada pelo favor e decidida protecção do partido progressista.

Ha factos, entretanto, que não convem apreciar-se antes de tempo.

O digno par, apreciando as circumstancias que se deram quando o governo assumiu o poder, demonstrando, é verdade, toda a sua independencia e a nobreza do seu caracter, arguiu o nobre presidente do conselho por se ter referido, quando expunha as circumstancias era que o paiz se achava então, preoccupado com as greves e acontecimentos que se tinham dado, aos poucos annos, e á inexperiencia do monarcha.

Ora, o sr. presidente do conselho não indicou essa circumstancia como motivo da dictadura; mas sim como explicação da attitude do povo, que, querendo um desforço contra a offensa recebida, sentindo-se humilhado diante da affronta que lhe fizera uma nação poderosa; olhava para o poder e via uma nova situação politica, olhava para o trono de onde ha pouco descêra ao tumulo um Rei estimado e experimentado, e via-se occupado por um principe, embora illustrado e querido, mas com pouca experiencia, que só a idade póde ciar.

Representa algum desacato á pessoa do actual monarcha o ter-se fallado na sua pouca experiencia?

Pois a experiencia nasce com a pessoa?! Não se adquire com os annos?!

Sr. presidente, eu não quero causar mais a attenção da camara.

Limito aqui as minhas considerações. Não entrei propor amente na defeza da dictadura; não tentei defender o governo, porque o orador a quem tenho respondido declarou tambem que não vinha atacar.

Parece-me que procurei responder ao digno par, tanto quanto pude, tanto quanto permittiara os meus recursos.

Agradeço á camara a attenção com que me escutou.

(O orador foi cumprimentado por muitos dignos pares.)

O sr. José Luciano de Castro: - Começou por ler a bua moção, que é do teor seguinte:

"A camara, convencida da necessidade de restaurar a observancia dos principios fundamentaes do systema parlamentar, affirma o seu proposito de fazer respeitar de futuro a constituição do estado, e passa á ordem do dia."

Entende que a simples leitura d'esta moção dá claramente a entender que não é seu proposito entrar no caminho das aggressões exclusivamente partidarias, nem collocar a questão que se debate no terreno das retaliações politicas, desviando-se assim do caminho trilhado pelo sr. relator ds, commissão, que, a exemplo de outros oradores que pretendem defender o governo, recorreu tambem á repetidissima invocação do precedente.

Procurará demonstrar que a ultima dictadura não foi imposta por nenhuma conveniencia de interesse publico, e porá completamente de lado a infracção dos principios, para o que lhe escasseia a precisa auctoridade.

Desde que, embora por considerações de interesse publico, se arrogou poderes dictatoriaes, não tem a auctoridade precisa para condemnar o acto do governo.

Todos somos réus da mesma culpa, e, sendo assim, de que serviria pedir estrictas contas ao governo, por elle se ter esquecido do seu dever e do respeito que é devido á constituição do estado?

Formulou a sua proposta no intuito de alcançar uma liquidação do passado, uma restauração da observancia dos

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principios fundamentaes do systema representativo, no empenho de ver se os partidos se compromettem a só assumirem poderes dictatoriaes, quando este meio anormal seja determinado por circumstancia extraordinarias, indeclinaveis, imperiosas e gravissimas.

Se continuarmos no caminho até agora percorrido, se succeder a esta dictadura uma nova infracção da carta, o systema parlamentar estará acabado entre nós, e então melhor será supprimil-o por inutil e incommodo.

Se os governos continuarem a substituisse aos parlamentos, se recorrerem á dictadura para questões de muito secundaria importancia, é melhor e mais simples fechar as côrtes.

A sua proposta foi redigida com o intuito de poder ser acceita por todos os partidos, porque não se admittiria que uns se reservassem regalias, que outros não podessem fruir.

É necessario que todas as parcialidades politicas assumam o compromisso de não lançar mão de poderes dictatoriaes, a não ser que as circumstancias que os motivem tirem aos parlamentos o direito de censurar o recurso a esse meio anormal.

Acha que será para estranhar que parta da opposição, que naturalmente devia reservar para si o direito de praticar, quando subisse ao poder, o acto que se discute; acha que será estranhavel, repete, que um homem que milita nas fileiras opposicionistas apresente uma proposta n'aquelle sentido; mas assim lho aconselham o seu patriotismo, o seu amor aos principios liberaes e o seu entranhado affecto á pureza do systema parlamentar.

Não sabe se o governo actual pretende conservar a faculdade de que tem usado largamente, mas julga que é tempo de retroceder no caminho encetado.

Pratiquemos um acto benemerito, um acto que não póde deixar de ser applaudido por todos os que sinceramente acreditam na força do parlamento, e por todos os que se empenham em conservar ás instituições o prestigio que lhes compete.

Se querem salvar o systema parlamentar renunciem ás dictaduras, a não ser que uma imperiosa e incontradictavel necessidade publica as determine.

