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CAMARA DOS DIGNOS PARES,

Sessão de 29 de Março de 1849.

Presidiu — O Sr. D. de Palmela.

Secretarios — Os Sr.s Simões Margiochi; V. de Gouvêa.

(Summario — Correspondencia — Requerimento do Sr. V. de Sá da Bandeira—Interpellação do mesmo ao Sr. Ministro da Guerra sobre o castigo de varadas applicado aos soldados — Resolve se o Requerimento de João Luiz Lopes — Renova-se a questão sobre o provimento em um candidato a Cadeira de Zoologia — Apresentação de dois Pareceres da Commissão de Fazenda, e um da Commissão de Legislação—Ordem do dia, Parecer n.º 108 sobre a Proposição de Lei n.º 94, fixando a Força do Exercito para o anno de 1849 a 1850.)

Aberta a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 32 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da última Sessão — Concorreram os Sr.s Ministros do Reino, Guerra, e dos Negocios Estrangeiros.

Mencionou-se a seguinte

correspondencia

1.° Um officio do Ministerio do Reino, declarando não existir nelle nenhum dos esclarecimentos, que relativos ás Misericordias exigiram as Commissões de Legislação e Fazenda desta Camara, em Sessão de 15 de Março proximo (pag. 294, col.ª 2.ª; e que em razão de poderem havê-los no Ministerio da Fazenda, á este os requisitára, e remetteria á Camara, logo que os recebesse.

Remetteu-se o oficio aquellas Commissões.

2.° Outro officio do Sr. C. de Lumiares, participando que o seu estado de saude o inhibe de comparecer a algumas Sessões.

O Sr. V. de SÁ da Bandeira—Primeiramente vou mandar para a Mesa o seguinte requerimento.

Requeiro que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros seja previnido, de que me proponho interpella-lo sobre uma disposição, que Se acha em um acto do Congresso dos Estados-Unidos da America, publicado em 1848, pela qual são authorisados os Agentes daquella Republica na China, a julgarem os Cidadãos americanos que, em Macáo, commettam crimes, e a fazerem, executar as sentenças que contra elleá derem, inclusivamente a pena capital. Camara dos Pares, 29 de Março de 1849. = Sá da Bandeira.

Approvado.

E proseguiu — Agora peço a V. Ex.ª, visto achar-se presente o Sr. Ministro da Guerra, que antes de se entrar na Ordem do dia, me dê a palavra para fazer a interpellação annunciada a respeito do castigo das varadas. (O Sr. Presidente — Tem a palavra.) Quero chamar a attenção do Sr. Ministro dá Guerra sobre o Decreto de 21 de Agosto de 1846, que fóra approvado pelas Camaras, pelo qual se regulara o modo de ser applicado o castigo das varadas aos soldados. Hoje, em quasi toda a Europa, teem sido abolidos os castigos corporaes: no entanto, nos Paizes onde ainda se conservam teem tido muita modificação.

Em Inglaterra, onde antigamente eram tão frequentes os açoutes, pela Legislação moderna foram reduzidos: na Marinha não se podem applicar mais de doze açoutes a um homem; este castigo não póde ser dado senão depois de haverem passado vinte e quatro horas, que fóra commettido o delicto; nem póde ser applicado senão quando um Conselho assim o tenha decidido; e todavia a melhor disciplina que existe em todas as Marinhas, é a dá esquadra ingleza.

Parado Exercito de terra, no mesmo anno de 1846, em que entre nós, se publicou o mencionado Decreto, o Duque de Wellington, Commandante em chefe, publicou uma Ordem pela qual determinou, que o número de açoutes não podesse ser maior de quarenta e oito;, e exige-se certas condições para que possa ser applicado.

No que deixo dito não me proponho a accusar o Sr. Ministro: limito-me sómente a chamar a attenção de S. Ex.ª, para que o Decreto de 21 de Agosto de 1846; hoje reduzido a Lei, seja daqui em diante executado com perfeita lealdade.

