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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 36

EM 7 DE AGOSTO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Penafiel

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente. — Teve segunda leitura, foi admittida á discussão e enviada á commissão respectiva, um projecto apresentado na sessão anterior pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado. — O Digno Par Sr. Visconde de Monte-São refere-se a actos relativos á administração do Theatro de D. Maria II. — O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho pergunta se já chegaram uns documentos que ha tempo requisitou. O Sr. Presidente envia a S. Exa. esses documentos, ha pouco chegados. — O Sr. Ministro da Guerra envia para a mesa uma proposta que tende a permittir que o Sr. Francisco de Serpa Machado Pimentel accumule, querendo, as funcções legislativas com as que exerce no seu Ministerio. Approvada.

O dem do dia: Continuação da discussão do projecto relativo á fixação da lista civil. Usa da palavra o Digno Par Sr. João Arroyo e responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda. — O Digno Par Sr. Veiga Beirão chama a attenção do Governo para factos anormaes occorridos em Santo Thyrso, em razão da transferencia do delegado da mesma comarca. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho . — O Digno Par Sr. José de Alpoim refere-se igualmente ás occorrencias de Santo Thyrso e cita que o administrador de Rio Maior tem exercido pressões e violencias sobre alguns cidadãos. O Sr. Presidente promette informar-se acêrca do caso de Rio Maior e providenciar como for de justiça. — O Digno Par Sr. Sebastião Baracho allude igualmente á transferencia do delegado de Santo Thyrso, e ás reclamações que esse facto provocou. — O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho pede ao Sr. Ministro da Justiça que se digne comparecer na sessão immediata para conversar com S. Exa. acêrca da nomeação de juizes substitutos em Mirandella. —Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 25 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se a presença de 27 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, remettendo o projecto de lei que tem por fim autorizar o Governo a despender até a quantia de 20:000$000 réis para debellar a peste bubonica nos Açores.

Para a commissão de fazenda.

Officio do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça, sobre pedidos de documentos feitos pelo Digno Par Sr. Eduardo José Coelho.

Para a secretaria.

Um requerimento do Sr. Conde da Ribeira Grande, pedindo que lhe seja permittido tomar assento na Camara por direito hereditario.

Para a commissão de verificação de poderes.

Teve segunda leitura, foi admittido á discussão, e enviado ás commissões respectivas, o projecto apresentado na sessão anterior pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado.

O Sr. Visconde de Monte-São: — Agradeço ao Sr. Presidente o ter-me conservado na inscrição, a fim de que pudesse usar hoje da palavra.

No tempo do Governo transacto pedi nesta Camara documentos relativos á administração do Theatro D. Maria II, por parte de uma sociedade constituida por artistas d'aquelle theatro; e, ao pedir esses documentos, declarei que, se porventura o Sr. Ministro do Reino de então entendesse rescindir o contrato e abrir novo concurso, desistiria d'elles.

Na outra casa do Parlamento, o illustre Deputado Sr. Mello Barreto pediu documentos identicos. A coincidencia dos requerimentos nas duas casas do Parlamento, e, de certo informações seguras colhidas pelo Governo, levaram o Sr. Ministro do Reino, passados alguns dias, 'a rescindir, effectivamente, o contrato, e eu não pensei mais nisso; fui para a provincia tratar da minha saude.

Na volta encontrei uma nova empresa na posse do theatro, e soube que esta empresa lutava com difficuldades, que realmente não tinham explicação immediata. Mas chegou breve a explicação.

Um dia dirigiu-se-me um individuo dizendo ser o empresario, a quem não tinha o gosto de conhecer, queixando-se de differentes processos menos regulares tendentes a criar-lhe difficuldades, por parte dos antigos empresarios, que, esbulhados da posse do theatro, todos os meios empregavam para collocar a empresa em condições de não poder resistir, ou conjurar uma mina, que lhes desse a elles a segurança de novamente se apoderarem d'aquelle estabelecimento do Estado. Passados dias, e a seu pedido, apresentei o actual empresario ao Sr. Dr. José Cabral, director geral da instrucção publica, na ausencia do Sr. Agostinho de Campos.

Expondo o seu caso, pedia o empresario que se lhe concedesse o prazo de um mês para pagamento da prestação da renda do theatro; pagamento que estava garantido pelo deposito com que a empresa para esse effeito tinha entrado na Caixa Geral de Depositos,

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em harmonia com o programma do concurso de adjudicação.

O Sr. director geral da instrucção, comprehendeu a boa razão que assistia ao empresario; porem, o commissario regio informou o Governo de que não julgava aquella empresa com direito a qualquer favor, porque era incompetente, nas questões de administração technica, artistica, etc., o que se provava pelo estado de decadencia em que o theatro cada dia se mostrava, etc.

Em vista d'esta informação, o Sr. Ministro do Reino indeferiu o requerimento do empresario.

O Sr. Ministro do Reino despachou dentro da legalidade; o prazo estava fixado, e o empresario devia satisfazer o pagamento a que se obrigara; o commissario regio é que não tinha autoridade moral para proceder como procedeu, dando uma informação que desacreditava a empresa, por isso que nem sempre tem sido mantenedor e propugnador do progresso do theatro e da regularidade da sua administração, como lhe cumpre.

O commissario do Governo, ao escrever a sua informação acêrca do pedido da empresa, devia lembrar-se que faltara tambem aos seus deveres, não tendo dado posse do theatro á empresa no dia que lhe marcava o decreto de 14 de dezembro de 1906.

O theatro devia ser entregue á empresa no dia 1 de julho; pois o Sr. commissario só lhe deu posse do edificio em 21 de agosto! Quasi dois meses depois do dia que a lei lhe marcava, e muito bem.

Devendo o theatro ser aberto ao publico no 1.° de outubro, os tres meses concedidos a qualquer empresa para arranjar ornamentos do edificio e trabalhos previos de preparação scenica foram reduzidos a um pelo Sr. commissario, com grave damno para a regular administração d'aquelle estabelecimento do Estado. Pois o Sr. Dantas agradeceu o silencio resignado da empresa, que se podia queixar, com uma informação contraria a um pedido da mesma, aliás facil de satisfazer, visto que o pagamento da renda ficava sempre garantido pelo deposito inteiro e intacto na Caixa Geral.

Mas entrando no assunto:

Em 1905, ainda o Sr. Julio Dantas não era commissario regio do Theatro de D. Maria, quando fez representar ali uma peça de Camões, o Auto de El-Rei Seleuco.

Ora, ou por conselho de quem podia aconselhar, ou por imposição de quem podia impor, o Sr. Julio Dantas cedeu para o cofre de soccorros aos artistas tres setimas partes dos direitos de autor, guardando para si ás quatro decimas partes restantes.

Estas duas quantias, separadas para destinos differentes, pareceram logo indicar que os direitos de autor recebidos pelo Sr. Julio Dantas não eram os que competiam a uma adaptação, os quaes eram de 4 por cento da receita bruta da casa, mas sim de 7 por cento, que eram os que competiam a uma peça original no tempo da representação do Auto de El-Rei Seleuco.

Para me certificar, mande:; para a mesa da Camara o requerimento seguinte :

Requeiro que, pela Direcção Geral de Instrucção Publica Superior, do Ministerio do Reino, sejam enviadas a esta Camara copias dos recibos de direitos de autor exigidos e pagos pela Empresa do Theatro de D. Maria II ao Sr. Julio Dantas, commissario regio do referido theatro, como autor da peca dramatica o Auto de El-Rei Seleuco — até hoje parece que erradamente attribuida ao nosso grande épico Luis de Camões.

