O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 507

N.º 36

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo (vice-presidente)

Secretarios-os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. ministro da fazenda participa á camara que Sua Magestade El-Rei recebe a deputação no real paço da Ajuda no dia 23, ás duas horas da tarde. - O sr. presidente convida os dignos pares visconde de Bivar e visconde de Carnide a introduzirem na sala o sr. visconde de Porto Formoso, que prestou juramento e tomou assento. - Ordem do dia: discussão do parecer n.° 54, sobre o projecto de lei n.° 4. - O sr. presidente nomeia a deputação que ha de levar algumas leis á sancção real. - Usa da palavra o digno par Antonio de Serpa. - O sr. ministro da fazenda cede da palavra para d'ella usar o sr. Ressano Garcia, relator do projecto. - Tambem usa da palavra o digno par Hintze Ribeiro. - O digno par visconde de Moreira de Rey manda para a mesa oito requerimentos de differentes officiaes da arma de engenheria. - O digno par Franzini manda tambem para a mesa seis requerimentos de igual teor. - Tanto os primeiros como os segundos foram remettidos á commissão competente. - Tendo dado a hora o sr. presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia da sessão de ámanhã a continuação da de hoje.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 32 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do sr. ministro da Gran-Bretanha, agradecendo a proposta de felicitação, apresentada pelo digno par o sr. Costa Lobo, pelo quinquagesimo anniversario de Sua Magestade a Rainha da Gran-Bretanha, e que a camara dos dignos pares do reino approvou em sessão de 20 do corrente.

Ficou a camara inteirada.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Sr. presidente, estou auctorisado a participar a v. exa. e á camara que Sua Magestade El Rei se digna receber ámanhã, ás duas horas da tarde, no palacio da Ajuda, a deputação encarregada de apresentar ao mesmo augusto soberano qualquer projecto de lei já votado por esta camara.

O sr. Presidente: - Acha-se nos corredores da camara o digno par o sr. visconde de Porto Formoso.

Convido os dignos pares os srs. visconde de Bivar e visconde de Carnide a introduzirem s. exa. na sala.

Introduzido s. exa. na sala prestou juramento e tomou assento.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 54, sobre o projecto de lei n.° 4.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 54

Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou, como lhe cumpria, com a maior attenção, o projecto de lei n.° 4, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim auctorisar o governo a converter a divida externa de 3 por cento em obrigações de 5, 4 1/3 ou 4 por cento, amortisaveis, por sorteios semestraes, no praso maximo de setenta e cinco annos, e a converter egualmente o fundo consolidado interno de 3 por cento em pensões vitalicias, a favor de uma ou de duas pessoas, sendo ambas estas conversões facultativas para os portadores dos titulos.

A primeira d'estas duas operações, que é, sem duvida, a de maior alcance, deve melhorar consideravelmente o credito do paiz, porque diminue, immediata e successivamente, de um modo notavel, o nominal da nossa divida externa, e, concorrendo por isso mesmo para elevar a cotação de todos os fundos portuguezes, habilita-nos a emprehender, em occasião opportuna, novas conversões que tenham por effeito reduzir os encargos annuaes da nossa divida.

Ninguem pôde, pois, contestar que esta operação seja vantajosa em these, e tudo se reduz a examinar se no projecto de lei se estabeleceram as precauções necessarias para acautelar e garantir os interesses do estado.

É o que vamos fazer.

No mappa seguinte, onde para maior facilidade do calculo se suppoz que o juro e amortisação das obrigações serão pagos annualmente, o que desfavorece todas as nossas conclusões, vem resumidos alguns elementos que nos parecem necessarios a quem pretender estudar a projectada conversão, sob os differentes pontos de vista, por que póde ser encarada.

Página 508

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS APRES DO REINO 508

Cotação dos bons de 3 por cento

[ver valores da tabela na imagem]

Página 509

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 509

Alem da paridade das obrigações amortisaveis de 5, 4 1/2 e 4 por cento com os bonds de 3 por cento, para os differentes juros reaes, variaveis, por 1/8 desde 4 até 6 por cento, dá-nos este mappa os preços das obrigações, a que chamaremos preços-limites, e o juro real correspondente, para os quaes se póde mathematicamente converter qualquer porção da nossa divida de 3 por cento, ou toda ella, sem augmento de despeza, bastando o juro dos bonds resgatados para pagar o juro e amortisação das obrigações emittidas.

Juro real, referido ao anno, dos bons de 3 por cento Excesso do preço-limite das obrigações para o qual a conversão parcial ou total póde fazer-se sem encargos, sobre o preço correspondente ao juro real dos bons Differença para menos entre o juro real das obrigações correspondente ao preço-limite e o juro real dos bons

[ver valores da tabela na imagem]

Ora, disparidades muito maiores do que estas se têem dado frequentes vezes e até recentemente entre as cotações dos nossos titulos de 5 por cento e de 3 por cento, como mostram os boletins das bolsas, sendo para sentir que o governo não estivesse então armado da necessaria auctorisação legal para poder realisar uma conversão, em larga escala, que havia de trazer importantes beneficios para o credito do paiz, sem augmento algum de despeza, mas talvez até com apreciavel economia para o thesouro.

Quando, porém, a venda ou collocação das obrigações amortisaveis não possa de futuro fazer-se por preço, pelo menos egual ao preço-limite indicado, a conversão terá de verificar-se á custa, necessariamente, de um encargo, limitado a setenta e cinco annos, que será maior ou menor, conforme o preço da venda, nunca inferior ao da paridade dos bonds, estiver mais ou menos proximo d'essa paridade.

O projecto de lei, de accordo com o que preceitua o artigo 10.° da lei de 10 de abril de 1876, que organisou a caixa geral de depositos, dispõe para essa despeza dos 100:000$000 réis annuaes em que são computados os lucros da referida caixa.

Com este recurso e ainda no caso mais desfavoravel, que se admitte, de ser o preço das obrigações apenas equivalente ao dos bonds, pôde, como mostra o primeiro mappa, converter-se a somma nominal de 87.157:000$000, de 126.109:000$000 ou de 181.515:000$000 réis, conforme o juro real dos bonds for de 4 1/2, 5, ou 5 1/2 por cento.

Basta, porém, que o preço das obrigações offereça a margem de uns 1$000 réis sobre o preço equivalente dos bonds para que, dentro dos referidos limites de juro, a conversão attinja muito maior importancia, podendo até fazer-se na totalidade, com os 100:000$000 réis disponiveis, ou ainda com menos.

A pericia administrativa do governo consistirá, portanto, em aguardar e aproveitar as occasiões favoraveis, que se apresentarem, para realisar a conversão de uma somma maior ou menor de 3 por cento, em condições vantajosas para o nosso thesouro é para o nosso credito, procedendo sempre de modo que o estado não fique sujeito aos riscos de qualquer fluctuação nos mercados.

Deve, por isso, a auctorisação parlamentar ter caracter permanente e não ser tão limitada na fórma que embarace o governo na realisação de um pensamento que ha de necessariamente amoldar-se ás diversas hypotheses que podem vir a dar-se é que não são faceis de prever desde já.

Uma só restricção, mencionada, aliás, na proposta de lei do governo, entende a commissão que bastaria para impedir as conversões prejudiciaes. Consiste ella em preceituar que o juro real das obrigações emittidas, em cada operação, não exceda nunca o dos bonds de 3 por cento amortisados, suppondo, como é de ver, que no calculo d'esses juros reaes se attende ao preço liquido é á cotação rectificada dos titulos.

Effectivamente, imposta esta condição, nem o encargo dos juros poderá nunca augmentar por virtude da conversão nem os lucros da caixa geral de depositos poderão ter outra applicação que hão seja a dá amortisação real e effectiva da divida publica, nos termos dá legislação vigente.

Mas no projecto de lei estabelece-se uma outra restricção, que consiste em limitar a 379 decimas millesimas por cento do valor nominal dos titulos convertidos de 3 por cento a parte dos lucros da caixa geral de depositos destinada á amortisação das obrigações emittidas.

Esta relação que é, de facto, à que existe rigorosamente entre a quantia, empregada na amortisação semestral das obrigações creadas, e o nominal dos bonds resgatados, quando o juro real de umas e outros é de 5 por cento, não pôde, mantida a paridade de ambos os titulos, ser nunca attingida emquanto o juro real for superior a 5 por cento, como facilmente se reconhece pela inspecção do nosso primeiro mappa. D'ahi resulta que, em taes condições de juro, a referida restricção se torna desnecessaria, visto que a da egualdade do juro real, que é então muito mais apertada, a comprehende virtualmente.

Para juros inferiores á 5 por cento, a restricção de que se trata impedirá ò governo de resgatar qualquer somma de bonds, por pequena que seja, quando houver simplesmente paridade entre elles e as obrigações amortisaveis a emittir, sendo indispensavel, para que a conversão possa fazer-se que estes ultimos titulos tenham cotação superior á da paridade.

Poderia, portanto, ao que parece, ter-se acceitado, sem modificação, a proposta de lei do governo na parte a que nos estamos agora referindo; mas, como infelizmente não é provavel que as primeiras conversões se façam á juro inferior a 5 por cento, e como a restricção, inserida pela camara dos senhores deputados no projecto de lei, em nada prejudica os interesses do thesouro, entende a commissão que se deve manter, ainda que mais não seja do que para se reconhecerem praticamente os effeitos d'essa clausula.

A segunda operação que o governo fica auctorisado a emprehender, refere-se, como dissemos, á conversão da divida interna.

Se os lucros da caixa geral de depositos o permittissem muito conviria applicar a esta divida o systema adoptado no projecto de lei para a divida externa; entretanto a commissão concorda em que se tente a proposta conversão em rendas vitalicias, para diminuir o nominal de 3 por cento interno, sem que o excesso temporario da despeza, d ahi resultante, possa ir alem da verba que será annualmente consignada, para tal effeito, no orçamento geral do estado.

Página 510

510 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Admittido, em principio, este modo de conversão, bastaria indicar na lei as tábuas de mortalidade e a taxa de juro que se adoptariam no calculo, porque assim ficaria virtualmente definida a tabella das pensões vitalicias, não sendo possivel, como o demonstram as regras da arithmetica, organisar duas tabellas differentes, baseadas sobre os mesmos elementos.

Mas o projecto de lei vem desde já acompanhado da tabella das pensões vitalicias a favor de uma só pessoa, que no futuro anno economico podem conceder-se, tabella fundada nas tábuas de mortalidade das vinte Companhias inglesas, que são as mais perfeitas, e na taxa de 5 1/2 por cento que parece justo fixar-se para o juro da conversão no referido anno.

E a commissão, acceitando como exacta a mencionada tabella para as pensões a favor de uma pessoa, entende, no que respeita às pensões a favor de duas pessoas, emquanto viver alguma d'ellas, que deve o governo mandar, com toda a urgencia, calcular as competentes tabellas, tomando por base as tábuas de mortalidade que fazem parte da lei e adoptando-se diversas taxas de juro, para poderem servir nos diversos annos economicos. Egual trabalho se deveria fazer em relação ás pensões vitalicias n'uma só vida, para juros differentes de 5 1/2 por cento.

Feito assim o estudo do projecto de lei que foi submettido ao nosso exame, a commissão, convencida dos importantes beneficios que para o credito publico hão de resultar da diminuição consideravel do nominal da divida publica, sem aggravamento de despeza, salvo no que respeita ias rendas vitalicias, cujo encargo é de sua natureza temporario, entende que o referido projecto de lei merece ser approvado, para subir á sancção regia.

Sala das sessões da commissão de fazenda, aos 10 de junho de 1887. = A. de Serpa (vencido em parte) = Conde de Magalhães - Visconde de Bivar (vencido em parte) = Manuel Antonio de Seixos = Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque = Mendonça Cortez = Hintze Ribeiro (vencido em parte) = Augusto José da Cunha -Conde de Castro = Henrique de Macedo = Frederico Ressano Garcia, relator. - Tem voto do sr. Antonio Augusto Pereira da Miranda.

Projecto de lei n.° 4

Artigo 1.° é auctorisado o governo a converter a divida externa de 3 por cento em obrigações de 5 por cento, amortisaveis por sorteios semestraes, no praso maximo de setenta e cinco annos, comtanto que o juro das obrigações emittidas não exceda o dos bonds de 3 por cento amortisados.