Se nos não penitenciâmos dos erros commettidos, se nos não declarâmos no proposito de manter intacta a constituição do estado, poderemos celebrar pomposamente os nossos triumphos parlamentares, as nossas victorias politicas^ mas o bom senso ha de fatalmente condemnar-nos.

É o orador o primeíro a confessar-se réu; é o primeiro a mostrar-se culpado, e a declarar que não tem auctoridade para accusar o governo actual; mas é necessario que os partidos correspondam á expontaneidade d'estas declarações francas e sinceras, com a promessa de só recorrerem á dictadura em casos extremos de salvação publica.

Combate a dictadura que se discute, porque a julga desnecessaria e porque entende que não foi imposta pelos interesses do estado.

abe a camara que, tendo este governo subido ao poder n'uma conjunctura que affligia todo o paiz, as opposições parlamentares, pela voz dos seus oradores mais auctorisados, declararam que na questão internacional, e nas questões de ordem publica, estariam sempre ao lado do governo e lhe dispensariam o apoio de que carecesse.

A opposição podia n'esse momento crear difficuldades ao governo, mas os homens que dirigissem a politica n'esse sentido teriam diante de si o protesto da consciencia publica, viva e justamente indignada.

A occasião era de sacrificios, não era de luctas, o momento não era de peleja, era de angustia, e por isso todos os partidos estavam dispostos a dar força ao governo, sem comtudo renunciar o direito que lhes assistia de discutirem os meios que o mesmo governo julgasse mais ou menos conformes á solução da crise difficil que atravessavamos.

Se o governo então pedisse em nome verdadeiros interesses do paiz, as auctorisações que julgasse convenientes para manter a ordem publica e o decoro nacional, ninguem lh'as recusaria, porque a questão não era d'este ou d'aquelle partido, e sim da nação inteira.

Que nobre espectaculo, diz o orador, seria o de um povo humilde, pequeno e modesto, dizer pela voz dos seus representantes que estava disposto a todos os sacrificios, comtanto que se alcançasse a grande obra patriotica da reivindicação nacional. (Vozes: - Muito bem.)

Se n'esta attitude correcta tivéssemos pedido a reparação do sentimento nacional tão insolitamente offendido, póde ser que a propria Inglaterra julgasse que não lhe ficaria mal inclinar-se perante um pequeno paiz que, se não tinha canhões, que muitas vezes são a unica rasão dos poderosos, tinha justiça, que é a rasão dos fracos.

Quem seria que n'essa hora solemne se levantaria para negar ao governo os meios que elle entendesse que lhe eram necessarios para salvar a honra e a dignidade do paiz? Ninguem, porque então estavam todos dominados pelo pensamento unico da reivindicação nacional, offendida pelo ultimatum de 11 de janeiro.

As declarações espontaneas feitas em ambas as casas do parlamento pelos homens que são adversos á politica do gabinete, respondeu-se-lhes com a dissolução das côrtes.

Honrosa e patriotica resolução foi essa!

No momento em que a patria offendida reclamava o auxilio de todos os seus filhos, na occasião em que os representantes do paiz declaravam que estavam promptos a ajudar o governo, este recorreu a um mero expediente partidario, qual foi o da dissolução das côrtes.

Para o orador, o governo assumiu grandes responsabilidades pelo facto de ter recorrido áquelle meio; responsabilidades que julga caberem mais principalmente ao sr, presidente do conselho, que é um velho parlamentar, um estadista experimentado, e que tem as suas idéas liberaes francamente definidas em escriptos que muito o honram.

O governo desprezou o auxilio parlamentar que lhe era offerecido n'um momento, que era por assim dizer, unico na vida de uma nação, e lançou-se n'uma lucta eleitoral, em que os abusos commettidos não encontram precedentes na nossa historia politica.

Já hontem disse o seu illustre amigo o sr. Oliveira Monteiro que as eleições de 1890 hão de ficar registadas, e a verdade é que o orador, militando na politica ha muitos annos, não se recorda de um periodo eleitoral tão cheio de violencias e attentados por parte do governo, como foi áquelle que teve logar ha mezes.

Não quer fazer uma enumeração longa dos factos occorridos, e bastaria dizer que o partido a que tem a honra de pertencer, trazendo á camara uma opposição importante deixou de ter uma representação muito mais numerosa, porque ella lhe foi arrancada por meio de violencias que já não são da nossa epocha.

O paiz que esperava que o governo se dedicasse exclusivamente á solução do conflicto creado pelo ultimatum de 11 de janeiro, viu-se todo occupado n'uma faina eleitoral sem precedentes, como já teve occasião de dizer.

São graves e enormissimas as responsabilidades do governo.

A camara sabe, porque o facto tornou-se publico, que o conselho d'estado contrariando a dissolução, de nenhuma fórma se oppuuha ou recusava o adiamento das côrtes; mas o governo obedecendo unicamente ás exigencias partidarias, desprezou as indicações d'aquelle alto corpo politico para se lançar desafogadamente nas pugnas eleitoras.