As ultimas frases d'este requerimento eram uma graça em que eu não tinha tenção de proseguir; a posse dos recibos tinha um fim differente,, porque a leitura d'elles servia a provar que tendo o Sr. Julio Dantas cedido para o cofre dos artistas, quando era simples escritor, uma parte dos seus direitos de autor, agora, que era commissario do Governo, o não fazia, arrecadando toda a quantia, e perdendo por isso a autoridade do exemplo para qualquer escritor que o mesmo que elle fez em 1905 quisesse ou devesse fazer em 1908.

Era pois a ultima parte do requerimento uma graça que não teria seguimento, se no dia seguinte o jornal O Seculo não publicasse a seguinte noticia:

Acêrca da noticia hontem publicada, refe-ferente a um requerimento do Sr. Visconde de Monte-São, na Camara aos Pares, informam-nos de que a peça de Camões, Auto de El-Rei Seleuco, foi adaptada á scena moderna em 1905, pelo Sr. Julio Danras, a oedido do gerente do Theatro de D. Maria II e desde então faz parte do repertorio do mesmo theatro, tendo o adaptador recebido sempre os direitos que legitimamente lhe competem, segundo o disposto no n.° õ.° cio artigo 40° do programma do concurso. O Sr. Julio Dantas ainda não era commissario do Governo quando a peça subiu á scena pela primeira vez, em 24 de março de 1905.

Esta noticia, apparecendo logo no dia seguinte áquelle em que foi publicado o requerimento, e feita, sem duvida, para rectificar a insinuação nelle contida, não podia ser da redacção do importante jornal, mormente na occasião em que O Seculo anda empenhado na propaganda altruista da protecção ás crianças eivadas de doenças produzidas pelas más condições de vida das classes laboriosas e desprotegidas.

Portanto, esta noticia só podia ser mandada para aquelle jornal pelo proprio Sr. Julio Dantas ou enviado seu, porque só a elle interessava o desmentido que nella se dá ao requerimento já publicado.

Mudei pois, em vista da segurança da affirmacão nella feita, a intenção de guardar silencio, em que até então me havia conservado.

O Sr. Dantas desmente a minha affirmacão de se ter pago direitos de original pela representação da peça de Camões; e eu vou provar que ao Sr. Dantas foram pagos direitos de original pela representação da peça de Camões.

E vou fazê-lo com a maior facilidade e precisão.

Encontram-se na posse da actual empresa, e prontos a serem entregues, logo que pedidos sejam, varios mappas ou folhas de receita e despesas mensaes e diarias, abandonados pela anterior empresa societaria de artistas, ao deixar o Theatro de D. Maria, pela rescisão do seu contrato com o Governo.

Ora num d’esses mappas vê-se o seguinte:

Peças representadas no dia 9 de dezembro de 1906:

Rei Seleuco Mantilha de Renda, Ceia dos Cardeaes: Quatro actos. Receita, 508$700 réis. Rei Seleuco: duas verbas sobrepostas, na casa de direitos de autor: verba superior, 3$815 réis; verba inferior, 5;5080 réis. A superior é a que é cedida ao cofre; a inferior a arrecadada pelo autor. Somma das duas verbas, 8:5890 réis.

Ora multiplicando por 7 a receita da casa, de 508$700 réis, dividindo por 100 o producto, e dividindo depois por 4 o quociente achado, teremos a porcentagem de direitos das quatro peças representadas.

E como eram quatro os actos que faziam o espectaculo da noite, o quociente da percentagem geral, dividida por 4, dará a percentagem respectiva a cada um dos actos representados.

Feito, pois, o calculo, competia ao Rei Seleuco a quantia de 8$895 réis, que já vimos ser a somma das verbas do cofre e do autor. E como o calculo foi feito sobre a percentagem de 7 por cento e como 7 por cento era em 1906 a percentagem dos direitos de peça original, conclue-se fatalmente dos algarismos que o Sr. Dantas recebia direitos de peça original, pelas representações da peça de Camões intitulada o Auto de El-Rei Seleuco. Isto se prova ainda vendo no mappa, na casa de direitos de autor, a quantia de 8$5895 réis paga á peça Ceia dos Cnrdeaes, original tambem do Sr. Julio Dantas, hoje commissario do Theatro de D. Maria.

Quantias iguaes pagas ás duas pe-

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cãs: as duas peças, portanto, ambas originaes.

Vem a proposito, neste ponto, fazer notar á camara um processo de argumentação, perfeitamente desconhecido pelos nossos homens de direito. Na segunda noticia do Seculo declara o autor d'ella, quem quer que elle seja, que o Sr. Julio Dantas recebeu sempre os direitos de autor de adaptação, conforme o disposto no n.° 2.° do artigo 40.° do programma do concurso de adjudicação do theatro.

Ora a primeira representação do Auto de El-Rei Seleuco realizou-se em 24 de março de 1905, como a mesma noticia diz; e o programma do concurso foi publicado em 3 de abril de 1907!

E assim se prova que os direitos de adaptação da peca Rei Seleuco foram sempre recebidos em conformidade do disposto num programma que só foi publicado dois annos depois da representação da peça!

Isto é que os franceses chamam de aplomb!

Sr. Presidente: o Governo tenciona, sobre questões do Theatro D. Maria, ouvir a Procuradoria Geral da Coroa; todavia, parece-me que a Procuradoria Geral da Coroa não terá elementos bastantes para dar um seguro parecer sobre o assunto.

Deveria o Sr. Ministro do Reino, antes d'isso, mandar fazer uma syndicancia á empresa e a todos — é até a propria empresa que a deseja — e enviar depois o resultado d'ella á Procuradoria Geral da Coroa.

Assim ficará a Procuradoria melhor habilitada a dar um seguro parecer, e o nobre Ministro mais seguro tambem para decidir e resolver uma questão que se vae tornando deprimente para um estabelecimento de ensino que não deve perder, para honra de todos nós o nome de Theatro Nacional Português.

O Sr. Eduardo José Coelho: — V. Exa. tem a bondade de dizer-me se uns esclarecimentos que eu pedi pelo Ministerio da Fazenda já vieram?

O Sr. Presidente: — Estão aqui, e vão ser enviados a V. Exa.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): — Mando para a mesa uma proposta de accumulação.

Foi approvada e é do teor seguinte:

Senhores.— Na conformidade do disposto no artigo 3.° do 1.° Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que accumule, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com o das suas commissões de serviço o Digno Par Sr. Francisco de Serpa Machado Pimentel, capitão de artilharia, ajudante de campo de Sua Alteza o Senhor Infante D. Affonso, e adjunto na fundição de canhões.

Em 7 de agosto de 1908. = Sebastião Custodio de Sousa Telles.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil

O Sr. João Arroyo: — Sr. Presidente: ao tomar a palavra no assunto que neste momento prende a attenção da Camara, qual é o projecto de lei referente á fixação da lista civil, eu não posso deixar de registar, com verdadeiro prazer, que a discussão foi brilhantemente iniciada pelo Digno Par Sr. Ressano Garcia.

Foi evidentemente enorme a satisfação que todos nós experimentámos, pelo regresso de S. Exa. ás lutas da tribuna (Apoiados), onde a sua intelligencia e os seus preclaros dotes parlamentares por certo continuarão a affirmar-se.

