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226 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

carrasco, instrumento brutal nas mãos da lei, que o obriga a matar sem consciencia, a ferir sem odio, a punir sem responsabilidade, a verter sangue onde poderá derramar balsamo a religião, e lançar raizes o remorso.

"Os argumentos dictados pela agencia e pelo sentimento são coroborados pelo testemunho dos factos. A estatistica, registo dos acontecimentos sociaes, incumbe-se de documentar com o testemunho insuspeito dos algarismos a desnecessidade da pena de morte no estado actual da sociedade."

E mais abaixo diz:

"Factos em abono do que deixo exposto não faltam. Temo-los perto de nós. A pena de morte está abolida de facto entre nós desde muitos annos. Fez-se a ultima execução em abril de 1846. Desde então até hoje não tem augmentado a criminalidade, como se póde ver pelo mappa que acompanha esta proposta lei."

E mais abaixo diz:

"Pelo que deixo dito vê-se que está abolida pelos costumes, pela sua inutilidade, pela prescripção de longos annos a pena de morte. Convem por as leis de accordo com os factos. Se se não executa, se contra a sua execução se insurgeria o sentimento e a consciencia publica, para que manter essa antinomia entre as leis e os costumes, buscando intimidar com phantasmas o espirito dos povos?

Nasce o crime da paixão ou do interesse. O interesse consulta friamente a rasão, e esta ensina-o a não receiar uma pena que se não cumpre. Onde está então a sua efficacia? Levam-me estas considerações a concluir pela desnecessidade da pena de morte no actual estado do paiz. Substituo-lhe a prisão perpetua cellular, e ahi julgo eu ver a melhor garantia de que não padecerá a administração da justiça, nem soffrerá a sociedade com a suppressão d'aquella pena."

Está instaurado o processo, diz o sr. ministro da justiça no seu relatorio; sem affrontar a caridade christã, sem usurpar a Deus o que é de Deus, já não é permittido ao poder humano, fraco e susceptivel de erros, substituir-se á divindade para dispor da vida dos homens.

Se estas eram as idéas do sr. ministro da justiça, como se explica que s. exa. hoje acceite um codigo onde se estabelece a pena de morte?

É por isso que eu deploro a falta de s. exa. nesta casa.

O illustre ministro podia-nos esclarecer e dizer porque julgou agora necessaria a pena do morte. Seria para salvaguardar as vidas dos cidadãos e os interesses da patria e da sociedade, punindo os crimes horrorosos como o do filho matar seu pae?

Sr. presidente, abusaria da camara se lesse tudo quanto desejava ler do relatorio do sr. ministro da justiça, mas a verdade é que o poder legislativo, que aboliu o carrasco por inutil, vae votar que homens, companheiros na luta e nas glorias, que irmãos de armas, a quem a escolha da sorte designou, sejam convertidos em algozes para dispararem as suas armas contra o corpo de um seu irmão e companheiro, a quem a desgraça conduziu ao crime!

Sr. presidente, tristissima é a posição do homem que se preza, e que tem continuadamente de estar a referir-se a um cavalheiro que igualmente se preza, mas que não vê presente para responder ás suas palavras.

Estou certo que o sr. ministro da justiça não deixaria, de responder a tudo quanto tenho dito, se acaso estivesse presente. Ainda que muito me custe, eu não posso deixar de fazer referencia á sua argumentação de outro tempo e á mudança que vejo ter-se operado nas idéas de s. exa. e que tão eloquentemente sustentava. Como explicar esta mudança no seu modo de pensar? Eu não sei que haja na historia exemplos de homem politicos mudarem de opinião em materia tão importante senão Robespierre e Peel.

Peel tinha sido contrario á reforma parlamentar na Inglaterra, ou antes á emancipação dos catholicos e igualmente á livre entrada dos cereaes, tinha combatido estas medidas, mas depois, reconhecendo as urgentes necessidades que as reclamavam, soube sacrificar a sua opinião, e adoptou-as.

Robespierre, que defendeu a inviolabilidade da vida humana, que defendeu e sustentou a abolição da pena de morte, executava em larga escala. Mas havia alguma cousa superior que o obrigava a isso, que forçava o seu espirito, que o levava a proceder por essa fórma, era a revolução. Robespierre estava encarnado nos principios da revolução, que queria a destruição do que havia até ali, e por consequencia obedeceu a esses principios. As revoluções são decretadas pela Providencia, são a vontade de Deus em acção. Lamenta-se o sangue derramado, choram-se as victimas sanguinolentas para proclamar idéas de paz, infringe-se a doutrina do Evangelho, mas quando a revolução apparece, o mundo tem caminhado, e a humanidade assignala mais um triumpho pela conquista de um bom principio. Assim foi a revolução franceza.

Robespierre, o defensor da inviolabilidade da vida humana, mandou matar, mas note-se que quando elle defendia essas doutrinas não lhas acceitaram, e apenas a assembléa nacional decidia que a abolição de uma tal pena ficava reservada para depois da paz geral; Peei esqueceu os seus antecedentes para alargar a area das liberdades, e dar pão ao povo; Robespierre esquecia os seus principios, para cumprir a lei e salvar a revolução; o sr. ministro da justiça, procede ás avessas de Peel, e não terá na historia a justificação de Robespierre, porque nada tem a salvar senão a sua cadeira de ministro. Robespierre obrou talvez contra a suas convicções, e a Providencia, nos seus ocultos designios, condemnou-o á pena de Talião; foi elle proprio victima do systema que adoptou.

Deus permitta que a nenhum dos srs. ministros succeda o mesmo. Faço sinceramente estes votos, apesar de crer bem que tal não succederá, porque, como já disse, ninguem terá coragem n'este paiz de mandar proceder a uma execução.

Sr. presidente, o sr. ministro da justiça não está presente, e na sua ausencia creio que ninguem me poderá levar a mal que o defenda. Prezo me de ser justiceiro, e ainda ha bem pouco o demonstrei fazendo a justiça devida aos intuitos da commissão.

(Interrupção do sr. Barros e Sá, que não foi ouvida.)

Não fiz mais do que justiça, e procedi segundo os dictames da minha consciencia. Como disse, o sr. ministro da justiça não está presente, e não posso ser censurado por tomar a sua defeza. O sr. ministro da justiça não mudou de opinião, estou convencido disso, mas s. exa. está em um governo que não tem opiniões, e como está em governo que não tem opiniões, tem uma e outra opinião, isto é, tem uma opinião para a legislação militar, e outra para a legislação civil.

O sr. Barros e Sá: - Apoiado.

O Orador: - Apoiado? N'esse caso é esse tambem o sentir da commissão.

Sr. presidente, quando um ministro sobe ao poder apoiado e em nome de um partido que tem principios definidos e claros, que tem intuitos nobres, que tem aspirações ligitimas, e convicções arreigadas, esse ministerio póde cair com esses principios, obedecendo á sua consciencia, mas não póde nem deve transigir com outros inteiramente contrarios; era isto o que acontecia ao sr. ministro quando tinha por apoio o partido historico a que pertencia. Então o sr. ministro da justiça não podia transigir em materia tão grave, embora fosse um seu collega no poder que o exigisse, porque olhava atrás de si para o apoiar um partido forte e convicto; s. exa. não se veria na dura necessidade de esquecer o seu passado, e esquecer o que defendeu durante o seu professorado, o que defendeu quando vestia a toga de advogado nos auditorios, o que finalmente sustentou quando veio ao parlamento, e ainda como homem de estado quando propunha a abolição da pena de morte, e dizia que era preciso que apagassemos da nossa legislação