O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

N.º 35

SESSÃO DE 80 DE MARÇO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios-os exmos srs.

Conde d'Avila
Sonsa Avides

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. Bernardino Machado manda para a mesa um parecer da commissão de instrucção publica e uma representação, que pede seja publicada no Diario do governo, e apresenta um projecto de lei., É auctorisada a publicação dá representação no Diario.- O ar. Luiz Bivar apresenta o parecer da commissão de regimento. - O sr. Ferreira de Mesquita requer que se consulte a camara sobre se permitte que, durante a sessão, as commissões de guerra, de marinha e de administração publica se possam reunir. É approvado o requerimento.- O sr. conde do Bomfim apresenta o parecer da commissão de marinha sobre o projecto de lei fixando a força naval, e o parecer das commissões de guerra e de marinha sobre o projecto, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim determinar que aos officiaes do exercito _e da armada, empregados das companhias de Moçambique, Inhambane e Ibo, se conte o tempo de serviço para promoções, reformas e medalhas honorificas como se estivessem servindo em qualquer provincia ultramarina por promoção regia, mas sem promoção ao posto immediato. Requer que se consulte a camara sobre se permitte que, dispensando-se o regimento, entrem estes dois pareceres já em, discussão. Consultada a camara, resolve afirmativamente, -v- É lido o parecer e projecto fixando a força naval para 1892-1893, e approvado sem discussão. - E lido e approvado sem discussão o parecer relativo aos officiaes do exercito e da armada, empregados das companhias de Moçambique, Inhambane e Ibo. - O sr. Franzini apresenta os pareceres: da commissão de guerra, approvando o projecto de lei que fixa a força de terra para 1892-1893; e das commissões de guerra e de marinha, fixando os contingentes para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal para 1892-1893, e requer que, dispensado o regimento, entrem já em discussão. É approvado o requerimento, e posto em discussão o projecto que fixa a força de terra. - Usa da palavra o sr. conde do Bomfim, e é em seguida approvado o projecto.- E approvado sem discussão o projecto fixando os contingentes.-Usa da palavra o sr. Augusto José da Cunha, respondendo a um discurso do sr. conde de Thomás pronunciado na ultima sessão, e faz uma declaração ácerca do pagamento do emprestimo de D. Miguel. - O sr. ministro da marinha responde ao sr. Cunha. - O sr. Cunha repete, declaração. - O sr. Jeronymo Pimentel apresenta um parecer da commissão de instrucção publica.- O sr. conde de Thomar responde ao sr. Cunha. - Ó sr. Ferreira de Mesquita apresenta o parecer das commissões de guerra, de marinha e de administração publica sobre o projecto de lei relativo a soccorros a náufragos, e, requer que, sendo dispensado o regimento, entre já em discussão, E approvado o requerimento, e posto em discussão o projecto. - Usam da palavra os srs. conde de Castro, ministro da marinha è, conde de Castro (segunda vez), sendo em seguida approvado o projecto.- O sr. marquez de Vallada refere-se ao assumpto discutido pelo sr. conde de Thomar. Pede que se consulte a camara sobre se permitte que tambem entre já em ordem do dia o parecem.137. E approvado, e fica em ordem do dia na sua altura.-Tem segunda leitura a proposta do sr. Camara Leme sobre responsabilidade ministerial E admittida e posta em discussão. - Usam da palavra os srs. Hintze Ribeiro, Camara Leme, Luciano de Castro, camara Leme (segunda vez), Thomás Ribeiro, marquez de Vallada, Luciano de Castro (segunda vez), conde de Thomar, Augusto José da Cunha, Antonio de Serpa, Thomás Ribeiro e Camara Leme, que declara desistir de votação nominal para a sua proposta. E approvada a proposta.

Ás tres horas da tarde, achando-se presentes 44 dignos pares, abriu-se a sessão.

O sr. Presidente: - Convido o digno par o sr. Sousa Avides a vir occupar o logar de segundo secretario.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão,

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio mandado para a mesa pela presidencia da camara dos senhores deputados sobre a proposição que tem por fim a creação de fundos para soccorros aos naufragos.

Officio mandado para a mesa pelo centro commercial do Porto, enviando uma representação da classe de importadores e installadores de instrumentos de electricidade.

Para a secretaria.

O sr. Bernardino Machado: - Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão de instrucção publica approvando o projecto de lei que manda que seja contada, para todos os effeitos, a antiguidade no magisterio desde a data em que começou a regencia de qualquer cadeira.

Mando tambem para a mesa uma representação dos professores de instrucção primaria central do concelho de Chaves contra algumas disposições da carta de lei de 26 de fevereiro.

Mando igualmente para a mesa o seguinte projecto de lei:

(Leu.)

Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se consente que a representação seja publicada no Diario do governo.

sr. Presidente,: - O digno par o sr. Bernardino Machado requer que eu consulte a camara sobre se ella permitte que a representação que acaba de mandar para mesa seja publicada no Diario do governo.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei mandado para a mesa pelo sr. Bernardino Machado.

Leu-se na mesa.

É do teor seguinte:

" Senhores.- A lei de 26 de fevereiro ultimo, no seu artigo 1.° eximiu da nova taxa de imposto que creou os vencimentos inferiores a 400$000 réis, e, em contradictorio a esta disposição, o artigo 12.° da mesma lei denega a muitos professores de instrucção primaria e outros funccionarios de tão modesta remuneração o augmento de vencimento por diuturnidade de serviço, quando mesmo com esse augmento não venham a perceber o total de réis 400$000, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei, que submetto ao vosso esclarecido e recto espirito:

" Artigo 1.° São exceptuados do disposto no n.0 2.° do tigo 13.° os augmentos de vencimento por diuturnidade de serviço que, sommados com o ordenado, não perfaçam o total de 400$000 réis.

" Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

" Sala das sessões, 29 de março de 1892.= sr. Bernardino Machado."

Ficou para segunda leitura.

O sr. Luiz Bivar: - Mando para a mesa, por parte da commissão do regimento, o parecer sobre a reforma do re-

41

Página 2

2 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gimento da camara, quando constituida em tribunal de justiça.

Peço a v. exa. que com urgencia o mande imprimir.

O sr. Ferreira de Mesquita: - Por parte das commissões de administração publica, guerra e marinha, peco a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que estas tres commissões se reunam durante a sessão para julgar o projecto de lei vindo da camara dós senhores deputados relativo a soccorros a naufragos.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Ferreira de Mesquita, requer que eu consulte a camara sobre se permitte que as commissões de administração publica, guerra e marinha, possam reunir-se durante a sessão para darem parecer sobre o projecto de soccorros a naufragos.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Conde do Bomfim: - Sr. presidente, por parte da commissão de marinha, mando para a mesa o parecer da mesma commissão, fixando a força naval para o futuro anno economico.

Peço a v.exa. que consulte a camara se, dispensado o regimento, elle póde entrar já em discussão.

Mando tambem para a mesa o parecer das commissões de guerra e marinha sobre o projecto de lei, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim determinar que aos officiaes do exercito e da armada, empregados das companhias de Moçambique, Inhambane Ibo se conte o tempo de serviço para promoções, reformas e medalhas honorificas, como se estivessem servindo em qualquer pro-vincia ultramarina por promoção regia, mas sem promoção ao posto immediato.

O parecer está assignado pela maioria dos membros das commissões, B parece-me que não será combatido.

Peco, pois a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que os dois pareceres entrem desde já em discussão.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. conde do Bomfim requer que, sendo dispensado o regimento, possam entrar em discussão desde já estes dois pareceres por s. exa. apresentados.

Os dignos, pares que approvam este requerimento, tenham a bondade de se levantar.:

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 151, sobre o projecto de lei n.° 102, que fixa a força naval para 1892-1893.

Leu-se na mesa, é do teor seguinte:

PARECER N.° 451

Senhores; - Á vossa commissão de maninha foi presente o projecto de lei n.° 102, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim fixar a força naval para o anno economico de 1892-1893, distribuindo-a: pelos navios da nossa armada, e ouvidas as informações do governo, e attendendo a que esta providencia é de natureza constitucional, é de parecer que o approveis, e que o referido projecto deve ser convertido em lei.

Sala .das; sessões da commissão, em a, de março de 1892.=Jbsá Baptista, de Andrade = Julio de Vilhena = Conde da Azarujinha = J. da Cunha Pimentel = Conde ao Bomfim relator. - Tem voto do sr. Visconde da Silva Carvalho.

Projecto de lei n.° 102

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1892-1893, é fixada em 4:124 praças, distribuidas por um navio couraçado, cinco corvetas de vapor, onze canhoneiras de l.ª classe, cinco canhoneiras de estação, quatro canhoneiras de fiscalisação aduaneira, onze lanchas canhoneiras? dois transportes, um navio-escola pratica de artilheria naval, dois navios-escolas de marinheiros, um rebocador, uma barca de vela, duas lanchas para policia de rio e uma lancha de fiscalisação aduaneira.

Art. 2.° O numero e qualidade dos navios armados poderão variar, segundo o exigir as conveniencias do serviço, comtanto que a despeza não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.

Art. 3.° Pica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 28 de março de 1892. = Antonio de Azevedo Castello Branco, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro; deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se. Os dignos pares que approvam o projecto de lei n.° 102 na sua generalidade tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado e posta á votação a sua especialidade foi igualmente approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 152, sobre o projecto de lei n.° 103, mandado tambem para a mesa pelo sr. conde do Bomfim.

Leu-se na mesa, é do teor seguinte:

PARECER N.º 152

Senhores. - Ás vossas commissões de guerra e de marinha, reunidas, examinaram com o devido zêlo o projecto de lei n.° 103, vindo da camara dos senhores deputados, e apreciaram detidamente as rasões que o fundamentam.

Considerando que, facilitando elle a installação de companhias delegadas da nossa soberania no ultramar, representa não só segura garantia ao nosso desenvolvimento colonial, mas á nossa autonomia;

Considerando, alem d'isso, que a modificação n'elle feita, incluida na mensagem enviada a esta camara, é util e equitativa, porque attende aos serviços extraordinarios e arriscados, que os funccionarios civis como militares vão prestar nos territorios da nossa provincia de Moçambique;

E mais quanto as suas disposições harmonisando-se em disposições de leis analogas, satisfazem aos preceitos de boa administração e economia:

São de parecer que o referido projecto merece a vossa approvação e deve ser convertido em lei.

Sala das sessões das commissões, em 30 de março de 1892. = L. Camara Leme = José Baptista de Andrade- Conde da Azarujinha = Conde d'Avila = Sousa e Silva = Carlos Augusto Palmeirim = Marino João Franzini = J. da Cunha Pimentel = Julio de Vilhena = A. C, Ferreira de Mesquita = Conde do Bomfim, relator.

Projecto de lei n.° 103

Artigo 1.° Aos officiaes do exercito ou da armada, e aos funccionarios civis empregados das companhias de Moçambique, Inhambane e Ibo, contar-se-ha o tempo para promoções, aposentações, reformas e medalhas honorificas, como se estivessem servindo em qualquer provincia ultramarina por nomeação regia, não tendo os primeiros promoção ao posto immediato.

§ unico. Os officiaes do exercito ou da armada, e os funccionarios civis n'aquellas condições e emquanto estiverem ao serviço das companhias, não terão vencimento algum pelo estado, é serão por ellas requisitados ao ministerio da marinha, o qual, tratando-se de officiaes do exercito ou de funccionarios civis, não sujeitos á sua jurisdicção, os pedirá aos ministerios respectivos, fiscalisando o primeiro quanto n'esta lei se designa,

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 28 de março de 1892. = Antonio

Página 3

SESSÃO N.° 35 DE 30 DE MARÇO DE 1892 3

de Azevedo Castello Branco, presidente = José Joaquim de, Sousa Cavalheiro deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua geneneralidade e especialidade.

(Pausa)

Ninguem pede a palavra, vae votar-se. Os dignos pares que approvam o projecto de lei n.° 103, na sua generalidade e especialidade, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

" O sr. Franzini: - Mando para a mesa dois pareceres, um da commissão de guerra, fixando a força do exercito para 1892-1893, e outro das commissões de guerra e marinha sobre a fixação dos contingentes para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal para 1892-1893.

Requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se permitte que estes dois pareceres entrem desde já em discussão.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Franzini requer que seja dispensado o regimento para entrarem desde já em discussão os pareceres que mandou para a mesa.

Os dignos pares, que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 153 sobre o projecto de dei n.° 101.

Leu se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.º 183

Senhores. - Ao exame da vossa commissão de guerra foi presente o projecto de lei, em que a camara dos senhores deputados converteu a proposta de lei que, em cumprimento da determinação exarada no § 10 da artigo 15.° da carta constitucional, o governo apresentou para a fixação da força do exercito no anno economico de 1892-1893.

A commissão, considerando que o projecto está em harmonia com a legislação militar que regula o assumpto, é de parecer que deve ser approvado para poder subir á sancção real.