Esta conversão poderá tambem ser feita em obrigações de 4 ou de 4 1/2 por cento, nas condições acima determinadas, quando a collocação d'esses titulos obtiver, em relação á equivalencia das obrigações de 5 por cento, fixada em absoluto pela paridade do juro, um excesso de preço que, pelos resultados da operação compense as differenças do premio de amortisação.

§ 1.° A percentagem semestral para amortisação dos titulos emittidos, em virtude d'este artigo, sairá dos juros das obrigações amortisadas, da differença entre a taxa do juro dos titulos convertidos e a taxa do juro dos titulos creados, e, sendo necessario, dos lucros da caixa geral de depositos, mas a parte d'esses lucros, destinada á referida amortisação, não póde exceder a 379 decimas miliesimas por cento do valor nominal dos titulos de 3 por cento.

§ 2.° A conversão é sempre facultativa para os portadores da divida externa.

§ 3.º° Continua suspensa a amortisação da divida externa auctorisada por carta de lei de 19 de abril de 1845.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a converter o fundo consolidado interno de 3 por cento em pensões vitalicias, n'uma ou duas vidas, dentro dos limites da verba annualmente fixada no orçamento para esse fim, alem das sommas correspondentes aos juros das inscripções convertidas.

§ 1.° Esta conversão é facultativa para os possuidores de divida consolidada interna; e nas respectivas propostas terão preferencia as de uma vida, e em igualdade de vidas a ordem chronologica dos pedidos.

§ 2.° As pensões vitalicias de que trata esta lei gosarão dos mesmos privilegios e isenções de que gosam os titulos de divida consolidada e seus juros.

§ 3.° A importancia das pensões, que será paga semestralmente, no primeiro dia do semestre immediato ao vencido, será regulada pela vida provavel dos pensionados, n.ºs termos das tabellas juntas n.ºs 1 e 2, que fazem parte d'esta lei, sendo os titulos de divida consolidada, computados, até 30 de junho de 1888, a rasão de 54,54 por cento, isto é, com o juro real de 5 4/2 por cento. Em cada anno economico seguinte será por lei fixado o juro real das inscripções a converter em pensões vitalicias.

§ 4.° Às inscripções a converter terão em divida o juro do semestre em que a operação se realisar, e a pensão a conceder terá vencimento desde o primeiro dia d'esse semestre.

§ 5.° As inscripções convertidas serão entregues á junta do credito publico para serem amortisadas.

§ 6.° O governo publicará na folha official, á proporção que for feita, conversão, o numero e importancia das inscripções amortisadas, o numero e importancia das pensões vitalicias concedidas, indicando a idade dos pensionados, e se a pensão é em uma ou duas vidas. Os nomes dos pensionados não serão publicados.

Art. 3.° O governo dará annualmente conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações contidas n'esta lei.

Art. 4.° Fica assim modificado o artigo 10.° da lei de 10 de abril de 1876 e revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 6 de junho de 1887. = Francisco de Barros Coelho e Campos, vice-presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado vice-secretario.

Página 511

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 511

N.º 1

Tabella da vida provavel, em relação ás diversas idades, a que se refere o artigo 2.° da lei datada de hoje, e que d'ella faz parte

Idades Annos Vida provavel Numero de semestres Idades Annos Vida provavel Numero de semestres Idades Annos Vida provavel Numero de semestres Idades Annos Vida provavel Numero de semestres Idades Annos Vida provavel Numero de semestres

[ver valores da tabela na imagem]

Palacio das côrtes, em 6 de junho de 1887. = Francisco de Barras Coelho e Campos, vice-presidente Francisco José de Medeiros, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado secretario.

Página 512

512 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES do REINO

N.º2

Tabella das pensões vitalicias semestraes a pagar por cada titulo de divida consolidada interna do valor nominal de 50$000 réis, sendo as inscripções computadas a 54,54 por cento ou ao juro real de 5 1/2 por cento, com o coupon do semestre corrente na data da conversão e sendo a pensão vitalicia paga no primeiro dia do semestre immediato ao vencido, tabella a que se refere o artigo 2.° da lei datada de hoje

Idades Annos Vida provavel em semestres Importancia da pensão por 50$000 réis nominaes Idades Annos Vida provavel em semestre Importancia da pensão por 50$00000 réis nominaes idade Annos Vida provavel em semestre Importancia da pensão por 50$000 réis nominaes

[ver valores da tabela ma imagem]

Página 513

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 513

A pensão a conceder em uma vida é regulada por esta tabella tendo sido achada a vida provavel do pensionado na tabella n.º 1. Quando a pensão vitalicia for em duas vidas, seguir-se-ha o seguinte processo para achar o quantitativo da mesma pensão

a) No caso dos individuos terem o mesmo numero de semestres de idade:

Addiciona-se ao numero de semestres de vida provavel de um, o numero de semestres da vida provavel do outro, quando a primeira pensão se extinguir; a somma desses numeros dará a duração media provavel da pensão e com essa somma se entra n'esta tabella para achar a pensão a conceder.

Supponha-se que a pensão em duas vidas é concedida a individuos que têem ambos 50 semestres de idade.

Vida provavel de um d'elles, segundo a tabella n.° l, semestres 84
Vida provavel do segundo quando chegar a 134 semestres (67 annos) 18
Logo a pensão a conceder é a relativa a 102

semestres de vida provavel.

b) No caso dos individuos terem diversas idades:

Addiciona-se ao numero de semestres de vida provavel do primeiro a gosar da pensão, o numero de semestres da vida provavel do segundo, quando a pensão do primeiro se extinguir; a somma d'esses numeros dará a duração media provavel da pensão e com essa somma se entra n'esta tabella para achar a pensão a conceder.

Supponha-se que os individuos têem, respectivamente, um 40 annos e outro 30 annos de idade, e que o primeiro a gosar da pensão é o de 40 annos.

Vida provavel do individuo de 40 annos, semestres 58

N'essa epocha deverá ter o mais novo 30+29 annos = 59 annos

A vida provavel de um individuo de 59 annos é 14 annos ou semestres 28

Logo a pensão é a correspondente a 86

semestres de vida provavel.

Palacio das côrtes, era 6 de junho de 1887. = Francisco de Barros Coelho e Campos, vice-presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado vice-secretario.

O sr. Antonio de Serpa: - Eu sei que a materia d'este projecto é arida e fastidiosa. Ha pessoas, aliás muito intelligentes, mas cuja profissão é um pouco alheia a estas questões, e que sentem tal repugnancia em as estudar, que esperam a discussão para fazerem uma idéa mais ou menos exacta do assumpto.

É por isso que eu vou tratar de fazer quanto em mim couber uma exposição clara e quanto possivel succinta do projecto de que se trata.

As bases d'este projecto são os lucros da caixa geral de depositos, lucros que o sr. ministro da fazenda declara no seu relatorio serem de 480:000$000 réis, desde que a caixa geral de depositos foi estabelecida, em 1876, até ao exercicio de 1884 e 1885, faltando ainda o saldo das contas de 1885.

Calculando que o estado actual é susceptivel de melhoramento, podemos calcular a annuidade de 100:000$000 réis. Temos portanto já cerca de 500:000$000 réis, e podemos contar com uma annuidade de 100:00$000 réis, e por isso não admira que o sr. ministro da fazenda diga tambem que esta annuidade em aetenta e cinco annos produzirá a enorme amortisação de 199:900 e tantos contos de réis.

(Leu.)

V. exa. vê quanto são importantes estes lucros da caixa geral de depositos, lucros que segundo a lei estão applicados á amortisação da divida fundada.

O sr. ministro da fazenda não os quer desviar d'esta applicação, o seu projecto tem por fim o mesmo que a lei que creou a caixa geral de depositos.

Entendeu, porém, s. exa. para chegar mais facilmente e com mais vantagens ao fim que a lei da caixa geral de depositos teve em vista, que o governo devia ser auctorisado a fazer a conversão dos titulos da divida externa de 3 por cento em obrigações amortisaveis de 5, 4 Vá e 4 por cento, e por consequencia chegar assim a amortisar a mesma divida de uma maneira que se lhe afigura mais conveniente, mais prompta e mais vantajosa para o thesouro.

Antes de examinar os principios em que se funda para propor esta conversão, farei em poucas palavras a historia d'estes lucros da caixa de depositos.

Esta caixa foi creada em 1876. Antes d'ella havia o deposito publico em Lisboa e Porto, e havia os depositos judiciaes, ou antes um depositario nomeado pelo respectivo juiz em cada uma das outras comarcas do reino. Em poder d'estes depositarios, e principalmente nos depositos de Lisboa e Porto, havia sommas consideraveis, dinheiros e heranças em litigio, dinheiros de menores, etc.

Alem d'estes depositos judiciaes havia os depositos de caução para as empreitadas, no serviço das obras publicas, e outras cauções de contratos com o estado, o que tudo se centralisou na caixa geral de depositos.

Trouxe esta instituição duas grandes vantagens: a primeira a do pagamento dos juros aos depositantes, os quaes anteriormente não recebiam juro nenhum, antes tinham de pagar pela guarda dos seus depositos; a segunda a circumstancia de que, centralisadas aquellas sommas, do emprego seguro d'ellas proprias se podia tirar o producto sufficiente para o pagamento dos juros, para as despezas de arrecadação, sobejando ainda lucros para o estado. Tudo isto são incontestaveis vantagens.

Ora, é contando exactamente com estes lucros que o sr. ministro da fazenda diz que em setenta e cinco annos a nossa divida externa estaria amortisada em grande parte.

A este emprego a que eram destinados os lucros da caixa de depositos póde objectar-se que, em regra, quem precisa de crear nova divida não amortisa a que tem.

Quem tem dividas superiores aos seus recursos, em. geral não paga dividas, a não ser que levante dinheiro mais barato para amortisar com vantagem.

Em abril, porém, de 1876, quando se creou a caixa de depositos, as finanças publicas estavam um pouco mais prosperas do que anteriormente: os fundos estavam relativamente mais altos e os rendimentos publicos tinham crescido e mostravam ainda dever crescer de uma maneira notavel.

A receita em 1871-1872 tinha sido de 17.757:000$000 réis e em 1875-1876, exactamente no anno em que se creou a caixa geral de depositos, a receita foi de réis 23.926:000$000; quer dizer: a receita ordinaria tinha crescido em quatro annos mais de 6.000:000$000 réis.

Foi por isso que não houve duvida em applicar estes lucros futuros da caixa de depositos ao pagamento da divida publica.

E houve uma outra rasão, e foi que esta receita era uma receita nova, que não se fóra buscar ao imposto, que não saíra do contribuinte; era uma receita com que se não contava, e, de mais a mais, como não se fazia nenhum contrato que creasse obrigações indeclinaveis, a lei que dava esta applicação aos lucros da caixa podia ser revogada, quando não conviesse.

A amortisação da divida fundada effectuava-se, comprando a administração d'aquella caixa os titulos pela cotação do mercado e, com o juro d'esses titulos, comprar outros. Assim, no fim de um certo periodo, chegava se á amortisação da divida.

Agora, vejamos quaes as objecções que o sr. ministro dá fazenda faz a este systema, no seu relatorio.

(Leu.)

Página 514

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 514

Diz s. exa. que á medida que os titulos de divida fundada de 3 por cento forem sendo comprados, e forem escaceando no mercado, irão subindo de preço, a ponto de deverem chegar ao par, e que portanto a caixa terá de os comprar cada vez mais caros, o que demorará o periodo da completa amortisação. Em primeiro logar este perigo é infelizmente illusorio.

Oxalá que os nossos fundos de 3 por cento se approximassem do par. Mas emquanto as nossas finanças não estiverem muito mais prosperas, embora os fundos de 3 por cento escaceiem no mercado, como hão de existir titulos nossos de outros typos, como temos ainda, e por muito tempo, de contrahir nova divida, o estado do nosso credito não permittirá que os nossos fundos de 3 por cento se approximem do par. Alem d'isto, o perigo, se o é, subsiste do mesmo modo pelo systema que o governo propõe. Esse systema consiste em converter primeiro, sempre que for possivel, os titulos de 3 por cento em titulos amortisaveis de 5, 4 1/2 e 4 sempre que o podermos fazer sem augmento de encargos. Mas os titulos de 3 por cento desapparecerão do mesmo modo, não comprados directamente pela caixa, mas comprados pelos banqueiros com quem o governo fizer os contratos de conversão, e do mesmo modo chegariam, pela escacez no mercado, se essa fosse à causa unica do seu preço, a tocar o par, ou a approximar-se d'elle.

