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SESSÃO DE 5 DE JULHO DE 1890 477

acaso permittida alguma duvida a esse respeito? Dentro de um mez havia o Rei de ter perdido a confiança da seus ministros? Qual era o acto que s. exas. tinham praticado para perder essa confiança?

Desde que o governo affirmasse por actos publicos a confiança que tinha na fidelidade do exercito e na disciplina da força publica, não tinha nada a receiar pela perturbação da ordem. Havia effectivamente uma certa agitação no paia; mas essa agitação, longe de atemorisar o governo, devia pelo contrario ser aproveitada por elle como o orador mais de uma vez tem dito. Desordem, não havia; excitação excepcional e perigosa, tambem não; os maiores perigos eram aquelles que o governo tinha creado pelos seus actos inconvenientes, pela sua incoherencia, e pela hesitação das suas resoluções. E, diga-te a verdade: se houve alguma pertubação n'aquella conjunctura, foi o governo que a quiz, porque quando a cidade de Lisboa amanheceu em presença d'aquellas providencias espectaculosas que o governo julgou dever adoptar para manter a ordem, toda a gente suppoz que se estava em presença de uma gravissima crise de ordem publica, e que a hydra revolucionaria estava prestes a saír para a rua.

O orador lembra-se ainda de assistir áquelle espectaculo, que não sabe como possa qualificar, mas seguramente não era serio, de ver as duas fileiras de soldados da guarda municipal como de sentinella á estatua de Camões, e evitando cautelosamente que qualquer cidadão se approximasse da estatua, para tocar nos crepes que lá estavam.

Lembra-se ainda d'essas forças de cavallaria que percorreram as das de Lisboa em differentes direcções, e que, se não fosse o bom senso da população de Lisboa, podiam ter provocado graves desordens.

Foi o governo que, com essas providencias espectaculosas, podia ter provocado desordens; mas o que pelo menos provocou foi o susto da cidade de Lisboa, e as apprehensões de muita gente.

Mas o que é mais notavel, é a contradicção e incoherencia que se nota mesmo n'estas providencias.

Ao passo que se procurava reprimir todas as manifestações era favor da causa patriotica que n'esse momento agitava o paiz; ao passo que se tomavam estas providencias repressivas contra todas as manifestações da opinião publica; eram publicados os decretos de 21 de fevereiro, em que se revelava o fim que o governo tinha de assumir a direcção do movimento patriotico contra a Inglaterra.

Se o governo queria tomar a direcção d'aquelle movimento, e já tarde e a más horas modificava a sua opinião, para que é que elle reprimiu essas manifestações, que em logar de o perturbarem, o podiam auxiliar poderosamente na solução d'esse conflicto? Não se comprehende.

Mas, suppondo que a dictadura era necessaria; suppondo que as circumstancias extraordinarias em que o governo se achava, a justificavam, o orador disse que a dictadura continha apenas simples auctorisações; a dictadura não continha nenhum acto pratico, nenhum acto de immediata execução.

No emtanto fizeram-se as eleições, e o que era natural, o que parecia regular, o que era consentaneo com as boas praticas, era que o governo, apenas aberto o parlamento, viesse pedir a absolvição da responsabilidade em que incorreu, e convertesse tudo em propostas de lei, em que indicasse ao parlamento as bases das reformas que pedia.

Não o fez.

Entretanto não se decretaram senão auctorisações do que o governo ainda não usou até hoje.

Abre-se o parlamento, funcciona regularmente; qual a rasão por que o governo agora não renuncia a essas auctorisações?

Não póde haver por parte do governo justificação plausivel para o absolver do attentado que está commettendo, desde que se recusa apresentar a proposta de lei renunciando as auctorisações que de si mesmo tomou.

Esses decretos comprehendem: auctorisação para reformar o exercito, armada e magistratura, classificação de comarcas, emfim, tudo.

Ora supponha-se que o governo para affirmar a sua força tivesse decretado aquellas auctorisações; passado o acto, quando já nenhuma circumstancia extraordinaria justifica o uso da dictadura, qual a rasão por que o governo não desiste d'ella?

A crise passou, as dificuldades desappareceram, a paz está restabelecida e segura, ninguem tenta conspirar contra as instituições e contra a ordem publica, o governo dispõe da força necessaria para manter em toda a parte o respeito da auctoridade, qual a conveniencia de ordem publica que justifica este procedimento do governo perante o parlamento? Qual?

Qual o motivo porque o governo não entra no caminho da legalidade? Porque não vem apresentar ao parlamento, não simples auctorisações amplas e vagas, mas propostas de lei definidas, claras e terminantes?

O orador não pude deixar de se referir a duas d'essas auctorisações, a da reforma da lei do recrutamento e a do augmento do contingente annual.

Onde se viu isto!

Em que paiz é que o governo decreta em dictadura uma reforma da lei do recrutamento, a primeira lei de um paiz em que ha constituição, tão grave, tão importante, tão transcendente debaixo do ponto de vista constitucional, que a propria carta exige que a sua iniciativa pertença á camara dos deputados?

É a camara está aqui a votar auctorisações ao governo para elle reformar e decretar o imposto de sangue, a seu arbitrio, como lhe convier e aprouver...

O sr. Coelho de Carvalho: - E até onde quizer.

O Orador: - Segundo as indicações dos empregados das secretarias, que illuminem a intelligencia do sr. ministro da guerra!

Isto é uma humilhação para o parlamento! (Apoiados.)

Nunca tal se viu em paiz nenhum, nem em Portugal, onde andam tão esquecidas as boas praticas parlamentares!

O parlamento portuguez nunca votou uma auctorisação tão ampla, tão indefinida! Sem bases, sem limites!

Isto é um desdouro para o parlamento, e para o governo é uma exigencia injustificavel!

Dizer ao poder executivo; reforme a lei do recrutamento sem a menor intervenção do parlamento, embora este nem conheça as bases sobre que se vae legislar, é a maior abdicação das prerogativas do poder legislativo!

Pois desde janeiro que o governo subiu ao poder e ainda não póde dizer ao menos qual é o pensamento, quaes são as bases geraes e os principios fundamentaes dessa reforma, apesar da commissão dos officiaes adjuntos, e de tantos homens competentes que podiam consultar?!

Fica-se espantado.

Que se guarde segredo sobre o estado em que se acham as nossas questões com a Inglaterra, embora com isso o paiz, que soffreu a affronta do ultimatum de 11 de janeiro, seja condemnado a caiar se na sua indignação, comprehende-se, porque podem allegar-se rasões mais ou menos plausiveis que prendem com o interesse das proprias negociações.

Mas, levar o governo a sua desconsideração pelo parlamento ao ponto de occultar-lhe as bases sobre que pretende reformar uma lei tão importante, não póde tolerar-se, não é honroso para o governo, nem para a camara!

Já o sr. Coelho de Carvalho dirigiu ao sr. presidente do conselho perguntas serias, meditadas, graves, que requerem da parte de s. exa. uma resposta categorica e precisa. O orador póde fazel-as suas, com auctorisação do digno par, Em todas essas perguntas não se revela mais