Sala da commissão, 30 do março de 1892. = José Baptista de Andrade -D. Luiz da Camara Leme (com declarações) = Sousa e Silva = Carlos Augusta Palmeirim = Marino João Franzini = A. C. Ferreira de Mesquita = Conde d'Avila, relator.

Projecto de lei n.° 101:

Artigo 1.° A força do exercito, em pé de paz, é fixada no anno economico de 1892-1893 em 30:000 praças de pret de todas as praias.

§ unico. Será licenciada, nos termos do artigo 3.° do decreto de 23 de julho de 1891, toda a força que poder .ser dispensada, sem prejuizo do serviço e dá instrucção militar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 28 de março de 189.Z. = Antonio de Azevedo Castello Branco = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão o projecto de lei n.° 101, na sua generalidade e especialidade,

O sr. Conde do Bomfim: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Conde do Bomfim: - Á reunião das commissões de guerra e marinha, para a fixação da força naval, compareceu o sr. ministro da marinha; á reunião da commissão de guerra não compareceu o sr. ministro da guerra.

Ora, eu desejaria que a constituição do nosso paiz contivesse um artigo da constituição de 1820. E o artigo 92.° que diz o seguinte:

(Leu.)

Estimaria que essa disposição estivesse de pé, comtudo orno está assente nos nossos principios constitucionaes que os ministros são responsaveis, perante o parlamento, pelos seus actos, parece-me de toda a conveniencia que, quando se tratasse da fixação da força militar, nas circumstancias apertadas em que se encontra o paiz, o sr. ministro da guerra viesse dizer qual o seu pensamento e quaes as rasões das suas propostas contidas n'este projecto. Não sei os motivos por que o illustre ministro não vem ao parlamento fazer essas declarações, e muito menos porque não em responder ás interpellações annunciadas n'esta camara.

É louvavel o procedimento do sr. ministro da marinha, que é um homem novo, vindo a esta camara responder ás observações dos dignos pares, seguindo por consequencia um procedimento diverso do seu collega da guerra, o que não me parece se possa explicar sómente pela differença de idades, pois, se assim fora, a boa rasão aconselha que, no exercito, como na armada, como em muitos paizes, se stabeleçam limites de idades para as funcções publicas.

Como não quero levantar embaraços ao governo na aprovação dos projectos constitucionaes, voto este projecto, lavrando o meu protesto contra esta ausencia do parlamento do sr. ministro da guerra.

O sr. Presidente: - Como ninguem mais pede a palavra, vae votar-se.

Os dignos pares que approvam este projecto na sua generalidade e especialidade tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 154 sobre o projecto de lei n,° 100, mandado para a mesa pelo sr. Franzini.

Leu-se na mesa, É do teor seguinte;

Senhores. -- As vossas commissões reunidas de guerra e de marinha examinaram com a devida attenção o projecto de lei, em que a camara dos senhores deputados converteu a proposta de lei governamental, relativa á fixação dos contingentes para o. exercito, armada e guardas municipaes e fiscal, no anno de 1892..

Considerando que no projecto se attende á organisação de cada uma d'aquellas instituições militares, são, de parecer que o projecto merece a vossa approvação para poder subir á sancção real.

Sala das commissões reunidas, 30 de março de 1892. = José Baptista de Andrade = D, Luiz da Camara Leme (com declarações)=Marino João Franzini = Conde da Aza-rujinha= Carlos Augusto Palmeirim = Sousa e Silva = J. da Cunha Pimentel = A. C. Ferreira de Mesquita = Conde do Bomfim (com declarações) = Conde d'Avila, relator.

Projecto de lei n.° 10O

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado, no anno de 1892, em 14:624 recrutas, sendo 12:000 destinados para o exercito, 1:274 para a armada, 550 para a guarda municipal e 800 para a guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 1:350 recrutas para as guardas municipaes e fiscal será previamente encorporado na exercito, sendo transferidas para as referidas guardas, até ao numero necessario para preencher áquelle contingente, as praças que se acharem nas condições exigidas para áquelle serviço, preferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.° O contingente da segunda reserva para o effectivo do exercito em pé de guerra é fixado no anno de 1892 em 6:000 recrutas.

Art. 4.° Fica revogada a legislação contraria a esta, Palacio das côrtes, em 28 de março de 1892. = Antonio

Página 4

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

de Azevedo Castello Branco, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade e especialidade.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, vae votasse. Os dignos pares que approvam o projecto de lei n.° 100, na sua generalidade e especialidade, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.
O sr. Pessoa de Amorim: - Participou v. exa. e a camara, que não compareci ás ultimas sessões por me ter fallecido uma pessoa de familia.

O sr. Presidente: - Lançar-se-ha na acta a declaração do digno par.

Tem a palavra o digno par o sr. Augusto José da Cunha.

O sr. Augusto José da Cunha: - Sr. presidente, no desempenho de serviço publico, que a camara me permittiu accumular com as funcções legislativas, não me foi possivel assistir ao começo da sessão de hontem, e ao entrar nesta casa disseram-me alguns dignos pares que, quando estava em discussão o parecer dado para ordem do dia, o sr. conde de Thomar fizera referencias ás explicações que eu tinha dado na véspera, relativas ao facto de, como ministro da fazenda, ter concedido adiantamentos ao banco, lusitano, e outras companhias.

Como não tive a honra de ouvir s. exa., e como se tivesse entrado já na ordem do dia, eu tive de esperar pela publicação do extracto official da sessão de hontem, para saber com certeza o que o digno par tinha dito a respeito dos meus actos.

Só agora me chegou ás mãos o extracto, é vejo por elle que tive a infelicidade de não satisfazer o digno par, e que, pelo contrario, s. exa. continua a considerar, apesar das minhas explicações, os meus actos como altamente censuraveis.
Ora, permitta-me v. exa. que eu extranhe que, tendo-me ouvido s. exa. na véspera, e tendo ouvido ás declarações que aqui fiz, não julgasse opportuna essa occasião para fazer referencias ás minhas considerações, e só o fizesse quando eu não estava presente.

Não me parece que a questão fosse tão urgente, que não podesse o digno par esperar occasião em que eu podesse ouvil-o, para se referir ao que eu dissera.

Não comprehendo bem, confesso, a pressa do digno par, que é, ao mesmo tempo, pressa tardia, permitta-se-me o contrasenso, em vir. aqui accusar-me por actos que eu tinha justificado quando eu não estava presente, para immediatamente poder responder, Como s. exa. se arrogou o direito de classificar de monstruosos os meus actos, permitta-se-me tambem o direito de classificar de incorrecto o procedimento de s. exa., e de dizer que o digno par desta vez não obedeceu ás boas praxes parlamentares.

Lendo hoje o extracto da sessão, vejo que tive a infelicidade de não satisfazer a s. exa. com as minhas explicações, que foram tão claras e tão sinceras.;

Não sei o que mais possa acrescentar para desfazer as duvidas do digno par, e nada mais ou muito pouco mais direi sobre o assumpto.

S; exa. censurou que eu praticasse um acto illegal, concedendo os supprimentos ao banco lusitano; ora foi justamente por eu ter praticado um acto illegal que usei da pá lavra e dei as explicações que podia dar dos motivos que me haviam levado á proceder d'essa fórma.

Eu comprehendia que se avaliassem esses motivos e se provasse que eu estivera em erro, que, não devia fazer o; adiantamentos, que as rasões por mim apresentadas para os justificar, eram futeis e careciam de fundamento; mas não comprehendo que o digno par se cançasse em classifiar de illegal um acto, cuja illegalidade eu já confessara. S. exa. nada acrescentou ao que por mim tinha sido declarado.

Comprehendia-se que se provasse que as circumstancias do paiz não exigiam que eu commettesse aquella illegalidade; que a fallencia do banco lusitano não acarretaria a fallencia dos bancos do Porto, que esta não perturbaria a ordem publica e não poderia pôr em grave risco os mais caros interesses da nação.

Comprehendia que s. exa. se occupasse d'isto e reduzisse a zero as rasões que eu apresentara á camara; porem, em vez disso, s. exa. sómente disse que era assombroso o meu procedimento.

O sr. Conde de Thomar: - O digno par não me ouviu.

O Orador: - Por isso julgo inconveniente que o digno par, na ausencia de um orador, se referisse a observações Dor elle feitas, sobretudo quando o assumpto não era urgente e quando podia esperar que esse orador estivesse presente, porque já não poderia dar desculpas como a que s. exa. dá agora.

O que vejo pelo extracto da sessão é que o digno par sómente considerou assombroso o meu procedimento por haver commettido uma illegalidade, que aliás fui o primeiro a confessar, vindo referir á camara as rasões que me levaram a pratical-a.

Portanto, sobre o assumpto nada mais tenho a dizer. As explicações que dei foram as mais sinceras e claras que eu podia dar. Resta a cada um o direito livre de avaliar os meus actos e sobre elles formar o seu juizo.

Já que estou com a palavra, e passando a outro assumpto, como vejo presente o nobre ministro da marinha, desejo fazer uma ligeira observação a algumas palavras que me constou que o sr. ministro da fazenda proferiu na camara dos senhores deputados, creio que na sessão de hontem. O que tenho a dizer não é censura áquelle sr. ministro, não é commentario ás suas observações, mas apenas uma declaração.

Parece-me que o sr. ministro da fazenda se enganou ao affirmar na camara dos senhores deputados que no ministerio da fazenda não existiam documentos nenhuns a respeito das ultimas negociações sobre o emprestimo de D. Miguel.

Eu quando sai do ministerio da fazenda deixei lá toda a correspondencia que a este respeito tinha havido.

Supponho que essa correspondencia deve estar n'aquelle ministerio, pois que lá a deixei; no emtanto ouvi que o sr. ministro da fazenda havia dito hontem que não lhe constava que a referida correspondencia ali existisse.

Sendo assim, eu peço ao sr. ministro da marinha o favor de communicar ao seu collega da fazenda o que eu acabo de dizer.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.) O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral): - Sr. presidente, devo dizer ao digno par sr. Augusto José da Cunha, que eu não ouvi a resposta que o sr. ministro da fazenda deu hontem ha outra camara a um illustre deputado que o interrogou sobre o negocio do emprestimo de D. Miguel, mas supponho que s. exa. não affirmou que no ministerio da fazenda não havia documentos nenhuns em relação a este negocio.

Parece-me que o que s. exa. disse foi que não havia no ministerio da fazenda contrato nenhum especial entre o governo portuguez e os portadores dos titulos do emprestimo de D. Miguel.

Não sei bem qual a resposta do sr. ministro da fazenda, mas creio que foi a que acabo de dizer.

O sr. Augusto José da Cunha: - Tambem eu não sei bem qual foi a resposta do sr. ministro da fazenda.

Página 5

SESSÃO N.° 35 DE 30 de Março DE 1982

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral): - A versão que chegou ao meu conhecimento foi esta.

O sr. Augusto José da Cunha: - O que eu desejo é que se saiba que deixei no ministerio da fazenda, quando sai da respectiva pasta, os documentos relativos a esse assumpto.

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral):- O que me parece é que o sr. ministro da fazenda affirmou, repito, que não havia no ministerio da fazenda nenhum contrato especial com respeito aos portadores dos titulos do emprestimo de. D. Miguel.

Não sei mesmo se foi esta a affirmativa completa e categorica do sr. ministro da fazenda; mas parece-me que era esta a sua intenção ao fazer a declaração a que! acabo de me referir.

(O sr. ministro não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Jeronymo Pimentel (sobre a ordem): - Mando para a mesa dois pareceres da com missão de administração publica, e peço a v. exa. me inscreva para fazer uso da palavra antes da ordem do dia.

Leram-se na mesa os dois pareceres.

Foram a imprimir.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, quando hontem pedi a palavra para discutir a lei de meios, intercalei nas referencias a esse assumpto algumas reflexões a proposito do discurso proferido ante-hontem nesta casa pelo sr. Augusto José da Cunha.

A camara deve estar lembrada de que eu lamentei profundamente a ausencia do digno par a quem me referia, mas realmente o assumpto era de tal gravidade, que eu não podia adiar por um só momento a exposição das idéas que submetti á consideração da camara.

Não foi falta de consideração pela pessoa do digno par, creia-o s. exa. Sei que as praxes parlamentares pedem a presença do cavalheiro a quem nos dirigimos, mas o certo é que s. exa. transformou a questão em uma questão politica pessoal, parecendo attribuir-me intuitos d'essa natureza, e se assim fosse, na camara estava quem podesse representar o ministerio a que s. exa. pertenceu, que de certo em tal caso se teria apressado a tomar a sua defeza.

S. exa. não estava presente, e certo, mas sentava-se junto de mim um dos seus collegas no primeiro gabinete presidido pelo sr. João Chrysostomo, e este digno par, se visse que as minhas phrases eram menos correctas, teria tomado a palavra para protestar contra o que eu asseverava.

