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SESSÃO N.° 35 DE õ DE MARÇO DE 1907 343

ser pago, não obstante o credito do offendido por delicio de imprensa.

É exacto, quando ha bastantes moveis para sobre elles recair a execução judicial.

Mas a maior parte das vezes o que acontece é que o agente do delicto não possue, para garantia dos seus credores, outra cousa que não seja a sua typographia, porque é um facto vulgar encontrar-se a cada passo um dono de typographia que tira somente d'ella os pequenos lucros com que paga aos operarios e sustenta a sua familia.

Que garantias teem, pois, os outros credores, por dividas sagradas, quando na maioria dos casos a typographia não chega para a indemnização civil devida pela lei ao offendido?

As razões por que eu achei exagerada a garantia concedida ao offendido, antepondo-se a todos os outros credores, ficaram sem contestação.

Querem dar ao offendido um privilegio sobre os bens do devedor?

Dêem-lh'o; mas nunca com privilegio especial sobre o material da officina, primando, sobre todos, os mobiliarios gerais e os mobiliarios especiaes, porque não é perante os bons principios juridicos mais respeitavel o direito á indemnização pela offensa, do que por exemplo o direito d'aquelle que forneceu sepultura ao offensor, ou lhe concedeu os remedios durante a doença.

Passemos ao segundo ponto, que é o que se refere á introducção de impressos estrangeiros no reino, e á prohibição da sua circulação.

Eis o que diz o artigo 37.° do projecto:

(Leu).

Note V. Exa. que esta disposição tem dois significados:

O primeiro auctoriza o Governo a prohibir a introducção no reino de impressos estrangeiros.

O segundo auctoriza o Governo a prohibir a circulação d'esses impressos.

Eu, Sr. Presidente, disse e repito, que a primeira auctorização é uma reviviscencia do antigo regimen absoluto. É um anachronismo absurdo.

Sob a designação geral de impressos estão comprehendidas todas as manifestações por via da imprensa, obras e opusculos, livros e folhetos, tudo o que possa ser impressos sobre sciencia, literatura, arte, qualquer dos ramos da encyclopedia humana, tudo aqui está e tudo o Governo pode prohibir por uma resolução tomada em Conselho de Ministros! Tudo é considerado como uma mercadoria sujeita ás leis alfandegarias, sob a inspecção e fiscalização do poder executivo!

A introducção de livros estrangeiros em Portugal pode o Governo prohibir quando assim o determine a sabia academia do Conselho de Ministros. Isto é revoltante, é o maior attentado que se pode praticar contra os direitos da civilização.

Affirmou o Digno Par que isto é admittido em França, e assim está na lei de 29 de julho de 1881, assignada por Grevy, Ferry e Constans.

Eu não tinha lido a lei franceza, mas, julgando exacta, como me cumpria, a citação feita pelo Sr. Relator, quiz explicar esse facto por ver lá a assignatura de Constans, porque nos Governos republicanos ha homens conservadores e ás vezes mais absolutistas do que muitos que vivem dentro das monarchias.

Mas ao mesmo tempo pensava comigo e dizia: "Pois será possivel que em França, n'um paiz intellectual e que julga com razão ter o predominio sobre todas as nações da sua raça, exista uma disposição legal que entregue ao arbitrio do Governo a entrada de livros estrangeiros?"

E não era possivel, com effeito, porque a disposição citada não existe."

O que diz a lei franceza de 29 de julho de 1881?

Aqui está o que diz no artigo 14.°:

" A circulação em França dos jornaes ou escriptos periodicos publicados no estrangeiro não poderá ser prohibida se não por uma discussão especial deliberada em Conselho de Ministros.

A circulação de um numero pode ser prohibida por uma decisão do Ministro do Interior.

A exposição á venda, ou a distribuição feita succintamente em desprezo da interdição, serã punida com uma multa de 50 a 500 francos".

Não é a faculdade de prohibir a introducção de impressos, nem mesmo de jornaes ou periodicos.

É apenas a faculdade de prohibir a circulação, não de livros, mas de jornaes ou escriptos periodicos.

Que profunda differença entre o preceito da lei franceza e o preceito da lei que estamos discutindo!

Pois alguem poderia conceber que a França praticasse o enorme delicto de fechar as suas fronteiras á livre communicação do pensamento?

E todavia o Sr. relator affirmava que a doutrina era a mesma e clamava victorioso: "Vejam quaes são os Pinas Maniques que assignaram a lei franceza de 1881!"

E comtudo essa lei está aqui protestando contra essas affirmações, porque só fala em circulação de jornaes e periodicos, mas não diz uma unica palavra sobre a introducção de livros ou de quaesquer outros impressos.

Que representa então, Sr. Presidente, a disposição do projecto?

Uma recordação dos preceitos vexatorios do antigo regimen, consignados em diplomas obsoletos, escriptos pelo punho do mais intransigente absolutismo. Aqui está a sua origem.

É o alvará de 16 de novembro de 1623 que diz:

"Eu El-Rei faço saber aos que este alvará virem que, havendo respeito aos grandes inconvenientes que se seguem, de se imprimirem livros nos reinos estranhos e correrem neste, sem preceder licença ordinaria da mesa do desembargo do Paço; e por outros justos respeitos que me a isso movem, hei por bem e me praz que d'aqui em deante não possam correr nem vender-se neste reino livros impressos fora delle, e os que o contrario fizerem perderão os ditos livros e incorrerão na pena de cem cruzados, a metade para os captivos e a outra metade para o causador, e dois annos de degredo para a Africa".

O que não está no projecto é unicamente a pena de degredo. O mais está tudo até a multa que ainda é inferior, pois basta que sejam aprehendidos oito exemplares para se chegar á multa de 400 cruzados.

Para completar as disposições do projecto deve accrescentar-se á pena de multa: "e dois annos de degredo para a Africa".

Então fica perfeito.

O assento do desembargo do Paço de 19 de janeiro applicava a doutrina do alvará, dizendo:

"Porquanto nos livros que veem a fora e se mettem neste reino veem algumas cousas mal soantes e contra a auctoridade e respeito que se lhe deve, se assentou em mesa que se não désse licença para se tirarem da alfandega livros novos, sem se mandarem ver ma forma que se faz com os que se imprimirem de novo".

É claro que o Governo, desde fica com a faculdade de prohibir a introducção de livros, tem o direito e até a obrigação de os examinar por si, ou por delegados seus antes de serem despachados na alfandega, a fim de determinar, em Conselho de Ministros, os que podem entrar, e os que devem ser prohibidos.

D'esta maneira, se amanhã o Governo, exercendo a critica que a lei lhe impõe, entender que as obras de qualquer romancista repugnam á moral, pode impedir-lhes a entrada.

Se igualmente entender que as obras dos modernos socialistas prejudicam os interesses da burguesia capitalista tem na sua mão evitar que sejam lidas por nós todos.

Elle é o tutor intellectual da nação!

O que admira é que haja quem te-