Ao Sr. Ressano Garcia seguiu-se o Sr. Presidente do Conselho, e a S. Exa., pela ordem da inscrição, coube a palavra ao Digno Par Sr. Augusto José da Cunha.

Como o discurso d'este Digno Par se compôs em grande parte de declarações de caracter pessoal, nada me compete objectar ao que S. Exa. disse.

A ausencia de referencias ao discurso do Digno Par não importa ou significa menos consideração para com S. Exa., mas eu tenho necessidade de voltar á discussão, nos termos em que a collocou o nobre Presidente do Conselho.

(Vendo entrar na sala o Digno Par o Sr. Augusto José da Cunha).

Acabava eu de dizer que o facto de não fazer referencias ao discurso de V. Exa. não significava por forma, alguma menos consideração para com o Digno Par, e antes demonstrava o respeito que me merecem as declarações por S. Exa. feitas.

Prestada assim a minha homenagem a estes dois illustres oradores, consinta-me a Camara que eu faça algumas referencias ao discurso proferido pelo Sr. Presidente do Conselho, discurso que acompanhou aquelle que havia sido proferido pelo Digno Par o Sr. Ressano Garcia.

O discurso do Sr. Presidente do Conselho teve duas partes.

Na primeira, pronunciada no final de uma sessão, continuou S. Exa. a defender-se de accusações relativas á marcha' politica do Gabinete, ou ao procedimsnto do Ministerio, desde que subiu aos conselhos da Coroa até hoje; na segunda é que S. Exa. se occupou mais particularmente da defesa do projecto.

Devo confessar a V. Exa. que a primeira parte da resposta do Sr. Presidente do Conselho, comquanto não a julgue completamente feliz, não teve em todo o caso o aspecto de desastre que, na minha opinião, revestiu a segunda parte d'esse discurso.

Vou dizer a razão por que assim me parece.

Na primeira d'essas respostas, quem falava era S. Exa.: tratava de cumprir o seu dever justificando, como podia e sabia, a marcha do Gabinete.

S. Exa. referiu-se á dissolução da Camara dos Senhores Deputados, e passou como gato sobre brasas sobre os acontecimentos de 5 de abril; emfim, S. Exa. exhibiu uma attitude perfeitamente consentanea com a alta magistratura que exerce, e com aquelle feitio de chanternidade que lhe é tão peculiar.

Entre a primeira e a segunda parte do discurso do Sr. Presidente do Conselho a differença é enorme, profundissima.

Finda ã sessão em que o Sr. ferreira do Amaral pronunciou a primeira parte do seu discurso, foi S. Exa. cercado de assessores, de conselheiros, de esgaravatadores de argumentos, que, individualmente, não podem deixar de merecer-me toda a consideração, mas que impiedosamente, desastradamente, lhe injectaram no cerebro uma força tal de razões que o levaram a dar á segunda parte da sua oração um feitio absolutamente dissemelhante da sua primeira maneira de falar.

Eu, que nos corredores que circundam esta sala presenciei essas investidas, dominado por um sentimento verdadeiramente altruista, disse logo para commigo: o homem está perdido. (Risos).

Cheio de imparcialidade, tive desejo de subtrahi-lo a essas influencias morbidas; mas a verdade é que não logrei o meu intento, e d'ahi resultou ter S. Exa. apresentado no seu ultimo discurso uma serie de argumentos, a que não posso deixar de fazer referencia.

É natural que no decorrer das minhas considerações em relação ao projecto se me depare ensejo de responder ao Sr. Presidente do Conselho; mas não posso deixar desde já de protestar contra as razões expendidas por S. Exa., quando arguiu de contraditorio o Digno Par Sr. Ressano Garcia, na parte do discurso em que aquelle Digno Par, reconhecendo a absoluta falta de elucidação relativamente á fixação da lista civil, tratou, por meio de estatisticas, de confrontar o que se passa em Portugal a tal respeito, com o que succede nos países estrangeiros.

Não sei onde possa estar a contradição que o Sr. Presidente do Conselho

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attribuiu a esta parte do discurso do Digno Par Sr. Ressano Garcia.

Este Digno Par, espirito sensato, procurou esclarecer-se e esclarecer os que o ouviam.

O Sr. Ferreira do Amaral, respondendo ao Digno Par Sr. Ressano Garcia, disse que, em materia de lista civil, se estabeleciam dois regimes: um, até a liquidação dos adeantamentos feitos no ultimo reinado, e outro, a partir da data em que a liquidação terminasse, e exhibiu o curioso argumento de que, até ao apparecimento de um successor de El-Rei, Sua Majestade gozava do usufruto da Casa de Bragança.

A este respeito, tenho de recambiar o Sr. Presidente do Conselho para o relatorio do decreto ,de 30 de agosto do anno passado, documento que representa a opiaião do Governo d'aquelle tempo. Veja S. Exa. esse relatorio, e diga-me se do conteudo d'esse documento se não infere que é de absoluto desastre o estado financeiro da Casa de Bragança.

O Sr. Presidente do Conselho invocou o desejo pessoal de El-Rei, DO que respeita a pagamento das dividas do fallecido Rei D. Carlos:; mas convem ponderar que a Fazenda da Casa Real, como a da Casa de Bragança se encontram em circunstancias precarias.

Como é que se pode admittir que esteja nas mãos do Chefe de Estado o poder pagar as dividas de seu pae, se as receitas que lhe facultam não chegarem para fazer face a todas essas despesas?

Vou entrar no assunto em discussão.

A despeito das instancias, e quasi supplicas, que ao Governo eram dirigidas por varios membros do Parlamento, o projecto acha-se desacompanhado de esclarecimentos que nos habilitem a discuti-lo com conhecimento de causa.

Trata se de um assunto que tem alarmado a opinião publica, e relativamente ao qual, não só os partidos, mas os homens publicos, individualmente, sentem a necessidade de definir a sua situação politica.

Trata-se do inicio de um reinado, que occorreu após a tragedia de 1 de fevereiro, e quando as mais tremendas responsabilidades recaem sobre os homens publicos, o Governo deixa os membros do Parlamento, absolutamente sem documentos, sem esclarecimentos de especie alguma.

Desejo manter-me na mais absoluta serenidade, mas peço desde já aos meus collegas, que se dignem relevar-me se o meu temperamento, me afastar do meu proposito.

A apresentação de um projecto d'esta natureza, ermo de informações que o elucidem, indica da parte do Governo uma grande falta de tino.

No momento em que começa um novo reinado, sobretudo para os monarchicos, que teem o dever de defender o Rei, será admissivel que se deixe permanecer um systema de suspeição que ataca a honra politica e, porventura, a honra pessoal dos partidos e dos homens publicos?

Fazer que o projecto se discuta, sem as indispensaveis elucidações, é proporcionar a continuação de antigos costumes aliás condemnados.

Ao invés da maneira porque se procede, seria melhor que se patenteasse ao Parlamento aquillo que é absolutamente necessario para que a verdade se apure.

Quem é que prejudica as instituições monarchicas? É quem pede luz sobre as responsabilidades dos homens publicos e dos partidos ou quem consente que as trevas se mantenham, que a escuridão se conserve?

Sr. Presidente: ha factos na vida dos povos, ha acontecimentos politicos, que revestem o aspecto de crimes.