S. exa. deixou passar em silencio tudo o que eu disse; entendeu que não devia replicar aos meus argumentos, e isto é a prova mais cabal de que não ultrapassei uma linha de conducta perfeitamente correcta.

Sr. presidente, eu não discuti o emprestimo que s. exa. fez ao banco lusitano, mas sim combati a doutrina proclamada por s. exa. como fundamento dos seus actos como ministro, theoria que considerei e ainda considero monstruosa.

Disse que achava extraordinario que um cavalheiro que tinha gerido a pasta dá fazenda viesse declarar que auxiliara certos bancos, depois de ter reconhecido que as administrações d'esses estabelecimentos eram desgraçadas, e depois de ter verificado que tinham uma escripturação engenhosa adrede preparada para encobrir operações ruinosas que lhes eram defezas.

O sr. Augusto José da Cunha: - V. exa. dá-me licença?

(Signal de assentimento do orador.)

Eu não disse que conhecia o estado dos bancos na occasião do os auxiliar.

O Orador: - É possivel que eu entendesse mal, mas as noticias dos jornaes e o extracto official attribuem-lhe tambem a declaração de que s. exa. fizera adiantamentos a algumas emprezas, embora reconhecendo que a sua administração era pessima, que tinham escripturações engenhosas e dividendos ficticios. O sr.

Augusto José da Cunha: - Não disse isso.

O Orador: - Se s. exa. declara hoje o contrario d'aquillo que amimou ante-hontem, ou se declara que não era sua intenção avançar aquillo que as noticias dos jornaes lhe attribuem, acceito a declaração de s. exa. mas parece-me que entrou no convencimento de todos que o digno par insinuou que tinha nomeado dois peritos para examinarem o estado do banco lusitano, e, se isto assim foi, os factos protestam contra as asseverações de s. exa.

O sr. Augusto José da Cunha: - E o que declararam esses peritos?

O Orador: - Segundo as palavras de s. exa. declararam que o banco estava effectivamente em más condições, mas que poderia talvez voltar a uma .situação menos difficil.

Mas, sr. presidente, eu não preciso saber o que disseram os peritos para chegar ás conclusões que resultam das palavras do digno par, e que plenamente justificam as apreciações que na ultima sessão aqui fiz.

S. exa. disse que se tivesse de entrar novamente para a pasta da fazenda, e se o banco lusitano ou outro banco se achasse nas condições em que aquelle se encontrava, quando lhe foram feitos os adiantamentos a que me referi, não hesitaria um momento em fazer-lhe os adiantamentos. Isto foi o que s. exa. disse.

O sr. Augusto José da Cunha: - O que eu disse foi: .Se me visse nas mesmas circumstancias em que me encontrei mandava fazer esse adiantamento. Não podia fazer outra cousa. Se fizesse uma declaração em contrario, estava condemnando os meus proprios actos.

O Orador: - A declaração que attribuo ao digno par é a que no extracto de todos os jornaes lhe vejo attribuida.

O sr. Augusto José da Cunha: - Mas v. exa. dá um sentido diverso ás palavras que pronunciei nesta camara.

O Orador: - Repito a v. exa. que a interpretação que dei ás suas palavras é a mesma que lhes deram todos os extractos de jornaes.

O sr. Augusto José da Cunha: - Se v. exa. fizesse favor de ler com attenção o extracto official, não lhe restaria a menor duvida.

O que eu disse e repito, foi que, se amanhã me encontrasse nas mesmas circumstancias em que me achei, quando mandei fazer os adiantamentos, eu faria exactamente a mesma cousa.

É o que vem no extracto official.

O Orador: - Se se encontrasse nas mesmas circumstancias em que se encontrou então, não teria duvida em o fazer, e v. exa. ainda agora declarou que, se tinha procedido assim é porque entendeu que tinha evitado uma grande perturbação da ordem publica; mas se v. exa. tivesse estado hontem na camara, teria visto que as conclusões que eu tirei eram que essas rasões não eram bastantes para justificar o seu procedimento, porque posteriormente se verifica que essa ordem publica não teria sido por tal motivo perturbada, porque posteriormente o banco lusitano está em condições muito peiores do que na epocha em que s. exa. lhe fez os adiantamentos, e tão más condições, que os tribunaes d'este paiz entenderam que deviam metter no Limoeiro os directores d'esse banco, facto que não se dava quando v. exa. fez esses adiantamentos, e eu não sei se d'esse processo resultará a soltura e a rehabilitação dos directores; não me pertence a mim tratar esse assumpto, mas o facto é que s. exa. fez uns adiantamentos ao banco lusitano quando estava em más condições para não perturbar a ordem publica; ora, hoje que esse banco está por assim dizer fallido e a pedir moratorias, e mettidos em processo os seus directores, creio que a situação é peior ainda do que aquella que s. exa. pretendia evitar, e comtudo a ordem publica não foi perturbada.

Página 6

6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Os bancos do Porto suspenderam os seus pagamentos, e tambem a ordem publica não foi perturbada. S. exa. não tinha senão a fazer o que fez este governo, dar-lhes o apoio moral de que muitos riram, mas que foi efficaz e satisfez aos romeiros que vieram a Lisboa.

Sr. presidente, eu não quero tomar tempo á camara.

O digno par póde ter a certeza de que eu, quando hontem me referi ás suas declarações, não tive em vista melindrar a s. exa. pessoalmente. Tenho pelo digno par toda a consideração, mas como homem publico e como ministro que foi da pasta da fazenda, s. exa., os seus collegas e todos os homens publicos estio sujeitos á critica e á analyse dos seus actos. Isto não é offensa pessoal para ninguem.

S. exa. declarou que tinha vindo á camara confessar que tinha praticado um acto illegal; mas o que eu senti foi que o digno par viesse fazer tal declaração que vem dar força ás minhas observações, quando com esses auxilios vem aggravar a situação do thesouro.

E d'ahi tirei a conclusão, que s. exa. fazendo a declaração, podia prejudicar o actual sr. ministro dá fazenda, que poderia ver aggravarem-se as dificuldades por parte dos capitalistas estrangeiros ou quaesquer negociações financeiras em que se ache empenhado, pelo facto de um antigo ministro da fazenda de Portugal ter a, ingenuidade, permitia-me s. exa. que lh'o diga, de confessar perante o parlamento que praticara um acto illegal, que desviara da sua legal applicação os dinheiros do thesouro para auxiliar emprezas em más circumstancias. Com a aggravante d'esse dinheiro ter sido o producto do ultimo emprestimo.

Aqui tem v. exa. o pouco que disse, e creio que n'isto nada ha de offensivo para o seu caracter.

Foi isto o que eu disse, repito, e parece-me que é a reproducção exacta das idéas que hontem apresentei. Eu não tenho por habito alterar uma palavra sequer das notas que me mandam das modestas considerações que costumo fazer n'esta casa.

Creio que com isto tenho dado explicações, que o caso requer e a unica cousa que sinto é o facto de me ter visto na necessidade de fallar hontem na ausencia de s. exa.

Tenho dito.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Ferreira de Mesquita: - Por parte das commissões reunidas de administração publica, guerra e marinha, mando para a mesa o parecer ácerca do projecto que trata dos soccorros a náufragos.

Peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que, dispensando-se o regimento, elle entre desde já em discussão,

Consultada a camara resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 157, sobre o projecto de lei n.° 104.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

PARECER N. º 157

Senhores. - Ás commissoes de administração publica, guerra e de marinha, foi presente o projecto de lei approvado na camara dos senhores deputados e que tem por fim instituir um fundo com administração especial, destinado á acquisição de material de soccorros a náufragos e pagamento do respectivo pessoal de conservação e uso.

O modo pelo qual será constituido este fundo de soccorros consta do alludido projecto, bem como Outras disposições concernentes e ligadas ao assumpto.

Originada seguramente esta sympathicate humanitaria idéa na catastrophe horrorosa que todo o paiz lamenta e que ha pouco succedeu no norte do reina, teve a proposta do governo, convertida já em projecto pela camara dos senhores deputados, o fim patriotico de concentrar todos os esforços para occorrer ás desgraças que de futuro possamdar-se nos nossos mares. Encarecer, portanto, ou justificar, sequer, similhante idéa é de todo o ponto desnecessario.

As vossas commissoes, pois, reunidas, são de parecer que o referido projecto merece a approvação d'esta camara, para subir á sancção real.

Sala das commissoes, em 30 de março de 1892. = José Baptista de Andrade = D. Luiz da Camara Leme = Carlos Augusto Palmeirim = Julio de Vilhena (com declaração) = Conde do Bomfim = Conde d'Avila = Antonio Candido = Marino João Franzini = José de Mello Gouveia - Marquez de Pomares = Marquez de Vallada = Thomás Ribeiro = Joaquim de Vasconcellos Gusmão = Conde da Azarujinha = Jeronymo da Cunha Pimentel = Antonio Augusto de Sousa e Silva = A. C. Ferreira de Mesquita, relator. - Tem voto dos dignos pares: Visconde da Silva Carvalho = A. Barros e Sá.

Projecto de lei n.° 104

Artigo 1.° E instituido um fundo com administração especial destinado á acquisição de material de soccorros a náufragos e pagamento do respectivo pessoal de conservação e uso.

§ unico. Constituem o fundo de soccorros a naufragos:

1.° As quantias que annualmente o governo for auctorisado a abonar das sobras do artigo 4.° do capitulo I do orçamento do ministerio. da. marinha e ultramar, e que no proximo anno economico de 1892-1893 serão de 6:000$000 réis;

2.° As quantias que as camaras minicipaes, cuja jurisdicção seja limitada por costa de mar, enseadas, bahias ou rios navegaveis, deverão inserir nos seus orçamentos annuaes, como despeza obrigatoria. A contribuição das camaras correspondera:

a) A uma taxa de 50 réis por tonelada de cada barco de pesca fluvial ou do alto e da carga ou descarga das especies pescadas, excluidos os que tenham menos de cinco toneladas. A tonelagem será calculada sempre pelas formulas officiaes que vigorarem;

b) Á capitação de 200 reis por cada pescador ou maritimo, maior de dezoito annos, que esteja, nos termos do artigo 204.° e seguintes do regulamento de policia de portos de 1 de Aagosto de 1884, matriculado como tripulante dos barcos, a que se refere a alinea a).

3.° Um addicional de 10 por cento sobre licenças para hoteis nas praias de banhos;

4.° Uma taxa especial de 20$000 réis por cada licença de um mez para espectaculos publicos nas praias de banhos, durante os mezes de agosto, setembro, outubro e novembro; bem como, nas mesmas praias, 10 por cento sobre as joias e quotas dos socios das assembléas, clubs e aggremiações similhantes, e um addicional de l0 por cento sobre as licenças para cafés é bilhares durante a estação balnear;

5.º O producto dos donativos promovidos, para este fim, em todo o paiz e suas colonias, e nos paizes estrangeiros;

6.º O producto dos espectaculos promovidos nas praias de banhos por iniciativa das auctoridades locaes ou de quaesquer associações e individuos;

7.° As quantias que pelos compromissos as irmandades de pescadores têem de ser applicadas a soccorros a naufragos;

8.° Um addicional de 10 porcento sobre todas as multas por contravenção de regulamentos administrativos e maritimos que forem lançadas nos limites jurisdiccionarios incluidos no n.° 2.° d'este artigo;

9.° Joias e quotas dos socios do instituto de soccorros a náufragos;

10.° Quantias recolhidas nas caixas de esmolas que se collocarão a bordo de todos os navios nacionaes, tanto de guerra como mercantes, e em todas as freguezias do paiz, com a legenda " soccorros a naufragos ";

Página 7

SESSÃO N.° 35 DE 30 DE MARÇO DE 1892 7

11.° O producto das multas e deducções de que trata o artigo 13.° do codigo disciplinar da marinha mercante;

12.° Uma taxa especial de 30$000 réis por licença para qualquer casa ou loja de modas, fazendas ou quinquilherias, que temporariamente se estabelecer nas terras de praias de banhos, e durante a epocha balnear.

Art. 2.° É elevado a 500$000 réis o imposto de licença annual para as embarcações a vapor que se destinem á pesca maritima do alto com apparelhos ou rede de arrastar pelo fundo, a que se referem os artigos 2.° e 33.° do regulamento de 30 de julho e o artigo 1.° do decreto de 8 de outubro de 18911 devendo dois quintos do producto total d'aquelle imposto ser applicados ao fundo de soccorros a naufragos.

Art. 3.° As camaras municipaes, a que sei referem os n.ºs 2.° e 8.° do artigo l.°, ficam auctorisadas a fazer face á despeza obrigatoria do n.° 2.° d'aquelle mesmo artigo pela creação de um imposto correspondente, que incidirá sobre os donos dos barcos, armações e respectivas companhas.

