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2013

Discurso do digno par José Maria do Casal Ribeiro, proferido na sessão de 3 do corrente, e que devia ler-se a pag. 1874, col. 3.ª, lin. 88 do Diario de Lisboa n.° 175.

O sr. Casal Ribeiro: — Eu acolho gostosamente e a camara de certo acolhe com o mesmo sentimento as explicações que nos foram dadas por parte do governo e a esperança, embora vaga, que ellas encerram de que justiça nos seja feita. Nem era de esperar uma negativa absoluta em presença do nosso solemne protesto com relação a acontecimentos tão graves, tão offensivos do nosso direito e do direito das gentes, tão lesivos para a dignidade nacional do nosso paiz, como oppobriosos para quem os praticou em nome dos que têem de fazer a reparação.

A resposta que temos n'este momento é apenas a promessa de attenção sobre o negocio. Entretanto eu não hesito em crer que os esforços do nosso governo não hão de cessar, a fim de que as esperanças sejam quanto antes traduzidas em factos mais positivos.

Quanto á questão da arbitragem no que diz respeito á soberania de Bolama, a resposta do illustre ministro dos negocios estrangeiros apresenta mais desenvolvimento, e segundo as suas explicações parece poder-se considerar como um negocio resolvido, por isso que foi recebida a esse respeito communicação official em fórma. Estou plenamente de accordo em que no estado a que tinha chegado essa questão não havia melhor recurso do que esse da arbitragem; e em abono d'isto está o meu despacho a que ha pouco tive a honra de me referir e que, como tambem disse, foi em 1866 dirigido ao nosso encarregado de negocios em Londres para ser lido a lord Stanley, instando por essa mesma arbitragem, que tambem não foi de invenção minha, mas já estava proposta como V. ex.ª sabe, pois que o tinha sido em 1860 pelo habil negociador, o sr. conde d'Avila.

Por ora limito-me a estas explicações, porque logo tenho que voltar á questão de Bolama, e permitta-me a camara que eu lhe peça licença para que, approvando aliás e applaudindo a reserva de linguagem com que se exprimiu o nobre ministro n'uma questão pendente e grave, eu me julgue auctorisado em virtude da minha posição differente, a fazer algumas considerações e a ir um pouco mais, na convicção sempre de que não o farei de uma maneira que seja inconveniente para os interesses do meu paiz, os quaes estão sobretudo e devem estar no sentimento de todos;

Ha actos, por tal fórma inauditos, que não ha audacia sufficiente para os sustentar; e ainda mesmo quando falta aos que foram victimas d'elles a força material para tomar condigna desforra, ha ainda n'este mundo felizmente forças moraes, que obrigam ás vezes os prepotentes a parar um momento envergonhados da sua propria obra. Os factos que se praticaram na Guiné são d'esta ordem. Talvez se obtenha reparação d'elles; mas não sei até que ponto a renuncia aos meios importará renuncia aos fins. Tem havido governos que desmentem actos cujas consequencias aliás estariam dispostos a aceitar se as circumstancias favorecessem. E creio que não sou injusto para ninguem, e não inverto a historia se interpretar assim factos bem recentes, que se passaram ainda ha menos de um anno. N'aquelle momento em que o valente aventureiro italiano era preso em Caprera, retido pela esquadra italiana, guardado á vista com cuidado extremo para que não se precipitasse sobre Roma, quebrando a promessa nacional solemnemente jurada, talvez o gabinete Ratazzi não estivesse cabalmente disposto a renunciar as consequencias da conquista, se o fugitivo de Caprera e orador em Florença, não tivesse quebrado os impetos de encontro ás bayonetas dos voluntarios pontificios e das legiões francezas, e se o enthusiasmo dos libertadores não se tivesse resfriado na indifferença dos que iam ser libertados.

Digo pois que não seria caso novo se, suppondo a satisfação dada, ella não significar cumulativamente renuncia aos meios e aos fins. Quanto a este segundo ponto não ouso mesmo manifestar uma esperança muito firme. Em todo o caso esta questão é um episodio novo de uma historia velha. Praza a Deus que termine em bem o episodio; mas no livro negro d'essa historia não creio que se escrevesse a ultima pagina.

