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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

CONCLUE O EXTRACTO DÁ SESSÃO DE 10 DE MARÇO DE 1845.

(Presidiu o Sr. C. de Villa Real.)

Entrou em discussão o seguinte Parecer.

«Foi presente á Commissão especial a representação do Conde de Avilez, que pertende por direito heriditario tomar assento nesta Camara. A Commissão abstendo-se de entrar no particular exame das circumstancias em que se acha o recorrente, entende que não póde dar a este respeito o seu parecer em quanto se achar subsistindo a decisão tomada por esta Camara, em Sessão de 18 de Janeiro deste anno, sobre proposta do theor seguinte = Proponho que a Camara resolva, que em quanto não fôr publicada a lei que deve regular a successão do pariato, não seja admittido a tomar assento na Camara individuo algum que assim o pretenda pelo direito de successão. = Esta proposta foi admittida e approvada nos termos que ficam referidos como consta da respectiva acta, que foi presente a esta Commissão. »

O Sr. C. de Lavradio depois de advertir que nas observações que ia apresentar não pretendia fazer a menor censura á Commissão, disse que ella se affastava do mandato recebido da Camara, o qual era examinar se o Sr. Conde de Avillez, Par do Reino, com effeito havia fallecido; se o signatario do requerimento era filho legitimo e primogenito do mesmo Conde; e se tinha 25 annos: — entretanto que a Commissão declarava não ter feito similhante exame, nem tomado conhecimento do requerimento, isto é, não ter tornado conhecimento dos unicos objectos que lhe haviam sido incumbidos, porque subsistia uma resolução da Camara segundo a qual não podiam ser admittidos a tomar assento nella os individuos que assim o pretendessem por direito de successão, em quanto não fosse publicada a lei que deve regular a do pariato.

Que elle (Orador) queria, por hypothese, conceder que subsistia a resolução da Camara; e que ella tinha o direito de tomar uma tal resulução: que o dever da Commissão teria sido examinar se no recorrente se verificavam as condições necessarias, embora depois dissesse (visto que as Commissões podem apresentar qualquer esclarecimento sobre as materias) que, supposto estivesse no caso de entrar na Camara, se deveria sobreestar Ha sua admissão até que fossem cumpridas as condições da deliberação tomada.

Passando a analysar o parecer da Commissão,

disse que a deliberação, a que se referia, havia sido tomada quando alli se discutia' um projecto de lei sobre o pariato, e depois de approvados quasi todos os seus artigos: que passados dias um dos illustres membros da Camara, respeitavel, tanto pelo seu saber, como pela sua eloquencia e caracter, estando a questão a tocar o seu termo, propozera a rejeição do projecto, sendo tão vigorosos os argumentos de S. Ex.ª que, depois de pequeníssimo debate, se decidira pôr de parte o mesmo projecto, e que unicamente se tractasse do que dizia respeito á successão do pariato. Que deste modo, considerando mesmo que a decisão anterior houvesse sido legal, entendia (o Orador) que ella tinha caducado ao mesmo tempo que caducara o projecto. Como prova de que tambem a Camara parecia estar nesta intelligencia, notou que, passados dias, se apresentara o Sr. Bispo do Porto para tomar alli o seu logar, e sendo nomeada a Commissão, como era costume, esta dera o seu parecer, em virtude do qual S. Ex.ª prestara juramento. Observou que naquella Camara só se entrava por nomeação Regia, ou por successão, e por tanto, não tendo o Digno Par sido admittido por essa nomeação, era claro que o fôra por successão, ainda que de uma especie differente.

Concedendo porém que este facto não provasse que a Camara estivesse de accôrdo sobre ter caducado a sua deliberação, perguntava o que valia qualquer dellas, pois essa apreciação era o que devia regular para decidir este negocio. Reflectiu quanta differença havia nas deliberações alli tomadas como Camara legislativa e como Corpo judicial; que neste ultimo caso ellas eram completas, perfeitas, e obrigatorias, em quanto que no primeiro ficavam incompletas e imperfeitas, não obrigando os cidadãos senão depois da appróvação da outra Casa e da Sancção Real; que antes disso as deliberações da Camara eram cousa nenhuma para a massa da Nação, e passaria a examinar se podiam obrigar os membros da mesma Camara. Distinguiu entre as que diziam respeito ao regime interno da Casa, e entre aquellas que podessem atacar os direitos de qualquer dos seus membros, as primeiras das quaes deviam ser cumpridas por todos elles, que aliàs não poderiam reconhecer a legalidade das ultimas.

