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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO N.° 55

EM 5 DE AGOSTO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios—os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira
Coelho Marquez de Penafiel

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente. — O Sr. Presidente consulta a Camara sobre um pedido do Digno Par Sr. José de Alpoim para talar sobre um negocio urgente de que o informou. Concedida licença, o Digno Par Sr. José de Alpoim refere-se a umas declarações feitas na ultima reunião dos accionistas da Companhia dos Tabacos e pede ao Sr. Presidente do Conselho determinadas providencias. O Sr. Presidente do Conselho responde que vae reclamar um relatorio do fiscal do Governo, junto da Companhia para poder tomar resoluções. — O Digno Par Sr. João Aroyo, occupando-se do mesmo assunto, diz ao Sr. Presidente do Conselho que não siga nesta questão os tramites ordinarios, que são demorados. — O Digno Par Sr. Mattozo Santos requer dispensa do regimento para entrar em discussão o projecto sobre importação de milho e centeio. — Os Dignos Pares Srs. Visconde de Monte São e Conde de Lagoaça mandam requerimentos para a mesa. — Por consenso da Camara, é posto em discussão o parecer n.° 33. sobre importação de milho e centeio. É approvado unanimemente.

Ordem do dia: Continua no uso da palavra o Sr. Presidente do Conselho — O Sr. Conde do Cartaxo participa a installação da commissão que ha de conhecer da renuncia do Digno Par Sr. Anselmo Braamcamp. — O Digno Par Sr. Augusto José da Cunha usa da palavra sobre os adeantamentos feitos durante a sua gerencia. — O Digno Par Sr. Conde de Lagoaça requer que entre em discussão um projecto sobre fornecimento de impressos para os correios e telegraphos. Approvado o requerimento é tambem approvado o projecto. — O Digno Par Sr. Francisco José Machado occupou-se da questão do jogo, da vinicola e da instrucção e termina apresentando varios requerimentos. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. — O Digno Par Sr. Francisco Beirão pede providencias sobre factos passados em Santo Thirso por Causa da transferencia do delegado. Responde o Sr. Ministro da Justiça. O Digno Par Sr. José de Alpoim versa o mesmo assunto. — O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa manda ama representação para a mesa, pedindo a publicação d'ella. É approvado. — É encerrada a sessão, e aprazada a seguinte.

Pelas 2 horas e 26 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 29 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo 150 exemplares do fasciculo n.° 7 do Boletim Commercial referido ao mês de julho findo.

Para serem distribuidos.

O Sr. José de Alpoim: — Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: — Eu não posso dar immediatamente a palavra ao Digno Par, por isso que antes de S. Exa. estão inscritos outros Dignos Pares.

O Digno Par Sr. José de Alpoim sobe ao estrado da Presidencia.

O Sr. Presidente: — O Digno Par acaba de me dar conhecimento do assunto para que pediu a palavra, e que constitue negocio urgente.

S. Exa. deseja referir-se a uma noticia publicada por varios jornaes, a qual pode affectar a dignidade de alguns homens publicos.

Vou portanto consultar a Camara sobre se entende que se dê a palavra ao Sr. Alpoim, para poder usar d'ella com preterição dos Dignos Pares que estão inscritos.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. José de Alpoim: — Sr. Presidente, tomarei pouco tempo á Camara.

Pedi a palavra para um negocio urgente e agradeço á Camara o ter-me permittido usar da palavra nesta occasião.

Na ultima reunião dos accionistas da Companhia dos Tabacos, celebrada hontem, o Sr. Conde de Burnay, segundo leio em alguns jornaes, declarou que o conselho de administração teve uma culpa: a O não ter querido abrir os seus cofres, a sua bolsa, áquelles que queriam que a Companhia lhes comprasse o silencios. Acrescentou ainda que: «A Companhia tem cartas interessantissimas de pessoas que se prontificam a trazer politicos ás ordens da Companhia por dinheiro. Tudo isso existe e quando for preciso, cá estão ás ordens para quem quiser provas D. Eis as suas palavras, segundo o grande jornal da capital, O Seculo.

Estas palavras são gravissimas, porque a Companhia dos Tabacos foi contrariada, quer no contrato celebrado no ultimo Governo progressista, quer em actos anteriores e posteriores, por muitos homens publicos, Pares, Deputados e Ministros da Coroa.

São fundadas as affirmações do Sr. Burnay? Não o creio, Sr. Presidente, até porque, se taes factos fossem verdadeiros, já teriam sido produzidos quando, defendendo aquelle contrato, a Companhia empregou todos os esforços para vencer os que o combatiam.

Mas, se ha qualquer fundamento, qualquer prova, está se em frente de um crime e de um crime repugnante: a tentativa de homens publicos para se fazerem comprar o silencio ou adhe-

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são, por aquella Companhia. É um crime.

Não são fundadas as affirmações do Sr. Burnay? Foi, então, maculada por falsidades a politica portuguesa, e o Sr. Burnay commetteu o crime, igualmente repugnante, de injuria e diffamação contra homens publicos, contra Pares, Deputados e Ministros, que teem contrariado, por interesse do Pais, os negocios da Companhia. O crime é claro.

Nestas condições, Sr. Presidente, abstenho-me da menor palavra de apreciação, reservando-me para occasião opportuna e para depois que esteja bem esclarecido o assunto, e dirijo me ao Sr. Presidente do Conselho, que mais do que ninguem deve zelar a honra dos homens publicos.

Em nome da sua autoridade moral, que é muita, em nome da sua honra de homem publico, que é incontestavel, em nome dos seus deveres de chefe do Governo, aos quaes nunca falta, reclamo a S. Exa. que exija immediatas informações, pelo commissario regi o da Companhia dos Tabacos, acêrca do que occorreu naquella assembleia, que o communique ao Parlamento e que proceda como, em face de um acto criminoso que, em qualquer das duas referidas hypotheses, existe — é sua obrigação proceder. Confio na sua honra individual e politica.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral):— Ouvi, com toda a attenção, as considerações do Digno Par, e posso affirmar a S. Exa. que, logo que o Governo tenha em seu poder o relatorio do seu fiscal junto da Companhia dos Tabacos, acêrca do que se tem passado nas diversas reuniões da mesma Companhia, darei ordens para que elle seja enviado com a maior brevidade. Procederei de acordo com o meu dever e com a isenção a que o Digno Par fez justiça.

(S. Ex. não reviu).

O Sr. João Arroyo : — Peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Só posso conceder a palavra ao Digno Par com preterição do Sr. Visconde de Monte-São.

O Sr. Visconde de Monte-São: — Não tenho duvida em ceder a palavra ao Sr. Arroyo, desde que V. Exa. permitia que a inscrição continue.

O Sr. Presidente:— A inscrição continua, mas ha ainda inscritos os Dignos Pares Srs. Francisco José Machado e Teixeira de Sousa.

O Sr. Francisco José .tachado : — Sr. Presidente: eu tenho todo o gosto em ceder a palavra a favor do Digno Par Sr. Arroyo.

O Sr. Presidente: — Havendo o Digno Par Sr. Francisco José Machado cedido a palavra em favor co Sr. Arroyo, e não se achando presente o Sr. Teixeira de Sousa, que estava a seguir inscrito, dou a palavra ao Sr. Arroyo.

O Sr. João Arroyo: —- Agradeço a gentileza dos meus collegass e poucos minutos entreterei a attenção da Camara.

Sr. Presidente: tinha pedido a palavra precisamente sobre o assunto a que se referiu o Digno Par Sr. José de Alpoim.

Ouvi com toda a attenção o Sr. Presidente do Conselho e começo por dizer que, tenho plena confiança na boa disposição de S. Exa., quanto ao esclarecimento rapido d'este singular incidente. E tão absoluta é a minha confiança relativamente a este ponto, no Governo, e, em especial, no Sr. Presidente do Conselho, que ouso fazer um pedido a S. Exa., pedido que me parece estar dentro da minha conducta e do que S. Exa. a si mesmo se determinou. Peço a S. Exa. que não deixe seguir este assunto ao curso natural dos acontecimentos, e tome ao seu cuidado especial a iniciativa de recommendar a maxima rapidez na obtenção de informações officiaes que, por intermedio do commissario regio, devem chegar ao Governo.

Sr. Presidente: neste effondement de cousas e pessoas em que estamos, entendo que o primeiro dever dos homens publicos, quando accusações tão graves se levantam contra os que collaboraram na campanha dos, tabacos, tendente a evitar que uma concessão fosse feita á Companhia dos Tabacos, é, de animo sereno e espirito reflectido, absterem-se de quaesquer considerações sobre as consequencias que devem resultar do aparamento da verdade, neste acontecimento, limitando-se a pedirem toda a verdade, a completa verdade, a immediata verdade sobre o assunto.

O Sr. Presidente co Conselho reconhece que, sobre os seus hombros, impende uma responsabilidade difficil; S. Exa. não é, neste momento, só um homem publico que dá conta dos seus actos perante o Parlamento, é o chefe do poder executivo nacional, o unico homem representando um Governo, que tem o direito e o dever de, por todos os meios legitimes ao seu alcance, obter immediatas explicações do facto até a ultima das suas minucias. É isso o que exige a honra parlamentar e politica, para que, de uma vez para sempre, se conheça a verdade da accusação e, em conformidade do que se apurar, se faca justiça.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu}.

O Sr. Mattoso Santos (por parte da commissão de agricultura) : — Peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se dispensa o regimento, para entrar desde já em discussão o projecto, vindo da outra casa do Parlamento, relativamente á importação de milho e centeio.

O Sr. Presidente:— Tenho de consultar a Camara a este respeito, mas parecia-me que o requerimento de V. Exa. deveria ser para que essa discussão se fizesse sem prejuizo da ordem do dia, prorogando-se um pouco a sessão para tratar dos assuntos pendentes.

Se V. Exa. está de acordo a este respeito, darei primeiro a palavra ao Sr. Visconde de Monte-São.

O Sr. Visconde de Monte-São: — Se V. Exa. me conserva a palavra para a primeira sessão, eu, reconhecendo que o Governo tem interesse em tratar d'esta questão, que por igual interessa ao Pais, desisto da palavra, por hoje.

O Digno Par envia para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pela Direcção Geral de Instrucção Publica, do Ministerio do Reino, seja enviado a esta Camara o documento seguinte:

Copia do requerimento ao Governo de Sua Majestade, no qual doze artistas do Theatro D. Maria II pedem a rescisão do contrato feito entre o mesmo Governo e a actual Empresa adjudicataria.

O requerimento tem a data de 11 ou 12 de março do corrente anno de 1908 e é assinado pelos actores Eduardo Brasão, Ferreira da Silva, Fernando Maia, Carlos Santos, Cardoso Galvão, Joaquim Costa, Amelia Cordeiro, Adelina Abranches, Cecilia Machado, Delfina Cruz, Maria Pia e Amelia Vianna.

Sendo natural que os actores signatarios do requerimento se tenham dirigido ao Governo pelas vias competentes, requeiro ainda que, com a copia do requerimento, me seja enviada tambem a copta da informação do Sr. commissario do Governo junto do Theatro D. Maria, acêrca dos motivos, justos ou não, em que o requerimento se fundava.

Sala cãs sessões, em 5 de agosto de 1908.= O Par do Reino, Visconde de Monte-São.

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O Sr. Presidente: — Fica V. Exa. inscrito para a proximo sessão, em primeiro Jogar.

O Sr. Conde de Lagoaça está inscrito para falar antes da ordem do dia.

Se S. Exa. está de acordo em ficar inscrito para antes da ordem do dia da primeira sessão, porei agora á votação da camara a proposta do Sr. Mattozo Santos.

O Sr. Conde de Lagoaça:— Se V. Exa. me dá licença, eu leio um requerimento que mando para a mesa:

Requeiro que, pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, me seja enviada com urgencia copia do requerimento feito em 6 de julho de 1907 pelo primeiro secretario de legação, Conde de Lagoaça; outrosim, peço copia da informação da repartição e dos despachos ministeriaes que porventura tenham sido exarados no dito requerimento.

Sala das sessões, 5 de agosto de 1908. = O Par do Reino, Conde de Lagoaça.

O Sr. Presidente : — Vou pôr á votação a proposta do Digno Par Sr. Mattozo Santos.

Os Dignos Pares que approvam esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Está approvada.

Vae ler-se o parecer n.° 33.

Foi lido e é do teor seguinte:

PARECER N.° 33

Senhores.— Foi commettido ao exame das vossas commissões de agricultura e de fazenda, o projecto de lei n.° 38, vindo da camara dos Senhores Deputados, e que tem por fim decretar a importação de milho ou centeio, quando pelo manifesto se prove que o existente no País não chegue para o seu consumo.

Attendendo a que a excessiva escassez d'aquelles cereaes é tanta no actual anno que um grande numero de povoações se vê a braços com a fome, e sobre isto a cotação dos mercados estrangeiros impede a sua importação com o acrescimo do pagamento de direito pautai, são as vossas commissões de parecer que o projecto do Governo, tão bem justificado no relatorio que o precede, merece a vossa approvação, para ser convertido era lei.

Sala das sessões das commissões, em 3 de agosto de 1908.= Pereira de Miranda = P. Beirão — A. Eduardo Villaça — J. de Alarcão = F F. Dias Costa = A. Teixeira, de Sousa = Alexandre Cabral — F. Mattozo Santos, relator.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 33

Artigo 1.° O Governo mandará proceder á chamada para manifesto do milho ou do centeio existente no Pais e disponivel para a venda, quando houver reclamações acêrca da falta do respectivo cereal nos mercados nacionaes.

§ 1.° A chamada será feita pela direcção do Mercado Central de Productos Agricolas.

§ 2.° O manifesto será effectuado pelos possuidores do cereal sobre cuja falta haja reclamações, os quaes deverão declarar, por escrito, a quantidade d'esse cereal que possuirem, o preço por que desejam vendê-lo, e o local onde esteja armazenado, para que possa ser verificada a sua existencia.