Fallo assim com desassombro, sr. presidente, e não fallaria assim, se por infelicidade minha ainda occupasse aquelle logar (apontando para as cadeiras ministeriaes). Não peço aos nobres ministros a sua opinião nem sobre os factos, nem sobre as observações que estou fazendo, salvo no caso em que no interesse do paiz e no interesse das suas proprias opiniões entendam dever faze-lo. Comprehendo e applaudo essa reserva; porém não me sinto completamente disposto a te-la n'esta occasião. A minha posição é diversa, é mais livre. Eu não tenho já a responsabilidade do governo, e a minha posição actual, permitta-me a camara que lh'o diga n'este momento, ainda que de certo lhe interessa pouco, mas é para mim necessario que o diga, a minha posição, repito, em relação ao actual governo e aos que lhe succederem, e em relação aos partidos e grupos, é perfeitamente isolada, perfeitamente só.

E não tomem isto nem por despeito, que o não tenho, nem... que sei eu! por saudades d'aquellas cadeiras, nem por

decisão precipitada em vista de acontecimentos recentes. Não é. Costuma-se perguntar muitas vezes aos homens publicos uma cousa que por demasiado repetida se tem tornado banal. Pergunta-se-lhes d'onde vem e para onde vão. Felizmente esta pergunta vae-se repetindo menos, vae caindo em desuso, porque n'um paiz pequeno como o nosso, d'onde cada um vem todos nós sabemos e para onde cada um vae pôde conjectura-lo facilmente quem quizer, segundo a ordem de idéas e precedentes conhecidos. Ninguém pois me pergunta agora d'onde venho e para onde vou; mas sinto eu a necessidade de responder a estas interrogações que me não fazem. Venho das lutas politicas, e vou para a minha lavoura; passo por aqui, e passando digo o que sinto. Virei igualmente de passagem uma ou outra vez, e provavelmente sempre com pouca demora, não porque aprecie em menos a companhia dos meus collegas aos quaes todos devo favor e indulgencia, mas porque cuidados e inclinações me estão chamando á vida tranquilla dos campos.

Das lutas politicas d'onde venho trago recordações gratíssimas de boa e leal camaradagem, sem fazer distincção entre, antigos e novos camaradas. Dos adversarios leaes, que os houve, não trago resentimento algum; antes tributo ás suas convicções respeito igual aquelle que me inspiram as convicções dos amigos. Dos adversarios que não foram leaes, d'esses não fallo agora, nem quero recordar-me n'este momento.

Não declino responsabilidades, nem me atemorisa o juizo do futuro. Das responsabilidades honro-me, porque os actos nasceram de convicções profundas. O julgamento aguardo-o sem o orgulho dos que se julgam incapazes de errar, mas com a consciencia tranquilla dos que sabem que nunca desobedeceram aos dictames d'ella.

As disposições que manifesto não nasceram hontem, nem provieram de acontecimentos recentes. Sabem-o aquelles que me fazem a honra do seu trato intimo. Necessidades domesticas, o cansaço talvez, talvez um certo desconforto de alma, inspiraram-me esta resolução, da qual espero não mudar. Não faço protestos, manifesto sinceramente intuitos, que é o bastante.

Não me terão pois, os srs. ministros actuaes, nem os seus successores, por ministerial enthusiasta ou por opposicionista systematico. Avaliarei as questões que se apresentarem quando tiver occasião de as avaliar, em vista só do interesse do meu paiz e sem criterio partidario. Não faço com isto censura aos partidos, cuja utilidade reconheço para a normal rotação do poder em um paiz constitucional. Digo só, que nos partidos ou nos grupos como entre nós existem, e como a cada momento as circumstancias os estão compondo e decompondo, nem peço nem me reservo logar.

Sejam-me permittidas estas explicações para justificar a maior liberdade de linguagem, a que me julgo auctorisado. Quando não ha já, em relação ao presente e ao futuro, responsabilidades collectivas, quando as palavras que se proferem não podem perturbar planos nem prejudicar aspirações, possue-se ao menos o triste privilegio de uma franqueza mais larga. Consinta-me pois a camara a mim, que já não sou politico mas apenas lavrador, a linguagem clara e rude que se usa nos campos que habito, dos quaes tenho saudade, e para os quaes estou de partida.