Art. 4.° O fundo de soccorros a naufragos é superiormente administrado por uma commissão central, com sede em Lisboa, e quatro delegações; sendo uma no Porto, outra em Faro, outra no Funchal e outra em Angra do Heroismo, e parcialmente por commissões locaes em cada um dos concelhos, de que trata o n.° 2.° do artigo 1.º

Art. 5.° São isentos do serviço de recrutamento, tanto maritimo como para o exercito, os individuos que por mais de dois annos tenham prestado no mar soccorrqs a naufragos como tripulantes de barcos salva-vidas.

Art. 6.° É o governo auctorisado a adquirir já com parte da verba consignada no n.° 1.° do artigo 1.° alguns apparelhos porta-cabos - e a collocal-os sem demora nos portos, barras e enseadas do continente e ilhas adjacentes, onde nós ultimos tres annos tenham succedido mais naufragios.

Art. 7.° O governo fará os necessarios regulamentos para a execução da presente lei.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 30 de março de 1892, = Antonio de Azevedo Castello Branco,, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, eu pedi á palavra não para impugnar o projecto em discussão, mas unicamente para fazer algumas observações ao que se acha disposto em alguns artigos.

Não impugno o projecto; pelo contrario, approvo e louvo a iniciativa do Sr. ministro da marinha, que realmente vae assim satisfazer a uma grande necessidade. No emtanto, sobre o modo por que se quer crear a receita eu tenho algumas duvidas.

Ha dois ou tres annos houve tambem um grande sinistro nas alturas de Caminha, devido em grande parte á falta de um serviço de soccorros como agora se pretende organisar, e pelo qual n'essa occasião eu muito instei.

Pedi e instei com o governo de então para; que constituisse e organisasse immediatamente este serviço, creando uma grande associação, e propondo eu, como base da receita ou dotação d'esse serviço, alem das joias e quotas dos associados, que se lançasse uma pequena capitação sobre as povoações do litoral, pois são ellas a quem mais commovem essas desgraças e que mais lucrarão com a organisação de um tal serviço.

Essa idéa, porém, não foi acceita, e por isso eu applaudo o nobre ministro da marinha por haver assim procedido.

Ha, porem, n'este projecto algumas taxas com as quaes não estou de accordo, e uma d'ellas é a que vêem no § 4.° do artigo 1.°, que diz o seguinte:

" Uma taxa especial de 20$000 réis por cada licença de um mez para espectaculos publicos nas praias de banhos, durante os mezes de agosto, setembro, outubro e novembro; bem como, nas mesmas praias, 10 por cento sobre as jóias e quotas dos socios das assembléas, clubs e aggremiações similhantes, e um addicional de 10 por cento sobre as licenças para cafés e bilhares durante a estação balnear."

Ora, realmente, esta tributação parece-me exagerada, pois vem a pagar-se de licença 80$000 réis por quatro mezes, que é a duração ordinaria da epocha balnear e da maior concorrencia nas praias, o que para uma casa de espectaculos é demasiado; e tambem exagerado é o imposto sobre os cafés, porque alem das licenças estão igualmente sujeitos as outras contribuições.

Ha ainda uma outra providencia que tem toda a relação com o projecto, embora não possa ser n'elle incluida, e vem a ser a seguinte.

Eu reconheço, e está mesmo determinado na nossa lei fundamental, a liberdade de industria, mas essa liberdade, como todas as liberdades que se estabelecem na carta constitucional não constituem direitos tão absolutos que não possam ser rasoavelmente modificados quando rasões de estado ou de salvação publica assim o exijam.

Parece-me e julgo que isto entra nas attribuições de s. exa., que o sr. ministro da marinha prestaria um serviço importante se desse aos capitães dos portos auctoridade bastante para, em dadas circumstancias, poderem prohibir a saida de barcos de pesca para o alto mar, porque o que se viu n'esta ultima catastrophe da Povoa foi que as grandes desgraças que houve, foram, em grande parte, motivadas pela temeridade d'aquella gente, pois estavam annunciados grandes temporaes e no emtanto os infelizes achavam-se no meio do oceano.

Bem sei que para determinar com precisão e de antemão essas borrascas, essas tempestades, ainda não ha hoje todos os elementos, mas ha já o bastante para que alguma cousa se possa prevenir.

Ainda hoje li no Commercio de Portugal um officio dirigido á commmissão da imprensa pelo sr. Brito Capello, director do observatorio do infante D. Luiz, em que este distincto homem de sciencia nota as lacunas que ainda ha para se poderem fazer com precisão as necessarias prevenções, lacunas que desapparacerão em parte quando estiver estabelecida a communicação telegraphica de Lisboa para os Açores, o que é essencial para que a previsão do tempo possa ser annunciada com mais exactidão e antecipação.

Sr. presidente, parecia-me tambem conveniente, como lembra o mesmo director d'aquelle observatorio, haver linhas telephonicas dos postos semaphoricos para os portos do litoral, a fim de que as embarcações fossem prevenidas das probabilidades do temporal.

O nobre ministro da marinha sabe melhor do que eu que, por muitas vezes, tem havido tempestades no nosso Tejo, em que não só se afundavam barcos, como tambem havia a lamentar a perda de vidas. Agora, porem, e desde que se costuma içar o chamado camaroeiro no arsenal da marinha, tem-se evitado, que esses temporaes sejam tão funestos como antigamente.

Portanto, se o nobre ministro concorda com as rasões que expuz, peco-lhe que no respectivo regulamento dê aos capitães dos portos a attribuição a que me referi.

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral): - As taxas contidas no projecto, e a que o digno par se referiu, foram alteradas e substituidas na camara dos senhores deputados por uma percentagem sobre a quota e jóias dos socios, o que é perfeitamente acceitavel.

As taxas sobre licenças para theatros não têem importancia real contra esta industria, porque costumam ser volantes as companhias dramaticas que n'esta especialidade se empregam, e que, em regra, não se conservam durante toda a epocha balnear.

Com relação ao effeito salutar da intervenção dos capi-

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tães de portos, para evitar a saida para o mar das lanchas de pesca em epocha de mau tempo provavel, tal determinação legal já hoje existe nos regulamentos; mas contrariam-a as necessidades da lucta pela vida, e ainda a natural coragem dos maritimos portuguezes, que, em geral, chega á temeridade.

O governo conta tambem com este projecto para obtemperar a este ponto, porquanto nas commissões locaes se hão de introduzir elementos preponderantes entre os pescadores, que tenham prestigio entre os companheiros de trabalho, e que sejam o mais efficaz auxiliar ás idéas do digno par, a quem o orador julga ter respondido de maneira que s. exa. se satisfaça com as suas explicações, suppondo tambem que a camara fará um bom serviço ao paiz approvando o projecto em discussão.

(O sr. ministro não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso)

O sr. Conde de Castro: - Declaro que estou satisfeito, em parte, com as declarações que s. exa. acaba do fazer, mas só em parte, porque não me satisfazem completamente em relação ao exagero das taxas, que continuo a achar excessivas. A não ser este reparo, o projecto agrada-me, e muito mais com as disposições que o nobre ministro tenciona inserir no regulamento, no sentido de o melhorar.

Agradeço, pois, a s. exa. a sua resposta.

O sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se.

Leu-se na mesa o projecto e posto á votação, foi approvado na generalidade e na especialidade.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. marquez de Vallada. Peço a s. exa. que seja breve nas suas considerações, porque ainda não entrámos na ordem do dia e a hora vae adiantada.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, pedi a palavra quando fallava o meu illustre amigo e collega o sr. conde de Thomar a respeito de uma certa ordem de factos para os quaes eu tenho chamado repetidas vezes a attenção da camara.

O respeito e consideração que me merece e mereceu sempre o sr. Cunha obrigam-me a uma manifesta exposição do meu modo de ver, não sobre todos os pontos do seu eloquente discurso, mas sobre um que eu já tinha tocado e a respeito do qual eu tenho insistido um pouco mais obstinadamente; refiro-me aos titulos do emprestimo de D. Miguel.

Os srs. ministros, como membros do governo, devem conhecer este negocio, que é de tal ordem e de tal elevação, que não póde deixar de ser do seu conhecimento.

Este facto dos 2:000 e tantos contos de réis que se pretende gastar com este emprestimo e que só vão servir para enriquecer certa gente, é muito serio e as circumstancias do thesouro não permittem estes dispendios actualmente.

Na outra casa do parlamento já se fallou tambem alguma cousa,, sobre este assumpto.

Que se fez depois que veiu aqui o sr. Augusto José da Cunha com aquella franqueza e cavalheirismo, que são proprios do seu caracter, dizer que os documentos a este respeito estão na secretaria?

Creio que os srs. officiaes da secretaria os não mostram aos actuaes srs. ministros; elles, porem, desde que ouviram uma declaração d'esta ordem e importancia, não podem tardar a responder a quem tem, não só o direito, mas o dever de perguntar o que ha de positivo a respeito dos portadores dos titulos do emprestimo de D. Miguel.

Isto não é ordem, é desordem.

Sr. presidente, é preciso que s. exas. averiguem o que ha a este respeito, nem mesmo podem deixar de o fazer depois das declarações francas, sinceras, positivas e terminantes que fez o sr. Cunha, de que os documentos estão na secretaria.

Sinto não ver presentes todos os srs. ministros, n'um só dia que fosse n'esta camara, para então me dirigir a todo o ministerio, porque muitas vezes os srs. ministros não têem conhecimento dos assumptos que dependem de uma ou de outra pasta.

Portanto, eu peço muito simplesmente - e eu digo peço, parque não insisto - peço muito simplesmente aos srs. ministros que olhem para isto.

Bem sei que s. exas. nada farão que não seja justo; mas a camara dos senhores deputados decretou que, - assim se disse, - decretou, que se póde metter as mãos nos cofres publicos, que não ha responsabilidade para os ministros.

E os que vierem?

Sr. presidente, eu hei de tomar parte na discussão da proposta do sr. D. Luiz da Camara Leme, que se refere á necessidade de uma lei de responsabilidade ministerial, e hei de apoiar essa proposta.

Saibamos a quem e como pedir as responsabilidades, para que se não diga que estâmos em peiores tempos do que os do absolutismo.

Sim, porque nos tempos do absolutismo havia responsabilidade e havia lei.

É preciso protestar contra a completa irresponsabilidade que ali campeia e eu continuarei protestando, sempre no meu posto, que tenho occupado com honra, porque não serei eu quem silenciosamente deixe cavar a sepultura das instituições.

Espero que a Providencia me ha de ajudar, para que eu continue a trabalhar a bem do meu paiz.

Continúo, pois, a insistir sobre esses assumptos, ainda que por poucos dias, visto que o parlamento em breve se encerrará, e não sei por quanto tempo.

Tenho esperança de que algum dia se abrirá, e ha de ser muito difficil acabar com as idéas liberaes, acabar com estas conquistas dos patriarchas das liberdades, que á custa de muitos sacrificios e de muito sangue poderam trium-phar do despotismo dos tempos passados.

ão estas as idáas que eu herdei.

Os meus parentes, que eram liberaes, foram perseguidos, e eu tenho as mesmas ideas que elles tinham.

Cumpre-me por isso defender os principios que elles defenderam, defender a independencia nacional e as patrias liberdades.

Sr., presidente, se fosse possivel formar um syndicato, e note-se que eu tenho combatido todos os syndicatos, no qual entrassem todos os homens liberaes, amigos da patria e das instituições, syndicato que fosse contra todos aquelles que querem estabelecer a desordem na familia e no paiz e contra os inimigos declarados das instituições, eu pertencia a esse syndicato, não com este nome, porque a palavra syndicato havia de desapparecer, eu havia de chrismal-a.

Ora, sr. presidente, eu pergunto ao sr. ministro da marinha se s. exa. tem tenção de communicar ao sr. ministro da fazenda as observações que o digno par sr. Cunha hoje fez na ultima parte do seu discurso, isto é, que existem no ministerio da fazenda os documentos relativos ao emprestimo de D. Miguel, documentos que não se referem a nenhum negocio diplomatico, mas que dizem respeito a negocios de outra ordem.

Este negocio do emprestimo de D. Miguel é muito sabido; d'elle se teem occupado os jornaes deste paiz e dos paizes estranhos; foi largamente discutido na associação dos advogados por um cavalheiro, cuja falta deploro, o meu amigo sr. dr. Antonio Maria Ribeiro da Costa Holtreman, uma das primeiras illustrações do nosso foro.

Mas é preciso que o povo conheça para onde foi o dinheiro que parece ter sido destinado aos portadores dos titulos d'esse emprestimo.

Já dizia o sr. Sampaio - ha orações que teem mais do que um nominativo e muitos accusativos. N'esta oração

Página 9

SESSÃO N.° 35 DE 30 DE MARÇO DE 1892 9

sei eu que o nominativo é um só, é uma corporação. Quaes são os accusativos?