Ha procedimentos politicos e parlamentares que revestem o aspecto de verdadeiros delictos e, ás vezes até, de crimes, mas a attitude dos grandes partidos, e juntamente a attitude do Governo 'na questão dos adeantamentos á Casa Real, revestem, não o aspecto de crimes, mas a caracteristica da insania e da loucura.

Se eu não acreditasse, come acredito, na boa fé dos homens que se sentam nas cadeiras do poder, e na dos illustres parlamentares que dirigem os partidos politicos portugueses, se eu não conhecesse a limpidez do seu caracter e a seriedade das suas declarações quando se collocam ao lado do Throno poderia dizer que, no sentido de o perder, não havia maneira mais completa de attingirem esse fim.

Se eu não acreditasse na honra politica e pessoal d'esses illustres parlamentares e politicos, se não soubesse que são homens de bem, poderia vir-me a ideia que o seu proposito tende a afogar o Throno numa onda de desrespeito e de anarchia.

Este projecto reune os dois factos — a liquidação dos adeantamentos á Casa Real e a fixação de uma lista civil.

Porque?

Porque é que os partidos que dispõem das maiorias parlamentares, porque é que o Governo que preside aos destinos da nação não consentem na separação dos dois pontos?

Porque é que os jungiram e os ligaram?

Porque é que inserem, no mesmo papel em que se fixa a lista civil do novo monarcha, uma disposição que se refere aos adeantamentos feitos á fazenda da Casa Real?

Para quê?

Para poder conseguir uma discussão mais facil e rapida, visto que os dois pontos se conglobam?

Pois a junção dos dois pontos, longe de facilitar a discussão, complica-a demasiadamente.

Para ligar de alguma forma a monarchia actual á monarchia que foi, ou para encobrir de qualquer maneira, debaixo de uma unica votação, a fixação da lista civil, a liquidação dos adeantamentos?

Não é isto uma loucura?

Não é isto uma insania?

Ha, porventura, alguem que, raciocinando ligeiramente, possa duvidar de que a juncção d'estes dois elementos foi absolutamente prejudicial á monarchia portuguesa ?

Mas ha mais. Trata se de liquidar os adeantamentos: como?

Recorre-se ao mais estravagante apparelho de investigação que uma imaginação podia descobrir.

Constituem-se duas commissões: uma que faz o inquerito parlamentar na Camara dos Senhores Deputados, outra burocratica que ha de se nomeada nos termos do artigo 5.° do projecto em discussão.

Duas commissões: á primeira entrega-se o inquerito parlamentar, quer dizer, entrega-se a inquirição sobre os factos politicos mais importantes do ultimo reinado, e, portanto, a inquirição sobre os adeantamentos á Casa Real; á segunda entrega-se a liquidação d'essa operação.

Como é que o nobre Presidente do Conselho suppõe possivel a simultaneidade d'estes dois corpos inquiridores? Ao primeiro pertence inquirir das responsabilidades politicas do assunto; ao segundo fazer as contas e liquidar o negocio.

Sr. Presidente: quero suppor que o Sr. Ferreira do Amaral, com o fino senso e o fino espirito de que é dotado, não pode deixar de se ter sorrido ao apresentar ao Parlamento tão estranhas doutrinas..

Sr. Presidente: uma commissão nestas condições quando liquida adeantamentos tem. de saber a razão por que foram feitos.

E impossivel que uma commissão burocratica liquide, sem distinguir para um lado o que é adeantamento, e para outro o que o não é.

E, desde que selecciona, caracteriza a importancia politica de cada facto, e determina a responsabilidade do Ministro que o produziu.

Uma de duas: ou os pareceres das duas commissões são identicos ou são differentes.

Suppor que uma commissão burocratica foi apenas nomeada para fazer sommas ou divisões é levar o assunto até ao extremo do ridiculo, quando elle

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tem de ser tratado a toda a altura ás seriedade politica e parlamentar.

Por outro lado, que estranho espectaculo offerecem os dois partidos monarchicos!

V. Exa. lembra-se decerto de qual era a atmosphera politica em 1906, quando eu, aqui nesta Camara, pedi aos chefes dos dois grandes partidos que se explicassem sobre o assunto dos adeantamentos. S. Exas. tiveram 48 horas para responder sem duvidas nem hesitações, sem as mais pequenas ambages, quaes eram as suas responsabilidades e as dos seus partidos, justificando-se, como lhes parecesse mais conveniente.

S. Exas. não se explicaram.

Passaram-se meses sem que uma unica palavra de explicação ou de exposição saisse d'aquelles nobres peitos.

Encerraram o Parlamento e, quando a ditadura regeneradora-liberal levava deante de si, aos golpes e ás coronhadas, as liberdades patrias e os patriotas portugueses, quando ao mesmo tempo os homens de Estado portugueses se sentiam insultados e feridos na sua honra de homens e de estadistas, nem uma unica palavra lhes saiu dos labios.

Reunem-se no mesmo projecto dois assuntos diversos para facultar o debate, para o restringir, para o reduzir a proporções exiguas?

Pois enganam-se, porque lhe não está reservada uma só discussão, mas duas: uma é esta que estamos a fazer neste momento, e outra a que incidirá no resultado a que chegue a commissão de inquerito, nomeada nos termos do projecto.

Assim teremos uma discussão agora, e outra depois, e o periodo da agonia subsistirá, as suspeitas permanecerão, os homens publicos portugueses, a quem se devia attribuir aquella sisudez indispensavel a quem se propõe resolver problemas difficeis e intricados, parece que quasi attingiram o extremo da loucura.

O Augusto Chefe do Estado faz publicar em fevereiro uma carta que o levanta e ennobrece.

Nessa carta, o Rei, um homem novo, um rapaz, quasi uma criança, declara que nada mais queria receber do Estado sem a sancção das Côrtes.

Muito bem.

O Sr. Presidente do Conselho, interprete das intenções do Augusto Chefe do Estado, mostrou que Sua Majestade desejava liquidar as dividas de seu pae.

Mas como?

O decreto de 30 de agosto, ao menos, tinha o merecimento de ser simples e claro.

Agora pretende apurar-se um debito qualquer da Casa Real ao Thesouro, e diz-se que ella se obriga a pagar essa divida em prestações de 5 por cento. Pois eu creio que 5 por cento é a mais baixa taxa de desconto a que se pode descer em Portugal.

Como é que 5 por cento possa ser tomado como base de amortização?

Sr. Presidente: attingem-se assim os extremos limites da loucura, e os par tidos politicos desconceituam-se.

Sr. Presidente: relativamente aos regeneradores, cuja doutrina politica foi fixada pelo seu nobre e illustre chefe, Sr. Conselheiro Julio de Vilhena, quando eu os vejo, a elles, com excepção do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, que a esse respeito forneceu explicações á Camara, quando eu os vejo a elles, parlamentares dos mais notaveis, homens de Estado de saber innegavel, andarem por ahi accusados pelo espirito publico de se não defenderem immediatamente, quando tão bem o ; podiam fazer, quando eu os vejo, sujeitos a uma especie de condemnação nacional, pela sua, propria attitude, pela sua propria mudez e pelo seu silencio, lembro-me d'essas celebres publicações em que se descrevem individuos que são condemnados a andar de noite, por montes e valles, a penar, com o nome de lobishomens, e á espera de que uma alma providencial lhes redima as culpas.

Eu, Sr. Presidente, o que desejo é que, quer progressistas, quer regeneradores, terminem por uma vez o seu tormento, que terminem o seu fado e que Deus lhes conceda uma morte breve, morte politica, é claro.