A operação ou opperações que o governo intenta realisar, que é inverter titulos de 3 por cento em titulos amortisaveis de maior typo, poderão realisar-se uma vez ou mais de uma vez, nos primeiros tempos pôr quantias limitadas. Mas, no futuro, quando forem desapparecendo dos mercados os titulos de 3 por cento e abundando cada vez mais os de typo superior amortisaveis, as operações da conversão serão impossiveis.

Quem quererá inverter titulos de 3 por cento, que têem uma larga margem para subir de preço, em titulos de 5 ou 4 por cento amortisaveis, é que, sendo tomados proximos do par, não têem aquella margem de subida?

Portanto, com a approvação d'este projecto, não se obtem exactamente aquillo que se quer, e por fim ha de voltar tudo ao mesmo systema, isto é, a caixa geral de depositos comprar por sua conta.

Póde fazer-se uma operação, duas ou tres, mas passado pouco tempo os titulos de 3 por cento, hão de valer mais proporcionalmente que os de 5 por cento, excepto se o governo for jogar na bolsa, do que Deus nos livro, se o governo fizer como os banqueiros, que compram na baixa e vendem na alta.

Compram hoje na baixa, e depois esperam um, dois annos, seis mezes, para poderem vender na alta, se poderem.

E se ha banqueiros que têem feito grandissimas fortunas n'este negocio, ha tambem outros que têem feito bancarota.

O sr. ministro da fazenda declarou no seio da commissão, que o governo não ficava auctorisado, por este projecto, a jogar na bolsa; pela leitura do projecto parece-me que o governo fica auctorisado a isso, e é este o maior inconveniente que eu vejo.

Mas o sr. ministro declara que não, e se assim é, o governo não póde aproveitar da baixa ou da alta da fundos; tendo de comprar ou vender, tem de fazer a compra e a venda, isto é, a conversão na mesma epocha. N'este caso, salvo circumstancias excepcionaes, que talvez se dêem n'este momento, mas que não se podem dar por muito tempo, pelos motivos que apontei, a operação d'aqui a pouco tempo é irrealisavel.

Entretanto, eu voto o pensamento do projecto porque é sempre vantajoso converter titulos de 3 por cento em obrigações amortisaveis de 5 por cento, quando isto se possa fazer sem augmento de encargos. Embora isto se faça uma só vez, e por uma quantia limitada, é vantajoso.

Tambem se allega em favor do projecto, suppondo que a conversão se fará em grande escala, que reduzimos assim o nominal da nossa divida.

Reduzir o nominal dá nossa divida é para mim mais uma questão de apparencia, entretanto sempre é melhor dizer-se que se deve sessenta do que cem. Isto é uma questão de imaginação, mas que póde talvez dar algum resultado a favor do nosso credito.!

Alem disso ha uma outra vantagem na conversão dos titulos de 3 por cento em obrigações de 5 por cento. É que mais tarde pôde-se fazer então a verdadeira, conversão, o que sempre dá lucros, quando melhorem as condições de credito doestado) que é conversão d'estes titulos amortisaveis de 5 em titulos amortisaveis de 4 1/2 e d'estes em titulos de 4, e assim successivamente.

Ainda que fosse para uma pequena somma, eu acho, como disse, vantajosa a conversão dos titulos de 3 por cento em obrigações de 5 por cento, mas não posso votar o projecto como está, porque dá ao governo uma auctorisação muito ampla debaixo de todos os pontos de vista, e quando me refiro ao governo não quero dizer só ao actual, más a qualquer outro.

Na commissão de fazenda declarei que votava o projecto, sé não contivesse esta auctorisação ampla, se se estabelecessem regras que dessem todas as garantias de publicidade e de concorrencia, e apresentei uma proposta estabelecendo concurso para estas operações.

O sr. ministro da fazenda entendeu que não devia acceitar a minha proposta, limitando-se n'essa occasião a mostrar, figurando algumas hypotheses, que, se se estabelecesse o concurso, estas operações se não poderiam realisar.

Sr. presidente, para mim a questão de concurso publico hão é uma questão de desconfiança pessoal, nem partidaria, é uma questão de moralidade constitucional.

As leis constitucionaes são leis de desconfiança.

Pois o que são todas as leis orçamentaes e de contabilidade? São leis de desconfiança. Porque é que ò governo não póde desviar a minima verba de um para outro capitulo?

E mesmo dentro, do proprio capitulo não O póde fazer senão mediante certas formulas? O que é o tribunal de contas? O que é o regulamento da contabilidade publica? Tudo isto são leis de desconfiança.

E será isto porque as maiorias que votaram estas leia desconfiassem do governo? De certo que não.

Mas não basta, que as maiorias das camaras não desconfiem, é necessario que o publico hão desconfie, que nem a malevolencia, riem as paixões politicas, possam desconfiar.

Eu bem sei que estas leis de desconfiança trazem ás vezes embaraços ao governo. Mas têem menos inconvenientes estes embaraços, de que a ausencia d'estas peias e d'estas restricções legaes. É por isso que eu-no projecto actual quereria as restricções, isto é, as garantias de publicidade e concorrencia.

Antes do sr. ministro da fazenda apresentar um projecto generico para a conversão dá divida publica, fallavam já os jornaes n'uma operação de conversão effectiva da divida, que se dizia estar em projecto, e que alguns banqueiros em Paris estavam tratando de se preparar para ella, isto é, que estavam comprando titulos de 3 por cento da nossa divida para realisarem a operação, que ainda não estava, auctorisada nem proposta ás camaras pelo governo.

Eu não acho mau que os banqueiros pensassem num negocio que lhes era util, porém acho mau que o governo apresentasse n'esta occasião um projecto como aquelle que se discute, um projecto generico, mas com uma auctorisação ampla, em que se comprehende a operação, que a imprensa dizia que determinados banqueiros andavam preparando, naturalmente no seu interesse.

É por isso que eu desejava que se estabelecesse o çon-

Página 515

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 515

curso, ou outro qualquer meio, de fórma a dar todas as garantias de publicidade e de concorrencia a esta operação.

Quando na commissão de fazenda se discutiu este assumpto, apresentei um additamento, apresentando as condições de um concurso para regular as operações que houvessem de realisar-se. O sr. ministro da fazenda rejeitou o concurso.

Não insisto no concurso, mas em que se estabeleçam regras que possam garantir a concorrencia.

Vou ler á camara uma proposta n'este sentido, mas nem a mando para a mesa, porque acceito qualquer substituição que o sr. ministro da fazenda julgue mais conveniente, comtanto que, em vez de uma auctorisação ao governo para tratar quando e com quem quizer, se estabeleçam regras que dêem garantias de publicidade e concorrencia.

O sr. ministro da fazenda respondeu-me na commissão, a proposito de publicidade e concorrencia, que dos dezoito emprestimos ultimamente contrahidos, apenas dois tinham sido feitos por concurso.

Ora eu tenho, eu relação a este ponto, duas rectificações a fazer.

Em primeiro logar, não se segue que nos emprestimos de que fallou o sr. ministro da fazenda, e que não foram feitos em concurso, não tivesse, na maior parte d'elles, havido publicidade e concorrencia. Isto e, não se segue que fossem todos contratados directamente, ou, como vulgarmente se diz, á porta fechada.

Dos que foram feitos no meu tempo de ministro da fazenda, foi um, não de grande importancia, feito em concurso, e quasi todos os outros, incluindo o chamado emprestimo nacional de 38.000:000$000 réis, por subscripção publica, e portanto com todas as garantias de publicidade e concorrencia.

Não discuto agora se este systema de subscripção. publica é o melhor. Póde ser melhor ou peior, conforme as circumstancias.

Por outro lado, reconheço que ha occasiões, e ellas verificaram-se nos nossos emprestimos de ha vinte e ha trinta annos, e tornaram a verificar-se mais tarde, em que o concurso é impossivel.

Nos tempos a que me refiro, quando se queria realisar um emprestimo mais avultado, não se fazia, nem podia fazer-se no paiz.

No mercado inglez é que elle se fazia, e mesmo assim n'este mercado só havia ordinariamente um banqueiro, a quem podiamos recorrer, para a realisação de qualquer operação mais importante.

N'estas circumstancias o concurso era impossivel. Davam-se ao governo faculdades amplas de contratar, como se costuma dizer, ás portas fechadas; marcava-se-lhe apenas o limite para o juro, e apesar d'isso o ministro ás vezes não podia realisar o emprestimo.

Succedeu em 1869, com o maior emprestimo que se tem feito de 12.000:000:000 de libras nominaes que se realisou apenas a parte que o banqueiro tomou firme; o publico não quiz tomar o resto. N'aquellas circumstancias de certo o concurso seria uma irrisão.

Porem, hoje, que os nossos fundos estão por um preço relativamente elevado, hoje que ha abundancia de dinheiro, como nunca houve, hoje que anda o capital a offerecer-se barato, á procura de emprego, hoje devemos recorrer a todos os meios de publicidade e concorrencia, quando se trata de contrahir emprestimos ou realisar quaesquer outras operações financeiras.

Eu tambem geri a pasta da fazenda, e os ultimos emprestimos que fiz, depois da crise bancaria de 1876, que me impediu de os fazer no paiz, foram, como se costuma dizer, contratados á porta fechada; mas quando as circumstancias eram prosperas, realisei um, por meio de concurso publico, e os outros por subscripção tambem publica, e por consequencia dando todas as garantias de publicidade e concorrencia.

E este systema que segui, dir-se-ía que era porque eu desconfiasse de mim proprio? Seria porque eu receiava que desconfiassem de mim? Tambem não, porque, quando foi necessario, depois da crise bancaria, recorri á negociação directa.

Foi porque me convenci de que era um principio de boa economia e um principio de moralidade constitucional, fazer as operações financeiras com todas as garantias de publicidade.

E os resultados politicos foram excellentes, e a este facto se deve talvez em parte a longa duração d'aquelle gabinete. As opposições que buscam todos os motivos, e ás vezes todos os pretextos para desconceituar os governos, e que entre nós se tinham sempre servido, para esse fim, dos emprestimos que o governo contratou á porta fechada, não tinham pretexto plausivel para aggredir o governo, com esperanças de agitar a opinião, quando os emprestimos eram feitos por subscripção, com inteira publicidade e concorrencia, como o não têem, quando os emprestimos são feitos em concurso.

Se me é permittido dizer á camara o que se passou no seio da commissão de fazenda, direi que o sr. ministro da fazenda teve a condescendencia de declarar que não tinha duvida em fazer a experiencia do concurso, mas sem que o principio fosse estabelecido na lei.

Não se compromettia, ainda que se saísse bem, a propor que se emendasse a lei, mas se se saísse mal, estava no direito de fazer a operação como julgasse mais conveniente.

Em primeiro logar, eu queria que o principio do concurso fosse definitivamente fixado na lei e não como experiencia.

Alem d'isto, se effectivamente o principio do concurso se estabelecesse, o sr. ministro da fazenda de certo havia de executar a lei, e faria todos os esforços para que o concurso desse os melhores resultados; mas entregar a experiencia a quem não confiava n'ella e que depois de a realisar podia fazer o que julgasse conveniente, não me parece que fosse uma cousa que eu podesse acceitar.

Já disse que não quebrava lanças pela proposta de concurso que apresentei na commissão. Tambem as não quebro por outra, a que já me referi, e que apenas apresento como exemplo.

Essa proposta que eu, aliás, não mando para a mesa, é a seguinte:

(Leu.)

Eu acharia muito conveniente que o sr. ministro acceitasse esta proposta, ou outra analoga, porque assim ficava perfeitamente o principio definido, dava-se uma completa garantia de publicidade e de concorrencia.

Se o sr. ministro acceitasse esta proposta ou outra qualquer que consignasse o mesmo pensamento, eu não teria a minima duvida em votar o artigo 1.° do projecto, e votava-o apesar de, como já disse, não ter confiança nenhuma em que o governo chegue a conseguir aquillo que tem em vista, isto é, a conversão de toda a nossa divida fundada, como meio de chegar mais facilmente á sua completa amortisação.

São estas, sr. presidente, as observações que eu queria apresentar ácerca do assumpto, que está em ordem do dia.

Isto pelo que toca ao artigo 1.° que é importante.

Não ligo grande importancia ao artigo 2.°. Creio que elle não dará tambem um resultado apreciavel.