Art. 2.° Se, em resultado da chamada, se averiguar que não existe no Pais a quantidade de milho ou de centeio necessaria para o consumo, ou que os preços pedidos são superiores aos normaes, o Governo, ouvido o Conselho Superior da Agricultura, usará dos meios designados no artigo 4.°, a fim de abastecer os mercados com esse cereal.

§ unico. No decreto que se publicar, nos termos d'este artigo, deverá limitar-se a quantidade de cereal a importar e marear-se o prazo durante o qual se applicará esse regime, para não prejudicar a proximo futura colheita, e, alem d'isso, determinar-se que esse cereal não pode ser vendido por preço superior ao normal, nem ter outro destino que não seja a alimentação.

Art. 3.° A quantidade de milho ou de centeio a importar será proposta ao Governo pelo Conselho Superior da Agricultura, tendo em vista:

1.° A quantidade total de milho ou de centeio precisa para consumo e para semente;

2.° A producção nacional do respectivo cereal;

3.° A importação d'esse cereal dentro do anno cerealifero.

§ unico. Os elementos necessarios para se cumprir o disposto neste artigo serão calculados pelo Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

Art. 4.° A importação de milho ou de centeio que deva realizar-se, no caso indicado no artigo 2.°, poderá fazer-se ou decretando-se a reducção dos direitos fixados na pauta geral das alfandegas, ou por meio de concurso ou pôr conta do Estado.

§ l.° Essa importação poderá ser feita, por qualquer dos processos designados neste artigo, quando a quantidade de cereal a importar for superior a 15.000.000 kilogrammas.

§ 2 ° Se a importação for inferior á indicada no paragrapho anterior, só
poderá fazer-se por concurso ou por conta do Estado.

§ 3.° A importação será feita por conta do Estado sempre que a quantidade a importar não seja superior a 2.000:000 kilogrammas de cereal, ou quando do emprego de qualquer dos outros meios possa resultar prejuizo grave para o Pais.

Art. 5.° O direito de importação do milho ou do centeio, quando se decretar a importação com reducção do direito pautal, será fixado pelo Governo, ouvido o Conselho Superior da Agricultura, observando-se que o preço do cereal respectivo, nos principaes mercados estrangeiros, acrescido das despesas accessorias, até a descarga nas alfandegas por onde se fizer a importação, e do direito a cobrar, será igual ao preço medio normal dos principaes mercados do País.

Art. 6.° O concurso para a importação de milho ou de centeio será aberto perante o Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

§ 1.° Será condição de preferencia o maior direito a pagar, sem prejuizo da boa qualidade do genero.

§ 2.° As propostas serão feitas para quantidades não superiores á quinta parte da quantidade que deva ser importada, devendo comtudo, quando se tratar da importação de milho, ser sempre admittidas as propostas para fornecimentos de 2.500:000 kilogrammas se não excederem aquella quantidade.

§ 3.° Em igualdade de circumstancias serão preferidas as propostas que offerecerem menores quantidades de cereal.

Art. 7.° Para occorrer á despesa com a importação de milho ou de centeio, que tenha de fazer-se, nos termos d'esta lei, fica autorizado o Governo a abrir os necessarios creditos extraordinarios, de acordo com a lei de contabilidade publica.

Art. 8.° A distribuição do milho ou centeio importados em virtude da presente lei será feita pela direcção do Mercado Central dos Productos Agricolas. As camaras municipaes dos concelhos onde haja falta d'esses cereaes enviarão as suas reclamações a essa direcção, pedindo a quantidade de milho e centeio necessarios aos respectivos concelhos. A distribuição será feita de acordo com as necessidades e população d'esses concelhos.

§ 1.° As camaras municipaes concederão em sessão publica, previamente annunciada por editaes, a venda dos cereaes que lhes tenham sido distribuidos, áquelles negociantes que, tendo feito as propostas mais vantajosas, presentes no acto da sessão, garantam fazê-la pelo menor preço na sede do concelho.

& 2.° Os administradores do concelho

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fiscalizarão o procedimento das camaras municipaes, informando a mesma direcção do Mercado Central dos Productos Agricolas de tudo o que possa convir para sua elucidação.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 30 de julho de 1908.== Alfredo Pereira = Amandio Eduardo da Motta Veiga = Antonio Augusto Pereira Cardoso.

N.°38

Senhores. — A vossa commissão de agricultura estudou, com o cuidado que merecia, a proposta de lei n.°28-B, destinada a estabelecer o regime a adoptar para abastecer de centeio os mercados do país quando ha falta d'este cereal por escassez de colheita e as cotações dos mercados estrangeiros impedem que a sua importação possa ser feita com o pagamento do direito pautal, mantendo se os preços normaes de venda.

Já no actual anno foi necessario apresentar ao Parlamento uma providencia extraordinaria para attender a esta lacuna da nossa legislação, tornando-se por isso indispensavel fazê-la desapparecer. Tal é o fim a que visa este projecto de lei.

É tão mau o anno cerealifero que já se dá em varios districtos falta de centeio para abastecer os mercados, apesar de se estar ainda em epoca de colheita.

Por este motivo é urgente que a Camara approve as medidas necessarias para que se possa fazer a importação de centeio, sem que sejam aggravadas as condições dos consumidores.

Tambem a proposta de lei inclue algumas modificações ao regime em vigor quanto á importação de milho.

A vossa commissão entendeu, de acordo com o Governo, que devia fazer pequenas alterações na proposta de lei e julga por isso que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O Governo mandará proceder á chamada para manifesto do milho ou do centeio existente no Pais e disponivel para a venda, quando houver reclamações acêrca da falta do respectivo cereal nos mercados nacionaes.

§ 1.° A chamada será feita pela Direcção do Mercado Central de Productos Agricolas.

§ 2.° O manifesto será effectuado pelos possuidores do cereal sobre cuja falta haja reclamações, os quaes deverão declarar, por escrito, a quantidade d'esse cereal que possuirem, o preço por que desejam vendê-lo, e o local onde esteja armazenado, para que possa ser verificada a sua existencia.

Art. 2.° Se, em resultado da chamada, se averiguar que não existe no Pais a quantidade de milho ou de centeio necessaria para o consumo, ou que os preços pedidos são superiores aos normaes, o Governo, ouvido o Conselho Superior da Agricultura, usará dos meios designados no artigo 4.°, a fim de abastecer os mercados com esse cereal.

§ unico. No decreto que se publicar, nos termos d'este artigo, deverá limitar-se a quantidade de cereal a importar e marcar-se o prazo durante o qual se applicará esse regime, para não prejudicar a proximo futura colheita, e, alem d'isso, determinar-se que esse cereal não pode ser vendido por preço superior ao normal, nem ter outro destino que não seja a alimentação.

Art. 3.° A quantidade de milho ou de centeio a importar será proposta ao Governo pelo Conselho Superior da Agricultura, tendo em vista:

1.° A quantidade total de milho ou de centeio precisa para consumo e para semente;

2.° A producção nacional do respectivo cereal;

3.º A importação d'esse cereal dentro do anno cerealifero.

§ unico. Os elementos necessarios para se cumprir o disposto neste artigo serão calculados pelo Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

Art. 4.° A importação de milho ou de centeio que deva realizar se, no caso indicado no artigo 2.°, poderá fazer-se ou decretando se a reducção dos direitos fixados na pauta geral das alfandegas, ou por meio de concurso ou por conta do Estado.

§ 1.° Essa importação poderá ser feita por qualquer dos processos designados neste artigo, quando a quantidade de cereal a importar for superior a 15.000:000 kilogrammas.

§ 2.° Se a importação for inferior á indicada no paragrapho anterior, só poderá fazer-se por concurso ou por conta do Estado.

§ 3.° A importação será feita por conta do Estado sempre que a quantidade a importar não seja superior a 2.000:000 kilogrammas da cereal, ou quando do emprego de qualquer dos outros meios possa resultar prejuizo grave para o País.

Art. 5.° O direito de importação do milho ou do centeio, quando se decretar a importação com reducção do direito pautai, será fixado pelo Governo, ouvido o Conselho Superior de Agricultura, observando se que o preço do cereal respectivo, nos principaes mercados estrangeiros, acrescido das despesas accessorias, até á descarga nas alfandegas por onde se fizer a importação, e do direito a cobrar, será igual ao preço medio normal dos principaes mercados do País.

Art. 6.° O concurso para a importação de milho ou centeio será aberto perante o Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

§ 1.° Será condição de preferencia o maior direito a pagar, sem prejuizo da boa qualidade do genero.

§ 2.° As propostas serão feitas para quantidades não superiores á quinta parte da quantidade que deva ser importada, devendo, comtudo, quando se tratar da importação de milho, ser sempre admittidas as propostas para fornecimentos até 2.500:000 kilogrammas, se não excederem aquella quantidade.

§ 3.° Em igualdade de circunstancias serão preferidas as propostas que offerecerem menores quantidades de cereal.

Art. 7.° Para occorrer á despesa com a importação de milho ou de centeio, que tenha de fazer-se, nos termos d'esta lei, fica autorizado o Governo a abrir os necessarios creditos extraordinarios, de acordo com a lei de contabilidade publica.

Art. 8.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 28 de julho de 1908.= Alfredo Carlos Le Coq = João Soares Branco = Visconde de Coruche (com declarações) — Alfredo M. de Magalhães Ramalho = Francisco Limpo de Lacerda Ravasco = Francisco Miranda da Costa Lobo = Luiz da Gama.

A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de agricultura sobre a proposta de lei- n.° 28-B; que vem preencher uma lacuna do actual regime cerealifero. = Conde de Penha G areia = João Soares Branco = Carlos Ferreira = Alberto Navarro = Conde de Castro e Solla = José da Ascensão Guimarães = José Jeronimo Rodrigues Monteiro = José Cabral Correia do Amaral.

N.° 28-B

Senhores.—A carta de lei de 14 de julho de 1899, que tão beneficos resultados produziu sobre a cultura do trigo no nosso País, providenciou tambem, na sua base 11.ª acêrca da importação de milho, nos casos de escassez de colheita, devidamente comprovada.

Pode dizer-se que, posteriormente á publicação d'esta lei, tem sido feito, em condições regulares, o abastecimento de milho no Pais, quando as cotações d'este cereal nos mercados estrangeiros impedem que essa importação possa ser feita com o pagamento do direito pautai, mantendo-se os preços normaes de venda nos mercados nacionaes.

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Não ha, porem, nesta lei nem em qualquer outro diploma providencia alguma acêrca da importação de centeio, quando para este cereal se dá o mesmo caso que acaba de ser indicado para o milho.

O centeio, comtudo, é ainda empregado largamente no fabrico de pão de uma parte importante da população portuguesa, e, apesar de, em geral, a producção nacional bastar para esse consumo, succede que, em alguns annos, se torna preciso providenciar para que não se eleve demasiado o preço d'este cereal e ainda, em alguns casos, para se conseguir o abastecimento das quantidades indispensaveis.

Assim aconteceu em 1905 e ainda no actual anno, tendo sido apresentado á vossa apreciação e approvado por vós um projecto de lei cujo fim era o fornecimento dos mercados até a colheita do actual anno.

Era tão urgente esta providencia que o Governo entendeu ser mais conveniente apresentá-la immediatamente á vossa consideração, reservando-se para mais tarde vos propor o que julgava indispensavel para fazer desapparecer a lacuna indicada na nossa legislação.

Já na discussão parlamentar d'esse projecto de lei foi feita esta declaração quando o Sr. Deputado Brito Camacho apresentou uma emenda destinada a conseguir este mesmo resultado.

A presente proposta de lei foi, pois, elaborada para applicar ao centeio providencias semelhantes ás que a carta de lei de 14 de julho de 1899 estabeleceu para a importação de milho.

A colheita do centeio é tão escassa no actual anno, segundo as informações recebidas, que é da maior urgencia que o poder legislativo adopte as providencias precisas para se poder conseguir o abastecimento dos mercados com esse cereal, a preço normal.

É tão má a situação das populações da região que se alimenta de centeio que causaria gravissimos inconvenientes qualquer aggravante do preço d'esse cereal, igual mesmo ao que já se deu o anno passado, pela falta de diploma legal sobre este assunto.

Nesta proposta do lei fazem se ligeiras alterações á lei e regulamento em vigor acêrca da importação do milho, com o fim de permittir uma mais rapida resolução, quando houver reclamações, e ainda para que desappareçam alguns inconvenientes que a experiencia tem mostrado.

Taes são as causas que levaram o Governo a submetter ao vosso justo criterio a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° O Governo mandará proceder á chamada para manifesto do milho ou do centeio existente no Pais e disponivel para a venda, quando houver reclamações acêrca da falta do respectivo cereal nos mercados nacionaes.

§ 1.° A chamada será feita pela Direcção do Mercado Central dos Productos Agricolas.

§ 2.° O manifesto será effectuado pelos possuidores do cereal sobre cuja falta haja reclamações, os quaes deverão declarar, por escrito, a quantidade d'esse cereal que possuirem, o preço por que desejam vendê-lo, e o local onde esteja armazenado, para que possa ser verificada a sua existencia.

Art. 2.° Se, em resultado da chamada, se averiguar que não existe no País a quantidade de milho ou de centeio necessaria para o consumo, ou que os preços pedidos são superiores aos normaes, o Governo, ouvido o Conselho Superior da Agricultura, usará dos meios designados no artigo 4.°, a fim de abastecer os mercados com esse cereal.

§ unico. No decreto que se publicar, nos termos d'este artigo, deverá limitar-se a quantidade de cereal a importar e marcar-se o prazo durante o qual se applicará esse regime, para não prejudicar a proximo futura colheita, e, alem d'isso, determinar-se que esse cereal não pode ser vendido por preço superior ao normal, nem ter outro destino que não seja a alimentação publica.

