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SESSÃO N.º 36 DE G DE MARCO DE 1907 353

no debate. Mas a importancia e indole do projecto não consentiam essa abstenção, e eu não desejava ser classificado de senator pedarius, designação dada no Senado romano aos membros da assembleia que não oravam, e manifestavam o seu voto, mudando de logar e acercando-se do orador com cujas ideias concordavam.

Antes de entrar propriamente nas considerações que tenho a fazer acêrca do projecto, quero alludir á parte final do discurso do Digno Par Sr. Julio de Vilhena, onde S. Exa. traçou com eloquente colorido o quadro dos effeitos physio-psychologicos que a calumnia produz nos homens de probidade e nos que o não são. Pareceu-me que o Digno Par entende que podia ser dispensada uma lei penal punitiva dos calumniadores, porque os homens justos e dignos teem na sua consciencia a força necessaria para rebater triumphantemente os golpes da calumnia.

Mas nem todos podem ter a impassibilidade, ou a coragem estoica do illustre orador, para com o seu desprezo e superioridade moral se mostrarem indifferentes ás injurias e diffamações, e portanto a sociedade, sendo obrigada a proteger os cidadãos que a compõem, não podia deixar de lhes facultar o meio de defenderem a sua honra, que é tambem um patrimonio, contra os ataques dos diffamadores. (Apoiados).

Aquelle grande capitão e estadista grego, Timoleon, depois de ter dado uma epoca de prosperidade e liberdade a Syracusa, sendo injuriado, malsinado e calumniado por alguns dos que o instigaram a vingar-se da affronta, respondeu:

"Dou graças aos Deuses, por se terem cumprido os meus votos, pois já os sjracusanos podem impunemente dizer o que lhes apraz".

Ora nem todos possuem a magnanimidade do Digno Par, nem a do grego citado.

Como a ultima parte do debate entre o mesmo Digno Par e o illustre relator do projecto versara sobre a disposição do artigo 37.°, que se refere á introducção e á circulação de impressos estrangeiros, cuja prohibição pode ser determinada pelo Governo, não vejo motivo para os inquietos receios do Digno Par Sr. Julio de Vilhena de que possam resuscitar-se as providencias ominosas que, na vigencia do antigo regimen, vedavam a- entrada no reino a livros de sciencia e de litteratura em que o fanatismo religioso e politico encontravam doutrinas que o feriam.

Parece-me, porem, que talvez conviesse especificar a qualidade das publicações a que o artigo allude, e a este proposito lembrarei as disposições da lei de imprensa de 1821 e de um projecto apresentado ás Côrtes em 1827.

Como um dos pontos mais controvertidos tem sido a intervenção do jury no julgamento dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, a este ponto me vou referir de preferencia, tratando do jury não só com respeito aos delictos de direito commum, como aos privativos da imprensa.

Declaro que não estou ao lado dos que pelo jury teem uma veneração supersticiosa, nem no grupo dos seus detractores.

Dizem uns que o jury, julgando de facto, representa a consciencia do paiz, que é a expressão da soberania .popular; outros, com uma concisa phrase synthetica, condemnam-o, dizendo que é a administração da justiça pela ignorancia.

O jury era uma instituição não desconhecida nas republicas da antiguidade; mas da Inglaterra foi, depois da revolução franceza, importado para o continente europeu, quando a soberania popular dispensou a Providencia da investidura dos réis no poder de regerem os destinos dos povos.

A luz da evolução por que, nos ultimos tempos, tem passado o direito criminal, o jury, tal como entre nós existe, não tem idoneidade para definir em muitos casos com o seu veridictum a responsabilidade dos delinquentes, e a sua missão é mais melindrosa e delicada que a do juiz, porque este se limita a applicar a lei, depois d'aquelle haver caracterizado o delicto, apreciado as suas circumstancias e portanto definido a responsabilidade de agente do crime.

Hoje o criterio da responsabilidade diverge fundamentalmente dos principios da escola tradicional do direito de punir, e demanda por isso no jury competencia que não se compadece com a forma por que esta instituição se organiza e funcciona.

Impõe-se a necessidade da sua reforma radical. (Apoiados).

Applaudo a disposição do projecto que admitte a prova dos factos diffamatorios imputados aos administradores e fiscaes de quaesquer sociedades e empresas civis. A sociedade precisa de uma lei que a defenda contra especulações financeiras, fraudulentas, que constituem o que já alguns publicistas denominam crimes financeiros, tão vulgares em diversos paizes, em que a avidez famélica da riqueza, a auri sacra fames, o epicurismo de uma sociedade sem ideal nem crenças teem um funesto predominio, como succedera na republica romana depois das conquistas asiáticas, ponto de partida da sua decadencia.

Nas republicas antigas de Athenas e Roma o povo intervinha tanto na formação das leis, como na sua applicação...

Não posso demorar-me a especializar as modalidades por que passou na republica romana a forma de julgar os crimes, consoante as eventualidades politicas, predominando na judicatura umas vezes o patriciado, n'outras a ordem equestre, factos estes muito accentuados principalmente no periodo decorrido desde a revolução dos Gracchos até Cesar.

Ha aspectos de semelhança entre a epoca actual e aquella republica, em que o mercantilismo e as especulações financeiras se desenvolveram extraordinariamente, sendo as antigas virtudes romanas substituidas pela usura desenfreada, pelo luxo desmedido, pela cubica famulenta, convertendo o povo rei, o povo conquistador da Grecia, da Asia e do Egypto, etc., n'um povo de salteadores heroicos.

Tendo muitas disposições do projecto sido analysadas e criticadas proficientemente pelos Dignos Pares que me precederam, entendo que será enfado para a Camara ouvir a repetição de argumentos que se teem produzido contra o projecto, a que o Sr. Ministro da Justiça respondeu com muita parcimonia, argumentos que o Sr. Ministro da Justiça pretendeu rebater e refutar com o poder da sua vigorosa argumentação e da sua tão espontanea quanto admiravel eloquencia. Todavia não devo deixar de me referir a que no § 1.° do artigo 5.° seria conveniente eliminar as expressões - falta de respeito ao Rei e aos membros da Familia Real - que podem porventura dar origem a incriminações exorbitantes das dos artigos 159.°,'l60.° e 169.° do Codigo Penal.

A este proposito citarei o que dizia Montesquieu a respeito dos crimes de lesa-majestade commettidos por palavras:

"Nada torna este crime mais arbitrario do que quando elle consiste em palavras Indiscretas. Os discursos são tão sujeitos á interpretação, ha tanta differença entre a indiscreção e a malicia, e ha tão pouca entre as expressões que ellas empregam, que a lei não pode submetter as palavras a uma pena capital, a não ser que precisamente declare aquellas que a tal punição submette. Frequentemente aos mesmos termos se attribue significado diverso".

Tambem citarei as palavras que o Imperador Theodosio dirigira a Rufino, prefeito do pretorio, aconselhando-o a que ponderasse bem o valor das palavras offensivas da sua personalidade ou do seu Governo, dizendo: - "não queremos que os faladores indiscretos sejam punidos; se forem levianos, devem desprezar-se, se são loucos merecem commiseração, se injuriam perdoe-se-lhes".