A verdade é que, no momento politico presente, nós nos encontramos com graves responsabilidades por liquidar. Ha aqui homens de verdadeiro merecimento, mas a influencia deleteria do meio em que vivem prende-lhes os braços.

Não seria melhor que viessem a esta tribuna, e, singelamente, no cumprimento de um dever, e sob a invocação de um direito, dizerem claramente o que succedeu e as razões por quê? Mas não, esses homens estão verdadeiramente manietados ás ordens dos granvizires.

Era aqui, exhibindo a explicação completa dos factos, que a atmosphera se modificaria, e que a confiança publica voltaria. Mas S. Exas. não entendem assim.

Continua o mesmo silencio, a mesma submissão a vontades alheias, e a mesma falta de esclarecimentos sobre o assunto.

Não será isto uma obra de loucura? Não sente uma pessoa a impressão de que num manicomio politico não seria possivel proceder com maior ausencia de razão e de bom senso?

De uma das vezes em que eu usei da palavra para me referir a esta questão dos adeantamentos, o Digno Par do Reino Sr. Veiga Beirão dignou-se, dizer-me, que o partido progressista, reconhecendo a necessidade de liquidar o assunto, entendia comtudo que só o devia fazer opportunamente.

De forma que, perante a mais terrivel onda de descredito que tem apparecido em Portugal contra as instituições, o partido progressista entende que deve aguardar a opportunidade para liquidar as suas responsabilidades.

Em frente d'esta conflagração do animo nacional, o partido progressista entende que, opportunamente, resolverão assunto.

Pois será admissivel que um proprietario, vendo a sua propriedade em chammas, declare que opportunamente tratará de apagar o incêndio?

E crivei, ou acceitavel, que perante uma calamidade que ameace subverter um país os seus homens de Estado se quedem impassiveis e serenos, dizendo que opportunamente tratarão de conjurar o perigo imminente?

Que significa esta attitude?

Inconsciencia politica, ou desapego pelos mais sagrados interesses da patria.

O Sr. Sebastião Telles fazendo a honra de responder ás referencias instantes que eu tinha apresentado no sentido de desejar o comparecimento nesta casa do nobre chefe do partido progressista, dizia: o Sr. José Luciano tem o direito que, ao Digno Par assiste, de comparecer ou não ás sessões d'esta Camara.

Não é assim. Eu sou um modesto parlamentar, que uso d'esse direito, porque as minhas responsabilidades são minimas. Não respondo senão pela minha fraca personalidade, e tão isolado me encontro que, se desejar um apoiado, tenho de applaudir-me a mim proprio.

O Sr. José Luciano, alem de ser um politico dos mais antigos, é chefe de um dos partidos rotativos, é um dos homens que se teem alternado no poder ha vinte e cinco annos, é uma entidade sobre a qual pendem as mais completas responsabilidades. A sua presença, não contende só com a sua figura pessoal, mas com a representação do seu partido e com as responsabilidades dos Governos a que tem presidido.

Supponho que, com as minhas instancias, alguma cousa tenho conseguido. Segundo os melhores autores, o Sr. José Luciano, a partir da sessão de ámanhã, comparecerá nesta Camara.

Procedendo d'esta forma, S. Exa. naturalmente não teve o intuito de privar-me de uma honra que me tem concedido muitas vezes; a de ouvir as mi-

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGKNOS PARES DO REINO

nhãs modestas e despretênciosas considerações.

O que S. Exa. aguardada era mais um appello meu. Pois aqui estou a fornecer-lhe um bello pretexto para a sua presença nesta casa.

Mas, voltando ao assunto. Receiam porventura as instituições a discussão dos adeantamentos?

Receavam-na os partidos politicos? Temia-se que a prestação de contas desse por finda a missão dos grandes partidos? Era dura e terrivel a discussão dos adeantamentos?

Mas, como disse ha pouco, da maneira como arranjaram as cousas, não ha só uma discussão sobre os adeantamentos; ha ainda outra, e mais grave, que ha de vir quando a commissão burocratica apresentar o resultado dos seus trabalhos.

Quem assim procede dá a demonstração de um criterio absolutamente avariado.

É necessario que esta phase de agonia da nacionalidade portuguesa termine, acabe; que a decomposição dos homens publicos não contamine país inteiro.

Porque a verdade é que não são só as instituições monarchicas que se encontram abaladas, é toda a instituição parlamentar que se sente ruir sob o influxo da desconfiança publica.

Que o Governo se lembre de que o povo português tem direito a viver honrado, tanto dentro como fora das fronteiras. Que o Governo se lembre de que Portugal tem direito a ser respeitado no convivio europeu.

Agora algumas considerações propriamente sobre o projecto em ordem do dia.

É preciso attender a que a consciencia nacional, ferida, entende que, no momento actual, a lista civil não deve ser aumentada.

Quando foi publicado o decreto de 30 de agosto, a opinião publica revoltou-se por passarem para o Estado despesas que se avaliaram em 160 contos de réis annuaes.

Agora dá-se a reincidencia no mesmo erro, parecendo que os homens que dirigem a politica monarchica portuguesa não procederiam mais acertadamente se quisessem fazer perecer a monarchia.

Então S. Exas. não sabem que, sempre que o Rei precisa de viajar, é a nação que paga?

Então S. Exas. não sabem que as despesas com as viagens officiaes que o Rei tiver de fazer dentro ou fora do país, e com a recepção official de Chefes de Estado estrangeiros, serão pagas pelo Thesouro?

Então S. Exas. csqueceram-se de que as leis publicadas até o presente sobre o assunto não permittem que os predios pertencentes á Casa Real sejam arrendados?

S. Exas. não sabem que todos os contratos feitos sobre os reaes palacios são falsos e illegaes?

Que fazer para sairmos da situação agonizante em que nos encontramos?

Parece me que não estou longe da verdade dizendo que a situação financeira é grave; que a divida fluctuante attingiu os ultimos limites; que a situação economica e industrial é chegada ao extremo; que a situação internacional não será perigosa, mas não é clara e limpida como era ha sete annos, attenta a aproximação que ora existe entre a Inglaterra e a Espanha; que somos duramente diffamados no estrangeiro em consequencia da criminosa campanha feita contra os homens politicos portugueses durante o ultimo Ministerio; que uma crise gravissima nas finanças portuguesas se aproxima; que estamos, numa palavra, em presença d'este triste dilemma: ou sentirmos sobre o nosso pescoço o jugo de um dominio feroz ecoo o do Egypto, ou vermos retalhados os nossos dominios de alem-mar.

Nós, portugueses, não sabemos a sorte que nos espera de um momento para o outro. Q a em duvida que Portugal, ameaçado na sua autonomia, corre os mais graves perigos?

Temos ainda a nossa imprensa, que, apesar dos seus erros, é ainda a mais moral da Europa; temos a alliança inglesa que precisa de ser regularizada, temos ainda grandes elementos, mas para isso é necessario que essa atmosphera mephitica desappareça para sempre, o que só se conseguirá aproveitando das intellectualidades verdadeiramente modernas que existem na politica portuguesa o que ellas possam produzir.

Precisamos regressar a um regime liberal em que se possa viver, acabando com o Juizo de Instrucção Criminal e com a lei de 13 de fevereiro; confeccionando e pondo em execução uma lei eleitoral, voltando-se aos circulos uninorninaes; pondo em execução as reformas constitucionaes que mais satisfaçam ao espirito liberal; tratando-se, a valer, da instrucção primaria; o problema vinicola estudado e resolvido; o problema industrial resolvido depois do indispensavel inquerito; e o policiamento dos impostos proficuamente feito.

