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que ao mesmo tempo que o Sr. Ferrão suppõe que o projecto a não revoga, o orador está convencido do contrario.
Ainda queria fazer algumas observações sobre os direitos adquiridos; e pede perdão ao Sr. Ferrão do que vai dizer.
Pois a esperança não é tambem um direito? A morte, essa priva de tudo, e por isso não será nunca um direito. A legislação antiga, e o bom senso, o que e mais, dispõe que se o immediato successor, mandado ouvir sobre a hypotheca dos bens vinculados pela importancia do emprestimo, não tiver razão, o emprestimo se faça, não obstante essa opposição; mas agora que se reputa necessaria nova legislação que prescreve outras regras não se póde deixar de estabelecer provisões que obstem a que se desfalque o vinculo, e se vendam os bens delle quando a divida não tiver sido paga. Não basta dizer que por a legislação antiga isso está prevenido, porque essa legislação fica derogada se o projecto em discussão fôr convertido em lei, como se acha.
O Sr. Ferrão—Tenho a observar que o Digno Par Barão de Porto de Moz não attendeu ao meu argumento, ou eu não me expliquei de fórma que S. Ex.ª o entendesse.
Disse eu que taes dispensas na lei se concediam antigamente por uma Provisão que se expedia pelo Desembargo do Paço, sobre immediata Resolução Regia.
Esta dispensa fazia lei especial, mas nunca na sua execução se entendeu que taes dispensas affectassem a instituição vincular, nem portanto a hypotheca sobre os bens os affectasse além dos rendimentos.
E note o Digno Par, que na clausula geral da lei = que fica revogada a legislação em contrario, = com relação á transmissão da hypotheca além da vida do administrador, que é o que importada dispensa, não faz hoje o Poder Legislativo, que o que faziam em cada especie os nossos Reis, por suas Resoluções sobre Consulta do Desembargo do Paço, quando consolidavam todos os Poderes do Estado.
Este accessorio pois da lei não tem a força de comprehensão que se lhe pertende attribuir.
Aqui está por tanto o argumento que eu fiz, e provado assim que o facto está conforme ao direito: comtudo não me opponho a que se faça alguma emenda, que torne bem claro este pensamento, posto que a julgue não necessaria.
E não a julgo necessaria ainda por outra razão.
Ninguem desconhece que toda a lei se deve entender de modo, que della não resultem absurdos em vista deste principio, pergunto eu: pois o projecto de lei em discussão tende por ventura directa ou indirectamente a destruir os vinculos? Seguramente não (apoiados).
Como poderia entender-se isso, em qualquer hypothese, a respeito de uma lei, que tem exclusivamente por fim e objecto salvar toda a propriedade, vinculada ou não vinculada, na ilha da Madeira do estado de decadencia, em que se acha, e prevenir por tanto a ruina dos vinculos na mesma ilha, que compõe a maior parte dessa propriedade?
Tambem o Digno Par pareceu contrariar a distincção que eu fiz entre a esperança e o direito. Disse o Digno Par, pois a esperança não é tambem um direito? Sim, Sr. concedo; a esperança é um direito, mas um direito muito diverso do direito adquirido, e é este que eu contraponho á esperança.
É um direito á cousa, e não sobre a cousa: Jus ad rem, e não jus in re.
A distincção, portanto, que fiz não foi arbitraria, porque se firma em principios de direito.
A esperança pois é cousa muito distincta; os seus effeitos e importancia são muito diversos, e eu fiz a differença para attenuar o argumento que se produziu, para se fazer valer o direito (esperança) dos immediatos successores, e é certo que tanto a nossa legislação e direito consuetudinario não considerava a esperança como sendo a mesma cousa, que por ella se mandava ouvir o immediato successor, mas sem offensa do direito do administrador, e com justa razão, porque o direito adquirido é uma cousa, e a esperança para adquirir esse direito é outra muito diversa.
O Sr. Visconde d'Algés vai dizer poucas palavras, e essas são simplesmente com relação ao que ouviu ao Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia: que S. Ex.ª tinha dito que não votava pela moção de ordem que o orador fez para voltar o artigo á commissão, porque entendia que elle estava nos termos de podér votar-se tal qual se acha redigido; o que lhe fez suppôr que S. Ex.ª diria isto por que se conformava com os additamentos do Digno Par o Sr. Conde de Thomar; mas S. Ex.ª disse que não. Oppõe-se a que volte este artigo á commissão, pedindo-o um membro della em nome da propria commissão; o que lhe parece que devia bastar para que o Digno Par não fizesse opposição a este pedido.
O Sr. Visconde d'Athoguia observa que o que disse foi que com quanto esta medida fosse já tarde, approvava com tudo o projecto de lei em discussão, porque este emprestimo dos 40:000$000 réis ia remediar em parte os males que está soffrendo a ilha da Madeira, e era para que este beneficio lhe fosse feito sem demora que votava igualmente contra a remessa á commissão dos additamentos do Digno Par o Sr. Conde de Thomar: que os tachygraphos certamente terão tomado nota do que elle orador disse com toda a exactidão, e dellas se verá o que foi que elle disse.
