DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 293
só um ataque a esses direitos, mas uma flagrante e manifesta injustiça, como se prova com a seguinte observação.
No projecto existe uma categoria para os proprietarios, para a qual se exige um superior e determinado rendimento. Supponha v. exa. e a camara que existe um filho de um par, que satisfaz a todas as condições exigidas pela lei de 1845.
Supponha mesmo que tem muitos e relevantes serviços, e que possue um alto merecimento, não obstante fica inhibido de entrar n’esta casa, quer por nomeação regia, quer por direito de successão.
Eis o absurdo! Ora, na realidade, querer que um individuo, com todas as qualidades e condições de independencia não possa entrar n’esta camara, satisfazendo a todos os preceitos da lei de 1845, e concedel-a a um outro só porque tem o rendimento de 8:000$000 réis, embora não tenha as outras qualidades, é absurdo manifesto, que eu não posso deixar de combater, e de consignar aqui o meu protesto.
Sr. presidente, eu queria pelo menos que o projecto fosse harmonico nas suas disposições, e estabelecesse regras geraes para todas as categorias.
Qual a rasão por que aos empregados publicos, classificados nas categorias designadas, não se lhes exige tambem um rendimento, como o que é exigido aos filhos dos pares?
Porque se não harmonisa n’este sentido a categoria dos proprietarios, commerciantes e industriaes?
O rendimento de 8:000$000 réis será, porventura, titulo de capacidade e independencia?
Valerá mais o proprietario, porque tem 8:000$000 réis de rendimento, do que qualquer outro proprietario que não tenha essa renda, mas que tenha em compensação talento, curso litterario, serviços e merecimentos?
Valerá mais, repito, o argentario do que um individuo em quem concorram todos estes requisitos?
É perfeitamente absurdo.
O projecto que se discute tem todos estes defeitos, e por consequencia em logar de avigorar a instituição, em logar de melhorar as condições d’esta camara, tira-lhe a força, e não preenche de fórma alguma o fim que se deseja, porque para o preencher a primeira necessidade é a existencia de uma lei de incompatibilidades.
Essa lei, sr. presidente, é que é uma verdadeira necessidade, porque dará a garantia de que os individuos que entram n’esta camara teem a independencia que lhes é exigida.
V. exa. sabe perfeitamente que ha funcções de tal ordem dependentes, que os individuos que as exercem não podem deixar de seguir o caminho da dependencia, e esse caminho é a maior parte das vezes contrario aos interesses do paiz.
Eu quero que n’esta camara estejam representados em grande numero os individuos que têem os seus interesses ligados ao proprio paiz, quero individuos a quem doa, servindo-me da phrase que costuma empregar o povo, porque o resultado de não lhe doer é a facilidade com que votam os augmentos de despeza, quando as despezas que lhe são pedidas são muitas vezes desnecessarias, mas que apesar d’isso os ministros, a quem tambem não doem, exigem que se votem, embora da ao povo, que é quem paga.
Por consequencia voto contra o artigo.
O sr. Bispo de Bragança: — Peço licença para mandar para a mesa uma addição aos n.ºs 19.° e 20.° do artigo 4.° do projecto de lei n.° 57 a fim de ser submettida á consideração da camara e da respectiva commissão.
(Leu.)
Eu sei que o artigo a que a minha addição se refere já foi votado; e por isso eu só a apresento para que, se for entendido que a substancia d’ella está em harmonia com o pensamento e espirito do projecto de lei, seja pelo modo mais conducente tomada na consideração que lhe possa caber.
Antes de expor as rasões em que se fundou esta minha proposta, tenho a pedir muitas desculpas ao meu nobre .º illustrado amigo o distincto auctor do projecto, por não ter consultado previamente s. exa. com respeito a esta minha proposta. Não tive tempo, porém, de combinar com o meu illustre amigo sobre o modo por que havia de proceder na apresentação d’este pequeno obulo da minha dedicação em prol da efficacia do pensamento de s. exa., e do empenho da commissão em chegar á realisação do desejo commum de conseguir o melhoramento da organisação d’esta camara. Associando-me gostosamente a esse pensamento, e a esse empenho, faço-o com tanta melhor vontade, quanto vejo prevalecer nas disposições do projecto o principio da elevação pessoal do merecimento: nem outro poderia ser o trabalho elaborado por uma intelligencia tão subidamente privilegiada!
De conformidade, pois, com as idéas que presidiram á confecção d’este projecto de lei, e determinaram o estabelecimento das categorias, entendi que satisfazia um dever da minha consciencia formulando a proposta, que tive a honra de mandar para a mesa. Este pensamento suscitou-se-me hontem á noite, já tarde, em presença das disposições contidas nos numeros 19.° e 20.° do artigo 4.°, e repassando pela memoria, e d’ahi quietamente pela consideração, algumas das sabias reflexões que durante a discussão haviam sido apresentadas.
Assim pareceu-me que o fim da minha addição estava em harmonia com o elevado pensamento, que regulou as disposições d’este projecto, ás quaes tenho dado o meu voto muito do coração. Nem podia deixar de o dar, quando esse pensamento é um preito, como já disse, ao merecimento, traduzido aqui em preceito legal, sem poder ferir por esse seu mesmo caracter nenhum dos principios, em que se baseia a lei fundamental do estado, e organisação desta camara.
Em qualquer assumpto, sobre o qual a nossa mentalidade tenha de applicar o seu juizo, temos a distinguir tudo aquillo, que n’esse assumpto é primeiros principios, e o que é determinação delles aos objectos; aquelles são inva-riaveis como fundamentaes do assumpto, e temos d’elles uma revelação absoluta e immediata que nos vem da natureza propria do assumpto; a determinação, porem, aos objectos é variavel, como as respectivas hypotheses d’elles; e a revelação que temos d’essas determinações é mediata e relativa, porque nos procede das condições dos objectos: n’ella só ha de fundamental e invariavel a inviolabilidade dos primeiros principios.
Quaes são os primeiros principios no assumpto que está em discussão, muito illustradamente os conhece a camará; nem eu posso arrogar a mim a pretensão de os indicar. A inviolavel manutenção d’elles é, como não podia deixar de ser, o empenho do projecto de lei: livre nomeação, attributo do poder moderador; hereditariedade no pariato, direito individual.
Estes dois principios fundamentaes do assumpto, fazem igualmente o fundamento do novo projecto. Estes dois principies têem suas determinações a objectos, são estes os individuos e as suas condições. O projecto faz considerar como objecto adaptado á determinação d’aquelles primeiros e fundamentaes principios a serie de categorias, que nas suas, disposições consigna. Ora parece-me incontroverso que em cada uma das categorias se encontram as condições para poder ser definido como objecto dignamente adaptado á determinação dos primeiros mencionados principios, as respectivas indicações de cada uma das categorias: prolixa seria a demonstração, desnecessaria, porque é de si clara, e mais ainda porque elevadamente illustradas são as intelligencias que fazem a apreciação.
Quero conceder que esta lei é um complexo de perfeições, quero imaginar que nada lhe falta; mas poderá ser tomado como offensa d’ella a indicação, que no actual estado de categorias sociaes nossas, haja de ser feita de to-