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SESSÃO NOCTURNA DE 1 DE ABRIL DE 1875

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho

(Assistem os srs. presidente do conselho e ministros da justiça, obras publicas, fazenda e negocios estrangeiros.)

Pelas oito horas da noite, verificando-se a presença de 25 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente que se considerou approvada por não ter havido reclamação.

O sr. secretario (Visconde de Soares Franco) mencionou a seguinte

Correspondencia

1.º Um officio do ministerio das obras publicas, acompanhando, para serem depositados no archivo da camara, dois autographos dos decretos das côrtes geraes, um auctorisando o governo a contratar por mais quatro annos, e por subsidio não excedente a 400$000 réis mensaes, o serviço de navegação a vapor no rio Sado entre Setubal e Alcacer, e outro a crear e cobrar pela delegação da alfandega do Porto na cidade de Aveiro os impostos constantes da tabella junta, applicados ao melhoramento da barra da dita cidade.

Tiveram o competente destino.

2.° Um officio do digno par visconde de Fonte Arcada, participando não poder assistir á sessão por incommodo de saude.

Ficou a camara inteirada.

O sr. Presidente: - Vamos entrar na discussão do parecer n.° 66. Continua em discussão o artigo 1.° conjunctamente com a proposta do sr. visconde de Fonte Arcada. Estão inscriptos os srs. visconde de Fonte Arcada, e Barros e Sá.

Como a camara acaba de ouvir pela leitura da correspondencia, o sr. visconde de Fonte Arcada não póde comparecer por incommodo de saude. Tem portanto a palavra o sr. Barros e Sá.

O sr. Barros e Sá: - Eu cedo da palavra.

O sr. Presidente: - Não havendo mais nenhum digno par inscripto, vae votar-se.

Segundo o regimento, as emendas votam-se antes da materia principal.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu peço que sobre a emenda do sr. visconde de Fonte Arcada a votação seja nominal.

O sr. Presidente: - Eu vou consultar a camara.

Os dignos pares que approvam o pedido do sr. marquez de Sabugosa, para que a votação seja nominal, tenham a bondade de se levantar.:

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a emenda do sr. visconde de Fonte Arcada, e fazer-se a chamada.

Os dignos pares que approvarem, dizem approvo, e os que rejeitarem, dizem rejeito.

(Entrou o sr. ministro do reino.)

Feita a chamada

Disseram rejeito: os dignos pares - Duque de Palmella; condes, de Bomfim, de Fonte Nova, de Rio Maior; viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia Grande, da Silva Carvalho; Barões, de S. Pedro, do Rio Zezere; Moraes Carvalho, Correia Caldeira, Gamboa e Liz, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Pereira da Silva, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier Palmeirim, Sequeira Pinto, Silva Torres, Jayme Larcher, Corvo, Ferrão, Ferreira Pestana, Sá Vargas, Vaz Preto, Franzini, Marquez d'Avila e de Bolama, Visconde de Soares Franco, Mello e Carvalho.

Disseram approvo: os dignos pares - Duque de Loulé; Marquez de Sabugosa; Condes, de Podentes, da Ribeira Grande, Xavier da Silva.

O sr. Presidente: - Foi rejeitada. Vae agora ler-se o artigo 1.°

Foi approvado, e successivamente os artigos 2.°, 3.°, 4.% 5.° e 6.°, sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o parecer n.° 73.

É o seguinte:

Parecer n.° 73

Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.° 68, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual se regulam as taxas da contribuição industrial e a percentagem da contribuição de renda de casas nos Açores e Madeira.

A commissão, considerando que se adoptam disposições beneficas para os habitantes d'aquelles districtos, sem deixar de attender, nos termos convenientes, os interesses do thesouro, é de parecer que o referido projecto de lei merece ser approvado para depois subir á sancção real.

Sala da commissão, 29 de março de 1875. = Joaquim Thomás Lobo d'Avila = Custodio Rebello de Carvalho. = José Lourenço da Luz = Antonio José de Barros e Sá = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.

Projecto de lei n.° 68

Artigo 1.° São reduzidas a 60 por cento, nos tres districtos dos Açores, Angra, Horta e Ponta Delgada, e no districto do Funchal, as taxas da contribuição industrial, relativas a todas as profissões, industrias, artes ou officios, comprehendidos na tabella geral, que faz parte do regulamento de 28 de agosto de 1872.

Art. 2.° A percentagem de contribuição de renda de casas recairá nos mesmos districtos sómente sobre os valores locativos não inferiores a 15$000 réis em terras de 3.ª e 4.ª ordem, e a 10$000 réis nas de 5.ª e 6.ª

Art. 3.° São applicaveis ás terras de 3.ª ordem, nos referidos districtos, as taxas de contribuição sumptuaria, designadas na tabella que faz parte do regulamento de 30 de agosto de 1872, para as terras de 4.a, 5.ª e 6.ª ordem; e reduzidas a 60 por cento para esta ordem de terras, nos mesmos districtos, as taxas respectivamente insertas na mencionada tabella.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 20 de março de 1875. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario = Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos, deputado secretario.

Como nenhum digno par tivesse pedido a palavra, foi approvado, e depois na especialidade os artigos 1.°, 2°, 3.° e 4.°, sem discussão.

Foi lido e posto á discussão o

Parecer n.° 71

Senhores. - A vossa commissão de administração publica examinou o projecto de lei n.° 49, vindo da camara dos senhores deputados, approvando o contrato provisorio para o aproveitamento das nascentes das aguas thermaes e medecinaes de Vizella, e construcção de estabelecimentos de banhos, entre a camara municipal de Guimarães e a companhia dos banhos de Vizella, assim como examinou a representação, que os habitantes da freguezia de S. Miguel das Caldas de Vizella dirigiram á camara dos dignos pares do reino; e, em presença de tudo, formulou o seu parecer, que vem hoje apresentar-vos.

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O objecto e de tal natureza, que basta ennuncia-lo para excitar as nossas sympathias, não e interesse sómente municipal, não é de interesse meramente nacional, os seus beneficios estendem-se á humanidade toda, quando ahi vá buscar remedio a alguns dos seus padecimentos; portanto todas as concessões que se façam em favor de uma empreza, que tende a melhorar e aperfeiçoar as condições de um tal estabelecimento, devem merecer a nossa approvação.

O contrato abrange o privilegio da exploração, a declaração da utilidade publica para as expropriações necessarias ao bom exito da em preza, e as providencias preventivas para assegurar a conservação o a pureza das aguas thermaes; a commissão nada que tem que oppor, comtanto que fique salvo o direito da indemnisação pela offensa do direito de propriedade.

No artigo 5.° do contrato acha-se estabelecida a indemnisação aos proprietarios dos terrenos comprehendidos dentro dos raios, fixados no artigo 1.°, dos prejuizos que soffrerem com os encanamentos, pesquizas e explorações, e bem assim do valor das aguas adquiridas pela companhia segundo for codvencionado, ou judicialmente decidido; e se bem que este principio deva ser generalisado a toda a offensa do direito da propriedade, ha comtudo quem duvide, que elle, como está redigido o contrato, se possa applicar a quaesquer prejuizos, que emanem das faculdades concedidas nos artigos 6.° e 7.°; e para que o contrato fique claro, e se evitem contestações sobre a sua execução, entende a commissão que o projecto n.º 49, vindo da camara dos penhores deputados, deve ser approvado com a seguinte modificação, que constituirá, um § 3.° no artigo 7.° do contrato.

"§ 3.° Sempre que haja questões de indemnisações, em consequencia das disposições, dos artigos 6.° e 7.°, serão ellas judicialmente decididas."

Sala das sessões da commissão, 29 de março de 1875.= Joaquim Thomás Lobo d'Avila = Antonio Correia Caldeira = Marquez de Vallada = Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

Projecto de lei n.° 49

Artigo 1.° É approvado, para poder ter execução, o contrato provisorio para o aproveitamento das nascentes das aguas medicinaes de Vizella e construção de estabelecimentos de banhos, celebrado por escriptura de 18 de novembro de 1874, entre a camara municipal do Guimarães e a companhia do banhos do Vizella.

§ unico. Ao § 1.° do artigo 7.° do contrato se acrescentará "salvo o recurso para o tribunal arbitra], que o artigo 18.° do contrato estabelece para as questões sobre assumptos technicos entre a companhia e a camara, devendo aos proprietarios caber o mesmo direito que esta tem para a escolha dos dois engenheiros".

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 8 de março de 1875. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario == Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario.

Approvado na generalidade e na especialidade.

O sr. Duque de Loulé: - Eu lembro a v. exa. que se não votou ainda a emenda da commissão, que é essencial.

O sr. Presidente: - Tem rasão o digno par. Vae ler-se a emenda.

Lida a emenda consignada no parecer n.ºs 71, e sendo posta á votação, foi approvada.

O sr. Lobo d'Avila: - Eu desejava que pobre, o projecto que acaba de votar-se se salvasse a redacção, porque tem o seguinte erro. (Leu.)

Vê-se perfeitamente que e um erro typographico, mas parece melhor salvar a redacção. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - A camara acaba de mostrar que está de accordo com a indicação do digno par, portanto considera-se o projecto approvado, salva a redacção.

O sr. Miguel Osorio: - Pedi a palavra sobre a ordem para lembrar a v. exa., que está dada para ordem da noite a minha interpellação ao sr. ministro da justiça.

O sr. Presidente: - O digno par r ao estava presente quando se devia effectuar a interpelação, por isso seguiu a discussão dos projectos que tambem estavam dados para ordem da noite.

O sr. Miguel Osorio: - Eu não me queixei, sr. presidente, lembrei simplesmente e que se tinha resolvido, e com que eu me conformára. E como agora estou presente, póde v. exa., se quiser, dar-me a palavra.

O sr. Presidente: - Vá e passar-se á interpellação do sr. Miguel Osorio ao sr. ministerio da justiça.

O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, difficil cousa e por certo o sustentar uma discussão durante: cinco quartos de hora, ou reais, e ter immediatamente de tratar de materia importante em seguida a uma digestão por acabar. Seria necessario uma grande eloquencia para poder conciliar a attenção dos meus collegas a quem repetidamente incommodo, e a quem me confesso grato pela benevolencia com que me ouvem.

Decerto, sr. Presidente, se me não achasse, por assim dizer, compromettido por um dever de honra a realizar esta interpellação, eu cederia da palavra pelas rasões que apontei. Se não fosse para ouvir do sr. Ministro da justiça explicações tão necessarias ao publico como ao governo eu não viria incommodar a camara com as minhas observações, nem lhe tomaria algum tempo dos escassos momentos que lhe restam para votar os projectos que o governo julga essenciaes á boa administração do estado.

Sr. presidente com este preambulo não pertendo captar a benevolencia da camara. Tem-me dado ella sempre tantas provas de attenção e consideração, que é inutil solicitar-lhe mais uma vez que m'as conceda. O que sim preciso pedir-lhe é que me desculpe de ser tão importuno. Os meus collegas, na realidade, devem estar aborrecidos de me ouvirem constantetamente; mas eu não sei cumprir de outro modo os deveres que me incumbem como par do reino. Demais, a questão que vou tratar é uma questão de moralidade publica, e parece-me que os poucos momentos que n'ella se empreguem não serão perdidos para o estado, nem para o governo.

Devo dizer, em primeiro logar, que e animo com que entro n'esta, interpelação, não á de fórma alguma hostil ao sr. ministro da justiça, que não tenho por intuito crear embaraços ao governo, nem demorar a discussão de objectos importantes. Sabem isto o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da justiça, que tiveram a bondado, um do promover que eu verificasse n'esta sessão a minha interpelação, fazendo com que aquelle seu collega mandasse a esta camara os documentos que eu tinha pedido, e cuja remessa tanto se havia retardado; e o outro, prestando-se immediatamente, depois da indicação do sr. presidente do conselho, a vir aqui responder ás observações que eu tenho a dirigir-lhe S. exas. fizeram-me o favor de perguntar te eu tinha em vista impedir que se discutissem os projectos dados para ordem do dia, ou sómente reconhecer e averiguar a verdade. Eu, com o mesmo cavalheirismo, respondi que não tinha outro intento senão esclarecer a verdade.

Já vê, pois, a camara qual é o espirito com que venho aqui interpellar o meu antigo amigo, o sr. Ministro da justiça. Creio que posso ainda dar a s. exa. este nome de amigo, posto que as nossas relações politicas se achem tão differentes do que foram outr'ora, e nos afastem mutuamente; mas, como ellas nunca poderão apartar do meu animo a veneração que tenho pelo seu caracter, e a amisade que cultivei tantos annos, por isso continuo a conta-lo no numero dos meus amigos, e espero que cousa alguma me fará perder a admiração que tenho por esse seu talento que tanto me captivou, quando pela primeira vez nos relacionámos em politica, talento que tão brilhantemente se manifestou no parlamento e no poder, talento que acompa-

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libou as aspirações nobilissimas do partido a que pertenço, e a que s. exa. pertenceu tambem, e que fazia com que rios o auxiliassemos para os commettimentos do seu primeiro ministerio, taes como a lei da liberdade de imprensa e a abolirão da pena de morte.

Posto isto, &r. presidente, entrarei na questão, devendo tambem declarar previamente que de modo algum a levanto, porque deixe de ter convicções profundas ácerca da probidade do illustre ministro da justiça, a quem reputo incapaz de um acto de menos probidade. S. exa. e muito meticuloso era materia de consciencia, e ainda ha pouco sustentava, com denodo e coragem, as prerogativas da corôa contra as exigencias exageradas do clero, e viu-mo immediatamente ao seu lado. É por isso mesmo que provoco as explicações de s. exa., porque, de quem não bem tem andado e procedido contra as exigencias ou pretenções exageradas do clero, que se acobertava com uma mentida interpretação, de concilio do Trento, para assim tolher as prerogativas da corôa e a independencia dos poderes publicos, não posso eu esperar, nem posso acreditar que commettesse as faltas que se attribuem e estou ainda persuadido de que é incapaz de as commetter.

S. exa. que tanto preza a sua dignidade, pregará tambem de certo a dos outros. S. exa. que não consentia que se lhe tolhesse a sua auctoridade como ministro da corôa, tambem não deixaria de attender e respeitar os direitos dos outros, e não desprezaria as informações e indicações dos homens e auctoridades competentes que nada impunham, que em nada contrariavam, o governo nem a sua acção, mas que se limitavam a indicar ou lembrar o que lhes parecia mais conveniente a bem do estado e da igreja a não ter para isso rasões fortissimas, verdadeiras rasões de decidir.