Posto isto, vamos á questão começando por Bolola e Bolama. A questão de Bolola levantou-se agora estando nós em plena paz com os nossos vizinhos da Serra Leoa, sem provocação da nossa parte, com a maxima affronta da parte d'elles. A questão de Bolama levantou-se em condições iguaes ha oito annos quasi, pelos fins de 1860. Não digo bem que n'essa epocha se levantou a questão, porque estava levantada antes. Desde a invasão do tenente Kellet em 1838, tinham sido repetidos os ataques por parte dos inglezes, as devastações nas fazendas dos colonos, as violencias, as barbaridades contra as pessoas, chegando-se até ao assassino de mulheres. O que teve logar em 1860, foi a occupação, a posse intrusa e violenta, foi o arrear á bandeira portugueza que até então tremulava na ilha e á qual obedeciam, apesar de tantas offensas inultas, mais de setecentos colonos.

Quando em 1860 a questão de Bolama tomou nova phase, chamou naturalmente a attenção do nosso governo, e entabolou-se com o gabinete britannico larga discussão sobre os pontos de facto e de direito. Mais tarde, sendo ministro dos negocios estrangeiros o nobre duque de Loulé, foi encarregado da negociação o sr. conde d'Avila. Quando entrei no ministerio dos negocios estrangeiros tive de examinar o volumoso processo de Bolama, processo não só volumoso pela extensão das notas, relatorios, e outros trabalhos que comprehende, mas instructivo pela copia de noticias historicas e importancia das apreciações diplomaticas.

Estes valiosos trabalhos, como outros do mesmo genero, elaborados pacientemente nas repartições do estado, não são conhecidos do publico, nem o podem ser sempre por sua natureza; e muitas vezes o publico acredita, porque lh'o fazem acreditar, que são inuteis conezias as repartições aonde servidores zelosos se estão occupando d'esses trabalhos uteis mas inglorios.

No que diz respeito ao negociador portuguez, eu devo declarar, por prestar testemunho á verdade, que não só encontrei proposta a arbitragem ao negociador inglez, que sem se atrever a nega-la absolutamente, appellava para a falta de instrucções do seu governo, ao qual promettia referir, e desculpava as delongas do foreign office com as multiplicadas incumbencias do colonial office; mas encontrei tambem que o sr. conde d'Avila, em todas as suas notas havia tratado a questão com tão profundo conhecimento da materia e com tanta habilidade de argumentação, que eu não podia fazer outra cousa senão resumir em limitado quadro o estado da questão e instar pela solução final. Foi o que fiz no despacho que em 1866 dirigi ao sr. conde de Rilvas, para ser lido a lord Stanley, renovando a insistencia pela arbitragem, e declarando que se a proposta fosse recusada ou nimiamente protrahida a aceitação, o governo portuguez se julgava obrigado a dar conta ao parlamento e ao paiz d'aquelle negocio, apresentando todos os documentos e pedindo a impressão d'elles. Nem procurei occultar a intenção de dar ao negocio de Bolama a maxima publicidade, porque eu não hesitaria em pedir ao parlamento os meios para fazer traduzir e imprimir em todos os idiomas conhecidos, e fazer espalhar por todos os paizes civilisados milhões de exemplares do processo de Bolama; e estou seguro que os representantes do paiz votariam e o paiz applaudia a despeza por muito que dominasse o espirito de economias.

A resposta não veiu logo, mas veiu agora, favoravel segundo parece. Daqui podem tirar-se inferencias diversas. Acreditarão uns que é presagio seguro da equidade que mostrará o gabinete britannico na questão de Bolola e da sua completa innocencia nos actos do governador da Serra Leoa, os quaes sinceramente reprovará. Outros mais suspicazes poderão receiar que a questão de Bolola se levantasse agora quando outras circumstancias obrigavam a aceitar a arbitragem quanto á soberania de Bolama para complicar com uma questão nova uma questão velha e moralmente ganha para Portugal.

Mas, sr. presidente, sem ir mais longe, e poupando á camara a leitura do meu despacho de 1866 que tenho presente, não devo deixar de notar duas circumstancias importantes que caracterisam o ultimo estado da questão de Bolama. Eram clarissimos, exuberantemente provados os titulos da nossa soberania n'aquella ilha, pelo menos segundo aquelles principios que me ensinava em Coimbra o meu distincto mestre e amigo o sr. Ferrer, que me faz a honra de me escutar.