Art. 3.° A quantidade de milho ou de centeio a importar será proposta ao Governo pelo Conselho Superior da Agricultura, tendo em vista:

1.° A quantidade total de milho ou de centeio precisa para consumo e para semente;

2.° A producção nacional do respectivo cereal;

3.° A importação d'esse cereal dentro do anno cerealifero.

§ unico, os elementos necessarios para se cumprir o disposto neste artigo serão calculados pelo Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

Art. 4.° A importação de milho ou de centeio que deva realizar-se, no caso indicado no artigo 2.°, poderá fazer-se decretando-se a reducção dos direitos fixados na pauta geral das alfandegas, por meio de concurso ou por conta do Estado.

§ 1.° Essa importação poderá ser feita por qualquer dos processos designados neste artigo, quando a quantidade de cereal a importar for superior a 15.000:000 kilogrammas.

§ 2.° Se a importação for inferior á indicada no paragrapho anterior, só poderá fazer-se por concurso ou por conta do Estado.

§ 3.° A importação por conta do Estado só deverá effectuar-se quando a quantidade a importar não for superior a 2.000:000 kilogrammas, ou se resultar grave prejuizo para o Pais do emprego dos outros meios.

Art. 5.° O direito de importação do milho ou do centeio, quando se decretar a importação com reducção do direito pautal, será fixado pelo Governo, ouvido o Conselho Superior da Agricultura, observando-se que o preço do cereal respectivo, nos principaes mercados estrangeiros, acrescido das despesas accessorias, até a descarga nas alfandegas por onde se fizer a importação, e do direito a cobrar, será igual ao preço medio normal nos principaes mercados do País.

Art. 6.° O concurso para a importação de milho ou de centeio será aberto perante o Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

§ 1.° Será condição de preferencia o maior direito a pagar, sem prejuizo da boa qualidade do genero.

§ 2.° As propostas serão feitas para quantidades não superiores á quinta parte da quantidade que deva ser importada, devendo, comtudo, quando se tratar da importação de milho, ser sempre admittidas as propostas para fornecimentos até 2.500:000 kilogrammas, se não excederem aquella quantidade.

§ 3.° Em igualdade de circunstancias, serão preferidas as propostas que offerecerem menores quantidades de cereal.

Art. 7.° Para occorrer á despesa com a importação de milho ou de centeio, que tenha de fazer-se, nos termos d'esta lei, fica autorizado o Governo a abrir os necessarios creditos extraordinarios, de acordo com a lei de contabilidade publica.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria em 17 de junho de 1908.= Manuel Affonso de Espregueira = João de Sousa Calvet de Magalhães.

O Sr. Presidente: — Como ninguem pede a palavra, vae votar-se.

Os Dignos Pares que approvam o parecer que acaba de ser lido tenham a bondade de se levantar.

(Pausa).

O Sr. Presidente: — Está approvado.

Se algum Digno Par tiver documentos para mandar para a mesa, tenha a bondade de o fazer.

Vae passar-se á

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil

O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Presidente do Conselho.

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): — Não vejo presente o Digno Par Sr. Ressano Garcia, a quem comecei a responder na sessão passada. Como, porem, as considerações que vou fazer nada teem de pessoal, para não protelar os trabalhos da Camara, continuarei na minha resposta.

O Digno Par diz que o projecto em discussão vem desacompanhado de indicações officiaes que possam elucidar a Camara sobre se o conto de réis por dia, que nelle se consigna como dotação de Sua Majestade, é ou não o restrictamente essencial á majestade e decoro da sua situação como Chefe do Estado.

O Digno Par, naturalmente com o States Man Yearbook á vista, é o proprio que se encarrega de responder a esta accusação.

Com effeito o Digno Par dividiu as nações pelas suas receitas e população em tres grupos.

Pela semelhança de condições, collocou Portugal no segundo grupo, e viu que para este grupo a media da capitação da lista civil por habitante é de 107 réis.

Applicando esta media a Portugal, achar-se-hia para a lista civil réis 632:000$000 ou 131:000$000 réis acima da lista civil do projecto.

Analysando nessas nações do segundo grupo a relação entre as listas civis respectivas e as receitas ordinarias sommadas com as extraordinarias, chegou o Digno Par á conclusão de que a lista civil do projecto representa uma percentagem muito menor do que a media das percentagens equivalentes nas nações do grupo em que Portugal está incluido.

Concluiu pois o Digno Par, e muito bem, que a lista civil do projecto não é demasiada, nem superior á media adoptada nos países congeneres.

Provado pelo Digno Par que a lista civil do projecto não é maior do que devia ser, vejamos se é menor.

É ainda o Digno Par quem se encarrega de provar que não é.

Com effeito, dando conta das cedencias que da lista civil teem feito os Chefes de Estado portugueses em todo o periodo constitucional, chegou o Digno Par á conclusão que essas cedencias teem importado na somma de 3:925 contos de réis; o que dá uma media annual de, proximamente, 04 contos de réis.

Como, porem, pelos calculos de S. Exa., ainda que feitos por forma diversa da liquidação publicada pelo Sr. João Franco, chega S. Exa. ao mesmo resultado que chegara o meu antecessor, isto é, a 772 contos de réis de divida da Casa Real ao Thesouro Publico, vê-se que no periodo constitucional, sempre segundo a opinião de S. Exa., a media animal das cedencias excedeu em 44 coutos de réis o que, tambem em media, a mas recebeu a fazenda da Casa Real, durante o periodo a que os calculos de S. Exa. se referem.

Vê-se, pois, que, sempre usando os calculos de S. Exa., chegamos á conclusão de que a lista civil de projecto não é menor do que deve ser. por isso que, pelo apuro por S. Exa. feito, basta que a Casa Real não faça cedencia de especie alguma, para que a lista civil do projecto não seja menor do que deve ser para com ella se manter a majestade e o decoro do Chefe de Estado português.

Desde que a lista civil do projecto, pelos calculos de S. Exa. não é maior nem menor do que deve ser» o que ha a concluir é que bem calculada foi ella para os fins que tem a satisfazer.

Mas diz S. Exa. tambem que, se a lista civil do projecto está bem calculada, deve satisfazer ao preceito de ser o restrictamente necessario para a majestade e decoro de El-Rei; como é então que se pretende cerceá-la pelo pagamento definido no artigo 5.°, e como é que ao fim de 20 annos, cessando o desconto, se pode affirmar que o que chegava com o desconto, não sobeja com a cessação d'este?

Facil é responder a esta duvida.

Ao fim de 20 annos deve suppor-se que El-Rei terá sucessor com a idade propria para tomar couta da Casa de Bragança; durante esse periodo recebe El-Rei as receias d'essa casa, que compensam o desconto ca dotação; quando cessar o desconte cessa tambem, pois a receita alludida e as cousas conservar se-hão portanto sempre no mesmo pé, sem que os meios de que El-Rei possa dispor soffram alteração digna de reparo.

Tambem o Digno Par se referiu aos bens do Infantado, dizendo que não estavam na posse da Coroa e que eram, para todos os effeitos, bens do Estado, sem differença de quaesquer outros.

Foram criados no tempo de D. João IV estes bens, para com elles se instituir um morgado que constituisse apanagio dos que, por falta de descendencia directa do Soberano, pudessem por morte d'este vir a ser herdeiros do Throno.

Sendo D. Miguel filho segundo de D. João VI, a elle foram adjudicados aquelles bens como de direito.

Dados os acontecimentos politicos que terminaram pela convenção de Evora Monte, expulso do reino D. Miguel, os bens do Infantado ficarar para sempre extinctos pelo decreto de 18 de março de 1834 (artigo 1.°).

O artigo 2.° dispõe q 12 esses bens fiquem pertencendo á Frenda Nacional e encorporados nos proprios d'ella, consignando-se tambem no mesmo artigo que os palacios de Queluz, Bem-posta, Alfeite, Samora Correia, Caxias, Murteira, essas, quintas e mais dependencias d'elles, são destinados para decencia e recreio da Rainha, como os palacios e terrenos de que trata o artigo 85.° da Carta Constitucional da Monarchia.

Este artigo diz o seguinte:

«Artigo 85.° Os palacios e terrenos reaes que teem sido até agora possuidos pelo Rei ficarão pertencendo aos seus successores, e as Côrtes cuidarão nas aquisições e construcções que julgarem convenientes para a decencia e recreio do Rei».

Claramente fica assim demonstrado que os palacios de Queluz e Caxias, tendo sido bens do Infantado, teem estado até agora, e muito bem, na posse dos herdeiros de D. Maria II, e teriam de ficar portanto na posse de El-Rei D. Manuel, se Sua Majestade não dispensasse o seu usufruto.

Para que esta cedencia pudesse verificar-se, era necessario o concurso de duas vontades: a de El-Rei, cedendo-os por os julgar dispensaveis para sua decencia e recreio; e a da nação, que, por uma lei, igualmente assim os julgasse, para es fins do final do artigo 85.° da Carta Constitucional.

A lei de 19 de dezembro de 1834, que estabeleceu a dotação de D. Maria II, confirmou a cedencia do palacio de Salvaterra de Magos, que pertencia ao infantado, bem como a do Palacio cê Vendas Novas, não havendo portanto novidade na disposição do projecto, pelo que se refere á cedencia por El-Rei dos Paços de Queluz e de Caxias, em tempo pertencentes ao Infantado, e posteriormente encorporados no usufruto da Coroa pelas determinações do decreto de 18 de março de 1834, e nas condições definidas pelo artigo 85.° da Carta Constitucional. E portanto errada a interpretação dada pelo Digno Par á legislação vigente, e menos fundada a accusação do Governo de, pela sua proposta de lei, ter attribuido a El-Rei faculdades que El-Rei não tivesse.

Tambem S. Exa. a se referiu á questão das rendas.

(Entra na sala o Digno Par Ressano Garcia).

Eu estava-me referindo ao que o Digno Par disse, mesmo na sua ausencia, porque..

O Sr. Ressano Garcia: — Peço desculpa a V. Exa. por não estar presente,

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SESSÃO N.° 35 DE 5 DE AGOSTO DE 1908 7

mas não é costume entrar na ordem do dia antes das tres horas.

O Orador: — O que eu estava dizendo nada tinha de pessoal, por isso podia continuar no uso da palavra mesmo na ausencia de V. Exa.

O Sr. Ressano Garcia: — Mas eu é que não queria faltar a consideração devida a S. Exa.; seria incapaz d'isso, mas não esperava que se entrasse na ordem do dia antes das tres horas.

O Orador: — O Digno Par entendia que a questão das rendas se devia eliminar das relações entre o Estado e a Casa Real. Ora esta questão é simplesmente uma questão legal.

A lei orçamental de 13 de maio de 1896, no seu artigo 30.°, estabeleceu a forma de liquidar as contas da Casa Real com o Thesouro, contas em que figuravam direitos aduaneiros, devidos pela Casa Real, e reclamações d'esta por quantias devidas pelo Thesouro, pela occupação de propriedades cujo usufruto pertencia á Casa Real.

A lei orçamental de 12 de junho de 1901 no seu artigo 19.°, § unico, alinea a) determinou que o Governo ficasse autorizado a pagar á administração da fazenda da Casa Real a importancia das rendas dos predios pertencentes á mesma Casa e que o Estado usufrue para diversos serviços publicos, podendo abrir creditos especiaes necessarios, nos termos da mesma lei, e sendo esta disposição declarada de execução permanente.

Assira estão perfeitamente legalizadas as rendas, que já eram nesta data recebidas, não havendo que estatuir no presente projecto o direito ás rendas já estatuido por um artigo de lei de execução permanente, e simplesmente houve que declarar vigente a de 16 de julho de 1855, firmada por D. Pedro V e referendada por Braamcamp.

A differença entre as rendas cobradas pela Casa Real em epoca anterior a 1902 e 1903 e as que posteriormente e até 1905 e 1906 se pagaram não significa, creio bem, rendas acrescidas, mas o que a commissão do artigo 5.° terá de julgar para realizar a liquidação de dividas de rendas reclamadas pela administração da Casa Real, e que o Ministro da Fazenda de então julgou poder abonar á conta d'essas reclamações.

O Ministerio do Sr. João Franco fez cessar essa forma de encontro, e as rendas passaram a ser o que até então eram, aproximadamente réis 28:904$000.

Quanto ao direito da Casa Real a arrendar as propriedades de que é usufrutuaria, não pode a sua legalidade ser discutida, desde que se promulgou a lei de 16 de julho de 1855, já citada.

Nem é isto só usado em Portugal; em muitos países succede que a lista civil não se compõe só do que se dá em dinheiro: ha immoveis que constituem apanagio dos Chefes de Estado e que estes administram como acham melhor.

Nem colhe o argumento, muitas vezes repetido, de que, sendo o Estado o proprietario; não é justo que pague renda do que é seu, porque o Estado, desde que cedeu por lei o usufruto á Casa Real, já não tem a posse completa, e quando d'esta precisa, tem que pagar ao usufrutuario o usufruto que a este pertence por lei, isto é, o que a renda represente, sendo frequentissima entre particulares a hypothese, que o Codigo Civil não prohibe.

O Sr. Ressano Garcia: — Estou de acordo com V. Exa.

Sei perfeitamente que o usufrutuario pode arrendar um predio ao proprietario, mas o que eu peço a V. Exa., visto ter estudado esta questão, é que me diga qual é a lei que declara ser o palacio da Bemposta, por exemplo, usufruto da Casa Real.

O Orador: — É o decreto de 18 de março de 1834.

O Sr. Ressano Garcia: — Está bem; registo a resposta de V. Exa.

O Orador:— Vou continuar a responder ao Digno Par. A carta de lei de 16 de julho de 1855 diz o seguinte :

«Artigo 3.° Os bens da Coroa declarados no artigo 85.° da Carta Constitucional poderão ser arrendados, mas o prazo dos arrendamentos não poderá exceder a vinte annos nem ser renovado antes dos ultimos tres annos, excepto no caso em que uma lei o autorize.