E s. exa. que tanto toai zelado as prerogativas da corôa, e dado protecção á igreja, não calcaria hoje todos os principios de justiça, nomeando para, uma igreja um individuo com grave prejuizo de terceiro, sem as qualidades necessarias para bem desempenhar as funcções do cargo para que fui nomeado, e que alem d'isso commettera actos reprehensiveis. S. exa. não fazia isso, não preferiria esse homem a outros com melhores habilitações, só porque era protegido por certos individuo?, e se achava protegido por altas influencias, embora com grave descredito do estado e da igreja.

Sr. presidente, só eu estiveste convencido de que eram exactos todos esses factos, se eu tivesse esta triste convicção, declaro que isso seria bastante para que eu não viesse aqui dizer cousa alguma, não levantaria esta questão e procederia assim, parque muita e antiga e a amisade e a consideração que tenho pelo sr. ministro da justiça, e não desejando eu nunca ser-lhe desagradavel não era possivel que boja viesse commetter um acto de que resultasse censura e em que a critica, menos benevola, podesse vir deslustrar o caracter de s. exa. e mais ainda a honra do seu cargo.

Seja pois qualquer que for a resposta do illustre ministro, eu não farei prolongar o debate, mesmo porque desejo evitar toda e qualquer discussão que possa ir perturbar ou complicar negocios graves que estejam pendentes, e assim não farei nenhuma moção de censura ao governo, nem ao sr. ministro da justiça, mesmo porque a censura não traz justificação quando o individuo que a merece se vir forçado a confessa-lo, ou quando os factos o condemnem a ella, tem a verdadeira censura n'elles e no seu proprio arrependimento, se d'elle é susceptivel; a consciencia de haver obrado mal, será de certo para elle a maior, a mais pungente das censuras.

Mas o que se tem dito não é verdade, não póde ser, não o acredito, e não seria eu, repito, que levantaria esta questão de proposito, e caso pensado, e não direi rixa velha, porque a na1 o ha; não seria eu que com essa questão viesse crear ou levantar conflictos entre a igreja e o estado, por isso que eu que estimo tanto a liberdade e o meu paiz, como respeito a igreja, os seus ministros e os actos religiosos; vejo infelizmente que por detrás da igreja se tem estado e está a minar constantemente contra a liberdade e contra as nossas instituições e não serei eu que em occasiões tão perigosas, pela luta religiosa que infelizmente vae dando que fazer a toda a christandade viria trazer tal peste ao meu paiz.

Sr. presidente veiu á téla da discussão a questão do cabido de Bragança e eu pela necessidade da minha responsabilidade pessoal, das minhas convicções e dou principios pelos quaes tenho sempre pugnado nesta camara, quando vi o sr. bispo de Vizeu censurar es actos do sr. ministro da justiça esqueci-me do meu papel de opposição, lembrando-me apenas dos principios que me regiam e dos ministerios que eu tinha apoiado, o que procederem da mesma fórma.

Voltei-me, pois, para o lado do governo; mas depois de lhe ter dado o meu voto, quasi que estava arrependido, não de ter apoiado o governo, mas de poder parecer ministerial, eu, que não tenho seguido a politica d'aquelles cavalheiros, comquanto estime alguns d'elles, e a todos respeite por muitos titulos. Porém como ministros e como politicos, reputo-os inconvenientes o detesto-os, porque estão muito longe dos verdadeiros principies liberaes. Peço perdão. A palavra detesto-os é desagradavel e eu retiro-a. As vezes no fogo da discussão as palavras não sáem tão bem como desejâmos. Não se offendam, pois, os srs. ministros das minhas palavras, porque as rainhas intenções são sempre boa.

Mas, n'aquellas circumstancias, via-me na necessidade de tomar tanta responsabilidade; como os ministros pelos actos praticados pelo governo. Fraquissimo escudo era o roeu, mas representava o escudo de um partido politico, pois que fallei em nome do meu partido, que estava ao lado do governo n'uma questão de principios tão importante, e na qual o sr. ministro da justiça fôra accusado pelo sr. bispo de Vizeu de ter procedido injustamente e com tyrannia. A questão era grave; os principios deviam ser elevados á sua verdadeira altura, e era necessario provar que o sr. ministro da justiça não tinha andado mal, antes pelo contrario, tinha cumprido com o seu dever, e demonstrar que da parte da s. exa. não estava a tyrannia nem a injustiça. Estava eu, portanto, n'uma occasião difficil, estava n'uma situação desagradavel, tal como a de combater um collega da opposição dando rasão ao governo, mostrando que o seu procedimento tinha sido como indicam os verdadeiros principios liberaes, atenuei esta má situação commemorando um facto cuja discussão se tinha encetado na outra casa do parlamento e na qual muito havia que censurar, dava-me margem a não querer deixar de me mostrar disposto a fazer opposição com o sr. bispo de Vizeu, quando para isso houvesse motivo.

Sr. presidente, vae longo o prólogo, vou já entrar na materia; não podia deixar de mostrar os motivos que actuaram no meu animo para apresentar esta interpellação.

Permitta-me ainda v. exa., que eu lastima a faltado illustre prelado de Vizeu n'este momento, porque no assumpto de que vou tratar é que eu queria ver o que diziam os defensores do concilio de Trento. Estou certo que se s. exa. estivesse presente não deixaria de me acompanhar n'esta questão, e diga-se a verdade, a culpa não é de s. exa., teve de se ausentar para cumprir os deveres do seu ministerio; a culpa é de quem guarda esta discussão para do tarde; não se póde attribuir a difficuldade da remessa dos documentos, que foram mandados pelo sr. ministro da justiça são tão pequenos, que me parece que poderiam ter vindo mais cedo para serem publicados, e a camara poder assim tomar conhecimento d'elles, o que tambem me pouparia o encommodo de ter de os ler agora,

O sr. Ornellas: - Peço a palavra.

O Orador: - Mas como a camara não os conhece, peço licença para os ler.

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Dos documentos sobre que versa a questão conhece-se o seguinte:

Vagou a igreja de Ourique, foi posta a concurso por provas documentaes.

A esta igreja concorreram varios parochos collados, porque o concurso era documental, e por consequencia concorreram a elle os parochos que estavam no caso de serem apresentados nas igrejas vagas segundo as disposições do decreto de 2 de janeiro. Este decreto, que tantas vezes tem sido discutido n'esta casa, sabe v. exa. e a camara quaes são os seus fundamentos, e que o seu principal fim foi para que se não abusasse da parte do clero, pois que fazendo-se todos os provimentos por concurso de provas publicas eram muitas vezes preteridos individuos que tinham melhores serviços á igreja por outros sem serviços alguns, e muito pouco em harmonia com a vantagem da igreja e do estado, e mais pelas conveniencias ás vezes do alto clero.

Este decreto, quando foi discutido, viu-se que os prelados não ficaram satisfeitos com elle, chegando mesmo um prelado a affirmar que ficavam tolhidos de beneficiarem os clerigos da sua familia, fallo da familia ecclesiastica; pôde-se dizer que antes do decreto os despachos se faziam quasi sem a interferencia do governo, porque os bispos podiam afastar quem quizessem das igrejas, foi isto a que se quiz obstar, mas ficou o governo com taes peias no concurso documental, que parecia que elle não ia procurar para si o abuso que os bispos commettiam.

O decreto foi feito, com grande opposição, para o governo manter bem não só as garantias da corôa, mas tambem o bom direito da igreja.

Vamos a ver se no caso em questão o espirito e fim do decreto foram rigorosamente executados; talvez que a resposta do sr. ministro da justiça me satisfaça, e n'esse caso resumirei o que tenho a dizer a tal respeito.

Terminado o concurso mandou o sr. ministro informar ácerca dos concorrentes ao prelado diocesano; esta informação do prelado é um dos documentos que o governo mandou á camara, que eu passo a ler e para o qual peço a attenção da camara, (Leu.)

Ouça a camara. (Leu.)

Declara o vigario, pro-capitular, que não é capaz do faltar á verdade, que entre todos os concorrentes ha um que é formado em theologia, foi professor distincto, foi governador de bispado e que é a todos os respeitos digno; que outro tem arriscado a sua saude em uma freguezia insalubre, que se acha muito doente, que apesar d'isso tem sempre cumprido com os seus deveres, e que bem merece ser contemplado com outra igreja aonde possa restabelecer-se visto que aquella aonde está é local muito insalubre; do ultimo informado, o padre Neutel, diz que lhe constava que elle se intitulava bacharel firmado em theologia pela universidade de Coimbra, que como tal tinha sido despachado pois que assim é designado no decreto de apresentação, e na sua carta de collação, que em documentos offiaes assim se tem assignado; que por varias vias lhe tinha chegado ao conhecimento que era falso que elle fosse bacharel formado, mandou-o chamar á sua presença e dizendo-lhe que elle apresentando-se como bacharel causava prejuizo a terceiro e obrigava a elle informante a averiguar a verdade, o presbytero Neutel confessa a verdade, que não só não era bacharel mas que tinha apenas frequentado uma aula do 4.° anno theologico, que mesmo d'essa cadeira não fizera acto, e os tres annos que tinha frequentado em Coimbra tinha sido na classe de voluntario, isto é, tinha feito o curso de ordinando que equivale apenas ao dos seminarios. Por esta circumstancia, e pelas expressões que o vigario pro-capitular emprega, se vê que elle estava em condições de infeioridade a todos os concorrentes; ninguem podia pois esperar, em vista das informações, e muito principalmente, em vista da allegação falsa de ser bacharel, fosse este escolhido pelo sr. ministro, foi este porem o escolhido. Ainda que entre todos os concorrentes apparecesse um que fosse menos acceitavel, e que esse fosse preferido tendo graus academicos, podia-se talvez explicar, mas que fosse preferido o mais inferior, e que alem d'isso usava de titulos que não tinha, tornando-se assim incurso em crime previsto no codigo penal, e que custa a crer, o que a logica indicava, é que tal individuo fosse mettido em processo; não foi porem assim, e foi elle o provido; quaes foram as causas que levaram o sr. ministro a proceder como procedeu? Estou certo, estou intimamente convencido de que o sr. ministro da justiça, por seu proprio decoro, não era capaz de desprezar as informações do prelado, a não as julgar falsas, e n'esse caso, devia censurar quando não procedesse contra o falso informador, ou ao menos devolver-lhe a informação com a prova do seu erro para elle a emendar ou explicar, de outro fórma é desconsiderar o prelado e preterir a justiça.

O prelado não indicava nenhum individuo para ser preferido, informava com os factos, não mostrava paixão, dizia que todos eram de l.ª classe, e só com respeito áquelle mencionou a notavel circumstancia de elle ter usado de titulos que lhe não competiam, e pelas suas moderadas palavras se via que elle a todos os respeitos era o mais inferior, mas sem fazer pressão nenhuma, porque se elle quizesse fazer pressão no animo do sr. ministro poderia indicar um de preferencia a todos, podia mesmo excluir aquelle por uma informação mais explicita, poderia mesmo mette-lo em processo ou suspende-lo antes do concurso pelo abuso que tinha commettido de usar de titulos que lhe não pertenciam, e que não são meramente honorificos.

Portanto, não houve da parte do prelado senão uma grande moderação, quando dizia na sua informação que, achando todos nas circumstancia de exercerem o logar, não podia deixar de mencionar que havia um entre elles para o qual não implorava senão a caridade, porque era victima da doença que adquirira no serviço da igreja, n'uma freguezia que era insalubre. Era isto o que elle lembrava por estas rasões; preteriram-se os principaes, preteriu se um bacharel em theologia, homem de elevado merito e excellentes virtudes, e digo isto porque tenho a honra de conhecer este individuo desde muito novo, e sempre foi um clerigo exemplar, e até tem sido encarregado de governar a diocese. Não são, porém, as relações que tenho com esse individuo que me obrigam a fallar, porque nem sabia que elle era concorrente, soube-o pelo documento official que li.

Portanto, não entrei na questão se não por um dever de consciencia, porque desejo que se esclareça a verdade, e por amor aos principios de moralidade justiça.

Espero a resposta do sr. ministro, e se ella me satisfizer cabalmente, applaudir-me-hei mais uma vez da ter promovido occasião a s. exa. de mostrar que corresponde ao alto conceito em que sempre o tive, e á mui a consideração que sempre me mereceu, assim como ao grande desejo que tenho de ver que, lançado n'uma politica muito differente d'aquella por onde principiou a sua carreira, e da qual se acha afastado com grande saudade do meu coração, não perdeu as nobres qualidades que o ornavam, e não se deixou eivar da politica de patronato e compadrice, que infelizmente ha factos que muito compromettem o actual gabinete.

O sr. Ministro da Justiça (Barjona de Freitas): - Sr. presidente, comprehendo a urgencia das circumstancias, e portanto limitarei as minhas palavras a tanto quanto forem indispensaveis para responder ao meu antigo amigo o sr. Miguel Osorio. S. exa. no seu discurso alludiu ainda á pena de morte e ás doutrinas que eu tinha sustentado noutra occasião. Constou-me depois que entrei n'esta casa, que o digno par no discurso que proferiu sobre o codigo militar tinha procurado encontrar contradicção entre as doutrinas que sustentei como ministro em 1867 e as que sustento agora.

Por esta occasião agradeço ao meu amigo o sr. Barros

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e Sá a defeza que tomou da minha humilde pessoa n'esta conjunctura, tratando de mostrar que tal contradicção não existia. Sem querer prolongar esta discussão peço licença para ler apenas dois periodos do relatorio que apresentei em 1867 sobre a pena de morte.

Todos sabem que a pena de morte póde ser considerada debaixo de dois pontos de vista - a sua legitimidade e a sua necessidade. Em 1867 eu sustentei a sua legitimidade e combati a sua necessidade para os crimes civis, e por isso propuz a abolição d'essa pena. Desconhecer a necessidade d'esta pena não quer dizer nem implicita nem explicitamente que ella não seja necessaria nos crimes militares.

Eu sinto que o digno par, tendo lido na minha ausencia differentes periodos do meu relatorio, não me fizesse a honra de ler os que provavam que eu n'essa occasião tinha advogado, sem nenhuma reserva a legitimidade da pena de morte. (Leu.)

