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serviço publico; mas se lançarmos os olhos á carta geographica, encontraremos bem perto de nós ilhas importantissimas, como são, a Madeira, conhecida pela perola do Oceano, os Açores, provincias tão recommendaveis pela sua salubridade, pela fertilidade do seu sólo, pela exportação de seus valiosos productos, pelo estado tão adiantado de sua civilisação, e finalmente pela sua posição geographica, ali sempre tivemos navios de guerra, e não podémos deixar de os ter, não só porque é a unica escola que possuimos para formar marinheiros e desenvolver officiaes, mas para dar a força moral e real aos delegados do poder executivo, evitar o contrabando e obstar á emigração clandestina, conhecida vulgarmente por escravatura branca, porque os traficantes de carne humana, afugentados da nossa Africa, vieram ali estabelecer arraial, levantar bandeira, e ameaçam despovoar as ilhas, levando enganados e illudidos os infelizes açorianos, que pensando encontrar no Brazil a fortuna, a felicidade e a prosperidade, só acham a miseria, a desgraça e o infortunio, como sabem todos os que têem estado no Brazil, e têem presenciado tantas scenas de vergonha e de vituperio para o nome portuguez. Se continuâmos a navegar para o sul, lá encontro as ilhas de Cabo Verde e a Guiné portugueza, e sem pretender tratar a questão colonial não posso comtudo deixar de fazer algumas ponderações, esboçando a largos e rapidos traços as circumstancias em que se acham, porque marinha e colonias estão tão ligadas que se não póde tratar de uma sem se fallar da outra.

Sr. presidente, o meu espirito sempre tem sido affectado de uma maneira dolorosa quando me recordo que estas ilhas até ao anno de 1820 tinham receita que cobria a sua despeza, ajudando o thesouro publico com uma avultada quantia que se traduzia na urzella, que era contrato real, não tendo então concorrencia, porque ainda se não exportava a de Angola. Como é que depois de terem passado quarenta e sete annos, esta provincia tem sido ultimamente um onus para Portugal, quando a producção do café e da purgueira era nascente na epocha a que me referi, e hoje tem tomado grande desenvolvimento? Mas nós temos votado muitos centos de contos de réis, não para desenvolver os interesses moraes e materiaes d'aquelle povo, mas sim para augmentar o pauperismo em larga escala; temos feito de um povo que devia ser honesto e trabalhador, um povo de pedintes, esmolando o obolo da caridade; dizem mesmo que se tem feito fomes artificiaes, e que muitos se têem locupletado, especulando com a miseria publica', mas sei tambem que ha causas locaes e outras accidentaes que concorrem para isto.

Entendo que tomando-se as providencias que indico, e muitas outras que seriam a consequencia d'estas, nunca mais estas ilhas haviam de pedir soccorros á metropole, e passando alguns annos teriam de concorrer, ajudando o thesouro, como já o fizeram.

Separação de administração das ilhas de Guiné portugueza, considerando as primeiras como se fossem ilhas adjacentes, governadas civilmente, porque estão hoje mais proximas de nós do que se achavam os Açores antes de se applicar o vapor aos navios. Considerar Bissau como um porto franco, para evitar que o commercio se vá fazer no chão de gentio como hoje acontece, por quanto os negociantes estrangeiros vão mercadejar em Banden, mesmo em frente da nossa praça, por causa dos fortes direitos aduaneiros; considerar Bissau como um presidio, com a força sufficiente para guarnecer a fortaleza de S. José, que se acha em misero estado, com parte da sua artilheria desmontada por falta de carretame; e nas ilhas, aonde o povo é tão docil e socegado, reduzir a força militar a duas companhias, uma em S. Thiago, outra em S. Vicente, para serviço administrativo e policial, acabando o grande numero de officiaes, porque eu considero o chamado exercito ultramarino, pela sua composição viciosa, um exercito nominal, mas bem real para a despeza, é um dos principaes cancros do nosso systema colonial.

