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478 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

do que o interesse do cidadão e do patriota que deseja, n'uma conjunctura difficil como aquella que vamos atravessando, associar a sua iniciativa nobre e desinteressada a iniciativa dos poderes publicos para que n'uma questão de tal gravidade como a da organisação do exercito se chegue a um resultado que possa ser acceito por todos e principalmente pelo paiz. Até hoje ainda se não ouviu resposta áquellas perguntas.

Convem que se saiba o que se vae .votar; convem que o sr. presidente do conselho diga ao menos a vulto, por alto, o que é que se vota, sanccionando esta auctorisação illimitada para a reorganisação do exercito, para a reforma da lei do recrutamento e para augmentar o contingente de recrutas. É necessario que o parlamento não vote nas trevas, sem esclarecimento algum.

Que o sr. presidente do conselho exija que os seus amigos em nome da disciplina partidaria, abdiquem completamente em s. exa. quanto ás resoluções que houver de tomar a esse respeito, comprehende-se; mas permitia s. exa. aos membros do parlamento que não estão, como os membros da maioria, presos pelos laços da disciplina partidaria, permitia s. exa. que esses lhe perguntem perante o paiz quaes as suas idéas a respeito da reorganisação do exercito e do recrutamento.

O governo, por um simples acto seu, augmentou o contingente militar; quer dizer foi aggravado o tributo de sangue por um acto dictatorial.

Qual a rasão justificativa desta disposição? Qual o motivo de interesse publico que obrigou o governo a não querer formular uma proposta de lei a esse respeito?

Diga o governo qual é o seu pensamento. Diga-o claramente. Formule as suas idéas em propostas de lei e submetta-as, como deve, á discussão parlamentar.

Apreciando os decretos de dictadura, pela ordem da sua publicação, o orador encontra em primeiro logar a reforma da camara dos pares, feita por decreto de 20 de fevereiro.

Este decreto é modelado numa proposta de lei que o orador tinha apresentado ás côrtes. É notavel que o governo actual, depois de ter combatido tão violentamente, nos bancos da opposição, os processos e as idéas do partido progressista, procure sempre copiar os modelos que o partido progressita lhe deixou.

Singular cousa esta!

Pois os progressistas eram maus, os progressistas eram inimigos da patria, os progressistas eram incompetentes para administrar o paiz, tinham todos os defeitos que podem accummular-se em homens que não estão fadados para a direcção das cousas publicas, e, quando os srs. regeneradores chegam ao poder não tratam senão de aproveitar os restos que aquelles lhes deixaram, não tratam senão de converter em actos dictatoriaes mesmo as propostas de lei que aquelles tinham apresentado ao parlamento! Como explicar isto? Elles os sabios, elles os intelligentes, elles os apóstolos de tudo quanto havia de bom para este paiz, elles que tudo sabiam e tudo podiam, elles chegam ao governo e não procuram senão imitar o que o partido progressista fez, ou cobrir a letra secca que lhe deixou.

É extraordinario isto, e não era de esperar da parte de pessoas tão competentes como são os srs. ministros. Passando á reforma da camara dos pares, o orador confessa que estimou que o governo praticasse esta reforma em dictadura e estimou não pelo amor proprio de ver adoptada pelos seus adversarios uma proposta sua, mas porque d'este facto resulta o reconhecimento da necessidade da dictadura progressista, que pela lei de 1885 de um ministerio regenerador, não podia obter maioria n'esta camara, e alem d'isso representa a necessidade que houve da publicação do codigo administrativo.

Passando á dissolução da camara municipal de Lisboa, o orador disse que é de todos os actos da dictadura um d'aquelles que julga mais grave e attentatorio das leis e, liberdades publicas, e que ainda não descobríra em tudo quanto se tinha dito, uma rasão plausivel que justificasse o acto do governo.

Diz-se no relatorio do decreto que a camara municipal de Lisboa pretendia tomar a direcção do movimento nacional. O orador não póde acceitar esta rasão, porque, poucos dias antes da dissolução, a camara municipal de Lisboa tinha tomado a resolução de contrahir um emprestimo para concorrer com o seu producto para a subscripção nacional.

Ora o governo tinha a faculdade de suspender ou confirmar esta resolução.

Porque o não fez?

A camara, não contente com a participação ao governo da sua resolução, dirigiu-lhe um officio pedindo que lhe communicasse as suas intenções antes de decorrido o praso legal.

E o que fez o sr. Serpa? Apressou-se a annunciar á camara que o governo não usava do seu direito.

Como se pôde, pois, dizer que a camara municipal de Lisboa tinha as intenções indicadas no relatorio do decreto, se a unica resolução da camara foi esta, e o governo não a suspendeu?

Desde que o sr. presidente do conselho, e ministro do reino, a approvou, não se póde dizer tal cousa.

Disse se mais que a camara municipal mostrava disposições de resistencia.

Qual foi então o acto collectivo pelo qual a camara mostrou desejos de resistir ao governo?

O governo nada disse á camara e era preciso saber isto.

De mais, o codigo administrativo prevê varias hypotheses para que possa verificar-se a dissolução da camara municipal de Lisboa.

Se o governo a queria dissolver, porque não mandou instaurar o respectivo processo, em harmonia com o codigo administrativo?

A rasão foi porque nenhum dos casos previstos era a intenção de resistir, se fosse dissolvida.

Ora é por tudo isto que esta. dissolução tem um caracter de especial gravidade, e representa um aggravo á população de Lisboa, pois que, privando-a de representantes, foi nomeada uma commissão administrativa composta de individuos affectos ao governo.

Alem d'isso, estabelece um precedente, que um governo poderá ámanhã aproveitar.

Supponha-se, por exemplo, que amanhã, um governo qualquer se lembra de dissolver o supremo tribunal de justiça ou a universidade de Coimbra ou a escola polytechnica de Lisboa, emfim, uma corporação cuja existencia e autonomia estejam garantidas por lei, possuido das mesmas idéas de organisação de serviços, decreta o seguinte:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a reformar a organisação do supremo tribunal de justiça.

Art. 2.° É dissolvido o actual tribunal, e para satisfazer ás necessidades da administração da justiça, é nomeada uma commissão composta dos seguintes cidadãos, etc.

Desde que o governo por um decreto de dictadura começou por dar a si proprio auctorisação para reformar o serviço de uma corporação que estava garantida por lei, este principio póde applicar-se a todas as corporações actualmente existentes desapparecendo completamente as garantias de independencia, principalmente do professorado.

O mesmo principio póde applicar-se á camara dos senhores deputados ou á camara dos dignos pares:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a reformar a organisação da camara, etc., etc.

Art. 2.° É dissolvida a camara dos dignos pares e será nomeada uma commissão para interinamente exercer as funcções d'esta camara, etc.

Pois a camara dos pares, a camara dos deputados, assim como a camara municipal de Lisboa não têem os mesmos direitos que qualquer outra camará? O principio é o mesmo