Para que se realise a operação que n'elle se permitte, é necessario que o possuidor dos titulos não tenha herdeiros ou não queira legal-os, ou que, talvez por falta de tino, deixe de procurar algumas das muitas companhias de seguros que existem na Europa e na America e que lhe pro-

52 *

Página 516

516 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

porcionariam varias operações vantajosas com o producto da venda dos seus titulos.

Sr. presidente, hontem no fim da sessão pedi para que ficasse reservada para hoje esta discussão, e por isso tenho que agradecer á camara e ao sr. ministro da fazenda a sua condescendencia.

Não tinha supposto que o projecto que hoje se discute, entrasse hontem em discussão, e, portanto, não trazia o relatorio do sr. ministro da fazenda, a que queria referir-me, nem trazia alguns dados numericos, que hoje citei, e que desejava citar, nem mesmo tinha redigido ainda a proposta que ha pouco li á camara. Foram estas as rasões por que pedi para que ficasse esta discussão para hoje.

Agradeço a v. exa. e á camara e ao sr. ministro, o terem attendido a este meu desejo.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra para ter a honra de responder ao digno par, o sr. Serpa Pimentel, que acaba de fallar sobre o importante assumpto que se debate, mas depois de mim pediu a palavra o digno relator da commissão que é novo nesta casa.

Parece-me que interpreto os desejos da camara cedendo da palavra em favor de s. exa.

O sr. Ressano Garcia (relator): - Sr. presidente, v. exa. e a camara hão de fazer-me a justiça de reconhecer que, tomando eu a palavra pela primeira vez n'esta casa do parlamento, o faço em condições triplamente desfavoraveis para mim, já porque tenho de fallar quando a camara está ainda debaixo da impressão da palavra fria e despretenciosa, mas incisiva e convincente, de um estadista notavel e mui versado em assumptos d'esta ordem, já porque a deferencia que o sr. ministro da fazenda acaba de ter para commigo augmenta ainda a responsabilidade que pesa sobre os meus hombros, já finalmente porque o assumpto, de sua natureza arido, não se presta a uma exposição facil, sobretudo da parte de quem, como eu, carece de doteis oratorios e de experiencia parlamentar.

Mas, sr. presidente, eu não entro neste debate pelo simples desejo de fallar e ainda menos pela pretensão, que seria vã, de esclarecer uma assembléa tão illustrada como esta. Fallo no cumprimento de um dever, aliás honrosissimo, que me foi imposto pela commissão de fazenda, de que faço parte, e em taes condições espero merecer dos que me escutam a benevolencia que esta camara não tem sabido regatear a outros que menos precisam d'ella do que eu.

Sr. presidente, as vantagens da conversão, tal como a propõe o sr. ministro da fazenda, ninguem as discute. Não as contestou até o digno par o sr. Serpa Pimentel, apesar de haver demonstrado, no discurso que acaba de proferir, uma tal ou qual má vontade contra o projecto de que se trata.

A conversão proposta comprehende duas modificações importantes na maneira de ser de uma parte consideravel da nossa divida externa. A primeira refere-se ao typo do juro nominal, que passa de 3 por cento a ser de 5, 4 1/2 ou 4 por cento; a segunda respeita á duração do titulo, que de perpetuo se transforma em amortisavel.

Estas duas modificações podem considerar-se como distinctas, embora ambas ellas se comprehendam na operação projectada; e por isso as estudarei separadamente, indagando quaes são as consequencias a que conduzem.

Da substituição pura e simples do titulo de 3 por cento por outro de juro nominal maior, suppostos ambos perpétuos, resultaria uma diminuição do nominal da divida, na rasão inversa da elevação do juro.

Assim, por exemplo, se podessemos converter todo o nosso 3 por cento em 5 por cento, tambem perpetuo, o nominal da nossa divida soffreria uma redacção de 3/5, recebendo os prestamistas, por tres inscripções de 100$000 réis, com o juro de 3$000 réis cada uma, duas obrigações de 90$000 réis, com o juro de 4$500 réis cada uma.

Feita a operação, se possivel fosse, nestes precisos termos, a ninguem seria licito duvidar das suas vantagens, visto que sem nenhum novo encargo se conseguiria reduzir o nominal da nossa divida n'uma forte proporção.

Sr. presidente, ha financeiros e houve-os sobretudo e muito distinctos no seculo passado que diziam que uma nação era tanto mais rica quanto mais devia, porque, alem da riqueza propria, explorava, por meio dos emprestimos, a riqueza dos seus credores. As dividas publicas, escreviam uns, são dividas da mão direita á mão esquerda, representando a mão direita o contribuinte e a esquerda o jurista. Minas de oiro e inexgotaveis lhes chamavam outros. E Voltaire, que foi sem contestação um dos genios mais poderosos dos tempos modernos, esse homem extraordinario, que do seu retiro de Ferney exerceu uma verdadeira dictadura intellectual sobre toda a Europa, pretendia que um estado não se empobrece quando só a si proprio deve.

Mas, deixando de parte o seculo passado, vemos Gouin, relator em 1866 da lei sobre a amortisação, sustentar, em pleno parlamento francez e no meio dos applausos da maioria, a necessidade de uma divida permanente em proporção com os recursos e com a grandeza da Franga; Emilio de Girardin, um dos publicistas que mais illustrou as letras francezas, preconisar os emprestimos a todo o transe, e Isaac Pereire, um financeiro muito distincto, ir até o ponto de escrever uma brochura onde trata da Idéa de systematisação da emissão dos emprestimos.

Estas theorias são sempre apresentadas sob uma fórma seductora e acompanhadas de argumentos mais ou menos engenhosos, mas eu não farei a injuria a esta camara, tão illustrada como é, de lhe demonstrar onde é que esses argumentos são enganosos, onde é que o sophisma substituo a verdade.

O que é certo é que taes doutrinas caíram irremediavelmente perante o bom senso das nações, e hoje não ha paiz nenhum, regularmente organisado sob o ponto de vista financeiro, que não procure, ainda á custa dos maiores sacrificios, reduzir a sua divida, sobretudo em periodos de paz e prosperidade, para assim poder melhor resistir nas epochas calamitosas de uma guerra ou de uma crise.

Mas, reconhecida a conveniencia d'esta modificação que tem por fim elevar o juro nominal da nossa divida e reduzir o capital na rasão inversa, sem tirar aos titulos o seu caracter de perpetuos, poderia esta primeira parte da operação realisar-se isoladamente? Não, de certo. Ninguem, voluntariamente se prestaria a trocar tres bonds de réis 100$000 com o juro de 3 por cento por dois titios, por exemplo, igualmente perpetuos, de 90$000 réis com o juro de 5 cinco por cento, embora houvesse equivalencia sob o ponto de vista arithmetico: 1.°, porque estes ultimos titulos, attingindo o par muito mais cedo, teriam muito menos elasticidade do que aquelles; 2.°, porque no caso eventual do resgate, sempre permittido na opinião dos tratadistas mais auctorisados, mesmo para os titulos perpétuos, o prestamista viria a receber 180$000 réis em vez de 300$000 réis; 3..°, porque ainda quando não houvesse resgate o seu credito sobre o estado sempre ficaria reduzido.

Assim, pois, a segunda parte da operação, pela qual se transforma o titulo perpetuo n'outro amortisavel, é absolutamente indispensavel para tornar a primeira possivel. Com os titulos amortisaveis, emittidos abaixo do par, apparece logo o premio de reembolso que attrahe quasi todos os compradores, havendo até alguns que se contentam com um juro real menor, comtanto que o premio do reembolso seja mais avultado. Só assim se explica a maior cotação que tem o nosso 5 por cento amortisavel comparado com o 3 por cento perpetuo.

Ora, existindo entre as duas partes da conversão proposta uma correlação tão intima que a primeira se torna impossivel sem a segunda, eu não chego a comprehender como é que o sr. Serpa, depois de haver declarado que ac-

Página 517

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 517

ceita o principio da conversão, acrescentou, porém, no que respeita á amortisação, que antes preferia que ella fosse feita pelo systema da lei de 10 de abril de 1876 que consiste em applicar annualmente os lucros da caixa geral de depositos na compra de titulos da nossa divida. Effectivamente admittido este ultimo modo de amortisar a divida publica, torna-se impossivel a conversão.

Mas a segunda parte da operação, necessaria para tornar a primeira praticavel, não será tambem conveniente por si propria? Sustento que sim e vou demonstral-o.

Ha quem pretenda que não existe vantagem alguma em transformar as dividas perpetuas em dividas amortisaveis, nem tão pouco em precipitar o pagamento d'estas, porque, diminuindo, dia a dia, o valor do oiro em relação ao salario do operario, tomado para unidade, quanto mata tarde o estado reembolsar os seus credores, menos vale o que lhes dá para tal effeito.

É esta uma outra theoria de mau pagador; Se é certo que, graças á descoberta de novas minas, aos progressos scientificos da metalurgia, e ao uso quasi universal das notas, das letras, dos cheques etc., o valor dos metaes preciosos tem sempre declinado desde a era historica, calculando-se que o oiro vale hoje metade apenas do que valia ha um seculo, não está, ainda assim, demonstrado que este movimento decrescente seja indefinido. Já em 1879 Disraeli, o celebre homem d'estado, e eminente escriptor, affirmava que o oiro devia agora começar a subir, e a mesma opinião sustentou em 1883 o conhecido financeiro lord Goschen.

Como quer que seja; porem, não me parece que o valor do oiro possa influir nas vantagens ou inconvenientes da amortisação, porque ao depreciamento gradual dos metaes preciosos corresponde necessariamente a baixa progressiva do juro das dividas publicas, que é hoje uma lei geral, como o sr. Serpa muito bem affirmou, e a baixa do juro permitte as conversões successivas, tendentes a manter os encargos a pardo credito nacional.

Assim é que a amortisação real das dividas publicas, em vez de ter inconvenientes, offerece decididas vantagens, comtanto, porém, que o orçamento do estado esteja equilibrado.

É esta a unica condição que eu julgo essencial para tornar opportuna a amortisação, e por isso entendo que a que se decretou em 10 de abril de 1876 foi um pouco prematura.

Hoje está realisado, ou quasi realisado, esse desideratum do equilibrio orçamental.

Segundo o luminoso relatorio do sr. ministro da fazenda, o deficit ordinario do futuro anno economico, na importancia de 3.006:000$000 réis, deve ser coberto pelas receitas provenientes dás medidas propostas pelo nobre ministro, havendo ainda um saldo de 64:000$000 réis. Assim, no que respeita, pelo menos, ás despezas e reeleitas ordinarias, o equilibrio orçamental verificar-se-ha em breve, salvo se, contra o que é de suppor, as côrtes negassem á sua approvação áquellas medidas.

Quanto ás despezas extraordinarias estão ellas orçadas em 2.200:000$000 réis, dos quaes 1.171:000$000 réis representam augmento de patrimonio nacional, constituido nas obras da estrada militar, do caminho de ferro de Mormugão e dos portos artificiaes de Ponta Delgada, da Horta, do Funchal e de Leixões.

Para obter estes 1.171:000$000, e só estes, pensa o nobre ministro em recorrer ao emprestimo, e os 70:000$000 réis de encargos d'esta operação de creditor bem como o resto das despezas extraordinarias, na importancia de 1.029:000$000 réis serão pagos com o producto das. vacaturas, com o augmento natural das receitas publicas com o maior rendimento dá contribuição do registo, com a cobrança das dividas em atrazo, com os emolumentos, sellos e direitos de mercê dos logares de avaliadores judiciaes e com a receita provavel do caminho de ferro de Mormugão, sobrando ainda, segundo se calcula, a quantia de 193:000$000 réis para fazer face a qualquer despeza imprevista.

Em taes condições a amortisação da divida publica é opportuna, e, portanto, conveniente.

Mas, observou o digno par ò sr. Serpa, tanto vale fazer a amortisação de uma só vez, na conformidade deste projecto de lei, como effectual-a successivamente pelo systema da lei de 10 dó abril de 1876, devida á iniciativa de s. exa.

Ora isto não é assim, porque, como eu já disse, com o systema de amortisação, prescripto na lei de 1876, não se conseguiria immediatamente a reducção do nominal da nossa divida pela elevação do typo do juro.

Alem d'isso a somma amortisada, ao cabo dos setenta e cinco, annos considerados, seria por esse systema muito menor, como vou explicar.