Nomear um delegado do thesouro, acabando a junta de fazenda e mais instituições inuteis e anachronicas, mudar a fórma do imposto absurdo do dizimo que pésa directa e exclusivamente sobre o productor, emquanto o proprietario não paga um real de impostos; tornar porto livre S. Vicente, que pela sua excellente bahia e situação no Atlantico, é chamado a ser o interposto commercial de toda a costa occidental de Africa, e alem d'isso o porto de embarque dos generos produzidos pelas ilhas proximas de S. Nicolau e Santo Antão; promover a canalisação das ribeiras que correm ao mar, a de Altomira em Santo Antão, e a do Torno em S. Nicolau, que sendo canalisadas podem fertilisar vastissimos terrenos aptos para a cultura de cereaes, café e assucar, augmentando assim em larga escala a materia collectavel, e oppondo um dique ás fomes que por vezes se dão nas ilhas; desenvolver o plantio da purgueira, dragouro e figueira nopal, que se dão nos terrenos de sequeiro e são vasto recurso para o povo, faltando os cereaes; finalmente o plantio do arvoredo para chamar e attrahir as chuvas.

Estas providencias e muitas outras que se podiam dar depois de bem estudadas, deviam necessariamente tornar prospera aquella provincia, tão propria para produzir os generos coloniaes.

Já se vê que não é possivel deixar de ter ali um ou dois vasos de guerra, não sei mesmo como se possam governar ilhas, e principalmente aquellas onde reinam grandes brizas e fortes correntes, seria o mesmo que não termos telegraphos, correios ou estradas.

Continuando a navegar para o sul, temos duas ilhas riquissimas pela fertilidade do seu sólo, pela sua vegetação luxuosa, pelo excellente café que produzem, bem como todos os generos coloniaes que ali nascem espontaneos, a esta provincia está reservado um grande futuro; em muito pouco tempo será uma outra Cuba, sem o onus da febre amarella, e por consequencia um dos mais bellos florões da corôa portugueza. Tem obstado ao seu desenvolvimento a falta de braços, perdendo-se muitas vezes o café por falta de quem o apanhe; mas logo que o governo resolva o importantissimo problema da emancipação dos escravos, tornando livres todos os homens nascidos nos dominios portuguezes, comtanto que proceda a bem pensados regulamentos obrigando os pretos ao trabalho, civilisando-os, e o mais é crear-lhe necessidades, teremos colonos em abundancia, poderemos abater essas matas seculares aonde não penetram os raios solares, e as ilhas tornar-se-hão salubres acabando as febres intermittentes. Lutava igualmente com outra difficuldade que era a moeda de cobre, ainda do tempo que possuiamos o Brazil, era que uma moeda de cobre de 80 réis não tem o valor dos nossos 10 réis. Já se póde ver quantos transtornos para o commercio e para o cultivador. Felizmente o nobre ministro trata de remover esse mal dando execução ao decreto com força de lei de 25 de outubro de 1859, mas que na actualidade já não são precisos os 30:000$000 réis, talvez com 15:000$000 réis empregados em cobre e que depois de amoedado poderá produzir mais 40 por cento, terá acabado este grande mal e feito um bom serviço ao paiz, porque é muito necessario não perder de vista que nós só fazemos um adiantamento de que o thesouro é logo embolsado. Temos ali uma pequena escuna que é preciso substituir por um vaso maior pertencente á estação de Angola, para fazer respeitar a auctoridade e proteger o commercio, alem da força necessaria para a policia interna.

Continuando a navegar para o sul, chegâmos finalmente á provincia de Angola, antigamente reino: para se imaginar o que ella é hoje, e o que era ha poucos annos, basta recordar que tudo se importava: o café, a farinha, a aguardente e legumes; o governo pagava aos seus empregados o modico ordenado que percebiam, com o producto da unica mercadoria preto-escravo, ou propriedade de quem o comprava; quantas vezes acontecia comprar-se carga e carregador, e todos viviam mais ou menos d'este trafico. Abandonámos ou deixámos de occupar pontos importantissimos para o nosso dominio, unicamente para melhor fiscalisar os direitos; mas graças aos esforços energicos do governo, ao decreto de 10 de dezembro de 1836, prohibindo a exportação de escravos das provincias ultramarinas, e legislação subsequente, providencias humanitarias, e de mais alto interesse para o desenvolvimento da prosperidade das colonias, prohibimos esse trafico infame (por muito nossa livre vontade), e cessou a causa principal e unica do pouco ou nenhum desenvolvimento agricola que tinha todo o paiz, limitando-se a uma opulencia ficticia; havia muito dinheiro, é verdade, mas desappareceu logo que cessou o motivo que o levava: os benemeritos governadores lutaram com gravissimas difficuldades para executar as ordens rigorosas e terminantes do governo; mas coadjuvados pelos distinctos officiaes commandantes dos cruzeiros, que soffrendo toda a qualidade de privações, faltos de recursos, porque não recebiam o seu soldo em dia, achando-se atrazados muitos mezes, bem como a marinhagem, apesar de tudo isto, não ha um só facto que desminta a proverbial honradez dos homens que têem a honra de vestir a farda de marinha, tão fortes e poderosas são as tradições que receberam de seus maiores!