Isto é tão claro que escusa de commentarios. (Continuou a ler.)

Mas se o digno par tem alguma duvida a este respeito, póde ver no resto do relatorio que sustento ahi sempre de um modo explicito a legitimidade da pena de morte, combatendo apenas a sua necessidade nos crimes civis. Tem sido sempre esta a minha doutrina como professor, como advogado e como homem publico.

Não se discute agora a pena de morte, e peço desculpa d'esta digressão.

Vou, pois, entrar no objecto especial da interpellação.

(Áparte que se não percebeu.)

Perguntou s. exa. qual era a rasão por que tinha sido despachado o padre Custodio Neutel para a igreja de Ourique, e pareceu julgar que este individuo não podia obter despacho, ou porque havia outros mais habilitados, ou porque elle era accusado de se intitular bacharel formado em prejuizo dos outros concorrentes.

Ha dois modos de ver, essencialmente differentes.

Se o digno par me accusa, não por uma questão de legalidade, mas unicamente porque foi escolhido aquelle que não era o melhor, eu podia responder a s. exa. de uma maneira categorica que os despachos pertencem ao poder executivo, que é o juiz, que é o apreciador das circumstancias dos concorrentes, e podia tambem dizer que o proprio concilio de Trento não obriga o padroeiro secular a escolher o mais digno, comtanto que escolha um sacerdote digno.

Não quero esta defeza, ponho completamente de parte todas as consequencias d'ella resultantes, porque foi exactamente o mais digno aquelle que eu despachei.

A outra asserção, que parecia de maior gravidade, e que se afigurava como uma accusação tremenda, de se intitular aquelle individuo bacharel formado, é falso. É absolutamente inexacto que o referido sacerdote no concurso em que foi despachado para a igreja de Ourique se inculcasse bacharel formado, ou allegasse qualquer grau litterario para prejudicar os outros concorrentes.

Tenho aqui na minha pasta o requerimento por elle feito quando se tratava de prover a igreja, e de modo algum vejo allegada a circumstancia de ser bacharel formado, sendo comtudo verdade que na informação ácerca d'este concurso se dizia que o mencionado individuo em varios documentos officiaes se intitulava bacharel formado, e que isto podia prejudicar os outros concorrentes.

Como me fez especie que neste concurso se viesse levantar a idéa de que esse sacerdote se podia prevalecer da qualidade de bacharelem desvantagem dos demais concorrentes, tratei de indagar o que havia a esse respeito.

Procurei todos os processos de concurso que havia na secretaria da justiça, e só encontrei um, em virtude do qual foi collado em 1858, despachado pelo sr. marquez d'Avila com aquella justiça com que costuma fazer sempre os seus despachos, e no requerimento para esse concurso, escripto creio que até por letra diversa, dizia-se bacharel.

Eu peço toda a attenção da camara para este ponto. No concurso de que se trata não allegou a qualidade de bacharel, que, como direi, lhe não dava mais direito, qualidade que só encontro consignada no requerimento que fez para o concurro da igreja, em que foi collado em 1858. Aqui está o grande crime.

Ora, note a camara que vae grande differença entre o titulo de bacharel formado e o de simples bacharel, o qual, pelas nossas leis, lhe não dá preferencia para cousa nenhuma.

Onde está, pois, o grande crime praticado por este presbytero?

O grande crime consiste em ter allegado, não em 1874, mas em 1857, que era bacharel, o que, segundo a legislação, lhe não dá preferencia alguma para o provimento. Eis-aqui a que se reduz este grande delicto, que tão ruidosamente vi tratar nos jornaes!

O sr. Mariano de Carvalho requereu na outra camara estes documentos, mas, segundo creio, convenceu-se tanto de que não havia illegalidade, que me não chegou a interpellar.

Posta de parte esta accusação, devo declarar ao parlamento que quando se tratou do provimento informei-me dos serviços e qualidades dos requerentes, como póde verse do seguinte documento. (Leu.)

Por consequencia, a propria informação do prelado attesta a sua moralidade e os seus serviços parochiaes, mas eu chamo ainda a attenção da camara para outro ponto. Não tendo o presbytero, de que setrata, allegado para a admissão ao concurso da igreja, em que foi provido, a qualidade de bacharel, como se vem levantar na camara essa questão? Aonde está a illegalidade do provimento, se elle não allegou um tal titulo? A camara apreciará o facto na sua alta sabedoria.

Apresenta-se ainda uma outra duvida. O prelado devia informar sobre as qualidades dos candidatos, seus serviços e data da collação. A informação é esta. (Leu.)

O padre Neutel, a que nos estamos referindo, era parocho collado desde 1858, e aquelle que se quer apontar como preterido, era collado desde 1871. Como se vê da informação que acabo de ler á camara, esta ultima data não vem mencionada, o que estranhei, e só comprehendi a omissão quando tive noticia de que a collação era de 1871.

Note a camara que todos estes presbyteros não tinham uma collação anterior á do que foi despachado nem mesmo aquelle que era preferido pelo prelado; o qual foi collado em 1871, emquanto este o tinha sido era 1857, isto é, tinha mais quatorze annos de serviços parochiaes do que esse que o digno par sustentava que era o mais digno de todos os concorrentes, e que se indicava na informação. Mas para tirar todas as duvidas sobre se o referido presbytero tinha sido collado em 1857, e se havia concorrido a essa igreja, fui ver a informação que tinha obtido por essa occasião. Peço licença para ler este documento. (Leu.) Então usava-se o systema de provas publicas. (Leu.)

Aqui está a informação que dava o antigo prelado em 1857, quando se tratava de dar provimento á igreja em que o mesmo presbytero estava.

O sr. Miguel Osorio: - O prelado era o actual?

O Orador: - Não, senhor. Mas o prelado anterior da diocese não valia menos que o actual, e para se dar valor á informação d'este, não é preciso amesquinhar a informação que deu o antigo prelado.

Fica pois provado: primeiro que este presbytero teve nas duas occasiões, em que se apresentou requerendo, as mais distinctas informações; em segundo logar que era de todos os concorrentes o que tinha mais longos serviços parochiaes; em terceiro logar que não allegou ser bacharel formado, nem simples bacharel; em quarto logar que em 1857, n'um requerimento que fez, é que se intitulou bacharel, o que aliás não lhe dava direito de preferencia em

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caso nenhum; em quinto logar, finalmente, que por simples allegação do requerente, como o digno par sabe, não se faz obra na secretaria, e só sim quando essa allegação é acompanhada de documentos que a comprovem. A allegação simples não vale nada, e por consequencia por modo, algum póde prejudicar os outros concorrentes.

Alem d'estas circumstancias que acabo de mencionar, ha outras para as quaes chamo a attenção da camara e do digno par, e que a mim me parecem estranhas. Vem a ser que o proprio informante a quem sã levantavam estas duvidas de ser o individuo em questão bacharel formado confessava na sua informação o seguinte. (Leu.)

Vê-se pois que era vigario da vara havia dois annos. O prelado que desconfiava da verdade dos titulos d'esse individuo, que chamava para elles a attenção do governo, por suppor que elle usava de uma denominação que não tinha, esse mesmo prelado todavia, conservava asso homem no exercicio das funcções de vigario da vara, cão dava parte d'elle, não o suspendia, nem lhe retirava esta qualidade.

Tendo dito estas poucas palavras o mais resumidamente possivel em presença da urgencia das circumstancias, parece-me que o digno par e a camara ficarão satisfeitos com as minhas explicações.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Mando pura a mesa um parecer da commissão dos negocios estorno, sobre o tratado de extradicção reciproca dos criminosos entre Portugal e a Belgica.

É um negocio cuja urgencia é de todos reconhecida, e por isso peço a dispensa do regimento para que possa entrar em discussão ainda n'esta sessão.

Leu-se na mesa.

O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, nem eu posso estar satisfeito, nem sei se a camara o estará, nem serei eu que lh'o pergunte, mas a consciencia do sr. ministro, essa, é que o não está de certo, que é, no meu entender maior infelicidade.

Eu estou tão pouco satisfeito, sr. presidente, que me declaro arrependidissimo de ter levantado esta questão, tal é a posição desagradavel do meu espirito, em relação á posição em que fica o sr. ministro com a sua resposta, deplora-o a antiga amisade, chora-o o coração do amigo, e só me fica satisfeita a consciencia por ter occasião de protestar contra tão flagrante injustiça.

Sr. presidente, rasa o de mais tinha eu de entranhar os factos, porque é realmente para estranhar que um homem de consciencia recta, que o meu antigo amigo, saltasse por cima de uma falsidade para praticar um acto de flagran-tissima injustiça. S. exa. patrono da igreja, defensor do concilio de Trento, e que na sua posição tem obrigação de vigiar para que os homens que estão revestidos de cargos publicos não dêem motivo a que ninguem se [...] por sombras a duvidar da sua boa fé, pratica um acto como o que praticou!

Mas permitta-me v. exa. que eu diga a verdade, sr. presidente, não é o sr. ministro o réu; o réu é v. exa., v. exa. é que devia estar sentado n'aquella cadeira, v. exa. é que é o culpado, se v. exa. ali não tivesse estado, não se tinha praticado tal acto.

Isto é o que se deprehende das palavras do sr. ministro da justiça. No entanto o que eu digo é, que se v. exa. inconvenientemente despachou um homem que alienou uma falsidade, v. exa. que é um cavalheiro que todos respeitam pelas suas qualidades pessoaes, pela sua honradez, justiça, probidade, e em fim pelas qualidades eminentes de um homem de estado digno a todos os respeitos, trataria de castigar o delinquente, o não o despacharia para melhor logar, não praticaria isso que praticou o sr. ministro da justiça, se tivesse conhecimento que esse individuo havia allegado uma qualidade que não lhe pertencia e que lhe dava o direito de preferencia a outros pretendentes.

O sr. Ministro da Justiça: - Não lhe dá tal direito.

O Orador: - O sr. ministro da justiça diz que lhe não dá tal direito, mas eu creio que sim, sr. presidente, mas seja como for, em todo o caso o homem que recebe uma carta em que era despachado na qualidade do bacharel, e a não remette immediatamente ao governo, e lhe não diz: não se enganem, que eu não sou bacharel: e de mais a mais, não só não procedeu assim, mas considerou-se bacharel d'ahi por diante, assignando como tal em documentos officiaes, como affirma o prelado.

Podia elle suppor que era bacharel, parque a sua caria de collação assim o designava?

Pois, a secretaria póde por ventura dar graus de bacharel a alguem? Pode passar cartas que pertencem a outro corpo tão differente? V. exa., sr. presidente, conhecendo a falsidade do requerente, e d'ella ha provas na secretaria, como disse o sr. ministro, precedia de outra fórma e tinha, annullado o despacho procedendo promptamente a outro concurso, v. exa. não teria centra vontade do prelado imposto um homem, para exercer um certo cargo, que se tenha arrogado o direito de bacharel, que o não era, e que o concilio tridentino pela circumstancia do bacharelado o dispensava até do exame.

Diz o sr. ministro, que o pretendente allegou em tempo que era bacharel, mas que a circumstancia da allegação não era o mesmo que ter requerido, assinando como tal, e que a allegação mesmo em nada importava, porque na secretaria não se faz obra pela allegação dos requerentes. Oh! sr. presidente, onde está então a confiança, a fé e a probidade?..

Ora, supponha que o sr. Ministro da justiça fazia um requerimento em que allegava que era doutor, que o é, mas suppondo que o não era, e que por essa circumstancia era admittido a um concurso em que fosse approvado, o governo podia em boa fé preferi-lo a outros concorrentes. Este facto seria honroso para o concorrente? n'um emprego ecclesiastico, este facto tornaria o individuo revestido de caracter sacerdotal inhabil para ser respeitado; esta é a minha opinião e ha de ser a da maior parte da gente.

Em casos mais insignificantes, um homem que se presa de probidade, não usa de um [...] que lhe não pertence, assignando-se com elle todos os actos officiaes. Isto é um crime, é uma falsificação moral.

Sr. presidente, v. exa. é que foi o culpado, porque foi o primeiro que despachou esto parocho, e em cuja carta se dizia que elle era bacharel formado em theologia.

O sr. ministro despachou agora este parocho, apesar da informação do vigario, que teve a indiscrição de omittir na informação que deu que um dos parocho era collado ha muito pouco tempo, ao passo que havia outros que o eram ha muito, e tinha prestado serviço á igreja. Por isto é o vigario censurado! E o sr. Ministro não o dever ser pelo despacho que fez? S. exa. sabe bem que o vigario não tinha que mencionar a circumstancia de tempo da collação, porque o facto de ser formado e collado o colocava em 1.ª classe, ainda que fosse collado ha dias, os outros é que precisam de sustentar annos de collação para serem de 1.ª classe. S. exa. sabe isto muito bem.

Eu não posso censurar o vigario, porque elle não tem voz n'esta casa; mas, não posso deixar de dizer que elle é que teve a culpa, porque, desde que soube que aquelle parocho se intitulava bacharel sem o ser, devia te-lo suspendido por usar de um titulo falso.

O illustre vigario é um cavalheiro que muito respeito, não só peio grau ecclesiastico que occupa, nas pelo seu caracter nobre e digno. Não acho o sr. ministro da justiça em circumstancias de censurar o vigario pelo seu procedi-mento. Elle, se fez mal, foi em nato ter suspendido o homem, logo que teve conhecimento d'aquelle facto pouco digno, por elle praticado. Por isso, e só por isso, o sr. ministro se serve d'essa circumstancia para allegar que o despachado era digno, pois que era vigario da vara. O prelado teve muita benevolencia, não ha duvida, mas foi talvez

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caridade com um individuo que não queria ver collocado em triste situação, quando estava a requerer uma freguezia melhor, mostrava ainda a sua prudencia o não querer que se dissesse fazia pressão no governo.

Mas note v. exa. e a camara que a omissão do prelado em nada releva o sr. ministro da justiça, porque, desde que o facto lhe chegou ao conhecimento, devia averigua-lo.