Na hypothese mais desfavoravel de ter de fazer-se a conversão imaginada pelo sr. ministro da fazenda quando os bonds de 3 por cento tiverem cotação equivalente ao preço das obrigações amortisaveis, o mappa, publicado na segunda pagina do parecer da commissão de fazenda indica, logo por baixo dos traços grossos horisontaes, qual é e valor nominal dos bonds que podem ser convertidos, valor que como se vê pela inspecção do referido mappa decresce á medida que diminue o juro real commum dos bonds e das, obrigações. Convem, todavia, advertir que na organização desse mappa se admittiu, para maior facilidade do calculo; que o juro e amortisação das obrigações eram pagos annualmente, quando a verdade é que o são semestralmente:

A fim de poder dar á camara informações mais exactas, calculei, sómente para é caso da paridade entre os bonds e as obrigações, os valores nominaes dos bonds que podem ser convertidos, quando se suppõe, como é verdade, que o juro e amortisação das obrigações são semestraes. Esses valores são os que figuram na Segunda columna do mappa que aqui tenho presente e que, pôr conter essa e outras indicações que me parecem uteis, mandarei aos srs. tachygraphos para ser publicado com o meu discurso.

Página 518

518 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Juro real, referido ao anno, tanto dos bonda de 3 por cento como dag obrigaçôes amortisaveis em 75 annos Valor nominal dos bonds que, com 50:000$000 réis por semestre, se podem converter em obrigações, suppondo que o juro e amortisação d'estas são semestraes contos de réis Relação entre a quantia de 50:000$000 réis destinada á amortisação semestral e o valor nominal da bonds convertidos
Valor nominal das obrigações creadas por virtude da conversão dos bonda, suppondo que se gastam na amortisação das obrigações 50:000$000 réis por semestre Typo de 5 por cento Contos de réis Typo de 4 1/2 por cento Contos de réis Typo de 4 por cento Coutos de réis

[ver valores da tabela na imagem]

Posto isto, o calculo demonstra que se se empregassem semestralmente na compra de inscripções os 150:000$000 réis; de lucros da caixa geral de depositos, nos termos da lei de 1876, que organisou está caixa, o valor nominal dás inscripções resgatadas, por este systema, ao cabo de setenta e cinco annos, seria exactamente o mesmo que vem indicado na segunda columna d'este mappa, tendo em attenção o juro real dos bonds comprados successivamente.

Em que consiste, pois, a differença entre os dois systemas, na hypothese que estamos discutindo de haver paridade entre os bonds e as obrigações? A differença está em que pelo systema do sr. ministro da fazenda podem, dentro de alguns dias ou semanas, converter-se 144.976:000$000 réis de bonds em obrigações, supposto, por exemplo, de 5 1/8 o juro real de uns e outras, sendo, portanto, esse o valor da parte da nossa divida quer ha de ficar amortisada no fim dós setenta e cinco annos; entretanto que pelo systema do sr. Serpa, consignado na lei de 1876, e agora novamente preconisado por s. exa., a quantidade de bonds resgatada durante o mesmo periodo seria muito menor, visto que, baixando o juro dos nossos titulos successivamente, já pelo facto do proprio governo os comprar, pouco a pouco, o que os faria rarear no mercado, já pela tendencia geral, apontada por s. exa., que teem todos os titulos para subir, o nominal dos bonds comprados annualmente com os 100:000$000 réis disponiveis decresceria de anno para anno, não podendo, portanto, a somma das setenta cinco parcellas approximar-se sequer d'aquella cifra de 144.976:000$000 réis já citada.

N'uma palavra, dada a paridade entre os bonds e as obrigações, pelos dois systemas amortisar-se-ia, ao fim de setenta e cinco annos, a mesma somma das inscripções se estas, mantivessem constantemente durante esse periodo a cotação actual; como, porém, esta cotação deve augmentar progressivamente, o systema defendido pelo digno par o sr. Serpa conduziria a resultados muito desvantajosos, mesmo na hypothese, desfavoravel para a minha argumentação, em que estou discutindo.

Examinemos agora a hypothese, que se tem realisado durante mezes seguidos, de estarem as obrigações de 5 por cento a uma cotação muito mais elevada do que a que equivaleria á cotação do 3 por cento.

N'este caso, alem das vantagens já apontadas, o systema de conversão proposto pelo nobre ministro permittirá aproveitar em beneficio do estado a disparidade existente entre as duas especies de titulos, como se explica no relatorio da commissão de fazenda, entretanto que pelo systema do digno par o sr. Serpa nenhuma utilidade se tiraria d'essa circumstancia.

São, pois, incontestaveis, embora contestadas, as vantagens do projecto de lei agora em discussão, sobre as disposições da lei de 10 de abril de 1876 relativas á amortisação da divida publica.

Mas, sr. presidente, da conversão proposta, resultará ainda, para o futuro, um outro beneficio da mais alta importancia, a que por emquanto me não referi.

Supponhâmos por um momento toda a nossa divida representada em obrigações amortisaveis do typo de 5 por cento.

Subindo o nosso credito, como é de esperar, chegará uma epocha em que elle ha de ser cotado a 4 1/2 por cento. Nessa occasião far-se-ha um grande emprestimo, em titulos amortisaveis do typo de 4 1/2 por cento, para resgatar todas as obrigações existentes de 5 por cento, reduzindo-se por esta fórma de cerca de 1/10 os encargos dos juros pagos annualmente pelo estado.

Attingindo o nosso credito a cotação de 4 por cento, far-se-ha uma conversão analoga de 4 1/2 por cento em 4 por cento, e assim poderemos ir successivamente reduzindo os encargos da nossa divida, sem violencia para os credores do estado, e por um processo perfeitamente legitimo.

Foi d'este modo que os Estados Unidos, que depois da guerra da successao haviam contrahido os seus emprestimos a 6 por cento, conseguiram, mais tarde e successivamente, converter o 6 por cento em 5, o 5 em 4 l/2, o 4 1/2 em 4, o 4 em 3 1/2, e mesmo hoje em por cento, realisando uma economia de 38 por cento nos encargos da divida.

Em Inglaterra fizeram-se em 1717, 1729, 1750 e 1757 conversões analogas que permittiram reduzir de 5.580:000$000 réis os encargos da divida.

Em 1822 converteu-se o resto que havia de 5 por cento em 4 por cento; em 1826, 1830 e 1834 o 4 por cento, tanto antigo como moderno, em 3 1/2 por cento; em 1844, o 3 1/2 por cento em 3 1/4 por cento até 1854 e 3 por cento d'ahi por diante, realisando-se desde 1822 até 1854 uma diminuição de encargos de 16.740:000$000 réis, graças a estas conversões successivas.

Em França estas operações têem sido mais controvertidas, mas ainda assim fez-se em 1852 a conversão do 5 por cento em 4 1/2 por cento; em 1862 a conversão facultativa do 4 1/2 por cento e 4 por cento em 3 por cento com cedu-

Página 519

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 519

las; em 1875 a conversão do emprestimo Morgan com cedulas tambem; e finalmente em 1883 a conversão do 5 por cento em 4 1/2 por cento.

A Hungria, a Bélgica e diversos cantões suissos tambem converteram as suas dividas de 1878 a 1882.

Vê-se, por estes numerosos exemplos, que importancia teria para nós o ser toda a nossa divida constituida em titulos amortisaveis, proximos do par, e como a operação proposta tende a realisar esse desideratum, pelo menos em parte, ninguem póde legitimamente contestar as suas vantagens.

Tambem o digno par o sr. Serpa criticou o projecto agora em discussão, porque no entender de s. exa. elle confere ao governo uma auctorisação demasiado ampla. É verdade que pouco depois observava s. exa. que a projectada operação havia de ficar necessariamente limitada a uma pequena fracção da nossa divida, porque logo que as inscripções forem cotadas a mais de 60$000 réis, tornar-se-ha impossivel a sua conversão. De sorte que, tendo sido s. exa. quem se incumbiu de descobrir restricções invenciveis á auctorisação que tão ampla suppozera antes, poderia eu considerar-me dispensado de responder-lhe.

Mas o que é certo, sr. presidente, é que nem a conversão se torna impraticavel na hypothese figurada por s. exa., nem a auctorisação concedida ao governo é mais ampla do que póde e deve ser.

Effectivamente quando pela melhoria progressiva do nosso credito, as inscripções subirem a mais de 60$000 réis, é de suppor que a cotação de 5 por cento fique abaixo da paridade, pelo receio do reembolso a 90$000 réis; e em taes condições torna-se impossivel a conversão do 3 por cento em 5 por cento, nos termos prescriptos no projecto de lei. Mas póde então fazer-se a conversão em 4 1/2 por cento, ou, se necessario for, em 4 por cento, e assim se reconhece que a operação não é inexequivel na hypothese, que receia o sr. Serpa, dos bonds estarem acima de 5 por cento, comtanto que se deixe precisamente ao governo essa faculdade, criticada por s. exa., de converter em 5 por cento, ou 4 1/2 por cento, ou 4 por cento, conforme julgar mais conveniente, segundo as circumstancias do mercado.

Auctorisação ampla? Restricta a acho eu, em demasia, porque eu não teria duvida em votar e applaudir os sacrificios que fossem necessarios para realisar, em mais larga, escala, a transformação, que eu julgo vantajosissima, do nossa divida publica em titulos amortisaveis, proximos da par.

Basta, alem da restricção acrescentada pela camara dos senhores deputados, a condição imposta de fazer-se a conversão sem augmento do juro real, para que a acção do governo fique necessariamente muito limitada.

Assim, por exemplo, antes de hontem, 20 do corrente, a cotação dos bonds era de 58 5/8, ou, attendendo ao juro vencido, 57$207 réis, a que corresponde o preço de 86$173 réis para as obrigações de 90$000 réis, amortisaveis em setenta e cinco annos, com o juro de 5 por cento. Tal seria, portanto, o preço por que o banqueiro, com que o governo houvesse contratado a conversão, devia tomar n'esse dia os titulos de 5 por cento, em troca das inscripções que o governo lhe, compraria a 57$207 réis.

Ora a cotação do 5 por cento n'esse mesmo dia era de 489,75 francos, ou, attendendo ao juro vencido, 87$153 réis, e a margem para o banqueiro seria de 980 réis por cada titulo ou 1,1 por cento do valor de 86$173 réis por que o tomava ao governo.

Para se reconhecer quão insignificante é esta quantia de 980 réis, donde tem de sair o beneficio concedido ao publico na emissão dos novos titulos, a corretagem, os riscos, etc., basta lembrar que no emprestimo, contraindo em 20 de maio de 1884 pelo sr. Hintze Ribeiro, a margem deixada ao banqueiro foi de 3$113 réis por cada inscripção, tomada a 47$762 réis, o que equivale a 6,5 por cento a margem que podia haver no dia 20 do corrente era apenas a sexta parte da que o sr. Hintze Ribeiro concedeu em 1884.

Assim, pois, eu não receio que a auctorisação concedida peque por ser ampla de mais, mas temo, ao contrario, que as restricções de que é acompanhada difficultem a operação, impedindo o thesouro de auferir todos os beneficios que, sem ellas, poderia realisar.

Vou agora responder a outra observação do digno par o sr. Serpa.

S. exa., como que a medo, insinuou que a operação da conversão devia fazer-se por concurso.

Ora, sr. presidente, eu comprehendo o concurso para a construcção de uma obra, porque então o objecto sobre que versa a licitação é perfeitamente definido e inteiramente conhecido não só pelo governo, como pelo empreiteiro; e a differença de custo entre as obras feitas por administração ou por empreitada dá margem para que ganhe tanto o empreiteiro, como o estado.

Eu ainda admitto o concurso quando se trata de um emprestimo ordinario, posto que n'este caso, já appareça um elemento aleatorio. O banqueiro sabe bem qual é o encargo que toma sobre si, visto como se obriga a entregar uma determinada somma de dinheiro em praso fixo, mas até certo ponto desconhece o valor da compensação que recebe em troca, visto que este valor fica dependente do preço por que poder collocar os titulos cuja emissão lhe foi concedida. E para se segurar contra os riscos de uma baixa imprevista no mercado, reserva-se sempre uma margem maior ou menor, o que ainda assim não impede que muitas vezes tenha de guardar por bastante tempo os titulos em carteira, esperando occasião opportuna para a sua collocação.