Quando os cruzadores inglezes regressavam á patria trazendo milhares de libras que lhes eram dadas pelas sociedades em Inglaterra, os nossos traziam as febres, muitas vezes a saude arrumada, e não poucas cotào nas algibeiras, mas um nome honrado, que é superior a tudo, como o provam as muitas recommendações feitas pelo governo inglez. E hoje, póde-se dizer, acabou a escravatura na nossa Africa occidental, e a camara vae ouvir em poucas palavras o resultado já obtido e o que promette ser em muito pouco tempo.

Desde o momento que se perdeu a esperança de se fazer fortuna em poucos mezes, por especulações de contrabando, os capitaes foram applicados á cultura da terra, que produz mais de sessenta sementes e duas colheitas de algodão; e se a America foi a terra dos proletarios, o mesmo ha de acontecer á nossa Africa, e a prova é que as plantações são a ordem do dia.

O districto de Mossamedes, que ha poucos annos continha apenas algumas barracas, tem hoje uma bonita povoação, aonde a raça branca cresce e se desenvolve perfeitamente, podendo estender-se as plantações até ás margens fertilissimos do Cunine. A nossa imaginação não tem limites, quando considera os recursos immensos que tem este paiz; porque passando o Cheia, principiam os bons terrenos, e nós não sabemos o seu limite. Já ha muitas plantações de café; e não só este districto já tem aguardente para si, mas exporta mais de 1:000 pipas, que são 100:000$000 réis, sem contar o algodão, o que será em poucos annos.

Em Benguella esta acontecendo o mesmo para o norte; o café tambem é excellente, e consta-me que no districto do Golumbo Alto já têem sido exploradas 70 leguas de terrenos auríferos. O que resta é que o governo trate de simplificar o serviço da provincia, porque o subsidio é despendido com o serviço publico, e ha ali muito que eliminar. Mas guardo-me para tratar detidamente esta questão, quando o governo trouxer a esta casa o orçamento das provincias ultramarinas, sobre o qual é necessario chamar a attenção dos poderes publicos; porque é de Africa que mais tarde virão recursos certos e positivos.

Nós precisâmos occupar desde já o litoral até ao Zaire; e se apesar do nosso direito, que não póde ser desconhecido, se a nossa diplomacia, que tantos serviços nos tem prestado, como fez na guerra para collocar a dynastia actual, nada podér conseguir, então é preciso fortificar o Quibala, ligando o Ambriz com o Bembe, porque não devemos cruzar os braços, e ficar esperando quando os productos do norte vão todos embarcar ao Quicembo, Ambriz, etc. aonde estão estabelecidas feitorias estrangeiras, e como não tem direitos aduaneiros, vae o commercio tomando aquella direcção; eis o motivo por que desejo que se fortifique Quibala, porque os pretos do Zaire têem influencia até ali, recebem as mercadorias que trazem os pretos certanejos que não vem ao litoral, mas se encontrassem ali um vasto armazem para fazerem as suas permutações, desapparecia a importancia do litoral, e afigura-se-me que a occupação do Congo não podia ter outro objecto senão podermos occupar o litoral, o interior, que é nosso de facto e de direito; podemos occupa-lo convenientemente; organisar a força militar, formando corpos provinciaes, porque o preto fardado e arregimentado é tão bom soldado como o branco, e proprio para aquelle serviço; o que é necessario é que os do norte sirvam no sul, e vice-versa; a força que largar de Portugal deve chegar a Africa no tempo do cacimbo, o mais proprio para o europeu; mas devendo estacionar em Mossamedes, escala de aclimação, acabar o systema barbaro de obrigar o degradado a sentar praça, como se o simples facto de passar o mar e vestir uma farda tornasse o homem capaz de se lhe entregar uma arma, e manda-lo guardar a casa do cidadão ou uma alfandega; devia haver pontos salubres para onde fossem, e formar colonias agricolas, obrigando-os por meio de regulamentos ao trabalho; finalmente isto é negocio muito serio e grave, porque perdemos uma grande quantidade de gente que não mandamos servir em Africa, são mandados para o cemiterio; de uma companhia que esteve um anno no Ambriz, só restavam oito praças; já vê a camara a perda para o paiz, em gente e dinheiro, alem dos principios de humanidade, que devem ser superiores a tudo.

