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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 26 DE MARÇO DE 1867

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios os dignos pares

Marquez de Sousa Holstein

Conde de Alva

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 27 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O sr. secretario Marquez de Sousa Holstein mencionou a seguinte

CORRESPONDENCIA

Um officio do ministerio da guerra em resposta ao officio n.° 9, datado de 15 de junho do anno proximo passado, que acompanhava a copia do requerimento n.° 35 da commissão de guerra da camara dos dignos pares, e os projectos de lei n.ºs 57 e 110, a que se refere o mencionado requerimento.

Um officio do digno par marquez de Vallada, participando que por incommodo de saude não tem podido comparecer ás sessões.

Inteirada.

(Estavam presentes os srs. ministros dos negocios estrangeiros e marinha.)

O sr. Presidente: — Os documentos vindos do ministerio

da guerra referem-se ao assumpto que está dado para ordem do dia; se alguns dos dignos pares ou os membros da commissão de guerra quizerem tomar conhecimento, acham sobre a mesa estes papeis.

O sr. D. Antonio José de Mello: — Por parte da commissão declaro-me satisfeito.

Leu-se na mesa a ultima redacção das alterações feitas por esta camara á proposição de lei que auctorisa o governo a conceder a restituição parcial ou integral da direitos que tiverem sido pagos nas casas fiscaes pela entrada das materias primas ou productos empregados como taes nas fabricas portuguezas.

O sr. Presidente: — Como não ha observação vae ser expedido para á outra camara.

Tem a palavra o sr. barão de Villa Nova de Foscôa.

O sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Pedi a palavra simplesmente para mandar para a mesa uma representação da cidade de Vizeu contra as medidas financeiras e de administração, propostas pelo governo. Peço que com esta re presentação se siga o mesmo que se tem seguido com as outras.

O sr. Presidente: — Assim se praticará.

O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente, como vejo presente o governo na pessoa do sr. ministro dos negocios estrangeiros, desejo fazer uma pergunta a s. ex.ª Desejo saber se têem algum fundamento os boatos que têem corrido de se haver alterado em alguma parte do paiz a ordem publica; e depois de ouvir a s. ex.ª farei algumas reflexões conforme a resposta que s. ex.ª der. Peço a V. ex.ª me reserve a palavra para depois de fallar o nobre ministro.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Casal Ribeiro): — Ao governo não consta que houvesse facto algum que se possa caracterisar como alteração da ordem publica ou que tenha essa gravidade. Talvez o boato a que o digno par se refere seja uma pequena tentativa de motim que houve na cidade do Porto antehontem á noite de minguadissima importancia, que nenhuma influencia tem, e que a auctoridade promptamente póde dispersar, usando dos meios que lhe confere a lei, e prendendo em flagrante seis dos individuos que davam gritos e pareciam desejar alterar a ordem publica, a qual felizmente não foi alterada. É isto o que ha de verdade a este respeito, e tanto quanto ao governo consta.

O sr. Costa Lobo: — Deseja que a ordem continue a ser mantida, e que o povo continue a mostrar a sua cordura no respeito á lei, quando exerce um dos seus direitos, qual o de petição. O orador segue com anciedade a agitação que se estende por todo o paiz; e espera que o paiz se mostrará igual aos mais adiantados na carreira da liberdade.

Louva o governo por ter facilitado o exercicio do direito de petição, e pede-lhe que não desista do seu bom proposito.

O sr. Marquez de Niza: — Sr. presidente, disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros que a tranquillidade publica não foi alterada; e disse o digno par, o sr. Costa Lobo, que o governo tinha respeitado a liberdade de peticionar.