Os arrendamentos feitos na forma sobredita serão mantidos pelos successores até a expiração do prazo convencionado, não havendo offensa dos seus direitos em alguma das outras clausulas».

O Digno Par continua a asseverar o que é aliás axiomatico: que quando uma questão se põe bem, mais facil é a sua solução.

Por bem a questão, no entender de S. Exa. consistiria em apresentar ás Côrtes o projecto da lista civil sem o artigo 5.°, e para prova do seu auto estabeleceu o seguinte dilemma:

Ou EL-Rei herdou de seu pae um activo superior ao passivo, e é pelo saldo, e até as suas forças, que é obrigado a pagar as dividas de seu pae, ou o contrario succede, e é uma violencia sem nome obrigar El-Rei a deducções na sua dotação, para pagar dividas que não contrahiu, e que não é obrigado a pagar. Sendo mais que certo que é a segunda hypothese a que realmente se dá, não quer aggravar a sua consciencia com um acto immerecido e violento contra o Chefe do Estado, que, como nós todos, muito respeita considera.

Dá-se com effeito a segunda hypothese ; as consequencias a tirar, dada a vontade expressa de El-Rei de pagar as dividas de seu pae, é que são, a meu ver, perfeitamente oppostas ao corollario de S. Exa.

Encarada a questão sob o ponto de vista do direito civil, seguramente a razão estaria do lado do Digno Par, mas dada a vontade sincera e claramente manifestada por El-Rei de pagar as dividas de seu pae, a violencia seria exactamente a abolição do artigo 5.°

Quem votasse contra o artigo 5.° collocaria sobre a cabeça de El-Rei a insinuação de que o joven e sympathico Monarcha quisera na sua carta representar uma comedia indigna da sua pessoa, do seu caracter, do seu culto pela verdade e pela justiça.

Não faltaria quem malevolamente attribuisse ao joven Monarcha connivencia numa comedia preparada, para ter solução na Camara conservadora, onde teem voto muitos dos seus familiares mais graduados.

O Sr. Conde de Lagoaça: — O projecto é de El-Rei ou do Governo?

O Orador:— O projecto é do Governo.

O Sr. Conde de Lagoaça: —O Sr. Presidente do Conselho está cobrindo se com El-Rei. Voltamos á vida velha.

O Orador:— Está o Digno Par enganado ; não ha nas minhas palavras a mais leve intenção de me cobrir com o nome de El-Rei.

V. Exa. foi muito injusto e eu tudo poderia esperar, menos que o Digno Par me interrompesse para fazer uma affirmação completamente inexacta e que corresponde a um acto de traição • que eu sou incapaz de commeter.

O Digno Par pode ter tido graça no seu àparte, mas não foi feliz.

Seguramente a Camara é soberana nas suas resoluções e tem, alem do direito, a hombridade necessaria para votar como a sua consciencia lhe ditar, mas os meus deveres de chefe de situação obrigam-me a ser coherente e a fazer nesta Camara declarações iguaes ás que fiz na outra casa do Parlamento, de uma maneira categorica e clara.

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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Ora essas declarações consistem em affirmar que o Governo não poderá de forma alguma concordar com qualquer alteração ao projecto em discussão, e portanto que o seu procedimento terá de regular-se pela situação constitucional que a votação da camara lhe criar no pleno uso do seu direito, das suas regalias e das suas immunidades.

É accusado o Governo de ter provocado, com a inserção do artigo 5.°, que se discutisse a chamada questão dos adeantamentos.

Nada mais injusto, nem menos de acordo com a situação politica criada em volta d’essa questão, desde o primeiro momento em que ella se apresentou no Parlamento, o que só deveria succeder quando se trouxesse conjuntamente a sua immediata solução.

Tendo sido a imprudente falta de solução immediata um dos acontecimentos que mais teem impressionado a opinião publica, tendo sido tal questão uma das que em Portugal maiores e mais deploraveis consequencias teem tido, seria demasiada ingenuidade pensar que, aprese atada a lista civil, com ou sem artigo 5.°, a opposição não escolhesse para plataforma dos seus ataques a questão dos adeantamentos. Mas esta questão não veio á tela da discussão por causa do artigo 5.°, veio porque tinha de vir fatal e necessariamente, e, digamo-lo com toda a franqueza, ha de continuar a apparecer a proposito e a desproposito de tudo, muito naturalmente ainda depois de liquidada e legalmente terminada,

O Governo tem a consciencia de que no seu procedimento pôs a questão como ella devia ser posta.

O julgamento dos adeantamentos no que diz respeito ás responsabilidades politicas correlativas e á proposta dos meios para evitar a sua repetição, aliás hoje difficil, sé não impossivel, desde que se cumpra fielmente a lei da contabilidade, está confiada á commissão de inquerito da Camara dos Senhores Deputados.

Dada a vontade expressa de El-Rei, que todos a meu ver devemos respeitar e louvar, de pagar as dividas de seu pae, aconselhou o Governo a Sua Majestade que pelas determinações do artigo 5.° se executasse a sua generosa, nobre, seria e sincera intenção, criando-se por aquelle artigo na proposta que apresentou ao Parlamento um tribunal, insuspeito de poder ter qualquer intenção, politica, que julgasse as questões contenciosas entre a Casa Real e o Thesouro Publico, que não tratasse em cousa alguma de responsabilidades politicas, mas de contas, e que, ouvindo contraditoriamente o representante financeiro da Casa Real e o Governo, apresentasse liquidação e parecer que pudessem inspirar no espirito publico a confiança a que a natureza do tribunal seguramente tem direito.

Na sua proposta inicial não havia o Governo estabelecido que o veredictum d'esse tribunal precisasse, para ter effeito, a sancção do Parlamento; concordou, porem com a proposta da commissão para que a sentença fosse homologada pelo Parlamento, porque tratando-se de uma liquidação da Casa Real com o Estado, entendeu que a intervenção do Parlamento, approvando-a, era o reconhecimento mais completo e mais sincero do acordo entre o Rei e o povo pela voz dos seus legitimos representantes, era a liquidação completada pelo acordo das Côrtes Geraes que a decretaram com o Rei que a assinara.

Nem poderia suppor-se que havia invasão de poderes, desde que o tribunal julgava e as Côrtes confirmavam a sentença, pela mesma forma que o Governo homologa os accordãos do Supremo Tribunal Administrativo, pela mesma maneira por que as Côrtes decidem sobre as contas do Estado julgadas pelo Tribunal de Contas, enviadas ao Parlamento, com a declaração de conformidade do niesmo tribunal.

Tudo previu o Governo, em tudo pensou para que a opinião publica pudesse ter a devida satisfação; para que a todos se faça justiça, para que todos respondam pelos seus actos, mas com os documentos em que possam apoiar á sua defesa, e para que emfim se faça justiça inteira e completa, e não bordada sobre fantasias e inventes.

Mais pensou tambem o Governo em collocar o Monarcha na situação moral digna e seria que lhe é devida, e em concorrer para que a sua rasgada e nobre iniciativa de pagar as dividas de seu pae tivesse pronta e completa execução. Do patriotismo da Camara, da sua justiça, da sua dedicação pelas instituições tem o Governo a esperar que será pela camara auxiliado nas suas intenções, e que na sua alta sabedoria ha de ella seguramente decidir o que mais conveniente for á razão, á justiça e ás instituições que felizmente nos regem, ou, o que é o mesmo, ao bem da patria portuguesa. (Vozes : — Muito bem, muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde do Cartaxo:— Pedi a palavra para participar a V. Exa. que a commissão por V. Exa. nomeada para dar parecer sobre o pedido de renuncia ao pariato, feito a esta camara pelo Digno Par Sr. Anselmo Braamcamp, se acha constitui da tendo escolhido para presidente o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, e a mim participante, para secretario.

A Camara ficou inteirada.

O Sr. Augusto José da Cunha: — Sr. Presidente: pedi a palavra sobre o projecto que está em discussão, porque, referindo-se o artigo 5.° d’esse projecto á liquidação das dividas da Casa Real ao Estado, provenientes dos adeantamentos que lhe foram autorizados por alguns Ministros da Fazenda — questão que tão agitada tem sido no Parlamento e na imprensa — e tendo eu sido um d'estes Ministros, entendi que era esta a occasião opportuna para vir ao Parlamento dar explicação de meus actos e declarar ao Pais quaes foram os adeantamentos que autorizei e quaes os motivos que me levaram a essa autorização.

Venho confessar-me culpado e arrependido ; mas esta confissão não tem por fim armar á benevolencia de quem quer que seja; não imploro, nem pretendo a demencia de ninguem.

Conheço bem as responsabilidades que assumi e tenho animo bastante forte para soffrer todas as consequencias que essas responsabilidades me podem trazer.

Sr. Presidente : eu fiz dois adeantamentos á Casa do Rei.

O primeiro, por despacho de 10 de janeiro de 1890, foi na importancia de 30 contos de réis. Conforme os termos do despacho, esse adeantamento devia ser amortizado até junho do mesmo anno, isto é, dentro do anno economico, por deducções mensaes feitas na dotação do Chefe do Estado.

Creio que as deducções se effectuaram, e que esta divida se acha liquidada.

O segundo adeantamento foi autorizado em fevereiro de 1891, na importancia de 90 contos de réis.

E como o Ministro que me antecedeu na minha segunda gerencia da pasta da Fazenda tinha permittido um adeantamento de 40 contos de réis que ainda não estava liquidado, ficavam estes dois adeantamentos — o que fora autorizado pelo meu antecessor, e aquelle que eu então autorizava— importando em 130 contes de réis, divida que, conforme as promessas da Casa Real, devia ficar amortizada até outubro de 1893, por deducções encontradas na dotação do Rei.

Estas deducções deviam ser de 3 contos de réis mensaes no anno de 1891; de 4 contos de réis cada mês durante o anno de 1892; de 5 contos de réis mensaes de janeiro a setembro de 1893, e finalmente de 7 contos de réis no mês de outubro d'esse mesmo anno, ficando então a divida completamente amortizada.

Não sei, Sr. Presidente, se pela forma combinada, ou por outra, dizem-me que este adeantamento está liquidado.

Estes dois adeantamentos que acabo de mencionar são os unicos que autorizei á Casa do Rei, e a estes se refere

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o artigo 5.° do projecto que está em discussão.

Mas para fazer desde já confissão completa das minhas responsabilidades no capitulo dos adeantamentos, devo declarar á Camara que tambem autorizei dois em janeiro e fevereiro de 1891 á Casa de Sua Majestade a Rainha Senhora D. Maria Pia, na importancia total de 95 contos de réis, por conta da sua dotação.

Sr. Presidente: não pretendo attenuar as minhas responsabilidades, dizendo que alguns dos adeantamentos que mencionei estão liquidados já. Liquidados ou não, as autorizações dos adeantamentos são actos illegaes, illegaes e deploraveis por qualquer lado por que se considerem e as responsabilidades gravissimas. A guarda e applicação dos dinheiros publicos está confiada ao Ministro da Fazenda, que não tem autoridade para desviá-los dos fins a que designadamente por lei são destinados

Comprehende se e admitte-se que, para acudir a uma necessidade imprevista e urgente, que ponha em risco interesses do Estado, o Ministro da Fazenda disponha dos cofres publicos, embora não esteja para essa despesa autorizado pela lei do orçamento. Mas neste caso corre-lhe o rigoroso dever de vir ao Parlamento dar conhecimento do acto illegal que praticou e das circunstancias que o podem justificar, e pedir o respectivo bill de indemnidade. Mas desviar dos cofres publicos os dinheiros pagos pelo contribuinte, ás vezes sabe Deus com que sacrificio, para emprestar, ou dar, seja a quem for, é um acto que nenhum Ministro da Fazenda pode praticar, é uma grande falta, é uma grande culpa.

E eu, Sr. Presidente, sou réu confesso d'esta culpa.

Mas para que eram estes adeantamentos? Com que fins se pediam? Allegava-se que eram para pagar despesas justificadas e legitimas; que a Casa Real não podia viver com o decoro, que devia manter, com a lista civil que as Côrtes tinham votado no principio do reinado 5 que era indispensavel conservar illeso o prestigio que deve cercar o Chefe do Estado. Ora, Sr. Presidente, falando em geral na questão, não é fazendo despesas excessivas, e que vão alem das receitas, não é contrahindo dividas e pagando-as á custa alheia, não é com mais ou menos automóveis, com mais ou menos criados de fardas agaloadas, com mais ou menos sumptuosidade, que cada um adquire e sustenta a autoridade, o respeito e a estima dos outros, e falando em especial dos Reis, direi que o Rei de um país pequeno e pobre que tem a instruccão, o exercito, a armada, quasi todos os serviços publicos insufficientemente dotados, não pode competir em pompa e fausto com os Reis de países ricos e poderosos. O prestigio do Chefe do Estado não vem da summptuosidade com que vive, vem do prestigio da nação a que preside, e o prestigio da nação vem da sabedoria com que é governada. (Repetidos apoiados do Digno Par Sr. Sebastião Bar acho).

O Chefe da Confederação Helvetica tem de vencimento annual 040 libras, e a Suissa é respeitada e admirada por todas as nações do mundo.

Mas dir-me-hão, Sr. Presidente, pensando eu d'este modo, porque autorizei adeantamentos ? Porque não vim ás Côrtes dar conhecimento das illegalidades que pratiquei, pedir o respectivo bill de indemnidade?

Tem-se dito por ahi, e é uma grande injustiça, que estes adeantamentos eram feitos para conciliar as boas graças do Paço, e conservar assim a pasta, as honras, as prerogativas, os commodos de Ministro de Estado. Não, não foi essa a razão.

Eu sei por mim, e avalio pelos outros homens publicos, quanto haviam de sentir terem de saltar por cima da lei para satisfazerem estas solicitações.