Não sabe como o Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz póde tirar das suas palavras argumento para nada se fazer a favor da ilha da Madeira. Quando disse que esta medida ia já tarde é porque tinha como certo que ella devia ter-se posto em pratica ha mais tempo, a bem da cultura da canna do assucar. O Digno Par tirou a consequencia de que por que vai tarde não se deve approvar; e o orador tira a de que, com quanto vá tarde este beneficio, deve fazer-se quanto antes; porque é certo o dictado de que mais vale tarde do que nunca. E por isso pede que não se tire das suas palavras uma illação em sentido contrario.
O Sr. Conde de Thomar: referindo-se ao Sr. Visconde d'Athoguia, observou que S. Ex.ª apenas se limitou a declarar que não só não concordava em que o projecto voltasse á commissão, mas que nem podia votar pelos additamentos offerecidos ao artigo 3.°, não dando porém as razões em que se fundava para assim proceder, e nestas circumstancias a Camara, que não ouvia as razões de S. Ex.ª para se oppôr, não podia deixar de. adoptar os mesmos additamentos, e de votar que tanto estes como o artigo 3.° voltassem á commissão, mesmo até porque o auctor dos additamentos, e os proprios membros da commissão concordavam neste ponto, a fim de que na mesma commissão o projecto podesse receber uma melhor redacção.
O orador pede que quanto antes o artigo 3.º e os additamentos alli voltem. É muito natural que ainda dure mais algum tempo a discussão deste projecto, porque os Dignos Pares terão de fazer novas reflexões sobre elle, e principalmente sobre o artigo 5.°, que já começou a ser impugnado; e em quanto a discussão corre, a commissão vai trabalhando na redacção do que já está adoptado, terminando por conseguinte a discussão com mais brevidade (apoiados).
O Sr. Visconde d'Algés: o que disse e agora repete, é que era novo o impugnar-se que o artigo de um projecto voltasse á commissão, assim como os additamentos a esse artigo offerecidos, quando o proprio auctor dos additamentos o pedia, e quando os membros dessa commissão concordavam na necessidade de tudo alli voltar, a fim de se lhe dar nova redacção, e pôr as differentes disposições já adoptadas em harmonia umas com as outras. E tanto mais era para admirar a impugnação do Digno Par a que os additamentos e artigo voltassem á commissão, que S. Ex.ª se limitava a combater a proposta sem expôr á Camara quaes eram as razões em que para isso se fundava; e neste caso não tinha a Camara outro expediente a adoptar senão approvar os additamentos e envial-os com o artigo á commissão.
Expendendo estas opiniões não teve nem tem intenção alguma de offender ninguem, e muito menos o Digno Par a -quem se refere, porque quando cada um aqui expõe com franquesa e liberdade as suas idéas e combate as outras nunca é com o fim de offender (apoiados); e por sua parte nunca se offendeu nem offenderá quando as suas opiniões forem combatidas.
O Sr. Visconde de Balsemão — Sr. Presidente, depois do que acabou de dizer o Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia, cujas palavras fizeram em mim uma impressão desagradavel, eu não podia deixar de pedir a palavra para ainda dizer alguma coisa.
Depois do que havia dito o Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, que se persuadiu, e creio que bem, que esta disposição consignada no artigo 3.° relativa aos bens de vinculos ia derogar a legislação existente vincular, eu entendi que devia apresentar a proposta, que effectivamente fiz, para que fosse conservada a legislação antiga respectiva ao objecto de que se tracta, e com esta modificação eu não tinha duvida de approvar o artigo, porque eu, Sr. Presidente, desejo tanto como qualquer Digno Par que mais deseje a prosperidade da ilha da Madeira; comtudo entendo não possa ter mais direito do que tinha o Douro que, se não está em peiores circumstancias daquellas em que se acha a ilha da Madeira, estará talvez nas mesmas, mas até hoje não tenho visto que para alli se tenham adoptado medidas algumas tendentes a attenuar-lhe os males que soffre, e se naquella parte do paiz eu não tivesse alguma propriedade e interesse, de ha muito que já teria apresentado uma ou outra proposta, que não apresento, porque não quero que se julgue que faço politica de campanario. No entanto não tenho duvida em approvar esta medida geral para a ilha da Madeira, adoptando comtudo os additamentos propostos pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar.
Vozes—votos, votos.
O Sr. Presidente—A proposta do Digno Par o Sr. Visconde d'Algés consiste em que volte á commissão o artigo 3.° do projecto com todos os additamentos offerecidos.
Assim se resolveu.
O Sr. Visconde d'Algés: lembra que tambem propôz que não ficasse prejudicado o andamento da discussão do projecto; que voltando apenas á commissão o artigo 3.° e additamentos a este offerecidos, a discussão continuasse sobre o resto do projecto, pois que ainda talvez muito houvesse que dizer, principalmente ácerca do artigo 5.°, que já alguns oradores tinham impugnado na. discussão da generalidade do projecto.
O Sr. Presidente — Continuará a discussão sobre o resto do projecto na proxima sessão, que terá logar na quarta-feira, visto ter já dado a hora. A Camara trabalha ámanhã em commissões. Está fechada a sessão.
Passava das cinco horas da tarde.
Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 15 de Março de 1858.
Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Fronteira, de Pombal, e da Ribeira; Condes: das Alcaçovas, da Arrochella, da Azinhaga, do Bomfim, do Farrobo, de Linhares, da Louzã, de Mello, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, do Sobral, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Ovar, e de Ourem; Barões: de Chancelleiros, e de Porto de Moz; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Isidoro Guedes, e Silva Sanches.