Mas o que eu francamente não chego, a conceber é o concurso para uma conversão facultativa.

O digno par o sr. Serpa disse que o concurso era uma questão de necessidade, ou antes de moralidade constitucional. Mas s. exa. que, segundo a sua propria observação, contrahiu varios emprestimos, na importancia de nmitos milhares de contos, acaso recorreu ao concurso? Uma vez sómente.

É verdade que s. exa. ponderou que nem sempre a situação financeira do paiz foi tão desafogada como hoje, e que tempos houve em que se não podia tratar senão com; uma unica casa de Londres.

Oh, sr. presidente, pois em 1884, quando o sr. Hintze Ribeiro contrahiu o seu ultimo emprestimo tambem haveria uma só casa bancaria com a qual podesse contratar? Pois tendo s. exa. recebido propostas para o emprestimo, ainda antes de promulgada a lei que o auctorisou, não haveria então a certeza material de que o concurso não ficaria deserto?

E eu não censuro o sr. Hintze Ribeiro por ter tratado sem concurso, mas não posso deixar de notar a incoherencia, permitta-se-me a expressão, de quem, preconisando tanto esse systema, o poz constantemente de banda nas multiplas operações de credito que realisou.

Como disse, o concurso a que alguns estados recorrem para os emprestimos ordinarios é inadmissivel quando se trata de uma conversão.

Senão, vejamos.

Para haver concurso seria necessario um programma no qual o governo annunciasse que dentro de certo praso, dois mezes, por exemplo, receberia propostas em carta fechada de quem se offerecesse para converter uns 140.000:000$000 réis ou 150.000:000$000 réis da nossa divida externa de 3 por cento em obrigações de 5 por cento, e naturalmente acrescentar-se-ia que a preferencia seria dada ao concorrente que offerecesse maiores vantagens n'um determinado ponto, expressamente designado no mesmo programma.

O que faria um banqueiro qualquer que pretendesse tomar parte no concurso? Iria ao mercado comprar os réis 140.000:000$000 ou 150.000:000$000 réis da nossa divida para melhor conhecer o preço por que poderia offere-

Página 520

520 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cel-os ao governo? Quem haveria que praticasse a loucura de comprar os nossos bonds em tão larga escala para depois ter de os vender, por menor preço, se o governo não acceitasse a sua proposta?

Ou viria ao concurso, antes de adquirir os bonds, compromettendo-se, todavia, á apresental-os dentro de um certo praso por preço determinado? Mas como luctar n'este caso contra à especulação de qualquer outro banqueiro que determinasse, como é facil, uma alta transitoria nos nossos fundos?

O concurso em taes condições é para mim obvio que ficaria deserto, é por isso o temo, visto que em questões de credito os fiascos são prejudicialissimos.

E tanto este systema é perigoso, que o digno par o sr. Serpa, que, a começo o propoz no seio dá commissão, depois declarou que não quebrava lanças por elle, indicando para o substituir um formulario de regras praticas, segundo as quaes a adjudicação se faria por um processo analogo ao que foi adoptado pelo( sr. ministro da fazenda para a divida fluctuante.

Mas hoje s. exa. já não defende o seu primeiro formulario, apresentado, á commissão, e recommenda um outro, pelo qual o governo ficaria obrigado a acceitar toda e qualquer proposta para a conversão de uma parte, maior ou menor, da nossa divida externa, comtanto que essa proposta estivesse nos limites da auctorisação concedida é noa termos preceptivos da lei.

Esta nova indicação de s. exa. tambem hão me parece acceitavel, e, para explicar os inconvenientes que teria, vou figurar um exemplo.

Supponhamos que o governo acaba de acceitar a proposta de um banqueiro para a conversão de 50.000:000$000 réis, compromettendo-se, como é de justiça, a não emittir dentro de um certo praso, de seis mezes, por exemplo, novos titulos de 5 por cento, para dar tempo ao banqueiro de collocar os titulos deste typo que elle recebeu em troca dos bonds resgatados. Como ha de o governo no dia seguinte receber, segundo os desejos do sr. Serpa, a propôs-ta de um outro banqueiro para converter 1.000:000$000 réis ou 2.000:000$000 réis, embora esta proposta esteja nos limites da lei.

Tudo isto prova, sr. presidente, que hão é possivel estabelecer regras fixas e immutaveis para uma operação tão complexa como a da conversão que se discute. E se o proprio sr. Serpa, apesar do seu alto engenho, não conseguiu vencer ás difficuldades da questão é porque ellas são insuperaveis.

S. exa. parece que foi successivamente reconhecendo que, nem o concurso ordinario, que a principio propozera nem o systema seguido para a divida fluctuante, que depois defendêra, eram exequiveis; e hoje já se contentava com uma indicação muito mais modesta. Estamos por isso auctorisados a crer que; se este assumpto voltasse á discussão d'aqui a uns oito dias, talvez s. exa. já então houvesse abandonado o seu ultimo formulario e apresentasse um outro.

Eu quero, sr. presidente, ter o direito de, mais tarde, tomar contas ao sr. ministro da fazenda pelo bom ou mau exito da operação, e por isso entendo que se lhe deve deixar inteira liberdade para escolher os meios de a realisar em melhores condições. Não póde haver responsabilidade sem a auctoridade correlativa.

Se a conveniencia do concurso, lato ou restricto, definido ou indefinido, for indicada pelas circumstancias, tenho a certeza absoluta de que o nobre ministro ha de recorrer a esse systema, como já o applicou á divida fluctuante, por sua honrosa iniciativa, semi preceito legal ou imposição parlamentar que a tal o coagisse. (Muitos apoiados.)

Mas a commissão de fazenda d'esta camara é que não quiz tomar sobre si a responsabilidade de impor, como indeclinavel, é principio do concurso, porque sabe que poderia assim prejudicar o bom exito de uma operação, vantajosa para o paiz por qualquer lado que se encare.

Estabelecidas na lei as restricções sufficientes para impedir as conversões prejudiciaes, o meio; e a fórma de realisar a operação devem ficar ao são arbitrio ido governo.

Pena é até, sr. presidente, que ao sr. ministro da fazenda, dispondo para este caso do poder absoluto, não fosse licito fazer a conversão sem lei que a tal o auctorisasse (Apoiados.)

N'esse caso a operação teria sido muitissimo vantajosa. para o estado, entretanto que hoje, depois da discussão parlamentar, já ha de ser muito mais difficil realisal-a em boas condições. (Apoiados.)

E vem a proposito, sr. presidente, citar o exemplo, que entre nós se deu em 1834.

Segundo o artigo 3.° da lei de 19 de dezembro d'esse anno, ficou o governo especialmente auctorisado a tomar algumas medidas, que julgasse opportunas, para consolidar, o credito nacional, sem novo gravame da fazenda a respeito da sua quantidade annual a pagar, nem a respeito da duração e acção do fundo destinado á amortisação.

Fundado n'esta auctorisação, vaga e indefinida, o ministro da fazenda de então fez, sem concurso nem annuncios, uma conversão de parte da nossa divida em condições, muito favoraveis para o estado. Teria obtido o mesmo resultado se a operação fosse denunciada e annunciada com quatro ou seis mezes de antecedencia? De certo que não.

Mas, mais modernamente, a lei de 23 de junho de 1881. para a construcção da linha ferrea do Douro, do Pinhão á Barca de Alva, e do ramal da estação do Pinheiro á margem do Douro, diz no seu artigo 6.°:

"É o governo auctorisado a levantar, pelos meios que julgar mais convenientes, os fundos necessarios para a execução d'esta lei, sem prejuizo da situação do thesouro."

E tanto bastou para que o ministerio regenerador, que então occupava ás cadeiras do poder, entendesse que estava na sua alçada converter as obrigações de 6 por cento n'outras de 5 por cento.

Sr. presidente, eu não apreciarei neste momento as vantagens ou inconvenientes d'esta operação, que os regeneradores dizem ter sido muito util para o paiz; não discutirei se uma auctorisação para levantar novos fundos podia porventura comprehender a conversão ou resgate dos que já existiam; não verberarei tão pouco a incoherencia d'aquelles que então solicitaram essa auctorisação com a significação latissima que mais tarde lhe haviam de dar e agora acham amplas as disposições de um projecto onde tudo é definido é limitado; mas observarei que se a conversão de 1881 sé fez, bem ou mal, é precisamente porque não houve concurso, nem annuncios previos.

As conversões, sobretudo, aquellas em que, como na que o sr. ministro da fazenda projecta fazer, se procura tirar partido da differença de cotações entre os diversos titulos do mesmo paiz, são uma especie de arbitragem sobre titulos. Ha banqueiros que têem feito grandes fortunas n'estas operações.

Diz-se que Nathan-Meyer Rotschild, antecessor dos actuaes Rotschild, tinha tal perspicacia em questões de arbitragens, que, encostado a uma das columnas do Stock-exchange e conversando com os amigos que o rodeavam, ordenava as compras é vendas nas differentes praças sem tomar um só apontamento; mas recolhendo depois a sua casa reconhecia-se pela escripturação que havia realisado importantes lucros.

Fosse este negociante, de um espirito tão finamente dotado, fazer annuncios para as suas operações, em vez de aproveitar promptamente as circumstancias favoraveis dos mercados, que, se assim procedesse, não teria de certo accumulado a fortuna que legou aos seus herdeiros!

Analogamente, é mister, no meu entender que o governo qualquer que elle seja, esteja armado com a auctorisação necessaria para poder, sem perda de

Página 521

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 521

maximo partido das condições, de sua natureza variaveis que os mercados apresentem, num determinado momento a favor da conversão, tratando directamente com tres ou quatro banqueiros para escolher aquelle ou aquelles que offereçam mais vantagens e garantias.

Resta-me ainda responder ás ligeiras observações feita pelo digno par o sr. Serpa, ácerca do artigo 2.° do projecto de lei.

Suppõe s. exa. que poucos serão os credores do estado que usarão da faculdade de trocar os titulos da divida interna de 3 por cento por titulos de renda vitalicia, visto que ha muitas companhias de seguros que offerecem com binações analogas.

Sr. presidente, eu tambem prevejo que o artigo 2.° ai lei terá uma applicação muito limitada, mas não pela rasão apontada pelo sr. Serpa.

Não receio a concorrencia das companhias existentes visto que as francezas calculam as rendas vitalicias ao juro de 4 por cento ao anno, as inglezas a 3 l/2 por cento, entretanto que o governo offerece 5 1/2 por cento, e dá mais garantias de segurança do que essas companhias.

Sr. presidente, creio ter respondido a todas as observações do digno par, o sr. Serpa, e haver assim desempenhada tanto quanto podia, o meu papel de relator da commissão.

Mas, se a camara mo permitte, eu continuarei no uso da palavra, como par do reino, porque desejo levantar uma phrase que no outro dia aqui proferiu o digno par, o sr. Hintze Ribeiro.

S. exa., discutindo o orçamento rectificado, disse que o gabinete progressista em 1880 tinha sido incoherente porque no contrato provisorio do caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras, feito com a companhia de norte e leste, primeiro fixara a garantia de juro em 6 por cento do custo kilometrico de 30:000$000 réis, e depois a reduzira a 3 por cento.

Ora, sr. presidente, eu julgava que esse contrato era um illustre defunto, como defuntas suppunha tambem as propostas de fazenda apresentadas pelo sr. Hintze Ribeiro em 1886; mas s. exa. entendeu dever resuscitar umas e outro.

Permitta-me, porém, o digno par que lhe diga que foi duplamente injusto na sua observação, porque nem, houve incoherencia, como vou demonstrar em breves palavras, nem, quando mesmo ativesse havido, podia ella ser attribuida ao governo de então, mas sim ás commissões reunidas de fazenda e obras publicas, da camara dos senhores deputados, de que eu fui relator, visto que dessas commissões partiu a iniciativa da referida emenda.

Mas em que consistiu a pretendida incoherencia?

As commissões de 1880 sustentavam que a garantia de juro de 6 por cento sobre o custo kilometrico, era uma garantia moral, destinada apenas a facilitar a emissão das obrigações da companhia, porque a linha de Torres havia de render o sufficiente para não obrigar o estado a mais do que ao desembolso temporario de 2 ou 3 por cento quando muito; e os factos estão-se encarregando já de demonstrar se eram ou não exactos os calculos das commissões.