Houve no paiz um movimento patriotico que podia e devia ter sido habilmente dirigido, e que ainda assim, entregue como foi, á mercê do acaso, teve o merito de impedir que os estrangeiros dissessem que nós nem ao menos protestavamos contra a arbitrariedade de que eramos victimas, e quando o ministerio se apresentou ao parlamento houve

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alguem que indicou a conveniencia de acompanhar e dirigir esse movimento; mas essa indicação tambem foi desprezada.

Esse alguem foi o orador, e disse-o sem nenhuma intenção partidaria, e sim em nome do interesse publico, e, á sua indicação, que, como disse, era sincera, respondeu altaneiramente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, dizendo que procederia com prudencia, e ao mesmo tempo com a energia que as circumstancias exigiam.

Dissolvidas as camarás, o facto é que o governo não quiz saber do movimento patriotico, e começou no dia 11 de fevereiro a assumir a dictadura, da qual passa o governo a occupar-se.

A dictadura do governo tem duas partes principaes e importantes; a primeira refere-se aos decretos publicados em 11 de março, e a segunda diz respeito aos que têem a data de 29 do mesmo mez, mas que só foram publicados no Diario do governo de 7 de abril.

O primeiro reparo que offerece a dictadura chamada de defeza, nacional, é que ella, dizendo se feita em nome de necessidades impreteriveis e urgentissimas de salvação publica, não contêem mais do que vagas auctorisações para a reforma de differentes serviços, das quaes o ministerio ainda1 até hoje não usou.

Pois se era urgente e indispensavel acudir á salvação publica e á defeza nacional, qual é a rasão por que o governo não usou ainda das auctorisações que a si proprio concedeu?

Onde estava então a urgencia das medidas dictatoriaes? Quaes foram as circumstancias extraordinarias que levaram o governo a violar a constituição?

Esta dictadura, diz o orador, tem ainda a aggravante de coincidir com o inicio de um reinado novo.

Circumstancias e factos, mais ou menos graves, occorridos no anterior reinado, tinham obrigado as diversas situações politicas a recorrer a dictadura, e a corôa, para não ser tida na conta de parcial, não podia recusar a umas o que cedia a outras; mas, agora que se começava uma nova epocha, cumpria ao governo a obrigação de restaurar o systema parlamentar e accentuar essa restauração por fórma a impedir novas violações da carta.

Fez-se isto? Não.

O governo, por considerações muito ponderosas pera todos os que militam na politica regeneradora, desprezou por completo as considerações que se impunham a um verdadeiro patriotismo, e aconselhando á corôa o uso da dictadura, constituiu-a na obrigação de conceder identicas regalias aos partidos que se succederem no poder.

E gravissimo o precedente, se um accordo commum não resolve acabar de vez com esses systemas que desprestigiam, até a sua completa subversão, o systema representativo.

Disse o sr. presidente do conselho que eram enormes e gravissimas as circumstancias que o levaram a indicar á corôa o uso da dictadura.

Vae e orador apreciar essas circumstancias.

É certo que a revolução do Brazil, attentas as circumstancias em que foi operada, causou no nosso paiz uma grandissima impressão; mas não é menos certo que a surpreza que de tal facto inesperado resultou, de fórma nenhuma deu motivo a que receiassemos qualquer perturbação da ordem publica.

O ministerio, no momento em que subiu ao poder, parece que receiou que o exercito, chamado a manter a ordem, não cumpriria integralmente os deveres que lhe incumbiam; mas, de onde promanára essa suspeita?

Era o proprio governo que lhe dava origem.

A camara, diz o orador, deve estar lembrada dos boatos que reteriam o descontentamento que no exercito tinha produzido a nomeação do sr. Vasco Guedes para a pasta da guerra, e sem tratar de averiguar o bom ou mau fundamento das noticias que então circularam, o certo é que aquelle cavalheiro foi exonerado dias depois da sua nomeação, facto este que contribuiu poderosamente para se affirmar que o governo não depositava plena confiança na força publica.

Tendo dado a hora, o orador pediu para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.

(O discurso do digno par publicar-se-ha na integra, e em appendice a esta sessão, quando sejam restituidas as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Fica o digno par com a palavra reservada. A primeira sessão terá logar ámanhã, e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 4 de julho de 1890

Exmos. srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Arcebispo Bispo do Algarve; Condes, das Alcaçovas, de Alte d'Avila, da Arriaga, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Ficalho, de Lagoaça, de Thomar; Bispos, de Bethsaida, da Guarda; Viscondes, de Castro e Sola, de Ferreira do Alemtejo, de Paço de Arcos, de Soares Franco; Barão de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Caetano de Oliveira, Sousa e Silva, Antonio J. Teixeira, Oliveira Monteiro, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Neves Carneiro, Bernardi no Machado, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Firmino João Lopes, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Gusmão, Gomes Lages, Agostinho de Ornellas, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Placido de Abreu, Rodrigo Pequito.

O redactor = Carrilho Garcia.

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