Que não admittindo, pois, que as decisões da Camara obrigassem alem dos limites estabelecidos, como poderia admittir que ellas fossem obrigatorias quando o seu effeito era, nada menos que, suspender a lei fundamental do Estado? Prévia porém a objecção que se havia de apresentar: — mas a Camara podia ter duvida na intelligencia da Carta; e deveria abster-se de resolver sobre este ponto em quanto lhe não fosse dada interpretação? — Confessava que tinha seguido a opinião affirmativa, juntamente com o Sr. Visconde de Laborim, quando em 1842 se apresentaram alguns individuos para tomarem assento por direito hereditario; que elle (Orador) ainda fóra mais longe na sua duvida, e, reconhecendo o principio hereditario prescripto na Carta, duvidava mesmo se esse principio era applicavel aos Pares que então existiam, ou antes considerára que nenhum delles era hereditario porque essa declaração não existia nas respectivas Cartas Regias: entretanto que esta opinião fóra singular, mas toda a Camara entendêra que a Carta não carecia de interpretação nenhuma nesta parte, e que o filho era successor de seu pai, e o neto de seu avô, em consequencia do que haviam sido admittidos os Dignos Pares Margiochi, Marquez de Castello Melhor, Conde de Sampayo, Marquez de Abrantes, e outros, todos por direito hereditario, sobre o que não houvera hesitação nenhuma.

Neste estado de cousas convinha exminar se a Camara podia negar ao Sr. Conde de Avillez o tomar alli assento, quando elle se apresentava

pedindo que se examinassem as suas circumstancias: dizia (o Orador) que não, em quanto se não provasse que existia alguma differença entre o direito dos antecessores dos Dignos Pares que acabava de nomear, e aquelle do Sr. Conde de Avillez fallecido.

Que antes de terminar as suas observações queria responder a um ataque ad hominem, que os seus adversarios necessariamente haviam de produzir contra elle. — Disse que no dia 18 de Janeiro, depois de uma longa discussão, e havendo já alguma escuridão se levantara o Digno Par M. do Reino, e fizera a proposta (a que se referia a Commissão), a qual fóra approvada: que elle (Orador), significando que a adoptava, pedíra comtudo que fosse mandada a uma Commissão para sobre ella dar o seu parecer; mas não se fizera assim, e bem pelo contrario houvera um verdadeiro enthusiasmo na Camara para a approvar, que lhe fizera lembrar o jogo da pella: que vira todos congraçados ao tomarem tão terrivel decisão, na qual tambem (o Orador) tivera a desgraça de tomar parte! (Riso.) Que já não era essa a primeira vez que havia votado com os Sr.s Ministros, pois duas votações pesavam na sua consciencia, do que á hora da morte pediria perdão, sendo a outra a respeito da lei das estradas: que duas vezes votara com a Administração, e duas vezes votara mal; assim o reconhecia, mas parecia-lhe ter feito penitencia mostrando o proposito firme de se emendar, e por isso agora pedia a revogação daquella deliberação, que em certo modo a não precisava, por isso que tinha sido tomada fóra do alcance da Camara.

Concluiu propondo a rejeição do parecer em discussão, e pedindo á Presidencia que convidasse a Commissão para se retirar da sala, e dar o seu parecer sobre a representação do Sr. Conde de Avillez.

O Sr. V. de Laborim"começou observando que quando um tão conspicuo membro da Camara pedia perdão dos seus peccados, para um homem que, não tendo outras qualidades, tinha a de ser generoso, era realmente difficil combater o Digno Par; entretanto, e como se tractava de esclarecer a verdade, sempre diria quaes eram os seus sentimentos.

Proseguiu que pedia desculpa á Commissão para emittir uma leve reflexão sobre o parecer. Lembrou que na Sessão de G de Março, tendo o Sr. Visconde de Sá apresentado um requerimento do Sr. Conde de Avillez, entrava em duvida se o pedido nelle poderia ter logar, attenta a deliberação tomada no dia 18 de Janeiro: que portanto entendia que a tarefa da Commissão se deveria limitar a dar o seu parecer sobre essa deliberação combinando-a com o requerimento, por isso que este lhe não fóra remettido para verificar habilitações; entretanto que a Commissão seguira uma estrada excellente, não querendo embaraçar-se com o negocio, e abstendo-se de interpor opinião em quanto a Camara não decidisse se aquella deliberação devia, ou não continuar a subsistir; queria dizer, que se ficava no mesmo estado, sem ter um ponto de partida para resolver este negocio.

