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344 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nha a coragem de apresentar ao Parlamento um contrasenso de tal ordem.

Se tivermos um Governo reaccionario, fica-lhe o direito de não permittir que saiam da alfandega quaesquer livros que possam considerar-se hereticos.

Basta para isso que assim o entenda o Conselho de Ministros e que a relação expurgatoria seja publicada no Diario do Governo.

Quem ha que possa conceber semelhante faculdade ao executivo ou a qual quer outro poder do Estado?

V. Exa. sabe muito bem, e sabe a Camara, como se procedia no tempo de D. Miguel, em execução de identicos preceitos.

Tenho deante de mim um livro em que se encontram as censuras ou pareceres dados pelo Padre José Agostinho, que era em 1823 o representante do Governo de D. Miguel, no exercicio da censura previa.

Foi este livro impresso na typographia da Academia Real das Sciencias.

E a proposito da Academia Real das Sciencias, direi de passagem que sinto profundissimamente, sem querer dirigir-lhe censura, que seria impropria até porque tenho a honra de fazer parte d'aquella corporação, que ella se não pusesse á frente de uma representação no sentido de se expungir da lei do paiz essa disposição prohibitiva que tão intimamente ataca o movimento scientifico em todas as suas manifestações. Áquella, mais do que a outra qualquer entidade, compete defender o progresso da sciencia, e a dignidade do espirito humano, e com a sua auctoridade de corporação official impor-se ao Governo, mostrando-lhe que ainda quando tal disposição não seja cumprida, pode comtudo quem lá fora ler a nossa lei ficar suppondo que Portugal é um paiz de selvagens, onde os livros de sciencia só entram com consentimento expresso ou tacito dos Governos.

Mas a nossa Academia não o fez; não o fez ninguem, porque? Porque, o estado do nosso abatimento, da nossa decadencia é de tal ordem que nem ha já força para reagir; e quem reage ainda por cima invectivado. Mas continuemos.

Como se fazia a censura no tempo de D. Miguel? Executava-se a legislação vigente n'essa epoca, que é aquella que acabei de citar.

Chegavam os livros á alfandega mandava-se para o representante da censura, em nome do Paço, uma relação d'elles.

O censor examinava o catalogo e dizia ao Governo quaes eram os que podiam ser admittidos, e quaes os que deviam ser repulsados.

Foi presente em 26 de abril de 1824 uma relação que na alfandega tinham apresentado os livreiros, Borel, Bertrand, Rolland e Coelho. O censor pronunciou o seguinte juizo a respeito d'essas obras:

"Todos estes livros annunciados se dividem para mim em tres classes: l.ª, os que já correm n'este reino e se teem vendido publicamente com a devida faculdade ou universal tolerancia; 2.ª, os que são conhecidos pela Leitura e pelos extractos e analyses dos jornaes literarios do estrangeiro; 3.ª, os que se não devem publicar e vender, porque conteem, mais ou menos embuçados, principios e doutrinas contrarios ao dogma, á moral e á politica cuja base seja a religião".

Isto era mais leal.

Assim é que devia ser.

Se o Governo tem obrigação de não consentir a introducção no reino de livros que entenda serem por qualquer modo prejudiciaes, assiste-lhe tambem o dever de mandar examinar esses livros para se prenunciar sobre a sua prohibição ou admissão com verdadeiro conhecimento de causa.

Quaes eram os livros?

Na relação de Coelho: Tragedias de Alfieri.

Dizia o censor:

"Estão cheias de insultos aos Monarchas e invectives indirectas á religião catholica".

As Tragedias de Alfieri, que toda a gente conhece, são uma obra prima da literatura italiana!

Tratado dos delidos e das penas do Marquez de Benario.

Toda a gente sabe que foi um verdadeiro revolucionario na jurisprudencia penal, citado ainda hoje com louvor pelos criminalistas modernos! Pois não devia ser admittido no reino, porque no dizer do censor, era prohibido nos dominios veneto-lombardos pelo conselho aulico de Vienna!

Na relação de Bertrand: Physiologia de Richerand. Notaveis principios de materialismo.

Belolme (Constituição de Inglaterra). As notas e considerações estão cheias do principio do radicalismo, que coincidem na mania das regenerações.

La Fontaine (Amores de Psyche Cupido). Torpezas, indecencias e ataques á moral publica.

Ora, Sr. Presidente, fazia-se isto em 1824 e á sombra de quê? Á sombra da disposição de uma lei que é identica á do projecto.

E porquê? Porque o Governo tinha a faculdade legal de prohibir a introducção dos livros. Essa faculdade continua nas mãos do Governo.

Se amanhã quizer exercê la ninguem tem o direito de reclamar contra isso, porque é uma faculdade que a lei lhe concede, tão pura e tão autentica como estava no regimen absoluto.

Haverá perigo em admittir livremente a entrada de todas as obras estrangeiras? Onde está esse perigo?

Eu apresentei a maneira de regular a questão em harmonia com os principies mais liberaes.

Não acceitam o meu alvitre? Pois não acceitem.

Cada um fala como quer e como entende.

Eu não quero impor a minha opinião a ninguem; respeito a opinião de todos.

Já dizia o nosso quinhentista:

Comes tubaras da terra?
Eu não as posso comer.
Não haja por isso guerra;
Nenhum de nós outro erra,
Come o que te bem souber.

Se ha quem goste d'estas tubaras da terra, que por signal já são bastante antigas, que as coma á sua vontade.

Cada um come do que gosta, e, se o Governo entende que isto é muito bom, não serei eu quem o prive de saborear o que mais lhe agrade.

Em todo o caso, e apenas para descargo de consciencia, sempre direi como se regulava convenientemente o assumpto.

Concedida, a liberdade absoluta e completa á entrada dos impressos estrangeiros, quando qualquer d'elles envolvesse uma injuria, como tal considerada pela disposição da lei penal, ficaria sujeito á lei geral da imprensa, sob a responsabilidade do distribuidor ou do expositor á venda.

A mesma lei para publicações nacionaes e estrangeiras, com a unica differença dos responsaveis, visto que nas ultimas nem o editor, nem o auctor, podiam sujeitar-se facilmente á nossa lei penal.

Acêrca do jury continuo defendendo a sua applicação a todos os delictos de imprensa. As considerações feitas pelo illustre relator da commissão, com relação á maneira como funcciona o jury, são absolutamente verdadeiras. Ninguem mesmo deve conhecer o jury mais de perto em todos os seus vicios e defeitos do que aquelles que lidam com elle, e esses são os homens do fôro. Não ha duvida de que o jury commette faltas. É exacto. Mas note o Digno Par que isso acontece com todas as instituições sociaes, e que existe para todas ellas a chamada balança moral em cujas conchas se lançam de um lado os vicios e do outro as virtudes da instituição, acceitando-o sem hesitação aquelles cujos defeitos