S. exa. foi achar o corpo de delicto na sua secretaria, e foi quanto lhe bastou para o preferir. Mas não duvido affirmar que o prelado tambem andou mal em continuar a deixa-lo exercer o cargo de vigario da vara, suspendeu-o mais tarde e daqui veio grave desgosto ao tal vigario e talvez ao sr. ministro. Parece, sr. presidente, que interesses mais altos do que o exercicio de um direito de preferencia na escolha de um qualquer é que deviam ter regulado o sr. ministro na administração da justiça, e rasão teve s. exa para não insistir n'esta argumentação. S. exa. falla de um que se suppõe preterido, são Todos; o prelado não indicava a pessoa, e este facto prova que elle não queria impor-se ao governo. O prelado na sua informação desenhava o caracter de cada um dos individuos, e se mostrava um certo interesse pela saude de um que era parocho collado em uma freguezia insalubre, nem por isso deixou de collocar a todos os concorrentes nas mesmas circumstancias, e desde que tinha obrigação de apresentar a sua opinião sobre um facto tão grave como este, disse que aquelle mesmo individuo era competente. Os factos é que o tornaram incompetente, e o sr. ministro da justiça entendeu que o devia despachar, não desprezando o prelado que em nada foi offendido, mas desprezando os factos; quem ficou offendida foi a justiça e a moral.

É a resposta de s. exa., que despachou, porque podia despachar. Não é assim; os ministros da corôa não podem despachar ninguem só por sua livre vontade, e são responsaveis pelos seus actos perante a opinião publica.

Mas, sr. presidente, o facto posterior vem completar o antecedente. Quer v. exa. saber como? Eu não gosto de entrar n'estas questões de pessoas, mas n'uma interpellação d'esta natureza devo dizer que as explicações do sr. ministro não me satisfazem, porque desculpa-se s. exa., dizendo que é o mais digno, já por ser o mais antigo pondo de parte o caracter respeitabilissimo dos que foram preteridos e exaltando assim o caracter d'aquelle parodio, quando ca factos mostram o contraria.

Vejamos o que se passou depois. Este parocho tomou posse da freguezia, e ai seguida a tomar posse da sua nova parochia foi trabalhar não na vinha do Senhor mas em eleições na parochia onde esteve até ali, o vigario da vara intimava-o para que fosse para a sua freguezia, o parocho respondia que não ia porque tinha que tratar das eleições, e até chegou mesmo a dizer que não iria para a freguezia porque estava ali por ordem do governo para trabalhar nas eleições, e trabalhou bem nas eleições a favor de um dos candidatos ministeriaes, que são dois, creio que protegidos cada um por seu ministro.

Fizeram-se queixas ao prelado que, depois de informado do que se passou, mandou ao padre Neutel que fosse para a sua igreja.

Estas queixas fizeram com que novos actos se praticassem no mesmo sentido pelo parocho que teve de ser suspenso por desobedecer á auctoridade superior, e por accusações graves que se lhe faziam. É por isto que o publico, talvez com menos exactidão mas justificando os factos esta apreciação, diz que o parocho fôra escolhido por causa de serviços eleitoraes, e não por zêlo da igreja, e não porque fosse o mais antigo, que foi por isto que foi desprezada a informação do prelado, não obstante serem os prelados, e não os ministros os mais competentes para conhecerem os individuos que devem ser providos nas igrejas. Os prelados é que deviam fazer essa escolha, e não os ministros. Todas as vezes que não haja offensa da prerogativa da coroa, o poder civil tem obrigação moral de acceitar as indicações dos prelados. D'esta fórma é que póde haver boa união e harmonia da igreja com o estado. Se nós exigimos respeito pelos direitos civis e pelas prerogativas da corôa, que são a garantia da independencia d'esse poder, devemos tambem respeitar os direitos alheios, e muito mais quando a isso nos obrigam os deveres da consciencia, e os da moralidade publica.

Sr. presidente, ha mais uma circumstancia. O vigario na rua informação não apresentava um só individuo; o sr. ministro da justiça tinha muito por onde escolher, mas como não tratava de bem servir a igreja, mas sim de colher o maior numero de votos para o candidato ministerial, por isso a escolha não recaiu em quem devia recair. Eu não sei se cada um dos srs. ministros tinha o seu. candidato. O sr. Fontes, esse não influiu nas eleições, passeava militarmente pelo paiz, e dizia claramente que não queria metter-se n'ellas; mas o que é certo é que os candidatos ministeriaes se gladeavam puchando cada um para si o manto da protecção do governo, e como era mais conveniente satisfazer á politica do que á igreja, isso foi a causa do despacho se fazer antes das eleições. Ora deve-se notar um a circumstancia, e é que o parocho que se vae impor a um prelado, em breve fica debaixo da jurisdicção d'esse prelado, a só elle lhe póde pedir contas. Para que serve, pois, esta inutil exigencia? Para que é que se impõe hoje um homem que ámanhã se sabe que ha de ser um motivo constante de desintelligencia e da má administração da igreja? Isto só se explica pela necessidade eleitoral.

De tal fórma estava esse parocho certo de que o governo o approvava contra a vontade do ordinario que não obedeceu ao que se lhe mandava, dizendo que o que tinha ordem era de fazer eleições. O sr. ministro argumentar com uma informação dada por um outro prelado em 1857, isso não colhe.

Eu sinto que o meu amigo que lança a responsabilidade do despacho a v. exa., mas que ao mesmo tempo o desculpa pela informação que o bispo lhe dava para esse despacho se fazer, não veja que desde 1857 até hoje vae um periodo mui largo, e que o parocho podia merecer então todos os elogios e agora deixar de os merecer. Que mudanças se fazem numa longa serie de annos!

Até se muda de principios politicos, até vem declarar-se que a pena de morte está justificada pela sua necessidade, quando dantes se dizia que a sociedade progredia e que seria vergonha que precisasse de applicar aquella pena!

Não posso agora discutir este ponto, porque está discutido e votado; se profiro estas expressões, é porque o sr. ministro tambem se referiu a elle.

O sr. ministro não me fez justiça, mas eu que estou revestido de caridade enrista desde a cabeça até aos pés dou-lhe desculpa. Fallei de s. exa. n'um logar que me pareceu conveniente para provar que a pena de morte não devia vir consignada no codigo.

Não fiz censura alguma a s. exa. Fui buscar o que havia de bom, de optimo no seu relatorio, e sentindo não ter o sr. ministro aqui presente, servi-me dos seus argumentos para convencer a assembléa.

Não injuriei o seu nome. Citei aquelles periodos por serem escriptos por s. exa., e suspeitar que havia uma falta de coherencia entre os principios de então e os que sustenta hoje.

Terminando, sr. presidente, digo que o sr. ministro não justificou os factos. Está provado que o individuo não allegou a qualidade do bacharel formado, mas assignou como bacharel n'um requerimento que está na secretaria da justiça; que como tal foi tomar posse; que foi desprezada a* informação do pro-vigario capitular; pozeram-se de parte todos os serviços da outros concorrentes; obrigou o prelado a aceitar aquelle sacerdote, e elle humildemente o aceitou.

D'esta vez não é o clero que se levanta contra o governo, é o governo que opprime e vexa o clero; é o governo

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que, servindo-se do seu poder, servindo se da sua irresponsabilidade, impõe a um prelado respeitavel por muitos motivos, e tão respeitavel que o sr. ministro, apesar da pouca vontade de attender ás suas indicações, não achou ainda uma censura para lhe dirigir; impõe-lhe, repito, a obrigação de aceitar um individuo e elle com muito respeito pelo governo, com muita attenção e caridade para esse sacerdote, informou; apenas aquillo a que os factos o obrigavam.

Disse s. exa. que o parocho não allegou a qualidade de bacharel; peço perdão, o sr. ministro não quer que eu empregue a palavra allegar; que o parocho não assignou como bacharel o requerimento para o concurso de que se trata, mas sim aquelle em que requereu passagem para ser admittido ao concurso da igreja em que foi provido pelo sr. marquez d'Avila.

Este systema de se desculparem com as administrações transactas é deploravel.

O codigo militar que jazia nas commissões, que muitos governos não poderam apresentar, diz-se, quando alguem o ataca - é o sr. marquez de Sá. Trata-se do provimento do parocho, diz-se que elle não se assignou bacharel agora, mas quando foi provido a primeira vez por despacho do sr. marquez d'Avila, como se pelo despacho de e. exa. elle ficasse investido no grau de bacharel.

Eu, sr. presidente, sou o primeiro a fazer justiça a v. exa., e estou certo de que, se estivesse no poder, seria o sr. marquez d'Avila o proprio que procederia contra o parocho por ter enganado o governo.

De mais o parocho, diz o sr. ministro, era de entre os candidatos o que tinha maiores serviços de entre os concorrentes, e por consequencia o que estava mais nos casos de ser provido.

Assim seja, e permitta Deus que a consciencia do sr. ministro, procedendo assim, estivesse completamente desassombrada das pressões politicas, e que praticasse um acto de justiça em vez de ceder ao desejo de qualquer d'esses padroados não reconhecidos pela lei, a que se referiu n'esta casa o sr. conde do Casal Ribeiro. Os padroados extinguiram-se, mas ficaram os eleitores que actuam nos animos dos ministros e dos governos, exigindo concessões e beneficios á custa da igreja e empregos á custa da fazenda publica. Caminhamos em um terreno escorregadio e perigoso, e é para lamentar que cavalheiros honrados, que tem uma maioria na outra casa do parlamento, não combatam as falsas influencias que lhe são damnosas e prejudiciaes, e se deixem dominar por ellas.

Presentemente quem decreta os deputados é o sr. ministro do reino; não o diz elle hoje, não o confessa, mas tem-o dito já, e ha de dize-lo ámanhã quando occupar o seu logar de jornalista da opposição, logar em que o havemos ainda ver, porque espero em Deus, e confio que o actual governo não ha de occupar eternamente aquellas cadeiras.

Quem faz as eleições é o sr. ministro do reino, porque a lei eleitoral, contra a qual eu já protestei e decreto dá dictadura que eu combati, aniquilou todas as influencias locaes com a grandeza dos circulos. E apesar d'isso o governo para ter homens capazes de tudo á sua ordem, inventa influentes eleitoraes e o governo engorda-os, dá-lhes administradores de concelho, dá-lhes governadores civis, põe á sua disposição as localidades, para elles poderem commetter toda a casta de extorsões, e de vinganças pequeninas e indignas, e a final esses influentes que os ministros inventam não valem dois caracoes, como se diz na phrase do povo (riso). Como a materia é arida, é bem que se amenise com alguns d'estes ditos vulgares, que não deixem muitas vezes de ter graça, e ser conceituosos.

Os ministros parece que gostam da pressão que sobre elles exercem os taes mandões, e deixam-se avassallar por elles com tão boa vontade, que realmente se não póde duvidar que não achem n'isso prazer. É um facto este bem para deplorar, por si e pelas consequencias que traz. Pois

ha nada mais para lastimar que ver homens de bem e honrados, deixarem-se subjugar pela vontade d'esses homens, que se compõem como fazedores de eleições, ao ponto de despacharem para logares publicos, como hontem se viu na camara dos senhores deputados, individuos que não o podiam ser, por terem sido criminosos, desculpando-se depois o governo em termos taes, que não fazem senão confirmar o que diz a voz publica, quando accusa os ministros de terem feito taes despachos por virtude de influencias eleitoraes.

Sr. presidente, não me dou, nem me posso dar por satisfeito com as explicações do sr. ministro da justiça. Lamento até ter encetado esta discusssão, e lamento tanto mais, quanto nem o grande talento de s. exa., nem as seus recursos de experimentado argumentador, o habilitaram a confundir as minhas arguições. Desta vez até lhe falhou esse engenho subtil com que sabe muitas vezes fugir ás questões, como succedeu na do bispo de Coimbra, por occasião do despacho do escrivão da camara ecclesiastica, que nunca tomou posse, e por isso foi demettido.

S. exa. sabia que o prelado é que não lhe dava posse, e por essa rasão demittia o escrivão nomeado. Isto foi uma subtileza; mas estas substilezas agradam ainda que não seja se não ao espirito. Agora porem nem isso. Apenas apresentou estas fracas rasões, que não satisfizeram, nem agradaram. Declarou o illustre ministro que o individuo que requereu como bacharel, não o sendo, não apresentou nenhum documento falso, e que o sr. marquez d'Avila é que o despachou.

E v. exa. não está sentado no banco dos réus. Pois devia lá estar. V. exa. que teve a pasta da justiça durante quinze dias, provavelmente porque não achou quem a quisesse receber nas circumstancias em que se achava o paiz, e que teve de fazer o sacrificio de sobrecarregar-se com tres ou quatro pastas, v. exa. que no meio de tão importantes e multiplicados negocios, que tinha a attender na gerencia de tantos ministerios, mal poderia occupar-se d'este relativamente pouco grave, e por consequencia não lhe podia caber a responsabilidade de um acto, nas sim á secretaria, v. exa. é que foi o culpado do despacho do individuo em questão, porque o despachou noutro tempo.

Mas disse ainda s. exa. que a simples assignatura de bacharel era uma cousa insignificante, porque só os diplomas é que valem. Pois o illustre ministro acha que isso não é um crime? Seria preciso que esse homem levasse mais longe o seu arrojo para o considerar criminoso! Considera-lo-ia como tal só no caso de apresentar uma certidão falsa? Mas n'esse caso não teria mais sido padre, teria sido mettido em processo, condemnado e mettido n'uma penitenciaria, porque o prelado sabendo de tal tinha, não informado d'elle, mas far-lhe-ia instaurar um processo criminal. Pois, sr. presidente, quem pratica o acto de se intitular bacharel falsamente, mostra grandes disposições para fabricar um diploma falso se o poder fazer impunemente.

São estas as supposições ligitimas. E não são esses os individuos que deve impor á igreja, quem o seu protector, contra a vontade do prelado, e em desharmonia com as suas informações. A prova de que não podia haver confiança estava em que o despachado era um homem que se arrogava titulos que lhe não pertencem. Melhor seria pois que o governo, para quem os serviços d'aquelle homem prestavam eleitoralmente, que o não tivesse enviado para ali e o conservasse fóra da igreja, onde elle lhe prestava tão relevantes serviços.

O sr. Ministro da Justiça: - Sr. presidente, eu não desejo fatigar a attenção da camara, que já tem feito o estudo da questão, mas vou tomar novamente a palavra por deferencia para com o digno par interpellante, e exporei em poucas palavras o que tenho a dizer.

Permitta-me s. exa. que lhe diga que não póde entrar no fôro da minha consciencia, como s. exa. quiz fazer

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(apoiados), aliás eu terei o mesmo direito de entrar nas suas intenções. (Apoiados.)