Respondendo ao que o Sr. Conde de Lavradio dissera, principalmente em relação ao Sr. Ministro do Reino, observou que, se elle (Orador) fosse temerário, ou injusto, talvez lhe occorresse a idéa de que, sendo a deliberação de 18 de Janeiro baseada numa proposta feita pelo Sr. Costa Cabral, a opposição, segundo o seu systema, achava nessa origem o peccado da mesma deliberação. — Que tambem, a ser temerário ou injusto, talvez se podesse lembrar de que sendo o Sr. Conde de Avillez, que fizera o requerimento, um cavalheiro dotado de toda a boa educação e civilidade, e que tendo noticia (porque fóra pública) da deliberação da Camara, parecia que a sua polidez o não levaria a contrariar essa deliberação, principalmente quando ella lhe não tolhia o seu direito, e poderia pensar que havia sido instigado a isso. Todavia que nem uma, nem outra cousa dizia, porque não era temerário nem injusto, e antes attribuiria tudo á casualidade.

Quanto á deliberação tomada em 18 de Janeiro, disse que a achava perfeita, e que um dos maiores argumentos por que assim se podia sustentar, era aquelle de que se servira o Digno Par — a execução da Carta (apoiados); que não era possivel executar-se sem que uma lei regulamentar marcasse a fórma porque se devia exercer o direito de successão do pariato.

Notou que aquella deliberação havia sido tomada pelo voto uniforme de todos os Dignos Pares presentes. (O Sr. P. J. Machado: — Á excepção dos tres, que então formavam a Mesa). Observou que o não sabia, talvez porque nessa ocasião não tivesse os olhos voltados para a Mesa, como tinha quasi sempre, e não porque houvesse já escuridão, como dissera um Digno Par, a quem pedia licença para dizer que a pintura feita por S. Ex.ª não se conformava com a verdade que elle (Orador) tinha presenciado. Proseguiu que o Sr. Conde de Lavradio não objectara então á proposta do Sr. Costa Cabral senão pelo lado de ser considerada a sua materia com todas as formalidades prescriptas no Regimento, masque a apoiara completamente, dizendo que era filha dos seus principios, os quaes já tinha apresentado em Í812.

Quanto ao argumento de que, tendo a Camara admittido outros Dignos Pares successores sem dependencia da lei regulamentar, e por tanto devia agora admittir tambem o que se apresentava, respondeu que S. Ex.ª mais de uma vez tinha alli dito que o que se fizera não servia de argumento para o que se havia de fazer, que por uma vez se ter errado, não se devia continuar a errar; que com esta doutrina lhe respondia agora.

Sobre o outro argumento deduzido da entrada do Sr. Bispo do Porto nesta Camara, reflectiu que não entendia a successão dos Bispos como o

Digno Par; que os considerava successores só dos Apóstolos, e que o principio da successão em referencia aos Prelados não era o que alli lhes dava assento, mas sim a lei.

Que por estas razões, p tambem para a consistência das deliberações da Camara, que não devia dizer hoje uma cousa, e ámanhã outra sem motivo justo e legal, entendia que a deliberação de 18 de Janeiro devia ser sustentada, porque o contrario seria uma decepção, nem se dissesse que ella atacava os interesses da Nação ou dos particulares, porque os daquella estavam sustentados pelos homens que já se sentavam na Camara, e a estes ninguem negava o direito que podessem ter, querendo-se unicamente que entrassem em consequencia da vocação clara da lei. Concluiu votando pelo parecer da Commissão.

O Sr. Serpa Machado declarou que se conformava exactamente com o parecer da Commissão, por julgar justa a doutrina delle. Que achara uma deliberação da Camara que inhibia a entrada dos successores dos Pares, em quanto se não publicasse certa lei, e por tanto era claro que outro não podia dar.