Agora em conclusão tenho a pedir a v. exa. que um projecto, que está perfeitamente de accordo não só com a justiça, mas com os sentimentos de caridade, que é destinado a conceder á camara de Cascaes um edificio para estações de soccorros a naufragos e a incendios, possa entrar já em discussão.

Este projecto é da iniciativa dos srs. deputados Costa Pinto e Costa e Silva. O parecer que sobre elle deram as commissões d'esta camara, tem o n.° 147. Está já impresso e, portanto, pedia que, dispensado o regimento, fosse posto em discussão.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre o requerimento do digno par.

O sr. Presidente: - O digno par requer que entre em discussão o parecer n.° 147, que já foi distribuido.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Pausa e depois de verificar a votação

Está approvado.

Vae ter segunda leitura a proposta mandada hontem para a mesa pelo digno par o sr. D. Luiz ida Camara Leme.

Foi lida pelo sr. secretario.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem esta proposta á discussão tenham a bondade de se levantar.

Pausa e depois de verificar a votação

Está admittida, e, portanto, em discussão.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, não tive o gosto de ouvir as considerações com que o digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme acompanhou a proposta que está em discussão, nem ellas poderiam influir no meu espirito, pois de sobra reconheço que foi o desejo de bem servir os interesses do paiz que levaram s. exa. a formular esse documento e a acompanhal-o dos considerandos em que elle se baseia. .

Não me opponho a que essa proposta seja votada pela camara, nem me podia oppôr, é claro; quero dizer que são me opponho com o meu voto, e digo simplesmente que ella era perfeitamente escusada, porque, sobre o assumpto, já a camara se pronunciou. (Apoiados.)

A camara nomeou uma com missão, da qual é presidente o proprio digno par, commissão que está encarregada de elaborar um projecto de responsabilidade ministerial.

Se isto é assim, a camara affirmou claramente que entendia que sobre aquelle assumpto podia ser apresentado um projecto de lei, o qual, submettido á nossa apreciação, poderia merecer a sancção legislativa.

A camara já expressou o seu voto ácerca da necessidade indicada na proposta que está em ordem do dia, e se não ha motivo para reconsideração, parece-me ocioso confirmar uma deliberação anterior.

Digo que julgo perfeitamente dispensavel a proposta do digno par; mas se a camara tem uma opinião, e já a emittiu, não vejo tambem inconveniente em a corroborar, sempre que para isso se apresente occasião.

Voto, pois, a proposta do digno par, mas declarando que ella não é mais ao que a confirmação de uma deliberação já tomada, pela camara.,

Só n'este sentido voto a proposta, e em nenhum outro; só a acceito pela rasão que aponto, e por nenhuma outra.

A camara tomou uma resolução, e, se não ha motivo para se considerar, dispensavel seria a confirmação da opinião que expressou; no emtanto, repito, nenhuma duvida ha em corroborar aquillo que primitivamente se deliberou.

Está nomeada uma commissão, de que é presidente o digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme, que tanto tem pugnado pela decretação de uma lei de responsabilidade ministerial.

Formule essa commissão o seu parecer para ser apreciado pela camara, e ver-se-ha então o que seja conveniente resolver sobre o assumpto, e, termino, porque apenas desejava deixar bem consignada a significação do meu voto, approvando a proposta que está em discussão.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Sr. presidente, acabo de ouvir as reflexões que o digno par o sr. Hintze Ribeiro acaba de fazer em relação á minha proposta, que não teve outro fim senão sustentar uma doutrina que está no animo de todos e proclamar uma necessidade que os factos de sobejo justificam.

V. exa. sabe o que se passou na outra casa do parlamento ainda não ha muitos dias.

O sr. presidente do conselho disse-nos aqui que não era precisa uma lei de responsabilidade de ministros, porque essa responsabilidade está consignada na carta; mas a camara dos senhores deputados approvou um parecer, que parece faz caducar essa responsabilidade.

Parecia-me que nas actuaes circumstancias a camara daria um bom exemplo se votasse a minha proposta, embora a sessão esteja no fim, dando desta forma uma satisfação ao publico.

O meu intuito era pôr bem em relevo a necessidade de quanto antes e com a maior brevidade possivel as camaras votarem uma lei de responsabilidade ministerial para se não continuar como até aqui.

Hoje o nosso digno collega, o sr. Augusto José da Cunha, que está acima de toda a suspeita e que se justificou plenamente, disse que, se se achasse nas mesmas circumstancias procederia do mesmo modo.

Mas, sr. presidente, isto é que não póde ser.

Eu desejo evitar que os srs. ministros possam dispor como até aqui e sem responsabilidade nenhuma dos dinheiros da nação.

Eu tambem fui ministro e não tenho medo dessa lei, e, na minha consciencia não tive nunca, louvado Deus, o remorso de ter assignado alguma portaria surda, d'aquellas que Deus sabe os milhares de contos de réis que teem custado.

Eu não tenho mais nada a dizer senão pedir a v. exa. que haja votação nominal sobre a minha proposta, caso v. exa. a ponha á votação da camara.

(S. exa. não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, declaro a v. exa. que voto a proposta do digno par, o sr. Camara Leme, mas voto-a como uma affirmação de principios, como o reconhecimento da conveniencia que ha em que se preencha uma lacuna da nossa legislação, publicando-se uma lei de responsabilidade ministerial.

De ha muito estou convencido d'esta conveniencia e já, quando fiz parte do ministerio a que presidiu o meu honrado chefe, sr. Braamcamp, em 1879, fui eu quem mais instou no seio do gabinete para que a proposta de lei sobre responsabilidade ministerial fosse apresentada ás côrtes.

Essa proposta chegou a ser discutida na camara dos senhores deputados e a vir a esta camara, mas aqui não conseguiu ser votada, nem ter parecer de commissão.

Mais tarde, quando tive a honra de entrar para os conselhos da coroa, em 1886, pouco tempo depois de estar no ministerio, fiz que fosse apresentada á camara uma nova proposta renovando a iniciativa da proposta anterior sobre responsabilidade ministerial.

Portanto, não é de agora que eu estou convencido da necessidade e conveniencia de se supprir essa lacuna da nossa legislação.

Votando, como voto, a proposta do digno par, o sr.

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

D. Luiz da camara Leme, mostro apenas que sou coherente no meu procedimento, Comtudo devo declarar tambem que não voto a proposta como allusão ou censura aos actos de qualquer ministro, que não mereceram a approvação do digno par.

Sr. presidente, a minha opinião é que, ainda que houvesse uma lei de responsabilidade ministerial por mais clara, por mais precisa e por mais severa que fosse, nem o sr. Augusto José da Cunha, nem nenhum dos homens publicos que têem estado nos conselhos da coroa, em virtude d'essa lei, não deviam nem podiam ser chamados a responder em processo criminal.

É minha convicção que debaixo d'este ponto de vista a lei não tem até hoje feito falta alguma.

Sr. presidente, eu devo fazer justiça a todos os homens que têem tomado parte na administração do paiz, porque creio que nenhuma intenção criminosa houve nunca por parte de nenhum d'elles; não creio nem me posso convencer que no nosso tempo um ministro abusasse do seu alto cargo para praticar quaesquer delapidações em seu proveito.

Portanto, quer houvesse responsabilidade ministerial, quer não houvesse, o paiz nada teria lucrada, porque não haveria occasião de a applicar.

Repito, dando o meu voto á proposta do digno par, o sr. D. Luiz da Camara Leme, apenas tenho em vista affimar, que desejo que se providenceie sobre o assumpto no sentido de preencher a lacuna que existe na nossa legislação actual.

Façamos, justiça a todos, e mostremos ao paiz que não temos nenhum interesse em que se não faça uma lei de responsabilidade ministerial; mas ao mesma tempo declaremos bem alto que, fazendo agora essa lei, nenhum outro intuito nos determina alem do nosso desejo de preencher essa lacuna e dar satisfação a uma reclamação de interesse geral.

Termino affirmando a minha adhesão á proposta do digno par, e meu artigo, o sr. D. Luiz da Camara Leme, debaixo do ponto de vista que acabo de expor.

(O digno par não reviu as notas do seu, discurso,)

O sr. Thomás Ribeiro: - Vejo, sr. presidente, que se trata de uma lei de responsabilidade ministerial, e eu faço votos para que essa tentativa seja mais bem succedida do que o foi o projecto de lei apresentado pelo meu illustre amigo o sr. D. Luiz da Camara Leme. Devo dizer á camara que, do fundo do meu coração, eu não desejaria nenhuma d'estas leis.

Nasci, julgando que o mundo era bom; disseram-me os meus professores que o homem por natureza o era; depois quando mais tarde aprendi, estudando, vi que Deus se arrependera de ter feito o homem, e cada vez me convenço mais de que Deus tinha rasão.

Sr. presidente, nós não precisâmos de fazer declarações como aquella que acaba de fazer b honrada e nobre chefe do partido progressista, o sr. José Luciano de Castro.

Eu não desejo nenhuma d'estas leis, nem a de. incompatibilidades, nem. a da correcção aos ministros, para ninguem, quer esteja presente, quer não, que tenha sido ministro.

Para mim estas leis são impessoaes; estas leis dirigem-se a corpos do estado; estas leis são garantia para os que governam, e são ao mesmo tempo descanso para os governados, que suppõem, ou para melhor dizer, têem a certeza de encontrar na legislação remedio para corrigir todos os peccados.

Portanto, sr. presidente, voto qualquer d'estas leis, e ha poucos dias, quando eu, como relator da lei de incompatibilidades, pedi a v. exa. que propozesse á camara para que projecto voltasse de novo á commissão, devo dizer a v. exa. e á camara que o fiz com a intenção de poupar a todos os dignos pares do reino um passo que não lhes ficava bem.

Os ares da camara annunciavam-me que o projecto ía ser rejeitado; queriam mesmo matal-o sem discussão, e sem os sacramentos da Igreja; vi qual era a attitude da camara, e por dignidade d'ella e de todos nós, devo dizer que tive medo da votação. Por isso, e porque eu queria dizer ao meu particular amigo o sr. Antonio de Serpa que estava esquecido da sua assignatura feita no projecto de que era relator o sr. Hintze Ribeiro, eu pedi que fosse de novo á commissão.

Eu não creio, sr. presidente, que a lei que agora se propõe de novo, e que provavelmente se vae estudar, possa supprir uma lei de incompatibilidades.

Entendo que uma simples lei de responsabilidade dos ministros pelos seus actos não attingirá todos os pontos a que é necessario attender á epocha e nos costumes e que chegámos. (Apoiados.)

Entretanto esta camara ha de forçosamente votai-a ainda se lhe chegar o tempo para isso. (Apoiados.)

Eu não dei o meu voto na camara dos senhores deputados á proposta de lei de 1881, sobre responsabilidade ministerial, da iniciativa do ministerio do sr. José Luciano de Castro, quando era ministro da justiça o nosso chorado collega o sr. Adriano Machado; porque essa proposta, apresentada pelo partido progressista, tinha todos os visos de suspeição ao partido regenerador, a que eu ainda hoje me honro de ter pertencido.

Esse projecto tinha, todo o caracter de um complemento ás violentas e graves accusações então feitas ao partido regenerador, e á nomeação de commissões de inquerito a varios serviços. Quasi trazia a caracterisação das pessoas a quem visava, e mais parecia, do que uma lei de garantia, uma verdadeira revindicta.

O sr. José Luciano: - Peço a palavra.

O Orador: - Não quero dizer que o fosse; mas n'aquella epocha podia parecer; e o meu intuito não é o de liquidar agora responsabilidades dos partidos, é simplesmente historiar os factos.

Aquella proposta envolvia allusões tão caracterisadas que a muita gente pareceu ver ali retratadas as physionomias dos homens mais proeminentes da politica regeneradora, o que, pela minha parte, me não offendeu, porque emfim, os partidos de algum modo se hão de combater.

Portanto, venha esse projecto, mas venha de forma que eu estime poder votal-o. A rasão por que assim fallo é porque desejo que fique declarado que, no caso de ter que o combater, não é porque o julgue nem fora de proposito, nem afastado dos circumstancias que realmente o reclamam. Se o combater será porque encontro n'elle, ou a insuficiencia dos seus preceitos, ou porventura menos bem applicadas as suas disposições.

Agora devo dizer tambem, porque vem a proposito, que para mim ainda hoje entendo, e n'isto sou da opinião do sr. presidente do conselho, que nós não precisamos da lei para desculpar ou incriminar os actos dos ministros, que porventura o mereçam. Eu respeito muito as convicções ou intenções que levaram a camara dos senhores deputados a praticar, no plenissimo uso dos seus direitos, o acto que praticou. Do pouco que vi do parecer da illustre commissão de infracções deduzi que estava muitissimo bem escripto, muitissimo bem accommodado; mas como eu tenho a honra de ter um diploma adquirido em Coimbra, na faculdade de direito, declaro positivamente que não acceito a jurisprudencia d'aquelle parecer da illustre commissão. E, note-se, que .nisto eu não vejo pessoas diante de mim; se as visse, respeital-as-ia, mas teria de proceder com tenho procedido mais de uma vez; quando a minha consciencia me obriga a fallar, fallo, ainda que seja para defender o meu mais acerrimo inimigo. Eu não vejo diante de mim senão a justiça e a rasão, e nunca a pessoa que me é adversa, a quem eu tiro sempre de muito boa vontade o meu chapéu.