O Sr. Ministro da Guerra — Sr. Presidente, o D. Par que acaba de me interpellar, não é certamente animado de maiores sentimentos de humanidade, nem de maior philantropia do que eu sou: por este motivo, durante a ultima lucta da guerra civil, eu me horrorisava quando ouvia contar, ou lia nos papeis publicos, os barbaros castigos de varadas, que faziam os do partido contrario. Por conseguinte póde S. Ex.ª estar certo e convencido, de que eu farei tudo quanto estiver ad meu alcance, para que em nenhum Corpo se abuse da Lei, deixando de se executar as disposições do Decreto a que S. Ex.ª alludiu, o qual modificou e restringiu a authoridade aos Commandante» dos Corpo» quanto á applicação das varadas: todavia permitta-se-me que eu diga, que sem as fórmulas legaes não me consta que se tenha feito castigo algum, menospresando-se as disposições da Lei.

O Sr. V. de Sá da Bandeira—Estou satisfeito com o que o Sr. Ministro da Guerra acaba de dizer; mas como é possivel que alguns dos Commandantes dos Corpos não tenham tido conhecimento deste Decreto, porque fóra publicado durante circumstancias especiaes, antes das occorrencias que tiveram logar em Outubro de 1846; seria conveniente que S. Ex.ª o fizesse publicar, na qualidade de Ajudante General, na Ordem do Exercito.

Sobre isto nada mais direi, esperando que o Sr. Ministro de Guerra evoque aquillo que acaba de prometter.

O Sr. Presidente — O Sr. Ministro quer dizer mais alguma cousa?..

O Sr. Ministro da Guerra — Se V. Ex.ª me permitte direi, que o Decreto a que se referiu está publicado na Ordem do Exercito, e delle teem conhecimento todos os Commandantes dos Corpos.

O Sr. V. de Sá da Bandeira — Muito bem.

Como está premente o Sr. Ministro da Guerra, eu pediria que se lesse agora um Requerimento do Cidadão João Luiz Lopes, sobre o qual a Commissão de Petições já deu o seu Parecer, e eu pedi que fitasse sobre a Mesa até estar presente o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, a fim de se lhe dar andamento.

O Sr. Presidente — Não tenho dúvida, se a Camara se não oppõe a que se tracte deste negocio antes da Ordem do dia.

O Sr. V. de Sá da Bandeira — Este objecto não póde soffrer muita discussão (Apoiados).

O Sr. Presidente —Este negocio já aqui foi tractado em mais de uma Sessão, e em todas as vezes que delle se tractou sempre ficou addiado, até que estivesse na Camara o Sr. Presidente do Conselho; todavia, se o D. Par pede que se lêa agora o Parecer vou sobre isso consultar a Camara.

O Sr. V. de Sá da Bandeira—-Eu é que pedi que este negocio ficasse addiado para quando comparecesse o Sr. Presidente do Conselho; mas eu já fallei a este respeito com o Sr. Ministro da Guerra, e nenhuma dúvida tenho em que se discuta agora.

Decidindo-se naquella conformidade, foi lido o parecer n.º 106.

A Commissão de Petições foi presente 0 Requerimento de João Luiz Lopes, em que allega que sendo Tenente do Corpo de Engenheiros, e achando-se prezo em Maio de 1847 por desaffecto ao movimento de 6 de Outubro, desertara para Setubal em 25 de Maio desse mesmo anno, e fóra alli encarregado do commando geral das Fortificações pelo D. Par V. de Sá da Bandeira; que apezar de se julgar dimittido pelo simples facto da deserção para as fileiras amotinadas, segundo dispunha o Decreto de 4 de Dezembro de 1810, todavia por um excesso de delicadeza e cavalheirismo militar, dirigira nesse mesmo dia, em que desertara, um Requerimento ao Governo pedindo a sua dimissão, que a dimissão lhe fóra dada em 6 de Junho de 1847, e publicada na Ordem do dia de 19 do mesmo mez, quando já estava prisioneiro, é indultado, o que no intender do Supplicante não podia ter logar, por ser contrario a uma série de factos, e direito corrente, que lhes era applicavel; e conclue por assegurar á Camara, que conta mais de vinte e tres annos de bons serviços; que estivera dimittido seis annos pelo Governo usurpador; que na restauração do Throno pelejara desde o sitio do Porto até á Convenção de Evora Monte; que não receia às informações dos mais distinctos Generaes; e que festa. Camara se compadeça da sua desastrosa situação.