Quiz s. exa., quando fallou, interpretar a seu modo as minhas idéas, ao que não tinha direito; não avance s. exa. a tanto. (Apoiados.)

Se a interpellação de s. exa. tem alguma cousa de seria, como eu creio que tem, deixemo-nos de avaliarmos reciprocamente as intenções um do outro, e vamos aos factos. (Apoiados.)

Os documentos que s. exa. tem presentes, bem como as divagações a que se tem soccorrido no seu discurso, provam demasiado a falsidade do terreno em que s. exa. se acha, até parece que de algum modo pretendem indispor-me com o sr. presidente d'esta camara, querendo influir no animo d'aquelle cavalheiro, quanto lhe pareceu poder fazer, para conseguir esse fim, que não conseguiu; porque as minhas palavras foram ha pouco proferidas, e s. exa. ouviu-as perfeitamente. Eu apenas disse o que entendi, em verdade, para mostrar que s. exa. tinha feito como ministro, com toda a regularidade, o que effectivamente fez. Todavia o digno par, o sr. Miguel Osorio, procurou de alguma fórma transtornar o sentido das minhas palavras, e tomou até um certo alento por julgar que conseguiria ao menos a indisposição momentanea com o digno presidente da camara; mas, por bem, v. exa., sr. presidente, tinha assistido á discussão e ouvido as minhas palavras.

O parocho de que se trata obteve as melhores informações pela sua moralidade e capacidade, e sempre que ellas foram necessarias, as alcançou muito vantajosas. Em 1857, em 1864 e agora, ellas foram sempre dignas de elogio, e dos dois concorrentes a este ultimo concurso foi elle o mais competente.

Por consequencia, não era accusado de immoral. O seu bom procedimento e a sua capacidade estavam plenamente provados. Fez o seu concurso, e o prelado deu boas informações d'elle, e, por conseguinte, quando se tratou de prover a igreja de Ourique, reconheceu-se que não lhe faltavam nem a capacidade nem os serviços.

Eu já provei ao digno par que, da quatro concorrentes, aquelle era o que mais longos serviços tinha, emquanto que o indicado pelo pro-vigario os tinha muito menores. Aquelle era parocho desde 1866, e este desde 1871.

Ora, se este parocho tinha a seu favor todas estas circumstancias, onde está a illegalidade da nomeação?

Mas, sr. presidente, o digno par parece que contestou o ter o prelado querido inculcar um certo concorrente, porém basta ler o documento que s. exa. tem diante de si para se ver a verdade. (Leu.)

Se estas palavras significam ou não o espirito do pro-vigario, não sei; o que sei é que elle não disse a data da collação d'este, e disse dos outros, quando exactamente este parocho era o mais moderno de todos os concorrentes.

Eu já disse que o presbytero de que se trata não era bacharel, e por isso me admira que se diga que elle se apresentou como tal.

Quando elle disse que era bacharel, mas não formado, foi em 1857. Isto, porém, não póde constituir crime, nem falsificação intencional, porque não lhe dá direito a cousa alguma.

Este individuo frequentou tres annos da faculdade de theologia, e parece-me que tambem o quarto; num documento diz que é bacharel; onde está nisto crime? Não se póde considerar como tal desde que não resulta prejuizo para terceiro.

Creio ter respondido ás observações do digno par, e parece-me que nada mais terei que dizer, porque estou convencido que a camara está sufficientemente esclarecida.

(O orador não reviu os seus discursos.)

O sr. Miguel Osorio: - Desejo que v. exa. me informe se posso tomar de novo a palavra.

O sr. Presidente: - O artigo 64.° do regimento diz o seguinte. (Leu.)

Tem, portanto, v. exa. a palavra.

O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, eu não tenho a louca pretensão de querer continuar uma discussão que já vae tão longa.

A hora está adiantada, mas sou forçado por causa da inexactidão do sr. ministro. S. exa., no exercicio do seu direito de defeza, declinou para mim os factos dos actos eleitoraes, e não lhe levo a mal.

Eu nunca mais trabalhei em eleições desde que trabalhei com s. exa.; e o sr. ministro da justiça, que trabalhou commigo tanto em eleições, sabe muito bem que nunca empreguei outros meios que não fossem aquelles que podem empregar os homens mais cavalheiros.

S. exa. tambem empregava os mesmos meios legaes, e por consequencia era tudo tratado intimamente entre nós ambos. Depois d'isto tornei-me completamente alheio á questão de eleições.

Isto é conhecido por s. exa. e pelos seus amigos politicos, que sabem que eu já não tenho a louca vaidade de suppor que, com esta lei eleitoral, ha grandes valores politicos, pelos meios legitimos de persuasão, e que os tivesse não queria usar d'elles, taes são as desillusões que me tem dado a urna. S. exa. sabe isto muito bem, porque nos conhecemos muito e somos da mesma localidade.

Ora, se eu não trabalho nas eleições na localidade onde estou residindo, como o sr. ministro sabe perfeitamente, é porque pouco valho; mas esse insignificante valor é que eu não podia ter em localidade aonde não ha alguem que eu conheça. Ora, se o terreno é escorregadio é só para s. exa., porque dos outros candidatos nenhum tinha influencia eleitoral, e se o prelado obrasse por esse motivo então tinha facil caminho, era o que seguiu o sr. ministro, auxiliou o celebre bacharel supposto.

O sr. ministro da justiça não deu resposta cabal a esta questão de moralidade, que está tão desprezada n'este paiz, e como questão de moralidade é que dou esta resposta cathegorica á mesma pessoa com quem já trabalhei em eleições.

Eu não cheguei a affirmar que o sr. ministro fizesse obra pela questão eleitoral, mas deu aso a suppor isso, eu, disse mesmo que os srs. ministros não precisavam d'esta invenção, embora certos individuos sejam empregados pelos seus serviços eleitoraes, mas é necessario que os factos estivessem em harmonia coai os bons principios para que não se podesse suspeitar que o ministro era conivente no que por toda a parte se affirmava, e o peior é que as suspeitas augmentam com as frivolas desculpas do sr. ministro.

Entranto, o parocho respondia ao seu superior, eu não tenho ahi nada que fazer na minha freguezia, estou agora aqui ás ordens do governo, e não volto para lá senão depois de acabar o meu serviço. E elle dizia isto porque tinha sido provido n'aquella igreja pelo sr. ministro da justiça com grave escandalo dos outros concorrentes que foram a concurso quando a igreja esteve vaga.

Sr. presidente, o decreto de 2 de janeiro não quer só que seja provido o parocho que tiver feito maiores serviços á igreja, quer tambem que seja o mais graduado, quer que seja bacharel formado, ou que já tenha sido parocho collado, e todas essas circumstancias davam-se nos outros concorrentes. Portanto o vigario capitular não tinha precisão de declarar isso, porque não devia fazer a comparação devia dar a informação, na informação dizia de todos que eram de l.ª classe, porque eram coitados pelo numero de annos que exige o decreto de 2 de janeiro, e do que era bacharel formado não dizia o tempo da collação que tinha porque o decreto citado colloca em l.ª classe os bachareis formados quando parochos collados sem lhes marcar tempo de parochalidade ou de collação, podia elle estar collado um dia era sufficiente para estar igual aos outros.

O vigario pro-capitular o que havia de dizer? Disse que todos tinham sido collados, e com relação ao immediato declarou, que era muito digno e exemplar, que tinha feito

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serviços na reedificação da igreja, e que fazia, o que é rarissimo nos parochos, e ainda mal que o é, predicas da doutrina christã.

Tudo isto eram motivos para o vigario lhe dar preferencia, mas não a indicou.

Aqui estão as proprias palavras do vigario. (Leu.)

Preteriu-se, pois, um homem da costumes exemplarem, que tinha feito serviços á igreja, e desprezou-se o espirito de caridade que o vigario invocava para com esse homem que tinha perdido a sua saude em serviço da igreja, e tudo isso para se dar preferencia a um individuo com o fim d'elle trabalhar nas eleições. Póde o sr. ministro da justiça dizer-nos que não tem a responsabilidade dos actos succedidos posteriormente, mas quem a tem? Não é quem fez uma escolha desacertadissima contra a opinião do prelado? Portanto, a responsabilidade cabe toda ao governo.

Não é assim que se póde nunca garantir a moral nem assegurar a boa harmonia que deve haver entre o estado e a igreja. O governo quiz ter uma maioria compacta no parlamento não se importando com os meios para chegar a esse fim; quiz affastar a opposição, e não hesitou em fazer despachos, que não se poderá justificar perante os principios da moral. Triste politica é esta. O governo não sabe como se ha de ver livre dos sues adversarios politicos, e até nem prorogou as sessões havendo ainda tantos projectos a tratar.

Sr. presidente, vou concluir, e concluo deplorando o acto que se praticou, e deplorando tambem que as explicações do sr. ministro da justiça não me podessem satisfazer, e temo bem que não satifizessem tambem a camara.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 80.

O sr. Secretario: - Leu.

Parecer n.° 80

Senhores. - As vossas commissões reunidas de fazenda e obras publicas examinaram com a devida attenção o projecto de lei n.° 88, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual o governo é auctorisado a mandar proceder, nos termos estipulados no mesmo projecto:

1.° Á construção de um caminho do ferro de Coimbra á fronteira de Hespanha, a ligar com Salamanca, seguindo o valle do Mondego por Santa Comba Dão;

2.° Á construcção de um caminho de ferro, que, partindo das proximidades de Abrantes, siga pela Beira Baixa até á fronteira, a entroncar com a linha ferrea da Malpartida;

3.° Á construcção do caminho de ferro do Algarve, desde Cazevel até Faro.

E depois de feita a adjudicação em concurso publico d'estas tres linhas, é o governo igualmente auctorisado a contratar a construcção e exploração dos seguintes ramaes de via ferrea:

1.° O ramal de Vizeu entroncando no caminho de ferro da Beira Alta;

2.° O ramal da Covilhã, que virá entroncar no caminho de ferro da Beira Baixa.

O principio que serve de base ao concurso é o da subvenção, sendo adjudicada á empresa a quem a exigir menor, quando o governo assim o julgue conveniente ao catado.

A subvenção das principaes linhas, cujo praso de construcção é de quatro annos, só é paga depois de cada uma d'ellas estar concluida e na exploração, applicando se a mesma regra aos ramaes, se forem contratados com subvenção.

Nenhum caminho de ferro se contrata sem estar feito e approvado o respectivo projecto definitivo.

As condições do programma e da adjudicação são reguladas pelas dos contratos de linhas ferreas, approvados pelas leis de 5 de maio de 1860 e 23 de maio de 1864, salvas pequenas alterações.

O pensamento d'este projecto de lei é procurar o complemento do nosso systema de viação accelerada, tratando de realisar a construcção das principaes linhas ferreas que ainda rios faltam, nem esquecer alguns ramaes affluentes que as alimentam, e levam ao mesmo tempo a vida ao seio das populações. É mais um impulso estrada do progresso, que mal póde hoje conceber-se, sem dotar os povos com este poderoso instrumento do seu desenvolvimento economico e da sua civilisação. O plano poderia talvez ser mais acabado e melhor definido, mas significa elle, em todo o caso, um passo valioso na estrada dou melhoramentos publicos, que, no remanso da paz de que felizmente gosâmos, temos percorrido ha annos a esta parte, com reconhecido proveito da riqueza e prosperidade do paiz. Depois, mais um esforça, e outras linhas e outros ramaes virão satisfazer as reclamações e as necessidades das diversas localidade, ainda menos bem dotadas e sem meios de transporte.

Não é só este o pensamento do projecto, visa mais longe; elle tende a imprimir um caracter mais internacional ás nossa linhas ferreas, multiplicando e encurtando as communicações com os centros de producção da nação vizinha, com proveito do nosso commercio de transito e do movimento dos nossos portos, e approximando-nos mais do resto da Europa, a que póde attrahir-nos uma certa ordem de passageiros e de transportes, entre os dois continentes que o oceano atlantico divide.

O systema que se segue no projecto parece ser o que mais se coaduna ás nossas circumstancias, e é de certo aquelle de que encontramos maior numero da exemplos nas nações que nos precederam neste caminho. A experiencia já nos tem amestrado, e é de querer que as novas linhas ferreas nos sejam menos onerosas do que as anteriores, para o que tambem deve concorrer o nosso estado muito mais prospero e auspicioso, que inspira maior confiança aos capitaes.

Todavia, uma bem entendida prudencia recommenda-nos que não caminhemos com demasiada precipitação, e que conciliemos o desenvolvimento dos nossos melhoramento á com as urgencias economicas e financeiras, de modo que evitemos qualquer abalo ou perturbação, que, comquanto de pouca dura, poderia desequilibrar ou entorpecer por algum tempo o regular andamento das cousas publicas. Ás vossas commissões estão certas que o governo, no uso da auctorisação que lhe é dada, não ha de deixar de attender a esta ordem de considerações.

São pois as vossas commissões de parecer, que approveis o projecto de lei, para depois subir á sancção real.

Sala das commissões, 30 de março de 1875. = Custodio Rebello de Carvalho = Antonio de Gamboa e Liz = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens-Antonio José de Barros e Sá = Marino João Franzini (com declarações)= Carlos Bento da Silva (com declarações) == Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho =Jayme Larcher (com declarações ) = José Augusto Braamcamp (vencido) = Joaquim Thomás Lobo d'Avila, relator.

Projecto de lei n.° 88

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar proceder nos termos n'esta lei:

1.° Á construcção de um caminho de ferro que parta da estação de Coimbra, ou das suas proximidades, na linha do norte, siga por Santa Comba Dão ou suas proximidades, e termine na fronteira de Hespanha, ligando se ao caminho de Salamanca;

2.° A construcção de um caminho de ferro que Cartada estação de Abrantes ou das suas proximidades, na linha de leste, siga pela Beira Baixa e termine na fronteira de Hespanha, ligando se ao camino de Malpartida;

3.° Á construcção e conclusão do caminho de ferro do Algarve desde Cazevel até Faro.

§ unico. Entende-se pela linha do Algarve, para o effeito da adjudicação, a linha já construida e em exploração desde Beja até Cazevel, a parte que se adjudica para a

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construcção desde Cazevel até Boliqueime, e, o a pai te construida já desde Boliqueime até Faro.