Emquanto á primeira parte, folgo muito com a declaração do illustre ministro, de que felizmente a ordem publica não foi alterada; mas emquanto á parte que diz respeito ao digno par, o sr. Costa Lobo, de que o governo respeita a liberdade, posso asseverar ao digno par que, não pelos meios directos mas pelos indirectos, o governo deixou de respeitar os direitos de representação popular. N'esta reunião que teve logar em Lisboa foram esses direitos bem contrariados, empregando-se meios astuciosos e jesuíticos para que aquella reunião se não effectuasse; fazendo-se até ameaças de que o povo seria acutilado se fosse á praça publica.

Houve alguem, e gente de bom senso, que soube comprehender bem qual era o pensamento reservado do governo em querer evitar aquella reunião, que todavia não deixou de ter logar, graças á auctoridade administrativa que andou perfeitamente de accordo com os seus deveres de auctoridade, e com o respeito devido aos direitos do povo. Essa auctoridade digna de todos os respeitos foi o sr. governador civil, que muito folgo ver presente, cujas qualidades sei apreciar, e por quem tenho a maior sympathia. Emquanto me dirigi ao governo... Posso dizer isto, porque fui eu, e um membro da outra casa do parlamento, que nos dirigimos ao governo a apresentar um requerimento assignado por dois homens do povo, pedindo auctorisação para o meeting. Como ía dizendo, emquanto me dirigi ao governo não tive senão respostas ambiguas e duvidosas, e só depois que tomei francamente a deliberação de me dirigir ao sr. governador civil, em quem reconheço todas as qualidades de cavalheiro, é que tudo se sanou; e se por um lado lhe devemos prestar homenagem, tambem s. ex.ª nos fez a honra de a prestar ao bom senso e á cordura da commissão, encarregada de apresentar o pedido para a concessão do meeting.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. presidente, nem fingimos irritações que não sentimos, nem dizemos aquillo que a nossa consciencia nos não auctorisa a dizer.

Referindo-me ao digno par o sr. Costa Lobo, não posso deixar n'esta occasião de agradecer a s. ex.ª a maneira digna com que se apresentou como membro da opposição, fazendo justiça ao governo. E digo justiça e não favor, porque tenho a consciencia firme de que o governo a merece, e entendo que com verdade se póde asseverar que elle tem largamente mantido todos os direitos de manifestação popular; quantos tem podido e quantos deve n'um paiz constitucional, que respeita as lei da constituição, os deveres que lhe impõe a liberdade e lhe impõe a fé (que o governo tem e partilha com o corpo legislativo) no grande bom senso do povo portuguez, que se não ha de desvairar por agitador algum politico que possa querer arrasta-lo á alteração da ordem publica; e ainda menos é de esperar que nenhum especulador politico tenha força para desvairar esse povo, que ha de saber ser livre e respeitador das nossas instituições.

Sr. presidente, o governo acredita no bom senso publico; o governo acata as garantias constitucionaes, e esta intimamente convencido de que o povo não ha de querer contrariar e destruir essas garantias. O governo dentro dos limites da lei e dos principios tem dado, e ha de continuar a dar, a mais ampla liberdade para peticionar, e Ha de manter e garantir com a mesma amplitude a manifestação de todas as opiniões, -ainda mesmo das que considera contrarias ás suas idéas, porque as opiniões dos outros podem ser erroneos; mas quando o sejam não entende o governo que possam nem devam deixar de ser tomadas em consideração pelos poderes publicos, que têem o dever de as examinar e pesar.

Não teremos a natural liberdade que todos devem ter de expor as suas opiniões, quando acompanhem a exposição d'ellas com o respeito ás leis e ás instituições, tanto mais que a opinião publica é preciso espreita-la, conhece-la é descortinar o que póde haver de verdadeiro nas suas manifestações. Estes é que são os principios, esta é que é a doutrina que o governo sustenta, os principios que tem mantido e ha de continuar a manter, por isso tem a confiança firme e não a esperança infundada, de que lhe não será necessario empregar os meios que a mesma carta constitucional lhe faculta. Se o momento chegasse, o governo havia de reconhecer que tambem a sua obrigação é manter a ordem publica; mas estou convencido, repito, de que esse momento não chegará de certo.