Não é isto um programma original: é um programma de todos os homens bem intencionados. Que e execute quem quiser e puder.

Mas sob a acção de elementos deleterios a patria portuguesa decae e esvae-se.

Ha em Portugal homens de valor e consciencias intemeratas, temperamentos de primeira ordem. Que os aproveitem, se querem salvar o Pais.

Não me refiro á patria gloriosa, a que, em bravas pugnas, se bateu com os sarracenos e com os castelhanos, mas sim á especialização da nossa intelligencia, á forma caracteristica da nossa perfeição. A patria é a alma collectiva de um povo.

Ao contrario, do poeta, direi: Saiba viver quem morrer não quer.

Não procuro, á semelhança do que fez um poeta do Norte para o glorioso povo polaco, uma formula de suicidio heroico para a nação portuguesa. Procuro, sim, uma formula de resurreição para os partidos politicos militantes.

E, se tal resurreição não vier, a perspectiva é, e continuará a ser — a revolução.

Se, porem, aquelles que dirigem os destinos do país querem evitar a revolução, procurando e conseguindo a rehabilitação dos partidos, aproveitando as melhores intellectualidades da politica portuguesa, estou pronto a acompanha-los. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): —A Camara não estranhará, certamente, que eu me veja um pouco embaraçado para responder absolutamente ao discurso brilhante que acabo de ouvir.

Esperava uma discussão serena e desapaixonada sobre o projecto em ordem do dia, a repetição de muitos argumentos apresentados na imprensa e na outra casa do Parlamento; mas não esperava a conclusão do discurso do Digno Par, que produziu uma oração brilhantissima, e em que demonstrou o seu desejo de collaborar para o que S. Exa. diz ser a resurreição da patria portuguesa.

Mas ao mesmo tempo que S. Exa. assim falava, foi declarando que não acreditava em tal resurreição com o regime dos partidos actuaes.

Recordou o Digno Par a nossa situação politica e a crise angustiosa por que passaram os partidos portugueses, e revestiu a situação actual d'esses partidos das mais negras cores, não se tendo esquecido, até, de prever perigos semelhantes ao da occupação do Egypto. E, pretendendo demonstrar que estamos em vésperas de cousas terriveis, disse que caminhamos a passos certos e seguidos para uma situação igual á que provocou essa occupação.

Felizmente para mim devo dizer que já ha muitos annos ouvi que nos estava preparada uma situação igual á do Egypto. e respondi então como vou responder agora, o que prova que o Digno Par se illudiu.

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SESSÃO N.° 36 DE 7 DE AGOSTO DE 1908 7

Disse o Digno Par que a situação que atravessamos é gravissima. Mas a verdade é que essa situação já foi mais grave do que é actualmente.

O Governo, por obrigação e por dever patriotico, não por ambição pessoal nem por querer fazer preponderar determinados partidos, assumiu as responsabilidades d'uma situação difficil, e assumiu-as com a consciencia, de que devia fazer em prol do país tudo o que humanamente pudesse.

Foi justamente a colligação dos dois grandes partidos que nos salvou da crise em que o Digno Par tanto insistiu.

S. Exa. pensa por forma contraria; está em erro absoluto.

Não foi por espirito partidario nem por conveniencia pessoal que o actual Governo se apoiou nos dois grandes partidos; apoiou-se nesses partidos por um sentimento de dever patriotico.

Os dois partidos — regenerador e progressista — entenderam dar o seu apoio ao Governo, não por intuitos partidarios, mas por dedicação, para manterem a ordem e fazerem entrar o Pais nas normas por que sempre foi regido. E eu posso dizer que se conseguiu o fim desejado.

A situação actual é muito isenta de perigos. A confiança publica restabeleceu-se, não existindo já os receios que havia quando o Governo tomou conta do poder.

O Gabinete a que pertence herdou o poder em circunstancias difficeis, financeiras, politicas e economicas, que, felizmente, estão bastante attenuadas.

Pergunto:

Foi, porventura, o actual Governo - que provocou a campanha de descredito a que o Digno Par alludiu?

O Governo conseguiu desfazer os maus effeitos d'essa campanha pelo seu procedimento correcto e legal, tendo-se procurado fazer com que o Pais entre absolutamente no regime constitucional e liberal, de que nunca devia ter saido.

Alludiu tambem o Digno Par ao regime liberal, ás reformas constitucionaes, á necessidade de uma nova lei eleitoral, a muitos e variados assuntos que se encontram mencionados no Discurso da Coroa.

Qual é a razão por que o Digno Par não aguarda os actos do Governo, para depois averiguar se elle correspondeu ás promessas feitas nesse diploma?

Afigurou se a S. Exa. que a actual sessão legislativa não tem produzido aquelle trabalho que a opinião publica insistentemente reclamava.

Se os trabalhos parlamentares não teem revestido aquella celeridade que seria para desejar, a culpa não é do Governo.

A demora havida na apresentação das medidas constitucionaes, não foi superior á de epocas anteriores; e a verdade é que a acção do Parlamento não tem sido tão infecunda como S. Exa. pretendeu mostrar.

Quanto ao projecto, allegou o Digno Par que o Governo, incluindo nelle o artigo 5.°, prestou um mau serviço á Coroa, porque se não devia envolver com a fixação da lista civil a questão dos adeantamentos.

Mas não foi o Governo que estabeleceu essa deploravel conjunção.

Quem na questão da lista civil se lembrou de incluir os adeantamentos á Casa Real foram as opposições, que a esse meio recorreram para o conseguimento dos seus fins.

Trata porventura o projecto de liquidar esses adeantamentos?

Decerto que não.

A commissão da outra Camara é que está encarregada de proceder a esse apuramento.

Tambem a S. Exa. mereceu alguns reparos a maneira por que foi organizada essa commissão.

Peço licença para objectar-lhe que taes reparos são absolutamente descabidos, porquanto se teve em vista que nella não influissem considerações partidarias.

O Digno Par alludiu tambem ao decreto de 30 de agosto do anno preterito, e disse que nesse diploma, designando-se a quantia que a Casa Real devia ao Estado, se determinava por maneira simples a respectiva liquidação.

Mas, nessa occasião, tratava-se de uma liquidação total, em globo, o que não succede agora.

No projecto que está em ordem do dia estabelece-se qual é a responsabidade do Estado em relação a certas despesas, que não podem, portanto, ser incluidas ou pertencer á lista civil, e depois indica-se o meio de effectuar a cobrança das quantias que a Casa Real dever ao Estado.

O intuito do Governo, repito, foi que a commissão encarregada do apuramento de contas se compusesse de pessoas que se submettessem inteiramente ao bom desempenho do encargo quer lhes havia sido commettido.

É uma commissão absolutamente insuspeita, e que garante a maxima imparcialidade nas deliberações que haja de tomar.

Estranhou o Digno Par, e mais de uma vez, que o artigo 5.° fosse inclui* do no projecto que actualmente está entregue á consideração e ao exame da Camara.

O Sr. Presidente do Conselho já deu cabaes explicações a este respeito.

Era absolutamente indispensavel, no momento em. que as suspeitas se avolumaram em relação aos adeantamentos, que se demonstrasse de uma maneira inequivoca que o actual Soberano tinha o proposito firme de acceitar as responsabilidades que lhe legara o reinado anterior.