Peço licença para occupar a attenção da Camara durante alguns momentos e apresentar lhe alguns factos dos quaes se poderá presumir que nunca fui seduzido pelo poder nem por glorias. Nunca fiz o menor esforço, nunca dei um passo para ser Ministro. Fui Ministro pela primeira vez em novembro de 1889. Aqui vejo o meu illustre amigo e Digno Par Ressano Garcia, uma das mais vigorosas intelligencias que todos admiramos; alem vejo tambem o honrado estadista, uma das glorias mais brilhantes do partido progressista, (Apoiados) o Digno Par e meu amigo Veiga Beirão, e tambem ali está o Sr. Eduardo José Coelho, todos tres meus collegas e que foram testemunhas e para elles appello da resistencia que oppus ás instancias que me foram feitas para acceitar uma pasta no Governo, que então se achava em crise parcial. Appello para o testemunho de S. Exas. (Apoiados). Agradeço a S. Exas. E se, depois de uma luta de vinte e quatro horas, cedi, foi porque dois Ministros d'aquelle Gabinete, o meu amigo Ressano e outro meu amigo, que infelizmente a morte arrebatou, Barros Gomes, foram a minha casa declarar-me que o Governo tinha esgotado todas as combinações para resolver a crise, e que se eu insistisse na recusa, o Governo iria depor a sua exoneração nas mãos do Rei.

Cedi então, porque não quis ficar com a responsabilidade de ser causa unica da demissão do Governo, em cujo partido eu militava como soldado.

Da segunda vez que fui Ministro, em novembro de 1890, tambem lutei e fui vencido. Era convidado para substituir Mello Gouveia na pasta da Fazenda.

Resisti ás instancias dos Ministros, quatro dos quaes dormem o somno da eternidade, e dois, felizmente vivos, não estão presentes.

Mas cedi a uma carta do Rei, que me dizia que era um favor pessoal. E, se faço allusão a este documento, é porque creio não fazer o menor aggravo á memoria do Rei D. Carlos. Bem cara me foi essa condescendencia.

Finalmente, da terceira vez que fui convidado para Ministro acceitei sem resistencia a pasta das Obras Publicas, porque sabia que o chefe do meu partido desejava resolver prontamente a crise, e as suas duvidas criariam difficuldades, que a minha lealdade e dedicação deviam evitar para não ser retardada a solução da crise.

Sr. Presidente: peço desculpa á Camara de occupar a sua attenção com estes factos, que só teem importancia para mim; se os referi, foi para significar que nunca me seduziu o desejo do poder nem a gloria das grandezas, e que nunca tive em vista attrahir as boas graças da Coroa.

Bem sei que não se prende ninguem para Ministro, mas o que é verdade é que muitas vezes se obedece com repugnancia ás exigencias da disciplina partidaria.

Mas, se não foi com o fim de conservar a pasta de Ministro, ou de captar as boas graças da Coroa, para que autorizei eu os adeantamentos que a Casa Real me pedia, e porque não vim, á Camara dar conhecimento d'esses actos illegaes, e solicitar o respectivo bill de indemnidade?

Foi porque não soube subtrahir-me á influencia do meio que me cercava, e porque ha dezoito annos eu pensava de modo differente do que penso hoje.

Nas monarchias absolutas julgava-se, e ainda alguem julga, que o poder dos réis vem de Deus -omnis potestas a Deo— que o Rei é o senhor absoluto do territorio e dos -homens.

O Sr. Sousa Costa Lobo: — É a primeira vez que ouço dizer isso!

O Orador:— Pois V. Exa. não conhece a historia? V. Exa. não se recorda da frase de Luiz XIV?

(Nova interrupção do Digno Par Sr. Costa Lobo, que não se ouviu).

Se V. Exa. comprehende as cousas de outra forma, muito me obsequeia, elucidando-me ou desfazendo esta cegueira em que vivo.

O Sr. Sousa Costa Lobo : — Depois responderei a V. Exa.

O Orador:— Que foram, Nero, Ti-

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

berio, Caligula e tantos outros despotas e tyrahnos?

Praticaram toda a casta de loucura, toda a especie de crueldades, e ai de quem se oppusesse aos seus desvarios.

Não sabe V. Exa. o que aconteceu no tempo de Jayme II, de Inglaterra ?

Ignora que quis introduzir á força a religião catholica na massa total dos ingleses, que eram protestantes?

Pois eu, quanto ao poder absoluto dos Reis, continuo a manter as minhas convicções, a despeito das observações de um Digno Par tão erudito e de um parlamentar tão abalisado.

O Sr. Sousa Costa Lobo: — O que eu disse foi que era a primeira vez que ouvia isso a V. Exa.

O Orador:— Pois eu creio que não dou nenhuma novidade á Camara.

La eu dizendo, Sr. Presidente, que a historia ensina que os Reis absolutos faziam tudo quanto lhes vinha á cabeça.

Hoje ninguem crê no direito divino; os Reis de direito divino foram-se, como se foram os Deuses do paganismo. Mas os Reis actuaes, os Reis constitucionaes, ainda estão cercados de uma tal aureola de grandeza, herança dos antigos tempos, que ainda muita gente julga que o Rei é o soberano, quando a verdade é que a soberania reside na nação, de que o Rei é apenas o mandatario.

O respeito que todos devem ao Rei, como primeiro funccionario do Estado, chega em algumas pessoas até a adoração.

Assim, na Inglaterra, modelo das monarchias constitucionaes, e que já no tempo de Guilherme III tinha a Constituição que hoje tem, e, diga-se de passagem, Constituição que foi imposta ao Rei primeiramente no seculo XII e depois pela convenção de 1688, na Inglaterra, o grande orador e Ministro de George III, Lord Chatham, a que alludiu o Digno Par Ressano Garcia no seu eloquente discurso, tinha pelo Rei tal respeito que chegava á superstição: falava-lhe de joelhos, e assomavam-lhe as lagrimas aos olhos, quando o Rei lhe dava alguma demonstração de sympathia.

Em Portugal tambem, Sr. Presidente, em 1823, quando foi da jornada de Vilia Franca, todos nós sabemos que varias pessoas de instruccão, para mostrarem o seu affecto e dedicação para com D. João VI, desatrelaram os cavallos do coche que o conduzia, para ellas o puxarem.

É certo que entre nós o respeito pelos Reis constitucionaes nunca chegou a este extremo. Mas é tambem fora de duvida que a influencia é ainda grande, que elles estão cercados de tal prestigio, que é muito difficil resistir aos seus pedidos, principalmente quando se diz que esses pedidos são feitos para tirar a Coroa de uma grande dificuldade, para salvar a sua autoridade, o seu decoro e o seu prestigio.

Todos nós ouvimos aqui dizer a um Presidente do Conselho, cuja memoria respeito, porque foi durante a vida estimado e respeitado por todos, que era seu dever receber as ordens do Rei e cumpri-las.

É um facto que cito sem fazer commentarios.

Pelo meio em que me acaava, que não pretendo analysar. mas que então acreditava ser salutar e conveniente para o bom Governo do Tais, pelo meio em que me achava é que se explica a condescendencia, a fraqueza que tive para ceder a instancias è solicitações e autorizar es adeatamentos.

Ha 18 annos, quando fui Ministro pela primeira vez, é que começaram, Sr. Presidente, a modificar-se as minhas ideias politicas.

Sr. Presidente: quando comecei a ver a politica por dentro e não por fora. . . primeiro vi a politica da plateia e depois do palco, dos bastidores, o que é differente, e com isto não quero fazer a menor censura aos meus collegas com quem servi, e protesto contra qualquer interpretação neste sentido que se pretenda dar ás minhas palavras; as minhas crenças foram pouco a pouco apagando-se, e depois que vi quaes as difficuldades que teem de se vencer, os desgostas que as soluções das questões trazem, e emfim as causas d'esses desgostos, fui modificando gradualmente as minhas crenças politicas; fui accumulando desenganos; hoje, um amanhã, outro; fui transformando as minhas ideias numa evolução lenta como são todas as evoluções.

Ainda vi luzir um raio de esperança quando foi da concentração liberal, porque acreditei ingenuamente nas pá lavras de um Presidente o e Conselho que veio aqui com a mão no peito jurar, deante de Bens e dos homens, que se tinha arrependido dos seus erros e que havia de encetar uma vida nova, conforme a lei e a liberdade. Enganei-me, ingenuamente e envergonhadamente confesso o meu erro.

Quando vi esse caraclismo destruidor desencadear-se sobre o País esmagando os mais sagrados direitos de um povo, suprimindo a imprensa, dissolvendo as camaras municipaes, escarnecendo das leis, suffocando a liberdade, que, para o homem que pensa e sente, é tão preciosa como é a vida; quando vi essa ditadura maldita, espionando, prendendo, deportando, matando; e quando vi—oh, Sr. Presidente?— quando vi a Monarchia constitucional, a Monarchia liberal, autorizar, apoiar, applaudir essa feroz ditadura, a que faltou só a força para se igualar á de D. Miguel, cheguei ao convencimento de que a Monarchia, quando quer e quando lhe convem, pode transformar-se num Governo despotico e tyranno, para praticar toda a casta de excessos e desmandos, toda a casta de erros e de crimes.

O Sr. Conde de Lagoaça: — A Monarchia aconteceu-lhe o mesmo que a V. Exa., enganou-se; mas como não podia passar para a Republica, ficou.

O Orador: — Mas eu é que não quero sujeitar-me a esses enganos. Tenho as minhas convicções muito arreigadas para que o digno Par me faça modifica-las.

Sr. Presidente: dizia eu que quando cheguei a cate convencimento resolvi resolutamente, porque aborreço, detesto, odeie o absolutismo e a tyrannia, sair dos arraiaes de uma Monarchia, que não me garante o direito que tenho á vida a á liberdade, para me abraçar com outras doutrinas e com outros principies que julgo mais justos e mais efficazes para me defenderem os meus direitos e promoverem o progresso material e moral da nação.

Custou-me a resolução, porque deixei os meus amigos, os meus partidarios, cem quem vivi sempre em boa camaradagem, mas consola-me a ideia de que aquelles que eram meus amigos pessoaes, ainda me honram hoje com a sua amizade, porque sabem que a mudança das minhas opiniões não foi motivada por interesses vis e mesquinhos, mas só pela força da minha consciencia, que pode estar em erro mas que é sincera.

Julguei que era do meu dever fazer estas declarações, agora que da questão dos adiantamentos se está tratando com tanto ardor.

Não podia pois ficar calado, para que não suppusessem que eu escondia as minhas culpas para fugir ao castigo.

Não quero tomar mais tempo á Camara. Concluo como comecei. Confesso-me culpado e arrependido. Mas com esta commissão não se imagine que eu venho implorar a clemencia de alguem.

Podem julgar, o que quiserem. Conheço bem as minhas responsabilidades, mas sinto-me bastante forte para soffrer as consequencias que essas responsabilidades sobre mim podem trazer.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Conca de Lagoaça: — Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a

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SESSÃO N.° 35 DE 5 DE AGOSTO DE 1908 11

Camara se permitte que, dispensando o regimento, entre em discussão o parecer n.° 37, relativo á adjudicação dos impressos para o serviço dos correios e telegraphos ser feita por concurso.

O Sr. Presidente: — Tendo o Sr. Conde de Lagoaça apresentado um requerimento para que entre em discussão desde já o parecer n..° 37, não considero inopportuno apresentá-lo á consideração da Camara, visto que seguindo na ordem dá inscrição sobre o projecto em ordem do dia o Digno Par o Sr. Arroyo, naturalmente não lhe chegaria o tempo que lhe restava de sessão para expor as suas considerações.

Dado o caso do projecto ser approvado sem discussão, prolongarei a sessão até ás 5 horas, concedendo a palavra aos oradores que se inscreveram para antes da ordem do dia.

Os Dignos Pares que approvam o requerimento do Sr. Conde de Lagoaça para que, dispensado o regimento, entre em discussão o parecer n.° 37, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Em seguida foi lido na mesa o parecer n.° 37, sendo approvado sem discussão.

É o seguinte:

PARECER N.° 37

A proposição de lei n.° 37, approvada pela Camara dos Senhores Deputados, estatue o modo de fazer a adjudicação do fornecimento dos impressos necessarios para os serviços externos da Direcção Geral dos Correios e Telegraphos, nos mesmos termos do programma do concurso de 5 de setembro de 1891.

A vossa commissão, considerando que este concurso foi mandado abrir para auxiliar as artes graphicas do Porto, que estavam então lutando com uma grande crise economica;

Considerando que, infelizmente, pela falta de publicações, para que em muito concorre a crise do Douro, se teem aggravado as circunstancias que levaram á publicação do citado programma de concurso;

Considerando que é um acto de justiça garantir por lei a doutrina do mencionado programma:

É de parecer que merece a vossa approvação a mencionada proposição de lei.

Sala das sessões, em 4 de agosto de 1908. = José M. de Alpoim = Antonio Teixeira de Sousa = Bernardo de Aguilar Teixeira Cardoso = F. F. Dias Costa = J. de Alarcão = A. Eduardo Villaça = Marquez de Avila e de Bolama.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 37

Artigo 1.° A adjudicação do fornecimento dos impressos necessarios para os serviços externos da Direcção Geral dos Correios e Telegraphos será feita por concurso publico, nos termos do programma de 5 de setembro de 1891, publicado no Diario do Governo do mesmo anno, n.° 198.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 30 de julho de 1908. = Alfredo Pereira = Amandio Eduardo da Motta Veiga = Antonio Augusto Pereira Cardoso.

N.°36

Senhores. — A vossa commissão de obras publicas examinou com toda a attenção, como lhe cumpria, o projecto apresentado pelo Deputado Adriano Anthero, a respeito da adjudicação do fornecimento de impressos necessarios para os serviços externos da Direcção Geral dos Correios, Telegraphos e Pharoes, que tende a favorecer a classe das artes graphicas da cidade do Porto e mais cidades do norte do país.