Por conseguinte, é minha opinião, que nós tinhamos já

Página 11

SESSÃO N.° 35 DE 30 DE MARÇO DE 1892

lei suifficiente a applicar e Deus nos livre de a não termos.

N'isto estou de accordo, com o meu illustre amigo, sempre admirado e respeitado, o ar. marquez de Vallada. Deus nos livre de que nós tivessemos na nossa legislação uma lacuna de tal ordem, e de que os homens que mais podem abusar, porque occupam o logar mais proeminente do poder, não podessem ser attingidos pelas leis penaes do seu paiz. Deus nos livre d'isso, porque, se assim fosse, a taes tempos seriamos volvidos que não tardariamos a fazer umas modificações no cães do Tojo, para armarmos lá uma forca e irmos ali de baraço ao pescoço entregarmos a nossa cabeça.

Digo isto, porque entendo que as minhas responsabilidades como ministro na situação a que ultimamente pertenci não estão ainda liquidadas,

E não appello para o parecer da commissão de infracções para me libertar da responsabilidade dos meus actos.

Limito-me a dizer ao paiz que eu com os meus collegas n'aquelle ministerio podemos estar incursos na resnponsabilidade dos nossos actoa, declarando que ha lei, afirmando que ha lei, e que não podemos de forma nenhuma esconder-nos detrás da impunidade, que não queremos, contra a qual protestâmos,

Sr. presidente, o digno par sr. Cunha veiu dizer muito honradamente á camara, onde ninguem o accusava senão por meias palavras, senão por vagas insinuações veiu dizer dos seus actos, e, como honrado que é, qual o sua responsabilidade. ;

S. exa. veiu confessar que não encontrou lei para fazer os supprimentos aos bancos que lhe pediram a seu soccorro.

Notou s. exa. alguns dos precedentes que tem havido em relação a supprimentos, e podia notar muitos mas não quiz.

Eu não quero estar a fazer a historia de todos esses supprimentos, mas ella virá a seu tempo e quando for preciso.

S. exa. fez ver, com o applauso e apoio de um dos homens politicos mais notaveis e mais honrados deste paiz, o qual póde bem alto levantar a sua cabeça, que é o sr. Serpa, o que tinha feito e qual a responsabilidade que lhe cabia.

Disse do seu direito, da sua justiça e dos seus actos.

Veiu depois dizer o sr. conde de Thomar, a .quem eu já chamei o apostolo da moralidade d'este paiz, e Deus lhe conserve a virtude; veiu dizer, segundo me consta, que não eram as meninas as condições dos bancos a que o partido regenerador tinha estendido a mão salvadora, porque estes offereciam garantias aos supprimentos que se lhes fez, ao passo que os bancos a que ultimamente se quiz acudir estavam em situação desesperada ou pouco menos. Assim mostra s. exa. que tem muito mais moralidade do que logica.

S. exa. não vê bem que podem as circumstancias subsequentes a um soccorro do governo ajudar uma instituição periclitante, emquanto que noutra conjunctura, por mais esforços que se empreguem, como acontece na medicina, póde morrer & doente...

E ha de por isto dizer-se que um dos medicos era um sabio, emquanto que o outro não passava de ser um curandeiro, porque o doente lhe morreu nas mãos? Se não morreu, está pelo menos, creio eu, nas vascas da agonia.

As circunstancias podiam ter mudado.

Eu digo isto assumindo a responsabilidade que me compete como um dos membros do ministerio que acudiu em auxilio dos bancos.

Depois appareceram falsificações n'um banco.

Pergunto: quando entrámos no poder, havia porventura alguma syndicancia da policia, algum exame de justiça que nos dissesse uma cousa d'estas?

(Aparte do sr. conde de Thomar.}

O que o digno par queria era que nós imitássemos o mestre de primeiras letras que, vendo um discipulo mettido dentro de agua e prestes a afogar-se, em vez de lhe estender a mão, fez-lhe uma pratica.

Desgraçado paiz, no dia em que s. exa. tiver a responsabilidade de ministro da corôa; ha de fazer como o professor de primeiras letras, deixando afogar o discipulo.

(Aparte do sr. conde de Thomar.)

Não sei se está livre, mas nós deviamos ir pedir a El-Rei que o fizesse entrar no governo. .

E visto que se tem tratado de supprimentos, lembrarei ao digno par o seguinte: Póde ser que a alma de um dos maiores estadistas d'este paiz venha uma noite acordal-o do seu somno feliz, porque é virtuoso, e trazer-lhe porventura algum supprimento, não digo de dinheiro, mas emfim.

Quero crer, s. exa. a essa boa alma que lhe venha trazer esse supprimento, não ha de responder da maneira por que tem avaliado aqui os actos de alguns dos seus collegas.

Tenho concluido.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Pedia a v. exa. se dignasse consultar a camara sobre se queria que fosse prorogada a sessão até se votar a proposta do sr. Camara Leme.

Consultada a camara approvou este requerimento.

O sr. Rodrigo Pequito: - Mando para a mesa um parecer das commissões de administração publica e obras publicas.

Foi lido e mandado imprimir.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, poucas palavras; mas firmes e verdadeiras.

As leis destinam-se a acautelar a sociedade e a regulal-a de uma certa e determinada maneira.

Ha leis violentas, mas essas leis só apparecem nos tempos em que o despotismo impera.

São essas leis contra as quaes nós não podemos deixar de protestar.

E preciso cada um dizer de sua justiça.

O sr. Hintze Ribeiro, o sr. José Luciano e o sr. Thomás Ribeiro disseram da sua justiça; eu tambem quero dizer o que penso com toda a sinceridade.

Sr. presidente, as leis sabias, as leis justas são as que prohibem todos os actos nocivos á sociedade.

Estamos á beira de, um abysmo, e chegámos a este estado e a esta desgraça pela nossa imprudencia.

E necessario tornar os ministros responsaveis por certos actos; mas é preciso tambem que as leis sejam claras e explicativas, de forma a poderem tornar-se um seguro abrigo de todos aquelles que não commettem crimes.

em só os ministros podem delinquir.

E preciso que as differentes leis se auxiliem e que no seu conjuncto se note uma grande harmonia.

Não tratâmos de pessoas; tratâmos de principios, dizem alguns.

Oh, sr. presidente, pois póde continuar esta complacencia para coro esses exploradores que nenhum escrupulo tiveram em conduzir o paiz ao estado em que se encontra. Póde continuar essa complacencia?

Não póde.

Foi ella que trouxe a fraqueza dos partidos; foi ella que trouxe estes ministerios extra-partidarios.

Onde está a bandeira d'esses partidos, onde está o estandarte em volta do qual elles se reuniam?

Não se divisam as bandeiras. Onde estão ellas?

Porque é que não apparecem nos topes dos castellos esses estandartes, em volta dos quaes se agrupavam tantos luctadores fanaticos de boas idéas!

Hoje, mais que nunca, é necessario fallar claro e com toda a firmeza.

É preciso fazer leis sabias e justas. Não leis ad hoc,

Página 12

12 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

como a do marquez de Pombal para os Tavoras; mas leis que garantam a sociedade contra os que pretendem exploral-a.

É por esta rasão que eu entendo que nós devemos ter uma lei de responsabilidade politica e de responsabilidade dos funccionarios publicos, porque os ministros são muitissimas vezes compromettidos com as suas condescendencias.

Portanto, sr. presidente, é necessario que se faça uma lei sobre esta assumpto.

Sr, presidente, eu não trato de inquirir, trato apenas das questões em these e não trato de pessoas.

Mas, sr. presidente, a camara dos senhores deputados declarou que não havia motivo de processo.

O nobre presidente do conselho o sr. José Dias Ferreira, que é um distincto jurisconsulto, declarou aqui a sua opinião, o digno par o sr. Thomás Ribeiro disse tambem qual era a sua opinião, que é tambem a minha.

A carta é bastante expressa, e não é a hermeneutica de um ou outro qualquer que deve predominar, mas sim a interpretação mais geral que é por isso mais provavelmente racional e verdadeira.

Entretanto vê se que é necessaria uma lei especial não só para a segurança das instituições, do throno, da monarchia e sobretudo para a segurança da patria, que é o esteio de todas as instituições.

Eu entendo que a patria está de accordo com o digno par o sr. José; Luciano de Castro.

S. exa. alludiu a um facto que se deu quando eu estava presente.

Sentava-me; eu então muito perto do sr. conselheiro Martens Ferrão. Fez aqui um requerimento para se nomear uma commissão de inquerito o digno par o sr. Vaz Preto, a respeito de uma despeza de 1:700 contos, exigindo-se por essa occasião os documentos dessa despeza.

Sr. presidente, a historia é um grande elemento, é o melhor ensinamento que os homens podem ter.

Eu estava n'aquella cadeira e vi que o digno par o sr. José Luciano de Castro accedeu logo a esse requerimento que se fez, que era expressamente contra os ministros.

Ora, sr. presidente, depois de tudo isto nós vemos o que se tem praticado nos caminhos de ferro.

Eu, sr. presidente, acabo a minha oração como um meu amigo acabava os seus discursos, dizendo como elle dizia: Quando Deus quer castigar um povo envia-lhe um governo que desconheça as suas necessidades e que não vele pela sua segurança.

Creio que recordando estes factos faço muito bem, por isso que elles vem a proposito.

Eu explico as rasões do meu voto com aquella energia que é propria do meu caracter.

Sr. presidente, eu insisto em pedir ao governo que pense bastante n'um assumpto tão importante como é este, porque, se continuar esta derrocada, o paiz perde-se completamente e perdida está tambem a nossa independencia.

Portanto, sr. presidente, acompanho com todo o enthusiasmo o digno par e meu amigo o sr. D. Luiz da camara Leme, assim como varios outros dignos pares que usaram da palavra sobre este assumpto, que é urgente e urgente é tambem, uma vez que vamos ter tantos mezes de intervallo, que o governo peça uma prorogação das côrtes por mais alguns dias, porque assim poderiamos ter urda lei de responsabilidade ministerial.

Tenho dito.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Vão ler-se umas mensagens vindas da camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa o seguinte:

Um officio mandado para a mesa pela presidencia da camara dos senhores deputados, enviando um projecto de lei que tem por fim auctorisar o governo a approvar o con trato que a camara municipal do concelho de Braga fizer,
em termos legaes, para illuminação da cidade d'aquelle nome.

Para a commissão de administração publica.

Outro officio da presidencia da camara dos senhores deputados, enviando o projecto de lei que determina que o pagamento das dividas á fazenda publica de imposto do pescado seja feito em quarenta e oito prestações trimestraes.

Á commissão de fazenda.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, eu pedi a palavra quando o sr. Thomás Ribeiro se referiu á lei de responsabilidade ministerial apresentada em 1880 á camara dos senhores deputados pelo ministerio de que eu tinha então a honra de fazer parte.

Disse s. exa. que esse projecto tinha sido apresentado como revindita ao partido regenerador, e eu, não querendo agora senão relembrar factos historicos, devo dizer a s. exa. que quando o partido historico se fundiu com o partido reformista apresentou o seu programma denominado o " programai a da Granja " e n'um dos artigos d'esse programma figurava a promessa da apresentação de uma lei de responsabilidade ministerial.

Esse programma é de 1876, e o projecto apresentado ás camaras é de 1880 ou 1881.

Já vê s. exa. que o cumprimento de uma promessa feita pelo partido progressista, realisado quatro annos depois de ter sido feita, não póde ser classificado como revindita contra o partido regenerador. Era simplesmente isto que queria dizer; mas visto que v. exa. se referiu ao parecer da commissão de infracções, que foi apresentado na camara dos senhores deputados, dizendo que era absolutamente contrario áquella doutrina, eu quero tambem pela minha parte dizer que a minha opinião é opposta á de s. exa., e que admiro aquelle trabalho como um dos mais lucida e juridicamente expostos que tenho visto n'estes ultimos tempos-trabalho que muito honra o cavalheiro que o fez, o qual deu uma prova da sua alta e incontestavel competencia para assumptos d'esta natureza.

Como não quero dar mais largueza a esta discussão, termino aqui as minhas considerações.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, o digno par o sr. Thomás Ribeiro, durante o seu discurso, duas vezes teve a amabilidade de me classificar como apostolo da moralidade.

Se s. exa. se serve deste termo no sentido em que elle deve ser tomado, é para mim muito honroso, e eu agradeço-o a s. exa. mas se s, exa. empregou o termo com qualquer intenção de ironia, nesse caso devolvo-lh'o.