Nada mais direi sobre esta provincia, porque o tempo não o consente; não devemos deixar de ter uma estação naval para vigiar e fiscalisar a costa, e dar a força tão necessaria ao governo; esta força queria eu que fizesse parte da que devemos ter no Brazil o Rio da Prata, aonde a colonia portugueza é tão importante, e tantos serviços tem prestado ao paiz, e temos ali interesses muito importantes a proteger, os officiaes navegavam, apparecia a nossa bandeira, e conservava-se a salubridade das equipagens; esta estação não póde ser commandada por patente inferior a capitão de mar e guerra, para poder usar o seu distinctivo, como é tão necessario para quem conhece a diplomacia dos mares e a influencia que póde ter em proveito do paiz.

Seguindo a viagem do immortal Vasco da Gama, descobridor da India, passando o Cabo temos a provincia de Moçambique; se esta muito mais atrazada e pouco desenvolvida não é porque não seja muito mais rica que Angola, e melhor dotada pela Providencia, mal havendo poucas communicações, sentindo-se a falta de acção poderosa e energica do governo, não podendo ser vigiada e fiscalisada, não tendo uma força naval constante para obstar ao contrabando feito pelos pangaios arabes que se occupam tambem em fazer escravatura, são as causas principaes do seu mau estado; mas como o problema da communicação dos dois mares esta resolvido, approximando as distancias, ficará esta importantissima possessão muito mais perto de nós, e poderemos então tentar melhoramentos em larga escala, mas é indispensavel ter ali sempre tres vasos de guerra proprios para aquella navegação especial, aonde reinam grandes ventanias e fortes correntes, para que o governador faça respeitar a soberania portugueza, e proteger o commercio licito.

A India é uma recordação gloriosa do imperio creado pelo grande Affonso de Albuquerque; a sua civilisação esta muito adiantada, e melhora constantemente. Timor pela sua posição, tendo junto a si o grande mercado de Australia, podia ser uma grande cousa, mas por emquanto temos muito de que nos occupar em Africa; mas eu desejo que se não deixe perder nada, porque se nós não lhe podemos agora dar o desenvolvimento de que esta provincia carece, podem-no fazer os que vierem depois de nós, porque tenho sempre presente que esta tudo descoberto, só existe algum bocado de terra que não tenha dono, junto ao pelo que nem um arbusto possue, é por isso que não devemos abandonar nem deixar perder nenhum terreno; Macau é um ponto importante, que é necessario ter bem guardado e vigiado, carece de uma força naval permanente, bem como terrestre, porque é todo aberto, e póde se dizer que cada casa é um caes, havendo tanta pirataria, já se vê a necessidade urgente de se fortificar, porque devemos só confiar nos meios de guerra que ali tivermos; tem hoje tres vasos de guerra com machinas a vapor; a força terrestre é pequena, e precisâmos olhar constantemente com a maior attenção para aquella tão importante provincia, augmentando essa força; e muito sinto que a composição do nosso exercito não permitta que nos casos normaes se possa destacar uma força regular. Todos sabem o que são contingentes e o que valem.

Sr. presidente, eu tenho apresentado estas considerações, muito rapidas e concisas, limitando-me apenas a esboçar os differentes topicos que tenho tocado, aliás teria que fallar muitas horas, porque é a questão mais vital do nosso paiz; mas parece-me que esta demonstrado exuberantemente: 1.°, a importancia das nossas provincias ultramarinas; 2.°, a necessidade urgente de ter uma força naval bem organisada e propria para desempenhar a sua missão, que consiste em vigiar, proteger, fiscalisar, dar a força moral e real aos delegados do poder executivo até onde se estender a soberania de Portugal.

Resta-me agora tratar do material de guerra e do pessoal que temos, mas preciso compara-lo com o que possuia