E attendendo a que realmente essa classe tem lutado com uma crise grave de trabalho, mais aggravada ultimamente pela desgraçada situação do Douro, que tanto affecta os interesses da mesma cidade do Porto;

Attendendo a que, para alliviar a sorte desgraçada d'essa classe, foi que o Governo em 1891 determinou a adjudicação por concurso, com as condições do programma de 5 de setembro d'esse anno, publicado no Diario do Governo, tambem do mesmo anno, n.°198;

Attendendo a que as razões que determinaram essa medida do Governo são as mesmas que subsistem actualmente, reforçadas ainda pela referida crise do Douro;

Attendendo a que, segundo se vê do referido programma, a adjudicação a que elle se refere tem de ser por leve prazo e representa, por assim dizer, um compasso de espera, até que melhorem as circunstancias d'aquella classe;

Attendendo a que o ser retirado o fornecimento d'aquelles impressos do concurso prescrito no citado programma tira de repente o pão a muitas familias, sem ellas terem agora occasião e opportunidade de obterem outra occupação pela qual possam grangear a sua subsistencia:

É esta commissão de parecer que o projecto seja approvado.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° A adjudicação do fornecimento dos impressos necessarios para os serviços externos da Direcção Geral dos Correios, Telegraphos e Pharoes será feita por concurso publico, nos termos do programma de 5 de setembro de 1891, publicado no Diario do Governo do mesmo anno, n.° 198.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das commissões, 28 de julho de 1908. = José Gonçalves Pereira dos Santos = A. B. Nogueira = João de Menezes = Antonio Bellard da Fonseca = Fernando de Vasconcellos = A. C. Claro da Ricca (relator).

O Sr. Presidente: — Segundo a resolução da Camara vou conceder a palavra aos oradores inscritos para antes da ordem do dia e que a pediram para assuntos diversos.

O Sr. Francisco José Machado: — Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra antes da ordem do dia, para um assunto que considero de grande importancia.

Na sessão de 21 de novembro de 1906 apresentei a esta Camara um projecto de lei que tinha por fim regulamentar o jogo de azar, que não teve a felicidade até hoje de merecer o estudo e parecer da commissão a que foi enviado, concluindo de tudo isto que a iniciativa parlamentar é completamente inutil, quer um individuo estude e trabalhe, quer apresente á Camara boas ou más medidas. Toda a iniciativa de qualquer Par ou Deputado é inutil desde que não tenha a chancella do Governo.

Mas não será por esta razão que eu afrouxarei nas minhas diligencias e trabalhos naquillo que julgar util e proveitoso para o meu Pais.

As minhas opiniões, as minhas ideias e os meus trabalhos serão conhecidos do Pais e elle fará justiça a quem a merecer.

Sr. Presidente: vou renovar a iniciativa do projecto da regulamentação do jogo, porque cada vez estou mais convencido que é um serviço nacional que se faz, regulamentando-o.

Entendo que todos os projectos que forem apresentados a esta Camara deviam merecer o estudo das commissões respectivas, apresentando o seu parecer, quer rejeitando, quer approvando. Agora mandar qualquer membro d'esta casa um projecto para a mesa, esta enviá-lo ás commissões e lá ficarem enterrados, isso é que me parece pouco correcto.

Mas emfim o costume é esse, e não ha meio de mudar os habitos velhos.

A vida nova tão apregoada nunca teremos o prazer de a ver implantada no nosso país.

Relativamente ao meu projecto para ser regulamentado o jogo de azar cuja iniciativa renovo, declaro a V. Exa. e á Camara que cada vez estou mais convencido de que é indispensavel que o meu projecto ou outro da mesma natureza seja approvado.

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Quando apresentei este projecto em 1906 tinha as minhas ideias perfeitamente esclarecidas, firmes e definidas, hoje ainda as tenho mais, porque vejo que não ha ninguem, neste Pais ou noutro qualquer, que consiga reprimir o jogo.

E' um vicio, Sr. Presidente, inherente á humanidade, como muitos outros que são impossiveis de evitar.

As mais altas individualidades da Europa civilizada teem empregado todos os meios ao seu alcance para evitar e reprimir o vicio do jogo e não o teem conseguido. Como havemos nós ter essa pretensão ?

Napoleão I, S. Luis Rei de França e Carlos Magno tentaram reprimir o jogo perseguindo os jogadores e enchendo as cadeias com alguns dos vultos mais prestimosos, mas nada conseguiram.

Quando eu em 21 de agosto de 1906 apresentei aqui o meu projecto,, recebi varios jornaes franceses com artigos referentes ao caso e entre elles O Matin de 1 de fevereiro de 1907.

Este jornal traz um bello artigo sobre o jogo de azar epigraphado — Napoleão I é Clemenceau — « Ambos quiseram regular a questão do jogo em Franga— O Imperador não o conseguiu; o primeiro Ministro consegui-lo-ha?»

Neste bello artigo diz-se que Napoleão em 1806 quis saber se não seria possivel sair da situação equivoca, em que a França se encontrava relativamente ás casas do jogo, quer autorizando-as formalmente em certas localidades, quer prohibindo-as por toda a parte conforme as leis.

O Conselho do Estado foi chamado a resolver este difficil problema.

Napoleão propôs duas questões:

Primeira questão: «é necessario publicar uma nova lei para prohibir formalmente o jogo?»

As secções correspondentes do Conselho do Estado reportaram-se a Carlos Magno, a S. Luis, a Francisco I e concluiram pela manutenção pura e simples da lei de 1791, terminando os seus trabalhos pelas seguintes melancolicas reflexões :

«A municipalidade de Paris tinha ardentemente perseguido os jogadores, os tribunaes os tinham condemnado, as prisões de Bicêtre e da Salpêtrière estavam cheias de muitos personagens notaveis; o furor do jogo não perdeu nada da sua intensidade e encontrava-se sempre local para se jogar.

Tal seria a sorte de uma nova lei».

Segunda questão: é necessaria uma lei que permitta a tolerancia dos jogos?

As secções responderam negativamente :

«Podia-se admittir que a administração transigisse em certos casos com os costumes dos homens, com as suas fraquezas e com os seus vicios, mas uma tal disposição não era permittida na lei; ella não podia consagrar esta tolerancia, nem manter o menor vestigio».

De repente o Imperador se encolerizou e fez apresentar ao Conselho de Estado um projecto que renovava a prohibição geral do jogo, mas abria excepções para Paris e para os estabelecimentos de aguas thermaes.

Em 14 de maio de 1806, Napoleão dirigiu se ao Conselho de Estado e na sua posição habitual, de pé, ao canto do seu gabinete, eloquente, nervoso e familiar, declarou: «É necessario de clarar positivamente a tolerancia do jogo ou a sua prohibição; o ultimo partido é mais conforme á moral, é necessario pois adoptá-lo e não exceptuar senão Paris».

É impossivel ficar no indefinido em que se está; á justiça não tem acção neste momento contra as casas de jogo; ella não pode proceder senão quando a policia o permittir; este estado passivo dos tribunaes não é conveniente. Ouço falar constantemente dos juizes e da justiça porque é necessario em cada negocio imprimir-lhe o movimento.

Esta machina devia por si andar mesmo que o Governo dormisse».

Sobre isto, o excellente Sodré tomou nota, os conselheiros approvaram e os ouvintes sorriram.

O projecto do decrete não teve nenhum seguimento e o Governo dormiu».

Sr. Presidente: deve estar tirada a illusão áquelles que suppõem que teem força para reprimir este vicio, que pode dizer-se que é inherente á humanidade. É indispensavel que se convençam que não se pode reprimir este vicio, e que de maneira alguma se não deixe de regulamentar, tirando o correspondente proveito para o Estado e para as localidades onde o jogo for permittido.

Tenho aqui mais alguns jornaes franceses que teem tratado do assunto e nelles me tenho inspirado em conhecimentos práticos do que se passa naquelle país e por elles comprehendo que era conveniente e da maior vantagem regulamentar o jogo, principalmente nas praias e thermas em que o Governo visse que era conveniente consenti-lo.

Ha poucos dias entrei numa casa de jogo fora de Lisboa, unicamente por curiosidade, que não direi onde é porque não quero que me chamem delator, e fiquei convencido que é indispensavel adoptar esta medida em beneficio do Pais.

Ha uma referencia notavel num jornal francês — Le Journal — de 9 de julho de 1906, em que publica o dis curso do Sr. Goudin de Villaine, senador da Mancha, que diz entre outras cousas, o seguinte:

«Joga-se per toda a parte e por todas as formas em França, e não sendo fiscalizado nem regulamentado o jogo, os jogadores estão expostos a todas as escroqueries e imaginarias e isto sem proveito para ninguem, senão para os escroques e os ladrões de profissão. Com o monopolio do jogo regulamentado elle torna-se pelo menos honesto em sua execução e este vicio incuravel em todas as sociedades serra para o futuro util para alguma cousa; purificado ficaria quasi, em seu methodo e em seu fim: alimentar o orçamento, desagravando-o de tantos encargos que pesam sobre e trabalho.

Ora o trabalho é a virtude, o jogo é o vicio e não é justo, porque o imposto é necessario, isentá-lo sobre o vicio e não sobre esta virtude social que é o trabalho».

Não ha nada mais sensato nada mais justo.

Então tributa-se o trabalho, que é a honra nacional, e não se ha de tributar o vicio!

As classes pobres que necessitam de auxilio e protecção vêem-se afflictas com o pagamento dos direitos sobre es generos alimenticios, tornando a vida nacional talvez a mais cara de toda a Europa.

Então tributam-se os generos de primeira necessidade, tributam-se todos, os actos da vida nacional a criança mal solta o primeiro vagido concorre logo para as despesas do Estado no fato que veste, no leite que bebe, porque a mãe necessita ser melhor alimentada, e tudo isto paga impostos e só não se ha de obrigar aos individuos que gastam o seu dinheiro para gozar e divertir se?

Pois não é justo que os jogadores e os que tiram fabulosos lucros do jogo, como são os banqueiros, sejam obrigados a pagar alguma cousa para beneficiar os pobres em a correspondente diminuição do imposto do consumo? Eu não comprehendo, Sr. Presidente, o motivo da hesitação que possa haver em regulamentar o jogo e tirar d'este vicio uma importante receita.

Renovo portanto a iniciativa do projecto e mando para a mesa essa renovação de iniciativa.

Peço á illustre commissão que ao menos dê o seu parecer e diga os motivos em que fundamenta a sua recusa.

Se o projecto não presta, digam isso abertamente, mas se é bom queiram estudá-lo a ver se precisa de emendas e sendo estas necessarias façamo-las, pois não deve haver senão o desejo de realizarmos uma obra patriotica em beneficio da sociedade portuguesa.

Já aqui disse um illustre collega meu que eu parecia um grande jogador pelo

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calor com que advogo esta questão, pois eu affirmo á camara que nunca, arrisquei nem arriscarei, emquanto, pelo § menos, pensar como hoje penso, um 1 unico real numa roleta nem numa carta.

Isto, porem, não evita que eu reconheça ser praticamente impossivel reprimir o jogo, e nesse caso devemos regulamenta Io por maneira que o Estado possa tirar alguma receita com que minore os soffrimentos das classes desvalidas, e concorra para o melhoramento das terras onde o jogo seja permittido.

Sr. Presidente : em auxilio da minha ideia sobre o jogo, tenho a opinião do distincto estadista Hintze Ribeiro, que aqui veio com uma grande hombriedade pedir ao Governo presidido pelo Sr. João Franco que aproveitasse a opportunidade de então para o regulamentar. Declarou aquelle Digno Par que era absolutamente contrario ao jogo, que quando foi Ministro do Reino empregou todos os meios para o reprimir, mas que se convenceu que isso era impossivel, e sendo assim era melhor regulamentá-lo e tirar o proveito correspondente.

Todos sabem que quem goste de jogar nunca deixará de o fazer. Quaesquer que sejam as consequencias ha de procurar os meios de satisfazer este vicio, e até o illustre Deputado o Sr. Luiz Gama teve a independencia e franquesa e a coragem sufficientes para dizer que havia de jogar sempre, quer o jogo fosse tolerado, quer fosse prohibido.

Ora não resta duvida que como S. Exa. ha muitos outros individuos que tambem nunca deixarão de jogar façam o que fizerem, digam o que disserem.

Porque não havemos, pois, de regulamentar uma cousa que, embora seja prohibida, não deixará de existir e de certo com mais perigos?

Ainda ha poucos dias entrei numa casa de jogo para ver, e encontrei lá individuos muito respeitaveis e da nossa intima convivencia, que decerto não ficaram deprimidos por lá terem entrado. Vi que com um grande rodo se apanha o dinheiro que está na banca como quem tira o pão de uma fornada.. Parece que. ali ninguem dá valor ao dinheiro. Então não é razoavel que pelo menos os pobres possam tirar d'isso algum auxilio?

Isto não é falta de coragem?

Sr. Presidente : não ha duvida que temos homens de grande saber; mas falta-lhes a coragem.

É preciso que se digam as cousas como são. É impossivel que os nossos governantes não estejam convencidos das necessidades, da vantagem e da moralidade até, de regulamentar este vicio, que se tem demonstrado ser impossivel evitá-lo. Só á falta de coragem se pode attribuir esta situação.

Sabem os Ministros positivamente que as suas ordens não são acatadas, por mais instantes que ellas sejam, por mais apertadas, por mais urgentes que sejam expedidas e não ha um homem que tenha a coragem de acabar com esta ficção, com este engano, que mesmo a si proprio illude, para regulamentar o jogo e tirar d'este vicio o proveito correspondente para aliviar a miseria dos pobres e melhorar as localidades onde fosse consentido.

Tudo está prevenido no projecto que apresentei á Camara e cuja iniciativa agora renovo.

Neste projecto, não é permittido a todos poderem jogar; só se admitte que joguem os estrangeiros, á sua vontade, e nisso não vejo inconveniente algum, e os portugueses que queiram jogar teem de ter um bilhete de identidade, ou de idoneidade.