Quanto a essa deliberação, observou que era preciso considera-la debaixo de uma de duas circumstancias, e avalia-la, ou como um projecto de lei que houvesse de passar á outra Camara, ou como uma simples resolução das que se costumavam tomar em circumstancias particulares; que esta distincção tinha muita importancia, por que segundo aquella deliberação fosse qualificada, de differente modo deveria ser reputada. Notou que elle (Orador) estava fóra de combate nesta materia, pois não tinha tomado parte em tal deliberação, e por isso podia emittir uma opinião sem o receio de contradizer-se com o que tivesse votado. — Proseguiu que, se a deliberação da Camara houvesse de considerar-se como aquellas que devem seguir os tramites marcados para os projectos de lei, ella seria injusta, por que dos seus effeitos seria a retroactividade, e não poderia applicar-se a factos preteritos: entretanto que essa deliberação não se achava neste caso, por ter sido filha das circumstancias. Que a Camara, por occasião da discussão do projecto sobre o pariato, entendêra não ser conveniente que, em quanto elle não passasse a ser lei, se admittissem mais successores dos Pares, sem com tudo querer estabelecer uma inhibição absoluta: por consequencia podia a mesma Camara relachar aquella deliberação quando lhe parecesse que convinha faze-lo, o deste modo ella não participava dos defeitos que teria se estivesse qualificada na outra hypothese. Observou que, debaixo deste ponto de vista, não achava a deliberação absurda, como a acharia se houvesse de passar aos outros ramos do Poder Legislativo.

Considerando pois que a lei regulamentar já tinha sido alli concluida, parecia-lhe da conveniencia da Camara que ao Digno Par recorrente se demorasse por alguns dias o seu ingresso, por que era da prudencia esperar ainda algum tempo para se não precipitar qualquer votação sobre aquella deliberação, certo de que o mesmo Digno Par, se já tivesse assento, votaria por este pequeno sacrificio, porque as intenções da Camara não eram tirar direito a quem o tivesse, mas sómente demorar por pouco tempo o exercicio delle. Votou paio parecer.

O Sr. Mello Breyner declarou que tambem tinha votado pela deliberação tomada a respeito dos successores, mas, sem fazer um acto de contracção tão completo como o Sr. Conde de Lavradio, estava persuadido de que votara mal, e não tinha duvida em o dizer. Não lhe parecia que houvesse grande difficuldade em revogar aquella deliberação, porque a Camara estava todos os dias dispensando nos artigos do Regimento, que são deliberações suas, e um pouco mais solemnes porque constituiam a lei da Casa, e parecia-lhe que muitos dos Dignos Pares que impugnavam este arbitrio tinham concorrido com o seu voto para dispensas do Regimento: por conseguinte não via que da revogação daquella deliberação resultasse desdouro algum. — Quanto aos direitos do recorrente, opinou que elles ficariam prejudicados por algum tempo se assim se não fizesse, por quanto era possivel que a lei do pariato não passasse nesta Sessão, visto que a outra Camara estava carregada de trabalhos importantissimos que tinha a discutir. Concluiu que não via a mais pequena delicadeza em se revogar aquillo que fóra votado outro dia.

O Sr. C. da Taipa principiou dizendo que não tinha grande interesse, nem pessoal nem de partido, sobre a entrada do Sr. Conde de Avilez, a quem pouco conhecia, posto que tivesse sido amigo e camarada de seu pai, o que para a politica não queria dizer nada: que, não obstante julgar que era muito grande irregularidade impedir a entrada na Camara ao Sr. Conde de Avilez, o seu interesse, como minoria, era que a maioria fizesse muitas irregularidades, e por isso o seu desejo seria que elle não entrasse; todavia precisava dizer qual a sua opinião nesta questão, ou qual devia ser a daquelles que conheciam o que eram principios constitucionaes, mas antes disso alludiria a cousas que tinha ouvido nesta discussão.

Observou que o Sr. V. de Laborim dissera que o Sr. Conde de Avilez — a quem chamara cavalheiro, muito bem educado, o pulido — poderia ter-se abstido, vista a deliberação da Camara, de vir pedir a sua admissão: que isto seria exigir uma sanctidade, que ainda não estava nos nossos usos, de applicar aquelle principio do Evangelho «quando te derem um bofetão n'uma face, offerece a outra;» que suspendendo a Camara os direitos de todos os successores dos Pares, não parecia que aquelle em quem era feito o primeiro exemplo devesse abster-se por isso de pedir a sua admissão.

Que o Sr. Serpa Machado quizera attenuar o caso, assentando que em direito se não podia impugnar a entrada do Sr. Conde de Avilez, mas