Mas, sr. presidente, apesar de que as considerações do digno par o sr. Thomás Ribeiro de algum modo me impunham obrigação de lhe responder, eu, pelo receio de abusar da paciencia da camara, talvez não tivesse pedido a palavra, se exa. não tivesse, já pela segunda vez e sempre ao discutir-se actos de uma administração de que fez parte, se s. exa., repito, não tivesse invocado a memoria do marquez de Thomar, que tão mal e injustamente tratado foi em vida pelos seus adversarios e a quem hoje s. exa. quer ainda perturbar o somno eterno.

(Aparte do sr. Thomás Ribeiro.)

Pois declare o digno par franca e categoricamente o intuito da sua reticencia, traduza em termos claros e precisos a allusão que pela segunda vez veiu fazer na camara por uma fórma que a ninguem póde restar duvida de que é dirigida á memoria do marquez de Thomar.

E creia s. exa. que eu, filho do marquez de Thomar, tomo a responsabilidade inteira de toda a sua carreira politica e estou prompto a sustentar a correcção de todos os seus actos, ainda os que mais mal apreciados foram.

Considere o digno par que é muito cedo ainda para fa-

Página 13

SESSÃO N.° 35 DE 30 DE MARÇO DE 1892 13

zer a historia dessa epocha; e s. exa. que nem referencias admitte aos actos das administrações de que ainda hontem fez parte, apesar de ser o proprio a dizer, que está prompto a liquidar as suas responsabilidades, que ainda não foram liquidadas, é s. exa. que me accusa de falto de logica, seja logico.

O sr. Thomás Ribeiro procedeu como eu não espera vá, servindo-se de ironicas reticencias para me ferir no que para um filho póde haver mais sagrado, para responder a apreciações que eu fiz de um modo cortez e perfeitamente correcto, em logar de responder ás minhas palavras rebatendo os meus argumentos, e dirigindo-se a mim só, preferiu vir pela segunda vez fazer allusões ao marquez de Thomar. O marquez de Thomar foi atacado pelos seus adversarios; ninguem mais do que elle foi atacado n'este paiz: ninguem mais do que elle foi perseguido pelos seus adversarios; ninguem recebeu maiores distincções dos seus inimigos. Feliz seria o paiz se possuisse seis homens do valor do marquez de Thomar. Releve-me a camara esta apreciação.

O sr. Thomás Ribeiro: - Mas eu não ataquei o sr. marquez de Thomar.

O Orador: - A quem se referiu então o digno par?

O sr. Thomás Ribeiro: - Eu explico a v. exa. Eu via realmente a sombra veneranda do que foi marquez de Thomar, que passou a sua vida a ser maltratado injustame-nte mal tratado, por aquelles que fizeram constantemente guerra á sua politica; via essa sombra apparecer alta noite a seu filho herdeiro e representante, e dizer-lhe: " Tu não precisas de mais talento; não precisas, de mais probidade nem de mais honradez; trago-te um supprimento de prudencia."

Elle que sabia quanto custa e tem custado aos homens publicos d'este paiz a governar, atravez de milhões de dificuldades, devia vir lembrar ao digno par, seu filho, que amanhã póde s. exa. arrepender-se profundamente de tudo quanto tem arguido.

Apreciar os nossos actos e incriminal-os, se é; preciso, digo que sim; mas vir na ausencia de todos nós fazer arguições ao sr. Augusto José da Cunha, e insistir todos os dias n'ellas, porque se fizeram supprimentos, que o sr. Cunha vem confessar que fez, é tão pouco prudente, que de certo os manes do illustre pae do sr. conde de Thomar terão dito isto.

Eu sou devedor de muitos favores ao pae do illustre sr. conde de Thomar, e por isso não poderia querer offendel-o; mas quero dizer ao filho d'elle que me parece que é um pouco fora de proposito entrar nestas discussões, que ordinariamente se tornam pessoaes.

Nem será muito das boas normas ser s. exa. accusador na camara dos pares, quando essa accusação deveria partir da camara dos senhores deputados; é certo que o digno par fez o elogio do caracter do sr. Augusto José Cunha; mas, sr. presidente, eu não comprehendo muito bem a hypocrisia nem que proclamemos muitissimo honrada uma pessoa de quem dizemos uma cousa e insinuamos outra. Eu não devo prolongar a interrupção, que apenas desejei fazer para que o digno par desse ás minhas palavras um sentido que ellas não podiam ter.

(S. exa. não reviu as notas do seu discurso.) O Orador: - Em vista das explicações que acaba de dar o sr. Thomás Ribeiro, com respeito á memoria de meu pae o marquez de Thomar, nada mais tenho a dizer, mas s. exa. acaba de expor uma doutrina, que, para mim que sou novo nas lides parlamentares, é perfeitamente extraordinaria. S. exa., no calor da sua phrase chega a censurar o homens publicos que apreciam os actos da sua administração e até a dizer que pratiquei um acto de hyprocrisia dirigindo uns comprimentos a um membro d'esta camara passando em seguida a censurar os seus actos.

Ora, sr. presidente, não confundamos o caracter e a honradez dos homens, que se sentam n'esta casa, com os seus actos politicos. Eu, pelo facto de atacar os actos do sr. Augusto José da Cunha, como ministro, não fiz insinuação alguma ao seu caracter immaculado. Pois o sr. Thomás Ribeire não tem feito aqui brilhantes discursos embatendo os seus adversarios fazendo-lhes ao mesmo tempo o elogio dos seus caracteres levantados e serios? Pois é hyprocrisia o facto de se combater um erro politico, dizendo-se ao mesmo tempo que quem o commetteu é honrado? Pois não é o proprio sr. Cunha que confessa que commetteu esse erro e que diz, segundo se vê pelo extracto das sessões, que se vira assaltado pela feroz perseguição dos directores dos bancos, pedindo-lhe de mãos postas que lhes valesse para evitar as fallencias e assim se vira obrigado a acudir a esses bancos.

O sr. Augusto José da Cunha: - Não foi isso o que eu disse, acudi aos bancos por temer que o paiz soffresse as consequencias de uma grande catastrophe, se não auxiliasse os bancos.

O Orador: - É o que vem no extracto official, e que diz o seguinte:

(Leu.)

O sr. Augusto José da Cunha: - O que eu disse é o que se le no extracto official, mas as suas conclusões não são ás que o digno par quer tirar.

O Orador: - É o extracto que o diz.

O sr. Thomás Ribeiro: - Deus nos livre dos extractos officiaes, porque muitas vezes trazem aquillo que se não disse, e commigo já se tem dado esse facto.

Orador: - N'este caso, se o extracto não serve, o melhor era supprimir a tachygraphia.

P sr. Thomás Ribeiro: - Essa suppressão era uma economia que se fazia.

O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara.

O sr. Augusto José da Cunha: - O que eu disse não foi o que acabou de dizer o digno par o sr. conde de Thomar; o que eu disse, e que vem publicado no extrato official, foi que, para evitar a crise nas praças de Lisboa e Porto, a ruina do commercio e da industria, e mesmo a perturbação da ordem publica, é que o governo, de que tinha a honra de fazer parte como ministro da fazenda acudiu aos bancos que ameaçavam ruina, prestes a fecharem e suspenderem os seus pagamentos. Não foi para attender ou favorecer directores, nem para. amparar syndicatos arruinados.

O sr. Thomás Ribeiro: - Apoiado. O Orador:-O que eu vejo, sr. presidente, é que já um par do reino não tem o direito de apreciar os actos de qualquer gabinete; pois não era o sr. Thomás Ribeiro que está sempre, pedindo que se discutam os seus actos prapraticados como ministro, e os dos seus collegas? Pois não foi s. exa. que acabou de censurar de uma maneira a mais desfavoravel o projecto de lei de responsabilidade ministerial apresentado pelo sr. José Luciano de Castro, a quem chama o seu nobre amigo, dizendo ser redigido unica e exclusivamente com intuitos de perseguição ao partido regenerador?

(Interrupção ao sr. Thomás Ribeiro que se não ouviu.)

Ou que levava subscripto para esse partido? Eu não tenho a pretensão de esgrimir com s. exa., porque o digno par dispõe de recursos muito mais valiosos do que eu.

Mas, sejamos lógicos! S. exa. fez a critica dos actos do sr. José Luciano de Castro, como ministro, (Apoiados.) e argue-me pelo que eu disse?! Pois não fiz eu o mesmo que s. exa. fez?! Onde está aqui a hypocrisia. S. exa. póde ter e tem de certo muito mais talento do que eu, mas mais direitos como par não tem.

Reconheço a superioridade de s. exa., não tenho a veleidade de o vencer em recursos oratorios, mas cada um, na medida das suas forças, exerce as suas funcções n'esta casa, no amplo uso dos seus direitos, que são iguaes para todos.

Página 14

14 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Não dirigi insinuações ao sr. Augusto José da Cunha; já disse que fazia a mais completa justiça á rectidão do seu caracter, sobre o qual não pretendi lançar a mais pequena suspeita. Apenas critiquei os seus actos, e para isso tinha todo o direito de o fazer.

Sr. presidente, estes incidentes são-me sempre desagradaveis, e eu peço a v. exa. e á camara que me desculpem.

Deve, porem, reconhecer-se-me rasão, desde que eu julguei ver certas allusões nas palavras do sr. Thomás Ribeiro, das quaes felizmente deu a explicação que a camara ouviu.

Tenho dito

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. José Augusto da Cunha: - Eu só leio agora ao sr. conde de Thomar o que eu disse, e as rasões porque procedi.

Aqui está:

(Lê o extracto official.)

Está exactissimo.

O que eu disse foi isto.

Nada mais.

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, sinto não estar de accordo com o sr. Thomás Ribeiro quando s, exa. confunde a lei de responsabilidade ministerial com a de incompatibilidades.

Eu entendo que nenhuma paridade ha entre uma e outra lei.

Mas, sr. presidente, depois das declarações, das explicações, dos discursos, das reservas, que teem havido a este respeito, lembrou-me repetir uma phrase historica muito conhecida... mas não repito.

Eu voto a proposta do meu amigo e collega sr. Camara Leme sem phrases.

(S. exa. neto reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, eu estava a perguntar a um dos nossos collegas qual tinha sido a ultima declaração do sr. Antonio de Serpa, porque eu não ouvi bem a s. exa.

Pareceu-me que s. exa. julgou, que eu tinha confundido a lei de incompatibi-lidades com a lei de responsabilidade ministerial, e que acabou por dizer que nada tem uma com a outra lei.

Ora, talvez s. exa. não fizesse essa declaração se soubesse que eu me referi, quando ultimamente fallei, ao projecto de incompatibilidades assignado por;?, exa. no qual eram pouco differentes as incompatibilidades que se estatuiam, comparadas com a do ultimo projecto.

Agora desejaria responder ao digno par sr. conde de Thomar, mas não sei se s. exa. está presente...

Vozes: - Está presente.

O Orador: - Eu não desejo de fórma, nenhuma fallar na ausencia d'aquelles a quem respondo, e muito menos desejo fallar na ausencia d'aquelles a quem aggrido.

O digno par sr. conde de Thomar procedendo contrariamente, está no seu direito de fazer todas as suas apreciações as mais acres a respeito dos actos dos seus amigos ou adversarios, emfim, d'aquelles que tiveram a desgraça de por algum tempo gerir os negocios publicos, mesmo na sua ausencia.

O sr. conde de Thomar tem esse direito, mas nós não usâmos de todos os nossos direitos.

Ha muitos de que nos abstemos de usar; e ha outros de que usâmos de modo muito diverso do que s. exa. emprega.

Não era necessario, a respeito do projecto que se discutia, - a lei de meios,- que s. exa. se referisse aos actos do meu illustre amigo o sr. Cunha? de mais a mais na sua ausencia.

Era tal a anciã e o desejo de manifestar o seu horror aos terriveis actos d'esse ministerio, que s. exa. aproveitou o primeiro ensejo, sem se lembrar de que era melhor esperar a presença do antigo accusado, ministro da fazenda.

Quanto ao que eu disse da memoria do marquez de Thomar, não faço a historia de ninguem, mas, sé fizesse a d'esse grande estadista, nunca seria senão para render homenagem a muitas das qualidades d'aquelle morto illustre.

O sr. conde de Thomar andou por longes terras, o digno par esteve exercendo altos logares diplomaticos. Veiu para o seu paiz usufruir as honras do nome que herdou e os rendimentos pingues do seu patrimonio.

Achou-se grande, emfim.

N'estas circumstancias entendeu que lhe era conveniente adquirir popularidade, lisonjeando aquelles que estão sempre dispostos a não perdoar o peccado mais venial aos que teem a desgraça de governar n'este paiz.

Se neste momento me abalançasse a dar a s. exa. um conselho, dir-lhe-ia que não fosse por esse caminho; olhe que vae errado. Não é por essa fórma que se conseguem as popularidades que nos possam levar ao Capitolio; porque nos encontramos ás vezes em tão má companhia, que quando julgâmos ir bem guiados, nos fazem saltar de um barranco para o abysmo.