Ora não será melhor consentir que se jogue por esta forma do que tolerar o que se está fazendo actualmente?

V. Exa., Sr. Presidente do Conselho, que é um homem corajoso, que tem dado grandes pravas d'isso, faça este grande serviço ao seu Pais, e tire do jogo os resultados que d'elle se podem tirar.

Disse-nos aqui o illustre estadista o Sr. Hintze Ribeiro que do jogo se poderia tirar mais de mil contos de réis; ora não seria isto bastante para nos aliviar de uma parte do imposto do consumo, ou como um novo imposto de beneficencia para a criação de escolas, e para melhoramentos nas terras onde fosse permittido o jogo?

Eu mando para a mesa uma proposta de renovaçcão do projecto sobre a regulamentação do jogo que tive a honra de apresentar numa das sessões passadas.

Já que estou com a palavra permitta-me V. Exa. que eu me refira ainda a um outro assunto da maxima importancia e que mande para a mesa um projecto de lei ou antes uma ampliação a um projecto que ha dias mandei para a mesa relativo á criação de uma companhia vinicola que julgo da maior importancia para regularizar a crise gravissima que affecta o nosso Pais, relativamente á producção vinicola.

O projecto que eu tive a honra de apresentar á Camara é da maior necessidade e da maxima urgencia, pois a commissão respectiva ainda não tugiu nem mugiu, nem ao menos submetteu esse assunto á opinião dos meus collegas mais competentes.

Eu desejava ouvir a sua opinião, ainda mesmo que estivessem em desacordo com o que ali se expõe; comtudo isto não obsta a que continue trabalhando e apresente á Camara o fruto dos meus trabalhos, dos meus estudos e da minha experiencia assim como a opinião de pessoas competentes em trabalhos d'esta natureza.

Portanto vou mandar para a mesa um acrescentamento ou um complemento ao projecto que apresentei ha dias, para que se forme um credito agricola com capitães baratos para acudir aos agricultores e principalmente aos viticultores.

Toda a gente sabe que os agricultores atravessam uma grande crise, os lavradores lutam com enormes difficuldades para attenuar um pouco esta crise é que eu apresento este projecto de lei, de que peco licença para ler apenas alguns artigos, visto que os outros constam do projecto ha dias apresentado.

(Leu).

Sr. Presidente: permitta-me V. Exa. que eu me refira ainda a um outro assunto que reputo grave e para o qual chamo mais uma vez a attenção do Sr. Presidente do Conselho: é a questão da instrucção.

Eu assisti ha poucos dias aos exames de instrucção primaria do 2.° grau no Lyceu de Lisboa, no Largo do Carmo; declaro a V. Exa. que é uma verdadeira barbaridade obrigar crianças, no mês de agosto, fazerem exames em casas acanhadas, sem ar, sem luz, sem capacidade sufficiente para conter tão grande numero de crianças e as respectivas familias e professores que as acompanham.

No nosso tempo os exames eram em maio, agora são em agosto, na epoca mais quente do anno.

Os professores disseram-me que era uma crueldade o fazerem-se nesta epoca os exames numas casas sem condições hygienicas, com uma grande accumulação de alumnos.

As crianças antes de começarem os exames esperam no pateo do lyceu, onde o calor é abrasador; ouvi dizer até que no Lyceu da Calçada dos Paulistas muitas meninas teem tido verdadeiras de syncopes.

Sr. Presidente : ha já tempo expus á Camara o que são os programmas de ensino em materia de instrucção primaria, são de tal forma que nenhum de nós se fossemos fazer esse exame e se nos exigissem todas as materias que traz o programma seria capaz de ficar approvado. É indispensavel um remedio pronto, efficaz, para modificar este estado de cousas, que não pode, nem deve continuar por mais tempo.

A instrucção secundaria não está melhor, tenho falado com diversos professores que me teem affirmado que isso não serve senão para atrophiar as crianças, para lhes impedir o seu desenvolvimento intellectual.

Nos cursos dos lyceus é uma criança

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14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

obrigada a estudar num anno cinco a seis disciplinas. É preciso que o programma seja remodelado. Se é bom para a Allemanha, não é bom para cá.

Se qualquer de V. Exas. perguntar a um professor das escolas superiores em que estado de adeantamento lhe chegam os alumnos saidos dos lyceus, obterá como resposta invariavel que a maior parte, se não quasi todos, vão peor preparados do que iam no nosso tempo.

Os professores dos cursos superiores vêem-se em grandes difficuldades para conseguir que os seus alumnos comprehendam as materias que lhes ensinam.

Vou por isso mandar para a mesa uns requerimentos no teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, seja pedido á secretaria do Lyceu do Carmo, para me ser enviada copia da parte das actas das sessões dos conselhos escolares, no anno lectivo corrente, em que os respectivos professores manifestam o estado em que se encontram os alumnos que fizeram exame de instrucção primaria e que se matricularam naquelle lyceu. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, direcção geral respectiva, me seja enviada nota do numero de alumnos que se matricularam nos diversos lyceus do reino no anno de 1890, e quantos d'estes concluiram o curso no fim do primeiro periodo. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, seja solicitado ao Conselho Escolar das Escolas Polytechnicas de Lisboa, Porto e Universidade de Coimbra, para me serem enviadas copia da parte das actas em que os respectivos professores tenham exposto a sua opinião acêrca da maneira como elles julgam do estado da preparação scientifica dos alumnos, relativamente ás materias professadas no curso dos lyceus. = F. J. Machado.

Peço a V. Exa. a fineza de os mandar expedir e instar pela sua remessa com a maior brevidade.

Quero certificar-me se ha ou não verdade no que se diz, no que todos affirmam.

Já ouvi dizer que o programma de ensino é tão bom que ficam inhabilitados 75 por cento dos alumnos matriculados.

Fiquei admirado porque sempre julguei que o ensino era feito para habilitar os alumnos e hão para os inhabilitar.

Creio, porem, que é uma verdade e não um exagero, pois estou informado que a percentagem dos inhabilitados ainda é maior.

Convido o Sr. Presidente do Conselho a ir um dia ver os exames de instrucção primaria, pois os individuos na posição em que S. Exa. está precisam conhecer o estado dos serviços publicos.

S. Exa. havia de ficar horrorizado por ver tão grande quantidade de pessoas em espaço tão acanhado, com uma temperatura elevadissima.

Parece me que seria uma obra patriotica remodelar o programa a dos lyceus, voltando outra vez, aos exames singulares.

Tal como o programma está, os rapazes ficam sem saber nada, a não ser um ou ou outro muito intelligente, muito estudioso e que os pães tenham meios para pagar a quem lhes explique em casa as lições, o que hoje está extremamente caro e nem todos podem com tal despesa. A experiencia da reforma de instrucção secundaria está feita. Não deu ella o resultado que naturalmente esperavam os seus autores. Agora o remedio é voltar-se a es exames singulares, por onde nós todos estudámos.

Vou ainda referir-me a outro ponto para o qual peço a attenção tambem do Sr. Presidente do Conselho.

Ha tempo recebi uma carta do professor de instrucção primaria de Adães, que se chama Joaquim Ferreira Leite, pedindo-me que eu chamasse a attenção do Sr. Ministro do Reino para um facto que com elle se passa.

Diz elle, numa carta que escreveu, que o sub inspector d'aquelle circulo escolar lhe instaurou um processo disciplinar, sem ter havido queixa alguma contra elle, e outro processo disciplinar contra a professora, sua mulher, sem causa ou motivos conhecidos.

Que ha tres meses que não recebe vencimentos, apesar de não estar suspenso e continuar a trabalhar, pois que o sub-inspector não lh'os abona, sem haver artigo algum no regulamento que a tal o autorize.

Disse mais que o mesmo funccionario, na inquirição das testemunhas de accusação, que acareou nos processos disciplinares contra este professor e sua mulher, não mandou escrever o que as testemunhas disseram a favor dos mesmos professores e sim o que elles não disseram, chegando a mandar escrever o depoimento de uma testemunha igual ao da antecedente, sem a interrogar.

Não conheço nem o professor, nem o sub-inspector, mas que, se é verdade o facto que acabo de narrar á Camara, como não pode deixar de ser, é indispensavel que o Sr. Ministro mande reparar quanto antes essa injustiça e satisfazer a esses pobres professores os seus honorarios, em divida ha tres meses.

Os professores primarios, classe desprotegida, que tantos serviços presta á sociedade e tão pouco ganha, devem merecer todos os nossos desvelos e as maiores attenções dos poderes publicos.

Declaro que, quanto mais humilde é a pessoa que se me dirije, mais a attendo, e, por isso, pedia ao Sr. Ministro do Reino que mandasse indagar de que lado está a razão, para providenciar de modo a fazer justiça a quem a tiver, que, a meu ver, é o professor Ferreira Leite e sua mulher.

Dizem que o sub inspector é um tyranno.

Não sei se o é ou não, porque o não conheço e só agora, pelo que dizem, tenho conhecimento dos factos que acabo de expor á Camara.

Outro assunto para terminar.

A lei que regula os exames de instrucção primaria, diz pouco mais ou menos o seguinte:

Não podem fazer exame de instrucção primaria do 2.° grau os alumnos que não tiverem dez annos de idade.

Succede que no anno passado uma criança que tinha nove annos não póde fazer o exame do 1.° grau por causa de doença.

Este anno, que já tinha dez annos, quis fazer o de 1.° grau e o de 2.° grau, porque estava na idade legal. Pois não lhe permittiram isso.

Chama a minha attenção o pae de um dos preteridos para a deliberação tomada pelo Conselho Superior de Instrucção Publica, relativamente aos exames de instrucção primaria do 1.° e 2.° grau.

Como se sabe, todos os annos ha alguns alumnos que, não tendo por qualquer motivo feito exame do 1.° grau no anno anterior e considerando-se habilitados para o exame do 2.° grau, requerem permissão condicional para fazerem os dois exames na mesma epoca.

Esses requerimentos são levados ao Conselho Superior de Instrucção Publica, que sobre elles resolve, conforme lhe parece, variando de anno para anno as formalidades a que devem satisfazer os requerentes para serem attendidos!

No presente anno, por exemplo, estabeleceu-se (e só agora se soube, porque tal deliberação não foi previamente publicada), que só seriam attendidos os alumnos que tivessem já completado onze annos.

Ora, segundo diz o pae de um dos preteridos e já o publicou tambem o Diario de, Noticias, numa carta que lhe foi enviada por um admirador e constante leitor, o decreto de 24 de dezembro de 1901 e respectivo regula-

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SESSÃO N.° 35 DE 5 DE AGOSTO DE 1908 15

mento, approvados por decreto de 19 de setembro de 1902, determinam que a idade para a admissão ao exame do 2.° grau é de dez annos. Não se comprehende, portanto, que fosse tomada pelo Conselho Superior de Instrucção Publica uma resolução que não parece estar conforme com a letra do decreto e regulamento citados.

Como no caso do que me escreve, muitos outros reclamantes se encontrarão. Representaria um verdadeiro beneficio para muita gente a revogação da ordem a que nos referimos.

Ahi deixamos exarada a reclamação, que não é nossa, mas que, a ser satisfeita, viria beneficiar grande numero de alumnos e, consequentemente, as respectivas familias.

Por mais intelligente e trabalhador que seja um alumno, fica atrasado de um anno, com prejuizo enorme para os pães, porquanto todos sabem quanto custa a instrucção já em explicadores, já em livros e mais exigencias.

Com isto termino as minhas observações e hei de voltar a ellas, para tratar da instrucção, tantas vezes quantas puder, para appellar para o publico e para todos os que teem ingerencia nestes negocios, a fim de dar remedio á anarchia em que ficou a instrucção, mercê da qual o individuo não fica habilitado como ficava no nosso tempo e tem um trabalho muito arduo para vencer as disciplinas que é obrigado a estudar em cada anno.

Tenho dito. (Vozes:— Muito bem).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): — Pedi a palavra, para responder, muito concisamente, a algumas considerações do Digno Par Sr. Francisco José Machado, o que farei com toda a brevidade, a que sou obrigado por deferencia muitissimo merecida para' com os Dignos Pares que teem a palavra.

Não conheço o facto que S. Exa. citou com relação ao professor de Adães; vou mandar proceder ás indagações proprias e. darei providencias que o caso reclama.

Com relação ás observações que o Digno Par fez acêrca de uma criança a quem não deixaram fazer exame do 2.° grau por não ter idade, é isso simplesmente devido á lei que assim o determina.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco Beirão (para um ne godo urgente): — Sr. Presidente: começo por agradecer ao Sr. Ministro da Justiça a sua comparencia nesta casa, porque, tendo recebido um telegramma urgente relativo á transferencia de um delegado do procurador regio, negocio que corre pela sua pasta, eu preveni S. Exa. e S. Exa. veio immediatamente. Leio apenas o telegramma que me foi remettido de Santo Tirso e assinado por differentes pessoas, representantes dos partidos progressista, regenerador liberal, nacionalista, dissidente e republicano, concebido nestes termos:

«Santo Tirso, 5, á l, tarde, urgente.— Exmo. Sr. Francisco Beirão.— Abaixo assinados, representantes partidos progressista, regenerador-liberal, dissidente, nacionalista e republicano, protestam energicamente contra transferencia violenta delegado d'esta comarca, magistrado dignissimo e decretada em satisfação odios pessoaes, sem attender resultado syndicancia ha pouco ordenada; protestam mais contra barbaras manifestações regozijo que alarmaram toda a noite habitantes d'esta villa com acordo autoridade administrativa. Pedem a V. Exa. exija no Parlamento immediatas providencias Governo. = Antonio Pires Lima = Francisco Pinheiro Guimarães = Arnaldo Coelho = Antonio Joaquim de Campos = Padre José Costa».