A Commissão parece, que com quanto a materia do Requerimento não seja da rigorosa competencia da Camara; todavia, attendendo a que o Supplicante se abona com precedentes na sua carreira militar, que o honram; e a que se adduzem factos, que devem ser friamente apreciados; intende que o mesmo Requerimento seja remettido ao Governo, para que o attenda como fôr de justiça. Sala da Commissão, em 15 de Março de 1849. = B. de S. Pedro =B. da Vargem = V. da Graciosa — V. de Oliveira.

O Sr. Ministro da Guerra —Sr. Presidente, eu tenho na minha mão o processo que diz respeito ao Official de que se tracta, o qual, como elle mesmo, diz agora no seu Requerimento, foz uma Representação ao Governo pedindo a sua dimissão, e depois de a pedir, ou na mesma occasião de a pedir, desertou para Setubal: e note-se bem que elle mesmo confessa no seu Requerimento, que desertou. No entanto o Governo attendeu a Representação deste individuo, e sem tomar em consideração nenhuma outra circumstancia, satisfez á sua rogativa, dando-lhe a demissão que elle tinha pedido. Agora diz o Representante, que por um excesso de delicadeza pedíra a sua dimissão, por não combinar com a politica do Governo: é notavel que não combinando então com os principios politicos do Governo, venha agora pedir a um Governo da mesma politica a sua reintegração! Todavia, o Governo movido tão sómente pelo motivo de piedade, e não pelo de ter de satisfazer á justiça, ou á disposição de alguma Lei, está resolvido a vir em breve apresentar ás Camaras uma Proposta de. Lei em beneficio não só deste ex-Official para ser restituído ao seu posto, em attenção aos seus serviços passados, mas em favor de outros mais em circumstancias analogas. (Voses — Muito bem. Muito bem.)

O Sr. V. de SÁ da Bandeira — Persuado-me de que este Official está em circumstancias muito especiaes, como elle mesmo mostra no seu Requerimento, e que "pelo espirito das transacções occorridas em 1847, o Governo tem authoridade por si mesmo, e sem precisar de uma Lei, para o restituir ao seu posto; mas visto que o Governo, por parte do Sr. Ministro da Guerra, promette que com brevidade ha de apresentar uma Proposta sobre este objecto, melhor será esperar-se por ellas a qual a Camara, sem dúvida, logo approvará.

O Sr. V. de Fonte Arcada — Sr. Presidente, estimei muito ouvir o Sr. Ministro da Guerra, e visto a declaração que S. Ex.ª nos fez, eu convenho com o D Par o Sr. V. de Sá da Bandeira em que será melhor esperar-se pela Proposta que S. Ex.ª tem de apresentar. No emtanto pedi a palavra para fallar sobre um caso, que me parece tem toda a connexão com este, e por isso parece-me que não poderei ser taxado de estar fóra da ordem.

Ha tempo alguns D. Pares fallaram nesta Camara, e interpellaram o Governo, a respeito de não ter elle executado a Lei, que determina que todo o Alumno da Escóla do Exercito, que tiver sido approvado, seja promovido ao posto de Alferes; e que falta de cumprimento da Lei se dera para um individuo, que não tinha sido promovido tendo aquella circumstancia: todavia, o Sr. Ministro da Guerra já fez devidamente justiça. Ha porém outro individuo em quem militara as mesmas razões, mas a quem por ora ainda se não fez a justiça que eu intendo lhe devia ter sido feita: fallo do individuo que concorreu ao concurso que se abrira para Lente Substituto da Cadeira do Zoologia, e que fóra proposto pela Escóla, cuja Proposta o Governo não approvou por motivos politicos, porque não podiam ser outros. O Sr. Presidente do Conselho aqui nos disse, que a Lei havia de ser satisfeita; mas até hoje ainda o não foi; e então eu pedia a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra, que houvesse de fazer a este individuo a mesma justiça que fizera ao outro a quem a Lei chamára a Alferes; aliás não sei eu como se possa dizer, que se quer cumprir a amnistia, a qual importa um perfeito esquecimento do passado. Espero pois ouvir a resposta do Sr. Ministro.