Art. 2.° As condições da construcção e exploração dos caminhos de ferro das duas Beiras serão as mesmas que foram estipuladas no contraio approvado pela lei de 5 d.e maio de 1860, e para o caminho de ferro do Algarve serão as mesmas que foram estipuladas no contrato approvado pela lei de 23 de maio de 1864. Exceptuara-se d'estas condições as que deverem ser modificadas, substituidas ou additadas em virtude dos preceitos d'esta lei.

Art. 3.º A construcção e exploração das linhas a que se refere o artigo 1.°, depois de approvados os respectivos projectos definitivos, serão adjudicadas em hasta publica, precedendo concurso de sessenta dias.

§ 1.° O programma do concurso será feito conforme as disposições d'esta lei e as. dos contratos citados no artigo 2.°

§ 2.° A base da licitação será o quantum da subvenção kilometrica que o estado deve pagar.

§ 3.° Nenhum licitante será admittido em qualquer dos concursos sem ter previamente depositado a quantia de 135:000$000 réis ou o valor correspondente era titulos de 3 por cento, segundo seu o valor no mercado.

§ 4.° A construcção e exploração de cada um dos caminhos será adjudicada á empreza que menor subvenção pedir.

§ 5.° Antes de approvados os projectos definitivos, será ouvida sobre elles, pelo ministerio da guerra, a direcção geral da engenheria.

Art. 4.° O concurso para a adjudicação de cada um dos caminhos poderá ser aberto simultanea ou separadamente, como o governo entender que é mais conveniente; mas o programma e o contrato será relativo a cada uma das linhas.

Art. 5.° No programma que o governo publicar para a licitação publica, o praso marcado para a construcção de cada uma das linhas designadas no artigo l.° d'esta lei não poderá exceder o periodo de quatro annos.

Os trabalhos de construcção em cada uma d'estas linhas devem começar no praso de ires mezes.

§ unico. Todos estes prasos serão contados e começarão a correr da data do respectivo contrato.

Art. 6.° A subvenção devidamente estipulada para cada um dos caminhos unicamente será paga pelo governo, depois da cada um d'elles estar concluido e em exploração.

Art. 7.° O deposito definitivo na adjudicação do caminho de ferro da Beira Baixa será de 180:000$000 réis; no caminho de ferro da Beira Alça será de 270:000$000 réis; e na do Algarve de 135:000$000 réis, ou respectivamente o valor correspondente era titulos de 3 por cento, segundo o seu valor no mercado.

§ unico. No levantamento de cada um d'estes depositos se observarão as regras estabelecidas nos contratos citados no artigo 2.°

Art. 8.° Na construcção dos caminhos a que se referem os artigos antecedentes, os carris empregados não poderão ter peso inferior a trinta e cinco kilogrammas por metro corrente, sendo de ferro laminado, e o peso correspondente sendo de aço.

§ unico. Os caminhos serão construidos para uma só via, com excepção dos tunneis, que terão a largura necessaria para duas vias.

Art. 9.° Depois de feita a adjudicação da caminhos de ferro de que tratam os artigos precedentes, é o governo auctorisado a contratar a construcção e exploração das seguintes linhas de caminho de ferro de via estreita:

1.° O ramal de Vizeu, que, terminando n'esta cidade, partirá do ponto que for designado no caminho de ferro da Beira Alta;

2,° O ramal da Covilhã, que, terminando nesta cidade, partirá do ponte que for designado no caminho de ferro da Beira Baixa.

§ 1.° A adjudicação d'estas linhas será feita em concurso publico para cada uma separadamente, e versará a licitação sobre a subvenção kilometrica que será paga em dinheiro depois de terminada a construcção de cada uma das respectivas linhas.

§ 2.° A adjudicação poderá ser feita directamente a quem se offerecer a contratar qualquer d'estas linhas sem nenhuma subvenção ou encargo do estado mais do que a permissão da entrada livre de direitos de materiaes necessarias para a construcção.

§ 3.° Se a empreza adjudicataria de que tratam os artigos precedentes se offerecer a contratar a construcção e exploração de todas ou de qualquer das linhas, nos termos do § antecedente, terá a preferencia a qualquer outro concorrente.

Art. 10.° O governo não é obrigado a fazer qualquer das adjudicações ordenadas nos artigos d'esta lei, quando julgar que é prejudicial aos interesses publicos e do thesouro a proposta do menor subvenção das que forem feitas no respectivo concurso.

Art. 11.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações concedidas n'esta lei.

Art. 12.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 23 de março de 1870. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente - Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario - Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Juntamente com este parecer vae entrar em discussão a substituição do sr. Miguel Osorio, que o sr. secretario vae ler.

O sr. Secretario: - Leu.

Substituição ao projecto de lei

Artigo- 1.° É o governo auctorisado, nos termos d'esta lei, a adjudicar, era hasta publica, e precedendo concurso de sessenta dias:

1.° A construcção e exploração de um caminho de ferro, que parta de um ponto da linha do norte, que os estudos determinarem, siga pela Beira Alta, passando nas proximidades de Santa Combadão, e termine na fronteira de Hespanha, ligando se ao caminho de Salamanca;

2.° A construcção e exploração do prolongamento da linha de sueste, desde Estremoz até á estação do Crato ou da Ponte de Sor, na linha de leste, como mais conveniente for.

Art. 2.° As condições da construcção e exploração d'este caminho de ferro serão as mesmas que foram estipuladas no contrato, approvado pela lei de 5 de maio de 1860, com os seguintes additamentos e modificações:

1.° Ás expropriações, aterros, desaterros e obras d'arte serão feitas para uma só via de carris;

2.° O maximo dos declives será de 0,015 por metro, e o minimo dos raios das curvas de 300 metros;

3.° Os rails poderão ser de ferro laminado ou de aço, tendo, no primeiro caso, o peso de 30 kilogrammas por metro linear, e no segundo caso o que for necessario para offerecer pelo menos resistencia igual á dos rails do ferro;

4.° Os trabalhos começarão no praso de tres mezes, a contar da data do respectivo contrato;

5.° A linha da Beira Alta deverá estar terminada e entregue á exploração dentro de quatro annos, e o prolongamento da linha de sueste de anão e meio, contando-se igualmente estes prasos a partir da data do respectivo contrato;

6.° A base da licitação será uma subvenção kilometrica paga pelo estado, a qual não poderá exceder de réis 20:000$000 para o caminho da Beira Alta, e de réis 10:000$000 para o prolongamento do caminho de sueste;

7.° Para a admissão ao concurso exigir-se-ha um deposito previo do 135:000$000 réis para o primeiro caminho, e de 45:000$000 réis para o segundo caminho, ou o valor competente em titulos de 3 por cento, segundo o seu valor no mercado;

8.° O deposito definitivo da adjudicação de cada uma

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das linhas será o dobro do que fica mencionado na condição antecedente.

Art. 3.° O concurso para a adjudicação d'estes caminhos poderá ser aberto simultanea ou separadamente, como o governo entender mais conveniente, mas o programma e contrato serão relativos a cada uma das linhas.

Art. 4.° O governo não fica obrigado a acceitar a proposta que menor subvenção pedir, quando julgar que isso é prejudicial aos interesses publicos.

Art. 5.° No caso previsto no artigo antecedente, ou quando se não apresente proposta alguma para a adjudicação dos caminhos de que trata esta lei, fica o governo desde já auctorisado a construi-las e explora-las por conta do estado, seguindo-se o systema adoptado na construcção das linhas ferreas ao norte do Douro.

§ unico. Para o pagamento dos encargos resultantes da emissão das novas obrigações, será destinado igualmente o producto liquido da exploração das linhas ferreas de sul e norte.

Art. 6.° Logo que estejam concluidos os caminhos auctorisados por esta lei, o governo procederá á conclusão, por conta do estado, da linha de Casevel a Faro, adoptando a largura da via e mais condições technicas, que julgar mais convenientes aos interesses publicos.

Art. 7.° O governo apresentará, na proxima sessão legislativa, uma proposta para a execução do caminho do valle do Tejo, que estabeleça uma communicação directa entre Lisboa e Madrid, tendo previamente fixado, de accordo com o governo hespanhol, o ponto de passagem na fronteira.

Art. 8.° O governo dará conta ás côrtes do uso que tiver feito d'esta auctorisação.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 19 de março de 1875.= O par do reino, Miguel Osorio Cabral de Castro.

O sr. Presidente: - Está em discussão o projecto na sua generalidade com a substituição do sr. Miguel Osorio.

O sr. Conde de Rio Maior (sobre a ordem): - Sr. presidente, sou pouco pratico nas questões de regimento. Creio que, pedindo a palavra sobre a ordem, devo começar por ler a moção que desejo mandar para a mesa:

"A camara dos pares convida o governo a declarar qual das duas linhas da Beira o governo considera como internacional. = O par do reino, Conde de Rio Maior."

Sr. presidente, a hora da noite vae adiantada, e devo ser breve nas observações que tenciono apresentar á consideração d'esta alta assembléa, observações que eu não faria, se um dever imperioso de consciencia não me obrigasse a tomar a palavra para combater o projecto que está em discussão.

Conheço as minhas limitadas forças, comtudo não hesito em vir aqui lutar, embora!..., porque a questão toda está em que a consciencia fique tranquilla... o mais pouco me interessa!

Sr. presidente, tenho militado até hoje nas fileiras da maioria, tenho sido companheiro fiel do governo, e por isso, hoje que me separo d'elle, cumpre-me dar lealmente as rasões que tenho para votar contra o projecto que prende n'este momento a attenção de v. exa. e d'esta camara, á qual pertenço. Não combato a situação, combato o projecto de caminhos de ferro apresentado pelo sr. ministro das obras publicas.

Sr. presidente, já o disse, militava hontem nas fileiras da maioria d'esta casa, e seria menos nobre, talvez um acto meu de fraqueza, quando me separo contristado da maioria, se não viesse declarar categoricamente á camara dos dignos pares o motivo por que deixo de votar com os meus antigos amigos, e a favor do governo n'esta grave questão.

Não combato, repito ainda, a situação; mas reprovo este projecto de lei da iniciativa do sr. ministro das obras publicas! Falle o sr. presidente do conselho, diga como hontem, respondendo ao digno par o sr. conde de Cavalleiros, e assevere que n'este assumpto segue os precedentes da sua longa vida politica, que ainda assim eu lhe observarei respeitosamente que esta proposta vae mais longe do que a sua vontade, excede o seu desejo, escapa á sua acção de ministro.

Poucos dias são passados que o sr. conde do Casal Ribeiro, hoje nosso enviado extraordinario na côrte de Madrid, tratando aqui a questão dos conegos da sé de Bragança, e argumentando com aquella logica, com aquella eloquencia de que eu não sei usar, disse com muito bom senso, que n'esse triste negocio não via na corôa o padroeiro, porem via outros padroeiros, que eram illustres deputados, altas influencias, algumas muito chegadas junto ao poder.

Consinta v. exa. que da mesma fórma eu diga que n'este assumpto subsistem considerações particulares, e, creio, de ordem tal, tão oppressivas, que obrigaram o governo a trazer á camara a proposta que esta noite aqui discutimos.

Peço a v. exa. sr. presidente, que haja de me chamar á ordem, se por acaso eu soltar qualquer phrase ou palavra menos propria do parlamento, onde me honro de occupar uma cadeira. Tenho pouca pratica de fallar em publico, e v. exa. comprehende perfeitamente que perante este numeroso auditorio, e com o calor da discussão, posso perder muitas vezes o sangue frio, tornando-se-me difficil conservar a indispensavel cordura na fórma externa do pensamento, que n'este instante me preoccupa. O meu desejo é fallar com a consideração que devo a mim proprio, e sobretudo a esta elevada assembléa, a primeira do meu paiz.

E de passagem seja-me licito referir um exemplo que parece de molde nas presentes circumstancias.

Ha uma composição musical que justamente agora chama a admiração dos frequentadores do nosso theatro lyrico. N'essa magnifica obra de um genio sublime ha uma scena, em que o protogonista, levado pela influencia da magia, consegue adormecer a côrte, os brilhantes cavalheiros que rodeiam a princeza Izabel, e protegido pelo talisman entra no gabinete da nobre dama! Sr. presidente, esta scena offerece alguma analogia com a que actualmente presenciâmos no nosso mundo politico.

A princeza Izabel, pedindo piedade, é o paiz! O protogonista da opera o sr. ministro das obras publicas, a côrte adormecida são os seus collegas no ministerio, a magia significa as graves considerações que levaram s. exa. a apresentar á camara esta proposta, que, sem receio de me enganar, eu appellidarei de nefasta.

Sr. presidente, quando entrei n'esta camara em virtude do direito hereditario, foi depois de uma immensa desgraça de familia, de um grande luto meu, a perda de meu pae! Entrei aqui sem ligações politicas, sem compromisso algum; o governo constituido tinha na sua historia dois actos que o recommendavam e que dictaram logo o meu procedimento politico; apoiei-o. Refiro-me á ordem mantida energicamente pelo sr. presidente do conselho, a á prudencia com que o ministerio tinha dirigido os negocios da fazenda publica.

Sr. presidente, a ordem fôra mantida, e eu applaudo o sr. Fontes por haver reprimido severamente esses revoltosos desvairados, que todos os dias incommodavam e ameaçavam loucamente a tranquillidade da capital; e eu, que amo o meu paiz e considero a ordem como o melhor fundamento da sua prosperidade, e a base essencial do systema politico que felizmente nos rege, não podia deixar de prestar o meu apoio a um governo que dava estas garantias e tão denodadamente queria manter a paz do estado.

Outro acto valioso da economia ministerial era methodo rasoavel por que se queria attender ao problema financeiro. A moda adoptada fazia reducções e largas economias, sem olhar ás consequencias funestas, provenientes da falta de

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meios na dotação dos serviços publicos! Refiro-me á administração reformista.

O actual governo não tinha no seu programma ridiculas diminuições de despeza, esbanjadas no dia seguinte á mesa dos argentarios. Approvei o seu systema e que votar por elle.

Trago tudo isto para mostrar a v. exa., sr. presidente, a minha coherencia politica, o seguimento nos principios, combatendo hoje e apoiando então o governo, que sabia manter a ordem, e queria conjurar uma crise financeira.

Veiu o anno seguinte, a legislatura passada, e permitia-me a camara que n'este momento lembre outros factos, que me animaram a continuar o meu apoio á actual situação.