Só posso dar conhecimento d'este telegramma, que aliás já tinha mostrado ao Sr. Ministro da Justiça, a fim de S. Exa. adoptar as providencias que forem de justiça, informando-me do que se passar.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Sr. Presidente: agradeço ao Digno Par Sr. Beirão o ter-me proporcionado ensejo de explicar um acto da minha iniciativa e da minha responsabilidade.

Desde ha muito que se falava contra o procedimento do delegado da comarca de Santo Tirso.

Ordenei que o procurador regio junto da Relação do Porto procedesse a uma syndicancia, para averiguar até que ponto eram fundadas as queixas reiteradas que tinham por objectivo aquelle delegado.

O cavalheiro que desempenhou essa incumbencia, no relatorio que apresentou ao Governo, disse que, embora o delegado de Santo Tirso fosse um magistrado probo e digno, tinha perdido, comtudo, a autoridade moral e o prestigio indispensavel ao regular exercicio da sua missão.

Foi esta a unica razão por que transferi o delegado a que se reporta o telegramma lido pelo Digno Par o Sr. Beirão.

Devo dizer que mantenho com esse funccionario as melhores relações; fui eu que o despachei, fui eu que o colloquei em Santo Thirso, não me movendo, pois, contra elle, quaesquer más vontades ou peores disposições de animo.

Nada tinha contra esse funccionario, mas não podia deixar de attender a indicação do syndicante, isenta de toda a parcialidade, que muito claramente opinava no sentido, de não. poder o mesmo funccionario continuar no desempenho do seu cargo naquella comarca.

Transferi-o, nos precisos termos da lei, de uma comarca de primeira classe, para outra da mesma categoria.

Quanto ás manifestações a que tambem allude o telegramma, se ellas foram dentro do respeito á lei, nada tenho a objectar. Se ultrapassaram o que é legitimo, ou o Sr. Presidente do Conselho, por meio das autoridades administrativas, ou eu, por meio dos delegados, adoptaremos as providencias necessarias para a manutenção da ordem e para o respeito da lei, em harmonia com as circunstancias.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: — Apenas para dizer que recebi telegramma igual ao do Sr. Beirão.

S. Exa. antecipou-se-me pela razão de que o recebeu mais cedo do que eu, senão eu teria feito igual pedido.

Ouvi a resposta do Sr. Ministro da Justiça, que não digo que me satisfez, nem deixou de satisfazer ; vou pedir mais informações aos cavalheiros d'aquella localidade, e se entender dever voltar ao assunto, voltarei.

Se porventura em virtude d'essas informações entender que devo chamar a attenção de V. Exa. para o assunto, dirigir-me-hei ao Sr. Presidente da Camara, para me dar a honra de convidar V. Exa. a comparecer nesta Casa do Parlamento, para conversarmos novamente nesta questão.

O Digno Par não reviu.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos escrivães das execuções fiscaes de Braga, outra da Camara Municipal de Mogadouro e outra dos vendedores de tabacos de Vianna do Castello1 e peço a V. Exa. ase digne consultar a Camara se permitte que estas tres representações sejam publicadas nos annaes da Camara.

Consultada a Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: — A primeira sessão é na sexta-feira, 7, e a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje, mais os pareceres n.° 30 e 31.

Está encerrada a sessão.

Eram 4 horas e meia da tarde.

4 Estas representações vão no final da sessão.

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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Dignos Pares presentes na sessão de 5 de agosto de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Marquezes: de Avila e Bolama, de Penafiel, de Pombal; Arcebispo de Evora; Condes: das Alcaçovas, de Arnoso, de Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Figueiró, Lagoaça, de Mártens Ferrão, de Sabugosa, de Tarouca; Viscondes: de Algés, de Asseca, de Athouguia, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Augusto José da Cunha, Carlos Palmeirim, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Serpa Machado, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, João Arrojo, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro Araujo, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,
F. ALVES PEREIRA.

Representação dirigida ao Digno Par Sr. Teixeira de Sousa pelos vendedores de tabacos de Vianna do Castello.

Illmo. e Exmo. Sr.— A V. Exa., e a exemplo do que fizeram os seus collegas de Lisboa, se dirigem os signatarios, vendedores de tabacos na cidade de Vianna do Castello, solicitando o seu valioso e decidido auxilio a favor da reclamação apresentada contra a tentativa despotica da Companhia dos Tabacos, querendo affectar os seus interesses pela monopolização das vendas dos seus productos.

Ministro da Fazenda, por mais de uma vez, e, especialmente, na occasião em que entre aquella Companhia e o Estado se ultimou o contrato vigente, conhecedor, portanto, das intenções do legislador ou de quem, por parte do Estado, nisso collaborou, facilmente reconhecerá V. Exa. a justiça que impulsionou os signatarios como os seus collegas de todo o Pais nas reclamações já apresentadas, em nome do n.° 11.° do artigo 6.° d'aquelle contrato, contra a ameaça que, contra elles, a referida Companhia pretende exercer.

Por isso, e attenta a sua predilecção pela causa dos opprimidos, não é debalde que os signatarios appellam para a acquiescencia de V. Exa. á defesa dos seus direitos, que V. Exa. saberá manter na Camara dos Pares, de que tão dignamente faz parte, a toda a altura do seu valor como parlamentar, de forma a restituir-lhes a tranquillidade, pela certeza de que esses direitos hão de ficar assegurados, apresentando, desde já, a V. Exa. o seu profundo reconhecimento.

Deus guarde a V. Exa. a—Vianna do Castello, 19 de junho de 1908.— Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Antonio Teixeira de Sousa, Dignissimo Ministro de Estado honorario e Par do Reino.

(Seguem as assignaturas).

Memorial da camara Municipal do concelho de Mogadouro

Senhor.— A Camara Municipal do concelho de Mogadouro, districto de Bragança, tem uma estrada municipal que ha muitos annos mandou construir a expendas suas e quando estavam florescentes as finanças do municipio, indo essa estrada de Mogadouro a Azinhoso, com pequeno desvio d'aqui e correndo um pouco mais adeante, medindo 6 kilometros em toda a sua extensão.

A ideia dos seus promotores era que seguisse mais adeante e pudesse em uma epoca futura cortar o territorio do concelho de Macedo de Cavalleiros entrando no concelho de Bragança, ligando esta villa de Mogadouro com a sede do districto, porem esta aspiração tão util e justa e a todos os respeitos aproveitavel teve de ceder perante a falta de recursos e da carencia de cooperação que aquelles municipios limitrophes nunca chegaram a fazer valer, tendo de suspender se a sua continuação com grave detrimento do publico,

A parte construida vae-se deteriorando pouco e pouco devido á falta de conservação, por este municipio não poder dispensar para isto verba alguma das suas minguadissimas receitas.

Ora, sendo esta estrada extraordinariamente concorrida pelos povos das limitrophes freguesias d'este concelho e tambem de parte das freguesias de Macedo de Cavalleiros e uma grande porção de freguesias do concelho de Vimioso, considera esta Camara que é boa medida, de alto alcance e conveniencia para o publico, passar para a posse cio Estado, cedendo esta Camara todos os seus direitos que serão transferidos pela accerxção da mesma estrada, a qual assim passará a ficar a cargo do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria.

É innegavel o incremento que o Governo de Vossa Majestade tem dado á grande rede de estradas em todo o País sendo certo ser a nossa região a mais esquecida dos poderes publicos, pelo que seria muito do agracio distes povos a acceitação da mesma estrada, evitando ver-se em breve a sua completa destruição. — Pede a Vossa Majestade, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, a graça de deferir — E. R. Mercê

Mogadouro, julho de 1908. = O Presidente da Camara. José Bernardino Calejo. = Os Vereadores, Antonio José Fernandes = José Joaquim Lopes = Francisco Xavier Rodrigues = Alexandre Manuel Valente.

Memorial enviado ao Digno Par Teixeira de Sousa pelos escrivães das execuções fiscaes do concelho de Braga.

I11mo. e Exmo. Sr. — Os abaixo assinados, escrivães das execuções fiscaes do concelho da Braga, mui respeitosamente ousam implorar de V. Exa. a sua valiosissima protecção para, na Camara a que V. Exa. tão dignamente pertence, levantar a sua autorizada voz em defesa da nossa causa, que é deveras justa, como V. Exa. ° poderá apreciar pela representação que temos a honra de depor nas mãos de V. Exa.

Não vimos criar encargos ao Estado, desejamos unicamente adquirir garantias a que temos direito.

Como tivessemos conhecimento de que V. Exa. se acha empenhado em defender uma representação dos aspirantes de fazenda de Braga e que vae ser apresentada nessa. Camara, vimos rogara V. Exa. para que na proximo sessão se digne apresentar tambem a nossa, pedindo que seja publicada no Diario do Governa e que depois seja entregue á commissão de fazenda para dar o seu parecer.

Pedimos desculpa de nos dirigirmos a V. Exa. para que tome a defesa da nossa causa, que, sendo tão justa, não duvidamos que V. Exa. deixará de a apresentar nessa illustre Camara e defendê-la com verdadeiro interesse, e ainda por conhecermos que V. Exa. attenderá os desprotegidos, envidando todos os seus esforços para em breve conseguirmos deferimento.

Deus guarde a V. Exa. — Braga, 24 de julho de 1908. —I11mo. e Exa. Sr. Conselheiro Antonio Teixeira de Sousa,, Dignissimo Par do Reino. = Julio Teixeira de Azevedo Junior = Antonio Maria da Conceição Medrosa = José Teixeira.

Representação dos escrivães fiscaes do concelho de Braga

Dignos Pares do Reino da Nação Portuguesa.— Os abaixo assinados, escrivães das execuções fiscaes do concelho de Braga, appellam, mui respeitosamente, para o esclarecido espirito e competencia de V. Exas., chamando a sua attenção para uma causa tão justa, digna de ser apoiada e defendida com aquella boa vontade que predomina no caracter nobre de homens que, como V. Exa. conhecem e sabem avaliar o quanto é doloroso o lutar pela vida.

Dignos Pares: os escrivães das execuções fiscaes não teem garantia alguma que lhes possa assegurar o futuro, não obstante serem funccionarios que trabalham para o Estado, sem que o mesmo despenda um real com esta classe; pelo contrario, Senhores, estes funccionarios ainda pagam contribuição industrial ao Estado, dos magros mil réis que recebem do producto do seu trabalho.

Os escrivães das execuções fiscaes, alem de todo o serviço de execuções, são obrigados, como determina o artigo 9.° do regulamento de 28 de março de 1895, a auxiliar os escrivães de fazenda no serviço da sua repartição, sem que por isso sejam remunerados.

Esta classe, Senhores, que no desempenho do seu arduo mester arrosta com as malquerenças e muitas vezes com a ira popular, o que frequentemente acontece, e não é já a primeira vez que o empregado tem de recorrer ao auxilio da autoridade para assim cumprir as funcções do seu espinhoso cargo, não possue sequer um bilhete de identidade!

Como é, Senhores, que estes funccionarios podem executar ou cumprir as ordens emanadas dos seus superiores, quando não teem foiça nem autoridade para se fazerem respeitar?

E são estes empregados que tantos serviços prestam ao Estado, com risco da propria vida, es que nunca foram lembrados perante os poderes publicos; é a estes a quem os seus superiores castigam á menor falta, concedendo-lhes, pelo menos, a demissão.

Não teem os escrivães das execuções fiscaes vencimento fixo, e os emolumentos que percebem são de per si tão minguados que nem sequer chegam para prover á sua sustentação e de suas familias.

Tem ainda esta classe a aggravar-lhe a situação o disposto no artigo 62.° do decreto de 31 de dezembro de 1897, que reduziu a importancia das custas, sobre cada processo executivo a tres quartas partes! Como é, Senhores, que podem estes empregados effectuar uma diligencia a 15 kilometros de distancia da sede da repartição, para no fim pouco ou nada receberem?

É mester que os poderes publicos ouçam a sua débil voz e se compadeçam d'esta classe de funccionarios, que, por serem humildes e modestos, não deixam comtudo de prestar importantes e relevantes serviços ao Estado.

E entre estes funccionarios alguns ha que possuem habilitações literarias e com vinte annos de serviços de fazenda, como um dos signatarios, sem que tenham um futuro garantido, sendo preteridos por individuos que,

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com um simples concurso e sem pratica alguma de serviços fazendarios, conseguem ser nomeados segundos aspirantes; e ao entrarem na repartição desconhecem por completo os principios mais rudimentares dos mesmos serviços, sondo muitas vezes forçoso encarregarem-se de alguns de reconhecida importancia e responsabilidade: e são os escrivães das execuções quem quasi sempre os guiam e ensinam, quando elles é que deviam ter um perfeito conhecimento d'aquelles serviços. Que confronto, verdadeira irrisão!

Dignos Pares do Reino: não tem por fim esta nossa petição criar encargos ao Thesouro, nem presentes, nem futuros; queremos unicamente salvaguardar interesses a que tem jus uma classe que trabalha em favor do Estado.

Pretendemos, Senhores, que cumulativa mente com as funcções de escrivães das execuções fiscaes, sejamos desde já nomeados segundos aspirantes de fazenda, sem vencimento, a fim de termos o direito de preferencia no preenchimento das vacaturas que de futuro se forem dando, para assim vermos assegurada a nossa carreira; que tenhamos e gozemos de todos os privilegios que teem ou venham a ter aquelles funccionarios, inclusive do bilhete de identidade; e bem assim que lhes seja contado o tempo que exercerem aquelle cargo para os effeitos de antiguidade e aposentação.

É bem pouco o que pedem os signatarios, mas esse pouco é bastante para tornar mais desafogada a carreira que encetaram.

Dignem-se pois V. Exas. apresentar nessa illustrada Camara esta representação e insistir pelo seu deferimento. — E. R. Mercê

Braga, 24 de julho de 1908. = Julio Teixeira de Azevedo Junior = Antonio Maria da Conceição Pedrosa = José Teixeira.

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