Este conselho ao meu dignissimo collega, e ainda lhe chamo meu amigo, estimarei que s. exa. o acceite de boa mente, porque é complemento d'aquelle sonho phantastico em que eu com phrases sinceras e sentidas manifestei que via approximar-se d'elle a sombra de seu pae para lhe fazer um supprimento... de prudencia; que nada mais lhe falta.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto.

Vae ler-se a proposta.

Leu-se na, mesa. É do teor seguinte:

Proposta

Considerando que é opinião hoje dominante que não póde ter execução o artigo 103.° da carta constitucional relativo á responsabilidade ministerial;

Considerando que o governo parlamentar tem por base a irresponsabilidade do Rei e a responsabilidade dos ministros;

Considerando que não póde ter regular exercicio o systema parlamentar emquanto existir aquella pretendida lacuna:

Proponho que a camara, declare por uma votação solemne, que é urgente promulgar a lei regulamentar a que se refere o artigo 104.° da mesma carta. = Camara Leme,

O sr. camara Leme: - Em vista da manifestação da camara, retiro o meu requerimento para que houvesse votação nominal sobre a minha proposta.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a proposta que acabou de ser lida, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Amanhã ha sessão, sendo a ordem do dia os projectos que a camara determinou que se discutissem de preferencia a outros quaesquer.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 30 de março de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Marquezes, de Pomares, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes, d'Avila, da Azarujinha, de Bertiandos, do- Bomfim, de Castello de Paiva, de Castro, da Folgosa, da Ribeira Grande, de Thomar ; Viscondes, de Alemquer, de Castro e Solla, de

Página 15

SESSÃO N.° 35 DE 30 DE MARÇO DE 1892 15

Sousa Fonseca, de Villa Mendo; Sousa e Silva, Antonio Candido, Sá Brandão, Antonio José Teixeira, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Palmeirim, Carlos Eugenio de Almeida, Hintze Ribeiro, Jeronymo Pimentel, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Mello Gouveia, Bocage, Julio de Vilhena, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Bivar, Sousa Avides, Vaz Prelo, Franzini, Matinas de Carvalho, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro.

O redactor=Fernando Caldeira.

Página 16

Página 17

APPENDICE Á SESSÃO N.° 35 DE 30 DE MARÇO DE 1892 17

Por ter saido com incorrecções, novamente se publica o seguinte discurso:

O sr. Thomás Ribeiro: - Vejo, sr. presidente, que se trata de uma lei de responsabilidade ministerial, e eu faço votos para que essa tentativa seja roais bem succedida do que o foi o projecto de lei apresentado pelo meu illustre amigo o sr. D. Luiz da Camara Leme. Devo dizer á camara que, do fundo do meu coração, eu não desejaria nenhuma d'estas leis.

Nasci, julgando que o mundo era bom; disseram-me os meus professores que o homem pôr natureza o era; depois, quando mais tarde aprendi latim, vi que Deus se arrependera de ter feito o homem, e cada vez me convenço mais de que Deus tinha rasão.

Sr. presidente, nós não precisamos de fazer declarações como aquella que acaba de fazer o nobre chefe do partido progressista, o sr. José Luciano de Castro.

Eu não desejo nem tenho em mente nenhuma destas leis, nem a de incompatibilidades, nem a da correcção aos ministros, para ninguem, quer esteja presente, quer não, que tenha sido ministro ou o venha a ser.

Para mim estas leis são impessoas; estas leis dirigem-se a corpos do estado; - estas leis são garantia para os que governam, e são ao mesmo tempo descanso para os governados, que supõem, ou para melhor- dizer, ficam vivendo na certeza de encontrar na legislação remedio para corrigir todos os peccados e abusos.

Portanto, sr. presidente, voto qualquer d'estas leis, e ha poucos dias, quando eu, como relator da lei de incompatibilidades, pedi a v. exa. que propozesse á camara para que o projecto voltasse de novo á commissão, devo dizer a v. exa. e á camara que o fiz com a intenção de poupará maioria dos dignos pares do reino um passo que não lhes ficava bem.

Os ares da camara annunciavam-me que o projecto ia ser rejeitado; queriam mesmo matal-o sem discussão, isto é, sem os sacramentos da Igreja parlamentar; vi qual era a attitude da camara, e por dignidade d'ella de todos nós, devo dizer que tive medo da votação. Por isso, e porque eu queria dizer ao meu particular amigo o sr. Antonio de Serpa que estava esquecido da sua assignatura feita em identico projecto, de que era relator o sr. Hintze Ribeiro, eu, pedi que fosse de novo á commissão.

Não creio, sr. presidente, que a lei que agora se propõe de novo, e que provavelmente se vae estudar, possa supprir uma lei de incompatibilidades.

Entendo que uma simples lei de responsabilidade dos ministros não attingirá todos os pontos a que é necessario attender na epocha e nos costumes a que chegámos. (Apoiados.)

O projecto de que eu era relator e que á camara parecia exorbitante tinha o defeito contrario; era deficiente. (Apoiados.)

Não quizeram a lei assim? Outra ha de vir mais grave, mais aggravada, e a camara ha de acceital-a, ou votal-a... se tiver ainda tempo para isso. (Apoiados.)

Eu não dei o meu voto na camara dos senhores deputados á proposta de lei de 1881, sobre responsabilidade ministerial, da iniciativa do ministerio do sr. José Luciano de Castro, quando era ministro da justiça o nosso chorado collega o sr. Adriano Machado; combati-a por inefficaz; combati-a por consciencia; sem me lembrar mesmo de que essa proposta, apresentada pelo partido progressista, tinha todos os visos de suspeição ao partido regenerador, a que eu ainda hoje me honro de ter pertencido.

Esse projecto tinha todo o caracter de um complemento ás violentas e graves accusações então feitas ao partido regenerador, e á nomeação de commissões de inquerito ou de syndicancia a todas as secretarias. (Apoiados.) Quasi trazia a caracterisação, pelo menos traços essenciaes, das pessoas a quem visava, que mais parecia, do que uma lei de garantia, uma verdadeira revindicta.

O sr. José Luciano: - Peço a palavra.

O Orador: - Não quero dizer que o fosse; mas n'aquella epocha podia parecer e pareceu uma tentativa infamante. O meu intuito não é o de liquidar agora responsabilidades dos partidos, é simplesmente historiar os factos.

Aquella proposta envolvia allusões tão caracterisadas, que a muita gente pareceu ver ali retratadas as physionomias dos homens mais proeminentes da politica regeneradora, o que, pela minha parte, me não surprehendeu, por já saber os meios que imprudentemente alguns partidos escolhem para combater.

Portanto, venha esse projecto, mas venha de forma que eu julgue poder votal-o. A rasão por que assim fallo é porque desejo que fique declarado que, no caso de ter que o combater, não é porque o julgue nem fora de proposito, nem afastado das circumstancias que realmente o reclamam. Se o combater será porque encontro n'elle, ou a insufficiencia dos seus preceitos, ou porventura menos bem applicadas as suas disposições.

Agora devo dizer tambem, porque vem a proposito, que para mim ainda hoje entendo, e n'isto sou da opinião do sr. presidente do conselho, que nós não precisâmos da lei para inculpar ou incriminar os actos dos ministros, que porventura o mereçam. Eu respeito muito as convicções ou intenções que levaram a camara dos senhores deputados a praticar, no plenissimo uso dos seus direitos, o acto que praticou. Do pouco que vi do parecer da illustre commissão de infracções deduzi que estava muitissimo bem escripto, muitissimo bem moldado, muitissimo bem afeiçoado, muitissimo bem accommodado; mas como eu tenho a honra de ter um diploma adquirido em Coimbra, na faculdade de direito, declaro positivamente que não acceito a jurisprudencia d'aquelle parecer da illustre commissão. E, note-se, que n'isto não vejo pessoas diante de mim; se as visse respeital-as-ia, mas teria de proceder como tenho procedido mais de uma vez; quando; a minha consciencia me obriga a fallar, fallo, ainda que seja para defender o meu mais acerrimo inimigo. Eu não vejo diante de mim senão a justiça e a rasão, e nunca a pessoa que me é adversa, a quem eu tiro sempre de muito boa vontade o meu chapéu.

Por conseguinte, é minha opinião que nós tinhamos no codigo lei sufficiente a applicar a todos os srs. ministros, e Deus nos livre que não tivessemos.

N'isto estou de accordo com o meu illustre amigo, sempre admirado e respeitado, o sr. marquez de Vallada. Deus nos livre de que nós tivessemos na nossa legislação uma lacuna de tal ordem, e de que os homens que mais podem abusar, porque occupam o logar mais proeminente do poder, não podessem ser attingidos pelas leis penaes do seu paiz. Deus nos livre disso, porque, se assim fosse, a taes tempos seriamos volvidos que não tardariamos a fazer umas modificações no cães do Tojo, para armarmos lá uma forca e irmos ali de baraço ao pescoço entregar a nossa cabeça.

Digo isto, porque entendo que as minhas respoasabilidades como ministro na situação a que ultimamente pertenci não estão ainda liquidadas.

E não appello para o parecer da commissão de infracções, nem o acceito, para me libertar da responsabilidade dos meus actos.

Apraz-me dizer ao paiz que eu com os meus collegas n'aquelle ministerio podemos estar incursos na responsabilidade dos nossos actos, declarando que ha lei, animando que ha lei, e que não podemos de forma nenhuma esconder-nos detrás da impunidade, que não queremos, contra a qual protestâmos. (Apoiados.)

Sr. presidente, o digno par sr. Cunha veiu dizer muito honradamente á camara, onde ninguem o accusava senão por meias palavras, senão por vagas insinuações, veiu di-

41

Página 18

18 DIARIO DA CAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REINO

zer dos seus actos, e, como honrado que é, qual a sua responsabilidade.

S. exa. veiu confessar que não encontrou lei escripta para fazer os supprimentos aos bancos que lhe pediram o seu soccorro.

Notou s. exa. alguns dos precedentes que tem havido em relação a supprimentos, e podia notar muitos; mas não quiz.

Eu não quero estar a fazer a historia de todos esses supprimentos, mas ella virá a seu tempo e quando for preciso.

S. exa. fez ver, com o applauso e apoio de um dos homens politicos mais notaveis e mais honrados d'este paiz, o qual póde bem alto levantar a sua cabeça, que é o sr. Serpa, o que tinha feito e qual a responsabilidade que lhe cabia.

Disse do seu direito, da sua justiça e dos seus actos.

Veiu depois dizer o sr. conde de Thomar, a quem eu já chamei o apostolo da moralidade d'este paiz, e Deus lhe augmente a virtude; veiu dizer, segundo, me consta, que não eram as mesmas as condições dos bancos a que o partido regenerador tinha estendido a mão salvadora, porque estes offereciam garantias aos supprimentos que se lhes fez, ao passo que os bancos a que ultimamente se quiz acudir estavam em situação desesperada ou pouco menos. Assim mostra s. exa. que tem muita mais moralidade do que logica.

S. exa. não vê bem que podem as circumstancias subsequentes a um soccorro do governo ajudar uma instituição periclitante, emquanto que noutra conjunctura, por mais esforços que se empreguem, como acontece na medicina, póde morrer o doente...

E ha de por isto dizer se que um dos medicos era um sabio, emquanto que o outro não passava de ser um curandeiro, porque o doente lhe morreu nas mãos?

As circumstancias podiam ter mudado.

Eu digo isto assumindo a responsabilidade que me compete como um dos membros do ministerio que acudiu em auxilio dos bancos.

Depois appareceram falsificações nesse banco?

Pergunto: quando entrámos no poder, havia porventura alguma syndicancia da policia, algum exame de justiça que nos dissesse alguma cousa d'estas?

(Aparte do sr. conde de Thomar.)

O que o digno par queria era que nós imitassemos o mestro de primeiras letras que, vendo um discipulo mettido dentro da agua e prestes a afogar-se, em vez de lhe estender a mão, lhe fez uma pratica.

Desgraçado paiz, no dia em que s. exa. tiver a responsabilidade de ministro da coroa; ha de fazer como o professor de primeiras letras, deixando afogar o discipulo.

(Aparte do sr. conde de Thomar.)

Não sei se está livre, mas nós deviamos ir pedir a El-Rei que o fizesse entrar no governo.

E visto que se tem tratado de supprimentos, lembrarei ao digno par o seguinte: Póde ser que a alma de um dos maiores estadistas d'este paiz venha uma noite acordal-o do seu somno feliz, porque é virtuoso, e trazer-lhe porventura algum supprimento, não será de dinheiro, mas... algum supprimento.

Quero crer, s. exa. a essa boa alma que lh'o venha trazer, não ha de responder da maneira por que tem avaliado aqui os actos de alguns dos seus collegas.

Tenho concluido.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×