Mas, o sr. Hintze Ribeiro, que era deputado da nação, e todos os seus collegas da opposição, igualmente distinctos, diziam que aquella linha nada havia de render, e que os encargos annuaes para o estado seriam, portanto, consideraveis, attingindo, porventura, os 6 por cento da garantia de juro, ou 1:800$000 réis por kilometro.

Foi então que as commissões, desejosas ao mesmo tempo de demonstrar a boa fé com que tinham feito as suas apreciações e de desvanecer as duvidas da opposição, apresentaram á consideração da camara uma emenda pela qual, mantendo-se a garantia do rendimento liquido de 1:800$000 réis por kilometro, se declarava, porém, que os encargos para o estado não poderiam nunca exceder 900$000 réis. Pois tanto bastou para que a opposição regeneradora se levantasse, voz em grita, contra o procedimento das commissões, e s. exa. foi um dos que mais se distinguiu n'essa ingloria cruzada.

Caiu o governo progressista; succedeu-lhe um ministerio regenerador, e sobraçou a pasta das obras publicas o sr. Hintze Ribeiro, que, pondo de parte aquelle contrato, já approvado pela camara dos senhores deputados e pendente da camara dos dignos pares, deu a concessão da linha de Lisboa a Cintra e Torres Vedras a uma casa bancaria de Lisboa, e de Torres Vedras á Figueira da Foz e a Coimbra por Alfarellos á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste.

Quer dizer, scindiu a linha em duas partes, e ficou muito satisfeito por encontrar quem lhe tomasse gratuitamente a parte rendosa, de Lisboa a Torres, como se nisso houvesse sacrificio, mas garantiu 5 por cento de juro liquido na parte norte dá linha, cujo rendimento ha de sempre ser relativamente escasso, perdendo assim para o estado o excesso de receita do caminho de Lisboa a Torres.

Feita a concessão definitiva da linha de Lisboa a Cintra e Torres Vedras á casa bancaria a que alludi, foi o sr. Hintze Ribeiro interrogado na camara dos dignos pares, sobre se permittiria que o concessionario traspassasse essa linha á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, e s. exa. respondeu com uma negativa formal.

Pouco tempo depois, não obstante tal declaração, era essa transferencia auctorisada pelo governo de que s. exa. fazia parte, com manifesto beneficio do concessionario, e evidente prejuizo para o estado.

E somos nós os incoherentes!

Incoherencia é ter tomado perante o parlamento o compromisso formal de não consentir essa transferencia, em nome dos interesses do estado, e auctorisal-a mezes depois.

Incoherencia é ter atacado violentamente o imposto de rendimento na parte que se referia ás inscripções, porque era, segundo se dizia, attentatorio dos compromissos tomados para com os portadores dos titulos, e na parte que respeitava aos vencimentos dos funccionarios publicos, porque era iniquo reduzir a remuneração dos servidores do estado, e, chegado pouco depois ao poder, assumir a dictadura para suspender ou revogar toda a lei, menos precisamente no tocante ás inscripções e aos empregados publicos.

Incoherencia é ter apresentado ao parlamento uma lei para a construcção do caminho de ferro de Salamanca, e mais tarde fazer um contrato em completo desaccordo com essa lei, augmentando os encargos para o estado, em muitas centenas de contos de réis.

Incoherencia é ter escripto aquella carta infeliz ao sr. Tinseau, e julgar-se depois com auctoridade para perguntar ao sr. ministro da fazenda, se tinha conversado com o sr. conde de Reillac sobre o emprestimo de D. Miguel, ou se tinha encontrado este cavalheiro na sociedade, segundo a phrase do sr. Antonio de Serpa.

Sr. presidente, eu estive para tomar parte na discussão relativa ao orçamento rectificado e se ò não fiz foi para não demorar a approvação de uma lei, que era de sua natureza muitissimo urgente, visto estar proximo ò dia 30 de junho; mas hoje não deixarei de observar que o sr. Hintze Ribeiro se deu ao incommodo de amontoar cotações sobre cotações, para demonstrar que a baixa dos nossos fundos durante o seu consulado, como ministro da fazenda, foi devida a determinadas causas geraes e especiaes, e que a subsequente subida durante a gerencia do ar. Marianno e Carvalho se explica tambem por outra" causas, em sentido contrario, tanto geraes, como especiaes.

Entre as causas geraes, que, no entender de s. exa., determinaram o depreciamento dos nossos titulos, durante a sua administração, apontou o sr. Hintze Ribeiro a tensão e relações entre a Russia, esse colosso do norte, e a Inglaterra, o primeiro mercado monetario do mundo, a proposito da rectificação de fronteiras na Asia Central; e não

Página 522

DIARIO CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 522

sei se tambem citou a crise bancaria dos Estados Unidos que costuma ser igualmente invocada pelos defensores de s. exa.

Mas, sr. presidente, estas causas geraes tiveram o singular condão de não depreciarem sensivelmente os titulos das nações a que mais directamente diziam respeito, e de só influirem de modo desfavoravel no credito de um paiz que, como o nosso, se conserva estranho ás grandes questões internacionaes que na Europa se debatem.

As causas especiaes que depreciaram os nossos fundos nos annos de 1884 e 1885, foram, no dizer do sr. Hintze Ribeiro, a morte de Affonso XII de Hespanha, o apparecimento do cholera no occidente da Europa, a grande baixa no cambio do Brazil e até a questão entre os accionistas da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, embora esta questão só tivesse tido origem muito depois de haver começado o movimento da baixa dos nossos titulos.

Mas, sr. presidente porque será que s. exa., tão cuidadoso em procuraras causas desfavoraveis que se deram emquanto foi ministro da fazenda, porque será, digo, que não citou a apresentação do projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, por parte do seu ex-collega, ministro das obras publicas, e meu amigo Antonio Augusto de Aguiar? Pois não foi n'essa occasião violentamente agredido por toda a imprensa regeneradora este notavel estadista, a quem accusavam de promover, com os seus grandiosos projectos, a baixa dos nossos fundos?

É porque se não referiu tambem s. exa. á concessão do conde Oszka, tão asperamente atacada, não já por toda a imprensa regeneradora, mas por uma parte importante d'ella, como attentatoria do nosso credito?

Ha mais. Entre as causas especiaes que podiam, durante o anno de 1885, influir no valor dos nossos fundos esqueceu-se s. exa. de citar uma abundante colheita de cereaes, que nos permittiu importar menos 963 contos deste genero do que no anno anterior, e uma excepcional exportação de vinho de todas as qualidades, que só nos dez primeiros mezes do anno excedeu em 5.933.910 decalitros, ou 4.070
contos de réis, a exportação do anno anterior. Estas causas tambem abalaram o nosso credito?

Passemos agora á gerencia do sr. Marianno de Carvalho Agora já no entender do sr. Hintze Ribeiro, são muito amistosas as relações entre a Russia e a Inglaterra,. Agora já as ultimas eleições para o parlamento allemão não foram acompanhadas de circumstancia alguma que pozesse era sobresalto toda a Europa. Agora já o incidente de Pagny é absolutamente destituido de importancia. Agora corre tudo ás mil maravilhas e se os fundos portuguezes sobem é porque o mesmo acontece aos fundos de todos os paizes, devido a causas geraes eminentemente favoraveis.

Mas, sr. presidente nova singularidade se nos depara aqui. As taes causas geraes, descobertas pelo sr. Hintze Ribeiro, não conseguiram elevar o credito senão do nosso paiz bem como o da Hespanha e da Italia, onde a pasta da fazenda tem sido gerida n'estes ultimos annos por dois ministros de notavel saber e rasgada iniciativa, Camacho e Magliani.

O sr. Hintze Ribeiro teve o cuidado de rios dar as cotações comparadas dos diversos titulos nacionaes e estrangeiros em 18 de fevereiro de 1886, porque n'esse dia o gabinete, de que s. exa. fazia parte, resolvêra pedir a sua demissão; em 19 de fevereiro,, porque nesse dia a pedira de facto; em 20, porque n'esse dia a communicára ao parlamento, e assim por diante.

Eu, para apreciar a influencia das taes causas geraes, durante a gerencia do sr. Marianno de Carvalho, limitar-me-hei a comparar as cotações de 20 de fevereiro de 1886, dia em que o sr. Hintze Ribeiro largou o poder, com as 4e 18 do corrente, ultimas que pude obter.

Vou á praça de Paris e vejo que os titulos da divida publica franceza baixaram todos: o 3 por cento perpetuo, á vista, passou de 82,50 francos, em 20 *de fevereiro de 1886, a 81,30 francos, em 18 de junho de 1887, o 3 por cento amortisavel moderno, á vista, passou de 84,60 francos a 84,45 francos e o 4 1/2 por cento amortisavel de 1883, á vista, de 109,95 francos a 108,95 francos.

De Paris dirijo-me á praça de Londres e vejo ahi que a taxa de desconto no banco é em ambas as epochas de 2 por cento, que o consolidado inglez subiu apenas de 101,31 a 101,68, augmentando, portanto, de 0,36 por cento do valor primitivo, entretanto que o nosso 3 por cento passou de 45 7/16 a 58 5/8, augmentando de 29 por cento do valor primitivo.

Analogamente em Antuerpia o augmento do nosso 3 por cento foi de 26,68 por cento do valor primitivo de 44 1/1, visto que este se elevou a 56 3/8, e em Amsterdam de 25,82 por cento, visto que a cotação subiu ahi de 45 1/2 a 57 1/4.

Os fundos hespanhoes tambem melhoraram, como disse, mas muito menos do que os nossos. Assim o 4 por cento externo teve em Paris o augmento de 18,61 por cento sobre o valor de 20 de fevereiro de 1886, em Londres o de 18,30 por cento, em Antuerpia o de 18,06 por cento e em Amsterdam o de 17,48 por cento.

Depois d'esta comparação, v. exa., sr. presidente, e a camara me dirão em que ficam as taes causas, geraes, cujos effeitos só se sentem em dois ou tres paizes, que, pouco habituados a ter uma boa administração financeira, confiaram n'estes ultimos annos a pasta da fazenda a homens de incontestavel valor.

Quer a camara saber porque é que os nossos fundos desciam emquanto o sr. Hintze Ribeiro esteve no poder, e porque é que sobem durante a gerencia do sr. Marianno de Carvalho? Vou dizer-lh'o.

A contabilidade publica que se tem aperfeiçoado muito entre nós, graças ao regulamento geral de 31 de agosto de 1881, uma das medidas que mais illustrou a administração do sr. Barros Gomes, fornece-nos os elementos necessarios para julgarmos da gerencia financeira do estado, sobretudo nos annos já decerridos. Vê-se pelos documentos publicados que o deficit total desceu desde 1879-1880 até 1882-1883, anno em que foi de 2.496:357$694 réis, ou mais exactamente de 5.028:839$514 réis, porque deve attender-se á quantia de 2.532:481$S20 réis, proveniente da conversão, que outra cousa não foi senão um recurso ao credito. Durante este periodo subiram os nossos fundos.

Examinemos agora o que aconteceu a partir de 1882-1883. De 5.028:839$514 réis, valor relativo a este anno, elevou-se o déficit a 6.424:902$659 réis em 1883-1884, a 8.237:959$781 réis em 1884-1885 é a 9.736:890$705 em 1885-1886, subindo, portanto, em media de réis 1.569:000$000 por anno. Passemos, finalmente, á gerencia do sr. Marianno de Carvalho. Logo no primeiro anno de 1886-1887,; apesar de ter ainda de satisfazer os enormes encargos legados pelos seus antecessores, conseguiu o nobre ministro sustar o progressivo crescimento dó deficit, limitando-o a 9.566:000$000 réis. No futuro anno reduzir se ha: a uns 1:200:000$000 réis se forem convertidas em leis as propostas de fazenda apresentadas por s. exa.

Ora ahi está a rasão por que os fundos desceram durante a gerencia do sr. Hintze Ribeiro é sobem durante a dó sr. Marianno de Carvalho. E não sou eu só que o digo, dil-o tambem o sr. Antonio de Serpa, tão eloquentemente como s. exa. sabe fazel-o.

Em 12 de fevereiro de 1886, isto é, oito dias antes da queda do governo regenerador, este cavalheiro, proseguindo nas suas reiteradas observações e censuras acercado mau caminho por que iam as nossas finanças, escrevia:

"O credito de um estado, como a propria palavra o está indicando, significa á crença que se tem de que póde pagar o que deve. N'esta crença [...]