Não se fixou quantia. D'essa fixação está encarregada a commissão a que me tenho referido e que, evidentemente, procederá imparcialmente, e com toda a rectidão e justiça.

Não se trata por agora de apurar as pessoas que fizeram esses abonos. Tudo isso ha de ser perfeitamente apurado, quando for publicado o parecer da commissão parlamentar.

Trata-se tão só da lista civil, e nada mais.

Foram as opposições que, no intuito de atacar as instituições, se lembraram de discutir, a proposito da lista civil, o que respeita aos adeantamentos á Fazenda Real.

Disso ainda o Digno Par que o Governo, no começo de um reinado novo, devia ter se esquivado á apresentação de um projecto que tão má impressão produziu no espirito publico.

Mas o Governo, neste ponto, limitou-se a manter o que desde o começo do regime liberal, em 1821, está até hoje estabelecido.

As Côrtes de 1821, approvando a lista civil, muito expressamente declararam que a dotação que se fixava ao Monarcha era unicamente para os seus gastos pessoaes.

Referiu-se tambem o Digno Par ao desfavor com que muitas vezes somos tratados pelos jornaes estrangeiros.

Para evitar que esse desconceito continue, para impedir que essa campanha de descredito alastre, preciso é que mudemos de orientação e de rumo.

É indispensavel que todos os esforços da imprensa e do Parlamento se conjuguem no sentido de obstar a que se propalem a nosso respeito boatos que tanto nos deprimem.

Pela sua parte o Governo tem procurado por todos os meios restabelecer a confiança, e tem-se empenhado em demonstrar que é possivel governar com liberdade.

As discussões no Parlamento correm por vezes agitadas; mas o Governo não oppõe a menor difficuldade á largueza dos debates.

É necessario que os países estrangeiros se convençam de que Portugal é um país livre, e que as instituições por que se rege são respeitadas pela grande maioria da nação.

Felizmente, desappareceu o receio, que a muitos assaltava, da nossa possivel mudança de instituições.

Referiu-se tambem o Digno Par aos partidos politicos, attribuindo-lhes intenções menos patrioticas.

Deploro que S. Exa. assim tão n-

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justamente encare a acção d'essas agremiações partidarias.

Eu tenho a convicção de que, se não fosse o auxilio que esses partidos teem dispensado ao Governo, talvez tivessem surgido os acontecimentos com que S. Exa. tanto se apavora.

Quem trabalhar para a dissolução dos partidos fomenta a anarchia.

A existencia dos partidos é indispensavel no regime constitucional; o que é preciso é que haja boa fiscalização parlamentar, e que se permitia que as eleições se realizem á vontade dos eleitores.

Tambem S. Exa. dirigiu censuras á colligação dos partidos.

Mas essas colligações dão-se em todos os países, quando certas circunstancias as determinam. „

Estranhou o Digno Par o aumento da divida fluctuante.

É certo que esta divida tem aumentado, mas não ha outro meio de prover ás despesas do Estado.

Quanto á crise economica, necessario é ponderar quaes são as causas que a determinam.

Sabendo-se quaes as circunstancias em que se encontrava o Pais ha poucos meses, estando-se sob a, ameaça de uma revolução, não admira que os capitães se retrahissem, e que tudo isso desse logar a uma crise que, felizmente, se vae attenuando.

Eu espero que esta melhoria, graças aos esforços do Governo, prosiga no seu movimento ascencional.

Só quem tenha o espirito alheado do que se passa é que não vê as boas condições da nossa vitalidade.

Diz-se que entre nós não ha iniciativa industrial, mas eu penso de modo diverso, porque vejo que o Pais se desenvolve por toda a parte, independentemente da intervenção do Governo.

Ás vezes a acção do Governo mais difficulta do que facilita essa iniciativa industrial.

Pensar-se na possibilidade de uma intervenção estrangeira, é realmente ter em menor conta as forças nacionaes.

Quanto aos palacios, é necessario attentar na redacção do projecto, confrontando-a com o que dispõe o decreto de 18 de marco de 18B4 e o artigo 85.° da Carta Constitucional.

Esses palacios teriam de ficar na posse da Coroa, se Sua Majestade não dispensasse o seu usufruto.

Quanto a obras nos paços que permanecem na posse da Coroa, muito claramente diz o § 3.° do artigo 2.° que ellas ficam a cargo do Ministerio das Obras Publicas, mediante os orçamentos approvados pelas estancias competentes.

Pela que respeita ás despesas com as viagens officiaes de El-Rei, preceitua que ellas ficam a cargo do Thesouro.

E até aqui era efectivamente o Thesouro quem pagava a importancia dos gastos effectuados com essas viagens, mas o certo é que não havia lei escrita a tal respeito.

O Governo tem procurado cumprir o seu dever, e animam-no intuitos absolutamente diversos d'aquelles ,que o Digno Par Sr. Arrojo lhe attribuiu.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — Segue-se no uso da palavra, que a pediu, sobre a ordem, o Digno Par Sr. Sebastião Baracho. Como faltam poucos minutos para as cinco e vinte, Q alguns Dignos Pares se inscreveram para antes de se encerrar a sessão, parece-me melhor que o Digno Par comece o seu discurso na sessão seguinte.

O Sr. Sebastião Baracho: — Ser-me-ha facil preencher os poucos momentos que faltam para o encerramento da sessão; mas tanto eu como outros Dignos Pares [estão inscritos para se referirem a um assunto urgente. Concordo, pois, com o alvitre do Sr. Presidente.

O Sr. José de Alpoim: — Rogo ao Sr. Presidente que mande ler a lista da inscrição sobre o projecto em ordem do dia.

O Sr. Presidente: — Accedendo ao desejo do Digno Par, leio a lista dos Dignos Pares inscritos.

(Leu).

O Sr. Francisco Beirão:—Chamo a attenção do Governo para os factos occorridos em Santo Tirso, e sobre os quaes recebi um novo telegramma, que leio á Camara.

Espero que o Governo diga a este respeito o que se lhe offereça.

(S. exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): — As informações officiaes que recebi directamente do Sr. governador civil do Porto dizem-me que o administrador do concelho de Santo Tirso pediu a exoneração e foi substituido por uru empregado do Governo Civil, que partiu para aquella localidade, acompanhado da competente força policial para garantir a ordem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: — Recebi um telegramma em tudo igual ao recebido pelo Digno Par Sr. Beirão. Ouvi as explicações do Sr. Presidente do Conselho, e aguardo que providencias sejam tomadas no sentido de cessar o estada de anarchia em que se encontra o concelho de Santo Tirso. Aproveitando o ensejo, chamo a attenção do Governo para noticias que recebi de Rio Maior. Dizem-me essas noticias que o administrador de Rio Maior tem exercido pressões e violencias sobre alguns cidadãos, e que até têm ameaçado com as disposições da lei de 13 de fevereiro alguns que por forma nenhuma podem nellas estar incursos.

Espero, pois, que o Sr. Presidente do Conselho trate de pôr termo a um tão lamentavel estado de cousas.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): — Não tenho conhecimento dos factos a que se referiu o Digno Par. Logo que saia da Camara, telegrapharei pedindo informações, e empregarei todos os meios ao meu dispor para que se restabeleça a ordem e se mantenha a legalidade.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: — Ha poucos dias recebi um telegramma de Santo Tirso com respeito á transferencia do delegado d'aquella comarca.