O Sr. C. de Lavradio — Eu declaro que approvo o Parecer da Commissão sobre esse Requerimento, porque a resolução deste negocio pertence indubitavelmente ao Governo.

Pedi todavia a palavra para fazer uma certa observação e vem a ser que—me não parece necessario para este negocio se resolver a apresentação de uma nova Proposta de Lei, porque o caso de que se tracta está comprehendido na lettra e espirito da amnistia, que foi a mais lata, que se podia dar, determinando que todos aquelles individuos, que tivessem praticado taes e taes factos, fossem repostos na situação era que estavam na época anterior a esses factos.

Esta questão, Sr. Presidente, é muito importante e não deve ser tractada de leve, tanto mais que se tracta de interpretar Um acto internacional: a amnistia não foi uma concessão graciosa, mas sim a condição de um pacto do qual resultou uma intervenção armada de tres Nações estrangeiras!.. De maneira, que se o Governo não fizesse justiça ao Supplicante, elle tinha todo o direito de ir requerer a intervenção dos tres Representantes dessas Nações estrangeiras que entraram no pacto e garantiram a amnistia. Entretanto eu não pretendo tractar agora desta questão, e concluo declarando, que voto pelo Parecer da Commissão.

O Sr. Ministro da Guerra —Sr. Presidente, tenho que responder a Uma nova interpellação, que me fez o D. Par o Sr. V. de Fonte Arcada ácerca de materia estranha ao Requerimento que está em discussão, e responderei tambem a uma observação, que apresentou o D. Par o Sr. C. de Lavradio. Começarei por este ultimo negocio.

Se a amnistia não é uma concessão graciosa, não sei eu qual é a significação precisa da palavra amnistia: todavia, o que eu posso desde já dizer é, que o individuo de que se tracta hão podia ser reposto na situação em que estava antes de se involver na ultima Revolta, porque elle pediu espontaneamente a sua dimissão, e o Governo, concedendo-lha, não fez mais do que acceder ás suas rogativas. A amnistia esqueceu e perdoou os factos passados de rebelião, e por isso não foi por elles punido o Supplicante; mas não lhe restituio, nem podia restituir a sua patente, porque elle já não era militar quando se involveu, ou desertou para as Forças revolucionadas. Quanto porém a dizer-se, que o Supplicante tem direito a requerer a sua reentegração aos Ministros das Potencias que intervieram para a conclusão da Guerra civil; direi, que na minha opinião este negocio é inteiramente estranho aos Representantes dessas Nações; assim como é tambem minha opinião que o Governo em quanto não formular Uma Proposta de Lei (que depois seja approvada pelas Camaras) a respeito deste individuo, não o póde reintegrar no seu posto, assim como não pôde reintegrar a outros que haviam pedido a sua dimissão pelos mesmos motivos. Nesta materia está concorde a opinião do Governo com a opinião do Conselho Supremo Militar, e com a de outras pessoas habilitadas a quem o Governo quiz ouvir.

Agora respondendo á outra interpellação do D, Par o Sr. V. de Fonte Arcada, direi que o facto a que S. Ex.ª alludiu não póde ter connexão com aquelle do Alferes alumno, porque para este havia uma Lei que determina mui positivamente a sua promoção ao posto de Alferes alumno. Esta Lei, que é a da creação "da Escóla Polytechnica diz que — todo o individuo que tiver taes e taes habilitações será promovido ao posto de Alferes alumno, e por isso o individuo de que se tracta do despachado; mas o negocio agora em questão é de uma natureza mui diversa, porque tracta-se de um individuo que Se apresentou como candidato tio concurso, que houve para a Cadeira de Zoologia, o qual obteve o voto da maioria do Jury da Escóla; mas o Governo intendeu que o não devia admittir, e creio que estava no seu Direito, porque não me consta, que haja Lei alguma que obrigue o Governo a estar pelo Parecer do Jury de uma Academia. Se houvesse uma tal Lei, decerto, que o individuo proposto já teria sido provido na Cadeira, porque não sou dos mais remissos em executar a Lei; mas na falta delle, repito—o Governo, decidindo que se não conformava com a opinião do Jury da Academia, fez o que podia fazer, está na resolução de sustentar a sua decisão.