Sr. presidente, lamento as desgraças do heróico povo hespanhol, mas o que se tem passado no vizinho reino, confesso-o francamente, é no exemplo, que fornece, para mim da maior satisfação.

Parece facil destruir, porem a tarefa de reedificar julgo-a bem mais difficil. Provam-no os acontecimentos succedidos, e eu, amante do systema monarchico, folguei sobremodo, vendo a liberdade de uns e a liberdade dos outros, e que a monarchia mais progressista e prospera respeitava o lar individual, que as republicas de Pi y Margal, Salmeron e Castelar invadiam abusivamente e offendiam sempre nos direitos dos cidadãos!

Desculpe-me a camara a mim, que poucas vezes fallo, o occupar a sua attenção com este assumpto; porém eu não podia deixar de registar a minha opinião e de dizer duas palavras sobre esta politica estrangeira, tendo de me referir á situação que o estado das cousas em Hespanha creou para Portugal.

Entendi, sr. presidente, dever ainda continuar a votar a favor do governo na sessão passada, porque n'esse momento difficil e gravissimo o illustre presidente do conselho procedeu por um modo muito discreto. A revolução hespanhola não produziu abalo no nosso paiz, a nossa situação politica em nada se sentiu!

A consolidação da divida fluctuante foi outro ponto que grangeou a minha sympathia aos srs. ministros. A operação era delicada, e o notavel homem d'estado, meu amigo, que preside a esta provincia da publica administração não faltou ao que devia a si proprio, ao seu talento, á sua muita seriedade politica, á patria cujos destinos elle rege.

Foi um grande acto, e o ministro que o emprehendeu merece todo o nosso respeito.

Mas já n'esse tempo, sr. presidente, se viam no horisonte politico uns certos pontos negros, que são sempre de mau agouro. A historia nos conta de uns pontos negros similhantes no reinado de Napoleão III, que foram esquecidos e desprezados, e depois veiu o cataclysmo de 1870 e 1871!

Comtudo eu não deixei de apoiar o governo.

Veiu este anno, e, confesso-o, desejando eu com todas as forças da minha alma continuar a dar o meu voto a favor d'este ministerio, pois reconheço n'elle os serviços prestados ao paiz, e acho inconveniente em andarmos todos os dias a mudar de ministros, vi praticar pelo governo actos que profundamente me magoaram e que contradizem infelizmente a historia da sua gerencia nos ultimos tres annos.

Citarei alguns, que contribuiram para que eu, ainda quando o parlamento não estava aberto, estivesse já mal disposto para com o gabinete.

O meu amigo o sr. Miguel Osorio referiu-se ha pouco á questão da moralidade publica, e disse que ella valia a pena de ser discutida, e eu, repetindo a mesma idéa, direi que ella nunca deve ser esquecida, sejam quaes forem as questões, e que muitos casos que parecem de pouca importancia, mas que lhe dizem respeito, dão a indicação e a medida das situações politicas.

Sr. presidente, o governo em vista de uma proposta que apresentou e passou nas camaras, foi auctorisado a comprar um certo numero de vasos de guerra. O sr. ministro havia

indicado a conveniencia e a necessidade de augmentar a nossa marinha em beneficio das colonias, e saindo do rendimento d'ellas a receita indispensavel para o pagamento do emprestimo feito com a acquisição d'esses navios. O projecto que para este fim apresentou o nobre ministro foi approvado em ambas as camaras, os navios foram encommendados em Inglaterra; mas s. exa. mandou construir um monitor de segunda classe, para defender, segundo se repete, a entrada da nossa barra!

Sr. presidente, ninguem com algum bom senso póde acreditar que se pense com este só navio defender o nosso porto e a capital da aggressão de um inimigo mais ou menos poderoso: todavia o sr. ministro insistiu na compra d'este navio, que absorve a maior parte do emprestimo, e que nos custa enormemente caro, se attendermos ás circumstancias relativamente prosperas das nossas finanças, na phrase do discurso da corôa, e se olharmos ás forças do orçamento do ministerio da marinha, e ao mal remunerados que estão muitos dos seus serviços. Alem d'isso, s. exa. podia pelo lado da legalidade realisar esta compra; mas não tinha, moralmente fallando, auctorisação sufficiente para fazer uma similhante despeza; os considerandos do seu projecto e a fonte de receita, toda colonial, vedavam uma tal applicação. Este acto causou-me, francamente o digo, uma desagradavel impressão.

A questão relativa aos conegos da sé de Bragança tambem produziu no meu animo profundo sentimento.

Esta questão foi aqui largamente tratada, e, quando ouvi ao sr. conde de Casal Ribeiro debate-la com aquella logica cerrada que todos lhe admirâmos, associei-me completamente ás suas idéas Eu, sr. presidente, não gosto dos pequenos Bismarks; e, dizendo isto, não quero offender ninguem, pois, como já declarei, o meu pensamento é politico, e não pretendo ferir pessoa alguma.

Depois da questão dos conegos da sé de Bragança, temos assistido a este desfilar immenso de projectos de lei, em que a receita publica sé diminua e a despeza se augmenta, e tudo isto consentindo os srs. ministros! Já lá vae o tempo em que o nobre presidente do conselho dizia ao parlamento que havia um pequeno saldo no orçamento de vinte e tantos contos de réis. Agora nem saldo, nem esse sonhado equilibrio que nos prometteram entre a receita e a despeza, tudo esqueceu!

Quando o sr. presidente do conselho entrou pela primeira vez nas camaras, depois de formado o ministerio, o seu pensamento politico era mais prudente do que é hoje; confessava então s. exa. as exigencias do paiz, e queria governar com ellas. Já lá vae esse tempo!

Sr. presidente, eram estes os factos que maguavam o meu espirito, veiu finalmente esta questão dos caminhos de ferro, e eu, que represento n'esta casa as idéas de ordem, não quero nada que traga a repetição de antigos cataclysmos, que hoje talvez podessem augmentar, e que sempre são na rasão directa da importancia da nação e do logar que ella occupa.

N'um paiz, pois, como o nosso ha cataclysmos, que para outros são pequenos, e para nós podem ter o maximo alcance: não desejo ver repetidas situações como a de 1869, desejo que o ministerio se conserve, desejo que o sr. presidente do conselho se sente por bastante tempo ainda n'aquellas cadeiras, pois eu concordo mais com as idéas de s. exa. do que com muitas outras da opposição; fallo principalmente das opiniões do partido reformista. É porque desejo a permanencia de s. exa. no ministerio, que eu julgo dever fazer opposição energica a este projecto.

Segundo a resposta ao discurso da coroa, quero ainda repeti-lo, as circumstancias financeiras são relativamente favoraveis, o estado é apenas convalescente. Peço a s. exas. que leiam as phrases d'aquelle documento importantissimo, porque se eu as não tivesse lido, talvez a minha opinião fosse menos segura, e me não obrigasse a ir agora tão longe. S. exas. devem, elles proprios o confessam, ter o maior cui-

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dado, a maior economia na gerencia das receitas publicas. Sr. presidente, se e de grande alcance, de uma grande importancia, a approvação d'este projecto, eu declaro que o não posso approvar tal qual elle está formulado, porque necessariamente os encargos do estado hão de subir extraordinariamente, e, se estes encargos não vierem pesar sobre s. exas., pesarão sobre os seus successores; e, sr. presidente, quem sabe o que será d'aqui a quatro annos?! S. exas. não podem ser tão egoistas, não podem como não póde nenhum politico do inundo, adivinhar o futuro, prever exactamente o que succederá durante este largo espaço de tempo, e se tornar a haver na Europa outra Terrivel crise financeira, como aquella que houve era 1866, nós approvado este projecto como está concebido, arrepender-nos-hemos amargamente depois. Eu sinto, sr. presidente, não poder votar com o governo n'esta questão, mas não posso torcer a minha consciencia, não desejo com o meu voto concorrer para uma situação arriscada. Sabe v. exa. quantas casas quebraram ha poucos dias; em Berlim? Vinte e tres casas, e houve tres suicidios! Em Londres não sei quantas foram. Isto produziu um grande panico na bolsa: talvez o perigo passe, mas não será uma grande imprudencia, uma loucura, prepararmos uma situação que nos póde envolver n'uma crise d'estas, collocando-nos na posição difficil em que nos colloca o projecto?

A historia mostra-nos que as grandes revoluções nascem sempre das crises financeiras, e que sem finanças não ha estabilidade.

A revolução de 1789 não teria talvez existido, se n'essa epocha o estado da fazenda publica do reino franca não estivesse na maior ruina.

As difficuldades reveladas por Calonne não poderam ser vencidas por elle, que as aggravou, nem por Necker; os erros eram grandes, vinham já de trás, e a consequencia foi datada de 1789, chegando-se depois até aos horrores de 93. Estas lições da historia devem aproveitar para alguma cousa. E agora mesmo, nos nossos dias a revolução de setembro que teve logar em Hespanha, não proveiu ella em grande parte dos embaraços financeiros com que tropeçavam os governos da minha Izabel?

Sr. presidente, não sou competente para dizer quaes são os melhores traçados d'estes diversos caminhos de ferro, e qual o seu melhor systema de administração; mas parece-me que esta minha ignorancia não me tolhe a opinião que defendo.

Sustento com fundamento a minha moção, digo á camara que seria mais acceitavel uma só linha, attendendo á nossa situação financeira relativamente prospera, como affirma o governo, e julgo finalmente que se casa melhor com os interesses bem comprehendidos do paiz, a construcção apenas de uma linha internacional. Mas qual ha da ser essa linha? Será porventura a da Beira Baixa? Parece-me que não. Quero, porém, ser tão moderado n'esta minha opposição, que se o governo disser que a linha da Beira Baixa é a internacional, eu voto per ella. Repito, não acho conveniencia serão na construcção de uma linha internacional, temo o augmento excessivo dos encargos.

Para que tantos caminhos de ferro ao mesmo tempo? Ha uma questão gravissima, que é preciso não esquecer; fallo da questão dos salarios. Quem primeiro soffre com a construcção d'estes variados caminhos é a agricultura!

Peço á camara que considere bem o preço exagerado a que podem chegar os salarios, quando começar a feitura d'estas novas vias de communicação accelerada, a falta de braços, quatorze ou quinze mil operarios, póde prejudicar de um modo gravissimo a agricultura portugueza.

Quando comecei a fallar, disse que seria limitado nas minhas reflexões; mas, sr. presidente, não posso deixar agora de alargar as minhas observações; ha uma entra questão superior, de magno interesse, que desejo ver tratada, e resolvida primeiro que a de todos estes caminhos de ferro; quero indicar na minha referencia as estradas ordinarias, que tanto fecundara o desenvolvimento das outras; desejo a construcção d'estes caminhos, desejo a dotação necessaria e urgente de tantos ramos de administração, que padecera por falta de recursos, desejo o equilibrio promettido, e quero primeiro saber exactamente quaes os encargos novos que podem resultar para o paiz do projecto em discussão! (Apoiados.)

Sr, presidente, n'estas considerações que tenho apresentado, fallo unicamente em meu nome, independente da opposição ao governo, ou de qualquer ligação publica. É assim que comprehendo o meu logar n'esta assembléa.

Eu sei que na discussão que houve na outra casa do parlamento, se apresentaram por parte da opposição dados importantes para demonstrar as vantagens dos caminhos de ferro construidos pelo governo; n'este ponto, como em outros muitos que se ventilam sobre a materia, não desejo eu fatigar a attenção de meus collegas com o relatorio de cangados argumentos. Conheço-os bem a camara, e sabe o valor de cada um d'elles.

Mas, sr. presidente, o estado em que se acha hoje o caminho do ferro do sul, o modo como ali e feito o serviço, tudo quanto tem passado ácerca d'elle, factos estes que têem si fio registador em toda a imprensa, lovar-me-ia a recusar ao governo, quando elle o pedisse, a feitura e exploração por sua conta. Por consequencia já vê v. exa. e a camara que, se eu não approvo o projecto de lei, ainda menos concordo, por falta da confiança no sr. ministro, no systema lembrado por alguns adversarios politico;, de s. exa.

O parecer da commissão diz o seguinte:

"Todavia, uma bem entendida prudencia recommendamos que não caminhemos com demasiada precipitação, e que conciliemos o desenvolvimento dos nossos melhoramentos com as urgencias economicas e financeiras, de modo que evitemos qualquer abalo ou perturbação, que, comquanto de pouca dura, poderia desequilibrar ou entorpecer por algum tempo o regular andamento das cousas publicas. As vossas commissões estão certas que o governo, no uso da auctorisação que lhe é dada, não ha de deixar de attender a esta ordem consideração.

Sr. presidente, a commissão, exprimindo uma prudente reserva, quer inculcar não ser fundado o receio d'aquelles que temera que, pela multiplicidade dos encargos, e dos commettimentos, sejamos lançados outra vez na epocha das aventuras; a illustre commissão sente uma confiança que eu não experimento; porque, será este projecto inteiramente conforme á vontade do sr. Presidente do conselho, não escapará á sua acção, e quando elle se vê obrigado a traze-lo aqui, poderei eu confiar que, votada a lei, a iniciativa do governo seja prudente e moderada? SR. Presidente, não posso votar a lei, não tenho confiança suficiente no sr. Ministro para approvar este projecto como elle está formulado! (Apoiados.)

Permitta-me agora v. exa. e a camara que, antes de concluir o meu discurso, e sem ir mais longe na discussão da materia, que melhor ha de ser tratada pelos meus collegas da opposição, mais conhecedores do assumpto, e que certamente o hão de explicar como convem e com o devido criterio, ou faça ainda algumas observações historicas, que não julgo completamente deslocadas.

A historia serve sempre, e a lição que n'ella aprendemos não é inutil para os homens que pensam um pouco.

Houve em França um presidenta do conselho, Polignae, tinha tambem toda a confiança da corôa, mas não via por isso a situação do paiz, e todos nós sabemos qual foi o resultado do seu systema politico, como este ministro acabou!

Passaram de dezoito annos, governou Guizot, o notavel orador do governo de Luiz Filippe, um grande caracter; mas este distincto estadista via a sua maioria, não via o paiz, e todos nós sabemos qual foi o fim da dynastia de julho!

Mais tarde!.. . Tinham decorrido outros dezoito annos, os erros então eram muito maiores, governava Napoleão III,

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veio o Mexico, e mr. Rouher com toda a logica, com toda a sua rhetorica convencia a assembléa da vantagem da expedição.