Não pude fazer uso do telegramma a que se referiram outros Dignos Pares, por me não ter então pertencido a palavra.

Agora limito-me a condemnar o acto, comquanto legal, praticado pelo Sr. Ministro da Justiça.

A transferencia foi pessimamente recebida na comarca; e, se ella não se tivesse verificado, não teria por certo recebido o telegramma seguinte:

Santo Tirso, em 7, ás 11 horas e 35 minutos da tarde. — Urgente. — Digno Par Dantas Baracho.

Por motivo transferencia delegado, occorreram aqui esta noite gravissimos tumultos, com troca tiros, resultando varios ferimentos.

Lavra enorme agitação, receando-se repetição tumultos. Pedimos reclame instantemente Parlamento, autoridade independente e força militar garanta as nossas vidas. = Pires de Lima = Pinheiro Guimarães = Arnaldo Coelho = Campos Miranda = Padre José Costa.

Conforme se observa, a anarchia, ou pouco menos, reina em Santo Tirso, como em outros muitos pontos do Pais, não obstante a rosea descrição, ha pouco feita pelo Sr. Ministro da Fazenda, relativamente á nossa situação interna.

Depois da transferencia do delegado, houve necessidade de substituir o administrador do concelho; e, conforme disse o chefe do Governo, de recorrer á força publica, para a manutenção da ordem. Ninguem dirá que isto não seja essencialmente rotativo-acalmador. . .

(S. Exa. não reviu).

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SESSÃO N.° 36 DE 7 DE AGOSTO DE 1908 9

O Sr. Eduardo José Coelho: — Tendo recebido alguns documentos que pedi pelo Ministerio da Justiça, rogo ao titular d'esta pasta o obsequio de comparecer nesta Camara, a fim de se referir ao assunto de que tratam os mesmos documentos.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia da sessão de ámanhã, 8, é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e um quarto da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 7 de agosto de 1908

Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal; Condes: das Alcaçovas, de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, de Sabugosa, de Valenças; Viscondes: de Algés, de Asseca, de Athouguia, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Augusto José da Cunha, Carlos Palmeirim, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Serpa Machado, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arrojo, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro Araujo, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor

ALBERTO BRAXIÃO.

Projecto apresentado pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado e que nesta sessão teve segunda leitura, sendo enviado á commissão de agricultura.

Senhores. — Sem acrescentar mais palavras ao relatorio que precede o projecto de lei que tive a honra de apresentar nesta Camara, em sessão de 20 de junho d'este armo, venho dar um complemento ás medidas apresentadas e que visam, ao mesmo tempo, a tornar mais pratico e directo o auxilio á lavoura, facultando-lhe capitães baratos, com a iniciativa criadora do credito agricola.

Desnecessario será desenvolver e fundamentar o alcance d'estas providencias, que todos reconhecem constituir um dos pontos mais vitaes para a resolução da crise vinicola, que é, sem contestação, o ramo da agricultura mais attingido pelo mal estar da lavoura nacional.

PROJECTO DE LEI

l.° É organizada uma Companhia dos Vinhos de Portugal, com sede em Lisboa, com o capital de 6:000 a 10:000 contos de réis, destinada ao commercio de vinhos portugueses, especialmente a lançar os typos de vinhos definidos nos mercados externos, obrigando-se a ter 50:000 pipas de vinhos permanentemente nos seus depositos.

2.° O Estado garante a esta Companhia o juro de 6 por cento ao anno á primeira serie de 2:000 contos de réis de acções do seu capital social e o juro de 4 ½ por cento ao anno á segunda serie de 2:000 contos de réis de acções, quando estas sejam emittidas.

3.° A Companhia restituirá ao Estado os supprimentos que este fizer pelas indicadas garantias dos juros, pelas forças excedentes dos lucros depois de pagos os juros do seu papel social.

4.° A Companhia aproveitará todos os privilegios e regalias conferidos pelos decretos de 27 de setembro de 1901 (adegas sociaes), 14 de janeiro e õ de junho de 1900 (companhias vinicolas), inclusive a isenção do imposto do sêllo, sendo ampliado a 50 annos o prazo para gozo de todas as isenções concedidas por aquelles decretos, visto que pelo decreto de 14 de janeiro de 1905 essas isenções são conferidas pelo periodo de 10 annos a companhias vinicolas constituidas com um capital de 500 contos de réis.

5.° O Estado fornecerá edificios á margem do rio Tejo para montagem dos principaes armazens da Companhia e estipular se ha desde já uma renda que a Companhia terá a pagar annualmente, depois de decorridos os primeiros 10 annos ia sua constituição.

6.° Os armazens principaes da Companhia em Lisboa serão considerados sujeitos ao regime de zona franca.

7.° O Estado concederá gratuitamente á Companhia as estações agricolas de distillação que actualmente possua e que não estejam em laboração.

.8.° O Estado tomará a seu cargo, durante o prazo de 10 annos, os vencimentos dos oenoteehnicos que a Companhia tiver de contratar, não podendo despender neste serviço quantia superior a 6 contos de réis por anno.

9.° A Companhia obrigar-se-ha a ter sempre ao serviço, pelo menos, 10 caixeiros viajantes, a maior parte d'elles em mercados novos e sempre na propaganda dos legitimos vinhos portugueses.

10.° O Estado exercerá fiscalização em todos os actos da Companhia por intermedio de um delegado do Mercado Central de Productos Agricolas, sendo gratuitas as funcções d'esse delegado.

11.° Será criado um imposto de transferencia (classe aguardente de vinho) de 15 réis por litro de aguardente vinica que transite do sul para o norte do país, até que o preço do mercado attinja o de 190 réis por litro.

12.° Será estabelecido um imposto de transferencia (classe vinho de pasto) de 7 réis por litro de vinho commum, até 14° de força alcoolica, que transite do sul para o norte do país.

13.° A Companhia obriga-se a organizar uma instituição bancaria de credito agricola sob o titulo de Banco de Credito Agricola, para fornecimento de capitães á lavoura do sul sobre frutos pendentes, especialmente sobre colheitas de vinhos de pasto.

14.° O typo de juros para esses emprestimos será sempre inferior em 1 e meio por cento á taxa official estabelecida pelo Banco de Portugal, mas nunca superior a 4 por cento ao anno.

15.° Para este fim a Companhia regulamentará os serviços do Banco de Credito Agricola de accordo com o Governo.

16.° Fica autorizado o Banco de Credito Agricola a emittir até réis 2.000:000$000 de obrigações, ao typo de juro nunca superior a 4 por cento ao anno.

17.° O Banco de Credito Agricola, que é uma dependencia especial da Companhia dos Vinhos de Portugal, terá garantia privilegiada no fundo social da mesma Companhia, e, quanto ao seu movimento bancario, terá a directa fiscalização do Estado, pela forma que se julgar mais conveniente e acertada.

18.° O Banco de Credito Agricola gozará todas as isenções de sêllo, impostos e contribuições.

19.° Dos lucros liquidos do Banco de Credito Agricola apurados annualmente serão retirados 25 por cento para fundo de amortização de obrigações, e 25 por cento para distribuição, em rateio, pelos lavradores accionistas da Companhia que se tiverem utilizado, nesse mesmo anno, dos serviços da instituição bancaria e hajam cumprido honradamente os seus compromissos.

20.° Fica revogada a legislação em contrario. = F. J. Machado.

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