Não se nos podia contestar que fomos os primeiros descobridores, os primeiros occupantes, os primeiros possuidores de Bolama, nem nos faltava a submissão pacifica dos indigenas, nem o trabalho de colonisadores e civilisadores até ao ponto em que a civilisação é ali possivel. Contra isto allegavam os inglezes que a nossa posse fóra interrompida, havia prescripto em fins do seculo passado, quando um certo capitão Beaver comprou aos beafares a ilha de Bolama por 78 libras e alguns shellings, preço que não foi pago em dinheiro, mas em mercadorias, como chapéus de palha e outras similhantes. Redarguiamos nós que muito pouco tempo durára a occupação dos inglezes, que a nossa começára depois e continuara ininterrupta. Contra isto inventa-se, por parte da Inglaterra, uma theoria engenhosa.

O vosso direito (dizia o negociador britannico) estava prescripto em 1792; o nosso é imprescriptivel, porque deriva de uma compra. Admiravel theoria esta, que offereço pelo que valha ás meditações dos jurisconsultos e de futuros publicistas (riso). Ha doutrinas que se expõem, mas que é difficil discutir a serio. Esta é uma dellas (apoiados).

A outra circumstancia, para a qual requeiro mais particularmente ainda a attenção da camara, é a seguinte. Contra a validade da venda feita pelos beafares ao capitão Beaver diziamos nós tambem, que os beafares não podiam vender o que não era seu, que a ilha de Bolama era nossa, e que antes ainda da nossa posse já os beafares a não possuiam, mas sim os bijagoz, que no seculo XVII expulsaram os beafares do archipelago, que tomou o nome Bijagoz, e como tal se acha inscripto em todas as cartas da Africa. Replicava então o negociador inglez batido em todos os entrincheiramentos pelo sr. conde d'Avila — sejam embora os bijagoz senhores de facto; os beafares são os senhores de jure. Esta subtil distincção não havia occorrido a lord Palmerston quando em 1841 escrevia ao barão da Torre de Moncorvo que eram os bijagoz indisputáveis senhores de Bolama. Porém desde que o governador da Serra Leoa descobrira a legitimidade dos beafares, e protestára por ella em officio dirigido ao governador da nossa Guiné em 1860, o gabinete britannico apossou-se de tal fórma da idéa, inspirou-se de tal horror pela usurpação dos bijagoz consummada ha dois seculos e meio, que nunca mais deixou de repellir como intrusa a posse dos bijagoz em homenagem ao direito dos beafares.

E se o velho direito publico já não vale, se o descobrimento, a conquista e a posse não são titulos, se a colonisação não basta para firmar o dominio; se o consenso dos povos e o suffragio universal mesmo applicado á raça africana, é nos nossos tempos o unico titulo válido de soberania, nem esse nos falta porque em 1828, beafares e bijagoz, os senhores de direito e os senhores de facto, segundo a distinção ingleza, vieram espontaneamente perante o governador de Guiné renovar o preito á corôa de Portugal.

E apesar de tudo isto o negociador inglez insiste ainda; e para elle são e serão sempre os beafares senhores da terra firme e das ilhas, senhores contra cuja posse não ha prescripção, senhores cuja propriedade só póde validamente alienar-se por algum titulo similhante ao contrato do capitão Beaver e a troco de algumas valiosas mercadorias, como aquellas que foram, preço d'esse contrato.

O sr. Ferrer: — É a fabula do leão e do cordeiro.

O Orador: — É verdade; apologo parece o que estou dizendo, mas consta dos documentos, e quem pela inspecção ocular quizer comprehender o que significam os escrupulos sobre a legitimidade dos beafares e a ligação que póde prender taes escrupulos aos acontecimentos recentes, lance os olhos sobre esta carta da Guiné portugueza, junta ao valioso trabalho do sr. Lopes de Lima; examine a posição que occupam na terra firme e margens do Rio Grande os negros beafares. Assim será facil apreciar taes escrupulos de legitimidade.

(O orador depõe o livro e o mappa a que se refere sobre uma das proximas carteiras.)

Sr. presidente, mais tinha eu que dizer sobre Bolama e