Página 523

SESSÃO DE 22 DE JUNHO DE 1887 523

por excepção, ou momentaneamente, haver engano e illusões, sem prejuizo da regra geral.

"Mas, em tempos normaes, a regra geral fica de pé, e o credito das nações, isto é, o preço dos seus fundos, é o thermometro da sua situação financeira.

"Por esta regra se explica perfeitamente a baixa que no ultimo anno teve o preço dos nossos titulos de divida publica. Os factos são evidentes e este preço é a sua traducção lógica. Em 1881 o governo trouxe ás camaras, uma serie de medidas importantes de fazenda, entre as quaes avultava o imposto addiciohal de 6 por cento, que se calculou, perfeitamente bem calculado, que renderia cerca de 1.000:000$000 réis. Este com os outros impostos e medidas financeiras, que obtiveram a approvação das côrtes, provou-se, perfeitamente bem provado, que eram bastantes para extinguir o deficit ordinario do thesouro, incluindo nelle até algumas despezas extraordinarias. Tinhamos, pois, obtido o equilibrio possivel, e das receitas é despezas ordinarias e normaes do estado. A situação era boa e traduzia-se no preço elevado dos nossos fundos.

"Depois d'aquella epocha ainda algumas outras leis foram votadas com o fim de augmentar a receita. No discurso da corôa, proferido ha pouco mais de um anno, ainda se dizia que o estado da fazenda publica tinha melhorado notavelmente e que poderiamos attingir com brevidade uma situação financeira bastante satisfactoria. Vae senão quando, um anno depois, julga o governo necessario, para estabelecer o equilibrio financeiro, que parecia estar estabelecido em 1882, e cujas condições depois tinham melhorado notavelmente, julga necessario, dizemos, crear impostos mais pesados e por uma somma mais avultada do que os votados em 1882. A situação que obrigou o governo a ter de empregar este remedio energico foi exactamente a que deu causa á baixa dos fundos. A regra geral manteve-se. Os fundos subiam, quando o governo dizia e provava que a situação era boa. O publico acreditava e devia acreditar que a situação era boa. D'ahi a elevação do credito.

"Agora que o governo julga necessario applicar remedios mais violentos do que os que ha quatro annos pareciam sufficientes para remediar de prompto o desequilibrio financeiro, é porque o estado financeiro peiorou. O preço baixo dos fundos não tem sido senão a traducção d'este estado, e não póde ser por consequencia attribuido, senão momentaneamente a quaesquer causas extraordinarias.

"Administre-se com alguma economia. E verá o governo como os fundos sobem, a despeito de qualquer conluio ou despeito de banqueiros, de companhias, ou de jornalistas."

Eis o que escrevia o sr. Serpa, pouco antes de cair a situação regeneradora, e nessas palavras auctorisadissimas encontra o sr. Hintze Ribeiro a mais completa refutação das suas theorias de causas geraes e especiaes.

Mas, logo depois, toma conta, do poder o partido progressista, é confiada a pasta da fazenda ao sr. Marianno de Carvalho, os fundos portuguezes, que até então haviam declinado, começam immediatamente a subir, e o sr. Serpa, chronista imparcial então dos acontecimentos, explica este melhoramento subito dos titulos da nossa divida na praça de Londres, pela esperança de melhores finanças, de economia nos grandes dispendios extraordinarios e da não creação de outros dispendios, conforme o novo ministerio declarara no programma que apresentou ás camaras.

Ora se no dizer do sr. Serpa, as promessas feitas pelo actual sr. ministro da fazenda, de administrar com economia e de realisar o equilibrio orçamental, bastaram para elevar a cotação dos nossos fundos, a boa logica pedia que, tendo a cotação continuado depois a elevar-se progressivamente, s. exa. concluisse d'ahi que as promessas do sr. Marianno de Carvalho haviam sido cumpridas, pelo menos no que era compativel com os compromissos legados pelos seus antecessores.

Mas, em vez d'isso, o sr. Serpa vê agora o nosso estado financeiro atravez de um prisma tenebroso e não considera o sr. Màrianno de Carvalho homem de pulso bastante vigoroso para nos conter diante do abysmo para onde caminhâmos a passos largos.

Sr. presidente, pela orientação dos meus estudos, eu sou um homem essencialmente positivo; habituado a procurar a causa tanto dos phenomenos da vida physica, como das manifestações da vida social, eu perguntei a mim mesmo qual teria sido o motivo que determinou esta profunda modificação no espirito subtilisimo do sr. Seroa; mas confesso que não logrei descobril-o.

Quando muito posso aventar uma hypothese.

O sr. Serpa, quando, no anno de 1880 e começos de 1886, verberava asperamente a gerencia financeira do sr. Hintze Ribeiro, estava quasi inteiramente despido de preoccupações partidarias, e, antepondo os altos interesses do paiz ás, mesquinhas conveniencias de qualquer grupo politico, dizia nobremente a verdade a amigos e adversarios.

Mas, depois falleceu o chorado chefe do partido regenerador, o homem eminente que por algum tempo se sentou na cadeira que v. exa. muito dignamente occupa, o notavel estadista a quem a nação deve relevantissimos serviços (Muitos apoiados.), e aquelles mesmos que, pouco antes, quando nós, feridos pela mesma desgraça, procuramos substituir o nosso honrado chefe Anselmo Braamcamp, nos diziam que os chefes dos partidos não se elegem por escrutinio, que se fazem a si e apparecem feitos, proclamados e reconhecidos por todos, amigos e adversarios, sem documento ou acta que authentique a sua nomeação; aquelles que nos perguntavam qual fôra o comicio partidario que elegera chefe de partido em França, Guizot, Thiers ou Gambetta, na Inglaterra, Palmerston, Disraeli ou Gladstone, e em Portugal, Passos Manuel, Costa Cabral, o duque de Loulé ou Fontes; aquelles que assim pretendiam amesquinhar o nosso novo chefe eleito, e enfraquecer nos perante a opinião publica, esses mesmos começaram, a reunir-se periodicamente para prepararem um conclave solemne e magestatico de onde devia sair eleito o novo papa da igreja regeneradora.

Ora, segundo os preceitos por que se regulam esses congressos, basta a falta de um cardeal sobretudo de um cardial-bispo, para tornar irritas e nullas todas as deliberações tomadas; e como o sr. Hintze Ribeiro, honra lhe seja, é, sem contestação, um cardeal bispo d'aquella igreja, póde licitamente perguntar-se se o sr. Serpa, tornando-se agora tão injustamente severo para com, o sr. Marianno de Carvalho, e tão extraordinariamente admirador dos dotes financeiros do sr. Hintze Ribeiro, a quem antes não poupava merecidas censuras, só o fez para assegurar a presença d'este ultimo no conclave. Como quer que seja, porém, pouco se adiantou com isso, porque segundo resam as gazetas mais auctorisadas, faltaram no congresso muitos outros cardeaes-bispos, embora fossem ouvidos alguns abbades mitrados, cujo conselho não póde supprir o voto d'aquelles, e até se levantou um hereje que, qual outro Phocio, excommungou o papa eleito e determinou um schisma na igreja regeneradora.

Sr. presidente, vou concluir, porque já tenho abusado muito da benevolencia da camara, mas antes de o fazer peço licença para apresentar ainda uma ultima observação.

O sr. ministro da fazenda ao assumir o logar que hoje dignamente occupa encontrou o paiz enfeudado a uma casa bancaria, aliás muito respeitavel, a qual, mercê da fraqueza dos nossos governos, conseguira dominar na nossa administração e pretendia ser o supremo arbitro dos nossos destinos.

S. exa. teve a coragem de arcar de frente com essa autocracia financeira, conseguiu, honra lhe seja, reduzil-a

Página 524

524 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ás suas justas e devidas proporções, em beneficio de nós todos, e em proveito do paiz.

Mas, sr. presidente, d'estas luctas onde se ferem interesses, e interesses valiosos, nunca se sáe impune, e o sr. ministro da fazenda, victima da obra patriotica que emprehendeu, tem sido alvo das calumnias e das perfidias de uma certa imprensa.

Sr. presidente, a imprensa, que podia ser uma nobre e levantada instituição se só defendesse os principios mais rectos, e evangelisasse as doutrinas mais sãs, tendo por norma a integridade e a justiçada imprensa, entre nós, tem-se desprestigiado em grande parte a si propria, porque ás doutrinas substituiu os interesses, aos principios os homens.

E se a imprensa se desacredita por si propria, perde ipso facto a responsabilidade, porque ninguem lhe toma contas do que diz.

Foi, por isso, que no outro dia estimei ouvir dizer ao sr. Marianno de Carvalho que, prompto sempre para responder a quaesquer accusações, claramente formuladas, nada se molestava com as calumnias e as insinuações, porque as desprezava.

O mesmo sentimento inspiram ellas aos seus amigos e partidarios, porque põem o seu nobre e levantado caracter muito acima do d'esses salteadores da honra alheia, (Apoiados.} que escondem o seu nome atraz da irresponsabilidade do anonymo.

Mas o que é necessario é não transplantar da imprensa para o parlamento as phrases que por lá têem feito o seu caminho e a que se tem ligado uma significação offensiva, porque, emquanto eu tiver voz aqui, não deixarei de protestar contra um procedimento tão irregular e incorrecto.

Mantenha-se, pois, o sr. Marianno de Carvalho serenamente no seu posto, continue a applicar o seu formosissimo espirito e o seu elevadissimo talento, ao estudo e resolução do problema financeiro, que emquanto assim proceder a sua permanencia no poder será uma garantia para todos os verdadeiros progressistas e para o paiz, de que na administração da fazenda ha zêlo e rectidão, intelligencia e saber.

Tenho dito.

(O orador foi muito comprimentado.}

O sr. Presidente: - A deputação que ha de levar á sancção regia os projectos que estão, approvados será composta, alem da mesa, dos dignos, pares:

Carlos Bento da Silva.
Antonio de Serpa Pimentel.
Augusto Cesar Barjona de Freitas.
Duque de Palmella.
Marquez de Rio Maior.
Conde do Restello.
Augusto José da Cunha.

O sr. Hintze ribeiro: - Repelle com violencia a parte do discurso antecedente que tão desfavoravelmente se referiu a diversos actos da situação regeneradora, e declara-se surprehendido pelo tom aggressivo do sr. Ressano Garcia, quando o orador, em tres dias consecutivos, nem uma unica palavra proferiu que podesse offender o melindre ou o caracter pessoal do sr. ministro da fazenda. Podia tambem perguntar a quem está enfeudada a situação actual, mas não quer seguir o exemplo das retaliações, e deseja apenas mostrar que nunca praticou um unico acto que possa valer-lhe a mais infima censura pessoal.

Nada tem com o que diz a imprensa, e pelo que respeita á eleição do chefe do partido regenerador diz que esse acto é por emquanto puramente particular, não sendo por isto obrigado a dar quaesquer explicações sobre elle. Permittam que o partido regenerador se organise, porque a rotação dos partidos é essencialmente indispensavel á manutenção do systema constitucional.

Tendo dado a nora, ficou com a palavra reservada para a seguinte sessão.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. o devolver?)

O sr. Franzini: - Sr. presidente mando para a mesa uns requerimentos de seis officiaes dá arma de engenheria contra as disposições do decreto de 1886 que organisou o serviço no ministerio das obras publicas.

Teve o destino conveniente.

O sr. Presidente: - A seguinte sessão será ámanhã; a ordem do dia a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 22 de junho de 1887

Exmos. srs.: João de Andrade Corvo; marquez de Rio Maior; condes, de Alte, de Campo Bello, de Castro, de Magalhães, de Paraty, do Restello, da Ribeira Grande, de Valenças, da Polgosa, de Gouveia; viscondes, de Arriaga, de Benalcanfor, de Bivar, de Carnide, de Moreira de Rey, de Porto Formoso, da Silva Carvalho; Agostinho Lourenço, Quaresma, Sousa Pinto, Silva e Cunha, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Augusto Cunha, Carlos Bento, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Francisco Cunha, Van Zeller, Ressano Garcia, Candido de Moraes, Holbeche, Valladas, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Gusmão, Braamcamp, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Costa Pedreira, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, Teixeira de Queiroz, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Luiz Eivar, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Miguel Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Cardoso de Albuquerque, Mendonça Cortez, Barjona de Freitas, Franzini, Henrique de Macedo, Braamcamp Freire, Serra e Moura.

Redactor = Carrilho Garcia.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×