Nada sei, nem commigo se passou o caso a que se referiu o digno par o sr. marquez de Niza; mas nós somos todos solidarios, todos por um e um por todos. Não sei o que o digno par passou por ventura com qualquer dos meus collegas. Eu nas relações particulares converso com o digno par, mas nas relações publicas, e n'este numero entra o negocio do meeting, não sei que podesse haver outras relações que não fossem por escripto.

Emquanto a acutilar o povo, o governo não se preparava para acutilar o povo, limitou se á adopção das precauções que em taes casos sempre se tomam, para que não houvesse desvairamento (porque tambem se dizia que havia de haver desvairamento), e o governo devia de estar acautelado e tomar todas as precauções para que se não perturbasse a ordem publica. E o que o governo fez e o que ha de continuar a fazer, apezar de que eu tinha a convicção de que o povo não perturbaria a ordem publica; mas a minha convicção só não obstava a que o governo tomasse as providencias que fossem necessarias.

O sr. Conde de Cavalleiros: — Sr. presidente, eu só tenho a dar uma pequena explicação em consequencia do que acabou de dizer o Sr. marquez de Niza.

S. ex.ª teve a benevolencia de attribuir á auctoridade administrativa uma certa urbanidade no modo de satisfazer aos desejos d'aquellas pessoas que queriam promover a reunião a que chamou meeting; mas pareceu-me que louvando essa auctoridade censurára o governo, e eu que agradeço o louvor não posso concordar com a censura, pois confesso que não houve da minha parte acto algum de benevolencia que não fosse de combinação com o governo.

Sr. presidente, no sabbado tomei a deliberação de fallar á população de Lisboa, por meio de editaes que fiz affixar, porque entendo que a auctoridade administrativa é uma especie de parocho, que deve transigir até certo ponto com os seus administrados; mas deve ser severo para com os excessos, que, em abono da verdade, não se deram em Lisboa. O procedimento dos seus habitantes foi muito digno; e n'isso devemos nós reconhecer o caracter bondoso e socegado do povo lisbonense, pois não houve a menor perturbação, e nas praças publicas estiveram as mesmas pessoas que costumam lá estar.

Sr. presidente, s. ex.ª o sr. marquez de Niza, tendo a bondade de procurar-me, perguntou me se havia alguma duvida a respeito da possibilidade de alugar a praça do campo de Sant'Anna.

Eu respondi a s. ex.ª, que me tratou com toda a deferencia, que, pela minha parte, a licença estava dada, mas que por lealdade ao governo não podia deixar de o consultar, visto pertencer á casa pia o edificio, que é dependente do estado.

N'estes termos dirigi-me ao sr. ministro do reino, que me declarou não ter duvida em eu conceder a licença uma vez que eu entendesse que se podia dar sem perigo.

Já se vê portanto que da parte do governo não houve difficuldades n'esta concessão; mas o desejo que havia era o de afastar das praças publicas pessoas que não comprehendem estas reuniões: foi isto o que o governo pretendeu, sómente para garantir a ordem publica e evitar qualquer perturbação, sempre prejudicial ao commercio e socego publico. Diz-se que estas perturbações são a vida constitucional! Será, mas é mau viver, é viver em perigo de perder a saude, é viver febrilmente. Não é indifferente viver bem ou viver mal. A prova esta em que esta vida constitucional d'estes ultimos dias em Lisboa paralysou o commercio, não se faziam transacções tão facilmente, e os logistas se queixam de terem diminuido as suas vendas! Os homens de commercio não têem tomado parte nestes ultimos acontecimentos politicos, mas soffrem-lhes as consequencias. Não podem achar muito saudavel a tal vida constitucional. Alem d'isso nós estamos em uma crise, que será pequena para alguns, mas que eu reputo grande, e para a qual é necessario olhar com séria attenção. Os homens politicos pódem-se agitar; mas os desgraçados precisam trabalho, este escas-