Mas, sr. presidente, as cousas eram o que eram, e quando veio 1870 e 1871 os francezes viram que o terreno não era firme, e o cataclysmo foi medonho! (Apoiados.)

V. exas., srs. ministros, são muito eloquentes, não o são, porém, mais do que o era mr. Rouher, e não podem destruir a verdade.

Entendo que esta assembléa não deve, não póde ser meramente uma chancella. Este afan com que se apresentam os projectos á ultima hora, esta pressa com que se quer que elles sejam discutidos, apesar da sua muita importancia, quando está na mão do governo dar mais folego á discussão, prorogando a sessão por alguns dias, é uma cousa desgraçada. (Apoiados.)

Creio que esta camara, para mostrar que não precisa ser reformada, necessita ter vida e energia. (Apoiados.) Se esta camara tem defeitos.. . e qual é a instituição humana onde elles se não encontrem? Prove-se ao menos o nosso patriotismo.

A hereditariedade tem vicios, como i amuem os têem as fornadas. A verdade é que a camara dos pares, e eu estimo muito ter occasião de apresentar estas idéas, tem mostrado sempre nas grandes occasiões, que é altamente liberal, e altamente conservadora, e que reage sempre contra as demasias, centra as exigencias do poder. Nas grandes commoções politicas sustentou esta camara constantemente os principios liberaes. V. exa., que tem mais idade do que eu, mais experiencia e mais tempo de vida publica, sabe perfeitamente, quando aqui houve grandes lutas politicas, quando a liberdade lutava, que esta camara bradou sempre ao paiz que reagisse, e o pai z reagiu. Todos se lembram dos eloquentes discursos de um membro da aristocracia portugueza, de um titular distincto, do sr. conde de Lavradio, que foi n'esta casa um dos mais fortes esteios da liberdade.

Sr. presidente, dou por concluidas as minhas reflexões.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Peço a palavra.

O Orador: - Parece-me que as minhas palavras não offenderam ninguem, não foi esse o meu pensamento, nem julgo que proferisse expressão alguma desagradavel para o sr. presidente do conselho. S. exa. pediu a palavra, e peco-lhe que note que ainda agora eu disse que não desejava a volta da opposição ao poder, sobretudo do sr. bispo de Vizeu, e que fazia votos pela conservação de s. exa. E é, sr. presidente, porque eu desejo que s. exa. se conserve, e não deixe o poder que fiz estas observações, e pronunciei estas palavras, sem espirito de opposição, unicamente com o fim de que o governo sáia do caminho que ha tempo a esta parte encetou. Não estou ligado, ainda o digo, a nenhum partido, nem a nenhuma fracção, mas vejo do meu logar que as cousas caminham mal, e julgo necessario que o governo ponha termo a este desagradavel estado.

Não fallo como inimigo; todavia o que eu disse é um symptoma verdadeiro do estado da opinião publica! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Prometto não cançar a assembléa, nem lhe tomar muito tempo; mas pareceu-me indispensavel, depois de algumas observações que fez o digno par e meu amigo que acaba de fallar, definir a posição do governo n'esta questão.

Sr. presidente, a proposta do governo para fazer uns certos caminhos de ferro no paiz e essencialmente ministerial, considero-a como tal. A epocha em que o parlamento a ha de votar, fixar o dia e a hora em que esta camara ha de resolver este negocio, não póde ser nem é questão ministerial. O governo não póde dizer aos poderes publicos que resolvam em certo e determinado tempo um negocio de tanta gravidade. Feita esta declaração, v. exa. e a camara me permittirão que eu, diga duas palavras para justificar, tanto quanto em ruim caiba, a proposta do governo. É de um alcance tão importante, está tão intimamente ligada com o futuro e prosperidade do nosso paiz, que me parece vale a pena de fazer algumas considerações a seu respeito.

O digno par e algumas pessoas que já tenho ouvido julgam o paiz assoberbado com a construcção de um certo numero de linhas ferreas, que devem trazer encargos consideraveis. Suppõe se que o governo, por um sentimento egoista, pouco proprio do cumprimento dos seus deveres, pretenderá deixar esses encargos aos seus successores.

Quer o digno par que o governo faça effectiva a promessa feita no discurso da corôa de se melhorarem as finanças. Eu creio que s. exa. não duvida de que se chega por diversos caminhos ao mesmo resultado, ou, para melhor dizer, que póde haver differentes opiniões para conseguir o mesmo fim.

O digno par entende que se nós nos restringirmos ás despezas absolutamente indispensaveis, se tratarmos sómente de cobrar os impostos estabelecidos por lei, simplificando as necessidades publicas, chegaremos a um estado que nos approxima do nosso desideratum, do equilibrio da receita com a despeza. E eu creio que um dos modos mais faceis de alcançarmos esse equilibrio, é desenvolver os mananciaes da riqueza publica, que se acham espalhados por todo o paiz. Qual é a rasão por que v. exa., a camara, todos nós temos visto que nestes ultimos anhos tem melhorado consideravelmente a arrecadação das receitas, têem crescido os recursos do thesouro, e tem augmentado o credito publico? Porque é isto? Será alguma maravilha operada pelos homens que se acham sentados nas cadeiras ministeriaes? Não digo que somos modestos, das intelligentes bastante para não querermos incutir aos outros que somos os unicos habilitados para gerir convenientemente a cousa publica. Esta prosperidade é fructo do trabalho de muitos; é fructo da paz publica, da liberdade que todos gosarmos d'essas sementes lançadas á terra, d'essas despezas que se fizeram em varios melhoramentos materiaes, que muita gente combateu, dizendo que o paiz não podia com taes encargos.

Tudo isso ouvimos, quando se decretavam, não 400 kilometros de caminho de ferro, porem mais de 600, e esses caminhos ahi estão hoje contribuindo para a felicidade publica. (Repetidos apoiados.}

Pois nós não sabemos que se dizia noutra epocha que um caminho de ferro para o Porto era uma cousa inutil, porque uma carruagem bastava para trazer e levar todos os dias os passageiros? Pois nós não sabemos das representações que se recebiam no ministerio da fazenda, affirmando que o vinho não podia ser transportado nos caminhos de ferro? Pois não ouvimos todas estas heresias? Não terão provado os factos que tudo isto eram receios nascidos certamente de muita boa fé, de homens muito tementes a Deus, de pessoas muito capazes, mas que no fim de contas tinham a infelicidade de não ver as cousas debaixo do verdadeiro ponto optico?

Não é isto uma verdade? Pois nega alguem que o desenvolvimento dos caminhos de ferro é uma das fontes da riqueza publica, e um elemento de vida e de prosperidade para as industrias e para o commercio?

Póde porventura dizer-se com fundamento, por se apresentar aqui uma proposta de caminho de ferro, que se vae aggravar a situação financeira, augmentar o deficit, e estabelecer o desequilibrio do orçamento?

Qual será o meio de caminhar?

Qual é o modo de extinguir o deficit, equilibrando a receita com a despeza?

Será proceder como o sr. bispo de Vizeu, cortando as despezas sem attender áquellas que são, ou deixam de ser productivas?

Creio que não. Eu penso de modo diverso. Creio que o meio de melhorar as nossas finanças é desenvolver a

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riqueza publica; e um dos principaes meios a conseguir que uma nação se desenvolva e facilitar-lhe a rede das suas communicações. (Apoiados.)

Esta é que é a verdade, é isto o que o governo procura, apresentando o projecto que se discute.

Se a camara dos dignos pares, na sua sabedoria, entender que é conveniente demorar a resolução d'este negocio, o governo não se retira d'estas cadeiras por isso; é mais um anno de adiamento para esta importante questão, mas não a sua morte; adiamento de que todavia o governo não toma a responsabilidade.

A feitura d'este caminho de ferro é uma necessidade reclamada justamente. Dentro d'esta sala podemos julgar in differente o demorar por mais tempo o dotar-se o paiz com um melhoramento d'esta ordem; mas os que lá estão fóra, os proprietarios como muitos dos dignos pares, os fazendeiros, os povos, o paiz emfim não pensa do mesmo modo. É necessario desenganarmo-nos de que o paiz não é Lisboa só, são todas as provincias, são todos os districtos, são todas as povoações; e ellas reclamam constantemente a partilha dos melhoramentos a que tem direito para o seu desenvolvimento e prosperidade, desenvolvimento e prosperidade que é a prosperidade publica.

Sr. presidente, eu honro-me de ter apresentado esta proposta á camara dos senhores deputados, aonde foi approvada unanimemente na generalidade, o que prova que todos reconhecera hoje a indispensabilidade dos caminhos de ferro, em cuja cruzada estão empenhados os homens de todos os partidos. Eu não quero fazer monopolio de tão importante melhoramento, mas prezo-me de ter sido o iniciador delle. Não digo isto para honrar a minha administração, mas digo-o porque é a verdade; e as modestias exageradas são falsas e ridiculas.

Eu sei perfeitamente que assusta a muitos o terem de fazer-se 400 kilometros, julgando que d'ahi póde vir um abysmo financeiro, pois bem, eu fiz já 600 kilometros em outra epocha e d'aqui não resultou a ruina, mas a fortuna e o desenvolvimento da riqueza do paiz. Quando me lembro d'este facto não posso comprehender o receio que tem o digno par, e porventura mais alguem suppondo que a fazenda publica poderá perigar com a feitura d'esta linha. Eu não só não penso por essa fórma, mas creia v. exa. e creia a camara, que o meu unico sentimento é que as circumstancias da fazenda publica me não permitiam o apresentar propostas para uma rede de caminhos de ferro em maior escala, o que seria um dos passos mais agigantados para a felicidade do paiz.

Sr. presidente, pois no fim de termos construido 400 ou 500 kilometros de caminhos de ferro, qual é o deficit temeroso que delles resulta? Desçamos do olympo, desçamos das regiões superiores até a estas contas ds terra-terra em que cada um sabe o que deve e aquillo que gasta, e vejamos quaes são os encargos que resultam d'esta construcção. Hão de ser os encargos da subvenção. Ora, os estudos feitos por engenheiros distinctos e o custo dos caminhos de ferro já construidos, auctorisam me a suppor que esses encargos não hão de exceder de trinta ou de trinta e dois contos de réis por kilometro, termo medio. Supponha-mos a metade d'esta despeza, porque metade é que tem geralmente custado os caminhos de ferro, e teremos um encargo de 8.000:000$000 réis, que, a 6 por cento ou 7, produzem o juro de 560:000$000 réis. Mas demos que são 600:000$000 réis; daqui a quatro annos, quando o caminho de ferro estiver já em exploração, será essa uma quantia que assoberbe o paiz, tendo elle já uma receita de cerca do 24.000:000$000 réis, a tal ponto que neguemos ás provincias desbordadas d'estes grandes meios de communicação, um tal beneficio? Ainda que estes encargos não tivessem uma compensação larga como hão de ter, ainda que estes 600:000$000 réis não trouxessem um crescimento de receita, como havemos de ter mais tarde, porque é preciso que assentemos bem, que nós não vamos legar aos nossos successores unicamente despezas graves, legamos-lhes tambem um meio poderoso de desenvolvimento de riqueza publica, e por consequencia de se augmentar a receita do estado, o que attenuará em grande parte essas despezas, depois de realisado aquelle melhoramento. Mas dizia eu, ainda que não houvesse uma compensação para taes encargos, ainda que não tivessem a vantagem da attenuante que necessariamente ha de vir a ter, como indicam os factos passados comprovados pela experiencia de todos os dias, nada nos auctorisa a suppor que este dispendio de 600:000$000 réis excede as faculdades do paiz. Eu, pelo menos, creio que não.

A construcção dos caminhos de ferro na escala que o governo propõe, é portanto uma medida prudente e previdente, que não traz embaraços alguns para o paiz, e com cujos encargos não me parece que elle não possa lutar vantajosamente. Pelo contrario, construidas que sejam estas linhas, da sua exploração ha de resultar um progressivo desenvolvimento dos elementos da riqueza publica, a prosperidade geral ha de ir crescendo cada vez mais, e por consequencia o estado verá as suas receitas augmentadas de modo que possa cobrir largamente os mesmos encargos.

O governo, pois, não póde deixar de se applaudir de ter apresentado o projecto que occupa hoje a attenção d'esta camara, e que foi unanimemente approvado pela outra, projecto que, como já declarei, não posso deixar de qualificar como questão ministerial.

O que não póde ter esse caracter, nem o tem, repito, é o praso em que elle ha de ser votado por esta camara. O governo uno póde impor á camara que o discuta e vote n'um certo e determinado tempo. Ella tem o direito de resolver como entender. O que eu desejo é que o paiz fique sabendo bem, que, se por ventura esta camara julgar dever protelar a resolução d'esta questão para d'aqui a um anno, o governo não se associa a essa demora, nem toma d'ella a responsabilidade, que ficará toda pertencendo á camara.

Vozes: - Muito bera.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente: - Deu a hora. Parece-me que a camara concordará em que a sessão comece ámanhã, á uma hora da tarde. (Apoiados.)

A ordem do dia é a continuação da discussão do projecto n.° 88, que tem o parecer n.° 80, e a discussão dos projectos de iniciativa do governo que já estão impressos, es se houver tempo ainda a dos pareceres, que já estão impressos e distribuidos, e cuja discussão for determinada pela camara.

Lembro aos dignos pares que a sessão de encerramento das camaras terá logar ámanhã pelas cinco horas da tarde.

Está levantada a sessão.

Eram onze horas e meia da noite.

Dignos pares presentes á sessão nocturna de 1 de abril de 1875 Exmos. srs.: Marquez d'Avila e de Bolaria; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Sousa Holstein, de Vallada; Condes, de Bomfim, de Cabral, de Farrobo, de Fonte Nova, de Fornos de Algodres, de Linhares, da Louzã, de Paraty, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, dos Olivaes, de Monforte, de Porto Covo da Bandeira, da Praia Grande, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Barões, de S. Pedro, do Rio Zezere; Ornellas da Vasconcellos, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Correia Caldeira, Gamboa e Liz, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Xavier Palmeirim, Sequeira Pinto, Silva Torres, Jayme Larcher, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Lobo d'Avila, Pinto Bastos, Ferreira Pestana, Sá Vargas, Vaz Preto Geraldes, Franzini, Miguel Osorio.

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