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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 231

comquanto diga que está conforme com o que eu sigo, entretanto a apresentação da sua proposta o que mostra é que, pelo contrario, s. exa. fez uma transacção com a doutrina de que aquellas corporações, têem propriedade e por isso lhe quer subrogar os bens por inscripções! Emquanto que a doutrina verdadeira vae mais longe, porque constitue esses bens em bens nacionaes. Mas enfim eu estimo muito que o nobre ministro professe a verdadeira doutrina porque prevejo que ha de ser obrigado a modificar a sua proposta e vir a adoptar a que é a consequencia verdadeira e lógica do principio ha muito reconhecido de que as corporações de mão morta não têem propriedade.

Sr. presidente, o nobre ministro quiz fazer-me carga de uma doutrina que eu não professo quando me referi á bancarrota; mas é preciso que se saiba que eu não disse cousa alguma neste sentido, disse até o contrario. Li aqui uma tabella dos bens das corporações de mão morta que se acham inventariados, fallei nos que faltavam inventariar, e finalmente fiz um calculo approximado de que os bens que se devessem desamortisar importavam no melhor de réis 40.000:000$000, e acrescentei estas palavras formaes: quem póde dispor de uma somma tão grande como esta, não faz. bancarrota senão por uma inépcia indesculpável. Ora, quem diz isto, não diz que estamos proximos de uma bancarrota, porque todos sabemos que Portugal ainda tem muitos recursos; o caso está em saber usar delles, e não fazer economias rachiticas e tacanhas, que não dão quasi resultado nenhum. É necessario tratarmos da organisação dos serviços por meios suaves e não querer chegar a esse ponto por meios de que Deus nos afaste.

Sr. presidente, quem alludiu aqui á bancarrota foi o sr. ministro, que logo no primeiro dia em que entrou este projecto em discussão, pediu com grande urgencia a sua resolução, dando a entender que estávamos proximos do abysmo; isto em lingua vulgar é que se chama bancarrota. Por differentes vezes se tem querido attribuir a responsabilidade da demora da approvação do contrato á camara dos pares, ameaçando-nos com as consequencias dessa responsabilidade, e collocandonos entre a espada e a parede; estando de um lado a bancarrota e do outro a salvação.

Sr. presidente, fiz eu sentir, com dados estatisticos, tirados do boletim da secretaria d’Estado dos negocios eclesiásticos e de justiça, o desperdício que havia nos bens que se trata de desamortisar, desperdício espantoso, não só nos que se estão a extraviar pelo desaparecimento dos títulos, pela confusão dos foros, e dos limites dos prédios rústicos, mas sobretudo perdendo o rendimento de 280:000$000 réis, para fallar só nos conventos do sexo feminino, onde chega ao ponto de haver uma religiosa que tem 2:000$000 réis por anno, outras 1:000$000 réis, e outras 800$000 réis, etc., ao passo que outras estão a morrer de fome, e assim succederia se o governo lhes não desse um pequeno subsidio, quando a justiça pede que todas ellas estejam em circumstancias iguais. Disse eu então que o governo não só pelas leis antigas, mas tambem pela legislação nova tinha o direito de uma cousa a que se chama Jus principum circa sacra, porque o governo é o tutor das corporações de mão morta, e tem direito de inspecção e de corrigir os abusos que se derem na administração desses bens, por meio da sua tutela. E tem o governo feito isto? Quer a camara saber o que o governo tem feito para pôr cobro a estes desperdícios?

Diz o sr. ministro da fazenda que já apresentou na outra camara um projecto de lei para ser auctorisado o governo a despender até á somma de 20:000$000 réis com as despezas que são necessarias para se fazer a parte que falta a fazer do inventario desses bens. Pois remedeia isto até alguma forma os desperdícios que ha? Pois este é o remedio para o que se está dando, e que eu já aqui notei? Não faz o sr. ministro da fazenda parte de um ministério que se lançou no caminho da dictadura? Não tomou este governo providencias mil vezes menos urgentes do que esta? Então porque não publicou tambem em dictadura alguma medida a este respeito? Pois não se praticaram em dictadura alguns actos, não só menos urgentes, mas até contrarios a leis expressas, e mesmo tornando-se por fundamento leis derogadas? Não determinou, por exemplo, o governo que a idade requerida para eleitor fosse de vinte e cinco annos? E determinou-o fundando-se em que? Em um artigo da carta que está revogado pelo acto addicional! Parece impossivel que se escrevesse uma cousa destas! São cousas que só agora se vêem. Mas quando se fizeram todas estas cousas é que se podiam tambem tomar todas as providencias que se tornavam necessarias para evitar os abusos que eu tenho notado.

Porem, como havia de o governo fazer isso, se por outro lado acaba um convento por ter morrido a ultima religiosa, e o governo manda continuar a corporação! Isto fez um dos Srs. ministros: o da justiça ou o do reino, que é a quem mais directamente diz respeito. Isto é curioso! Temos em Portugal um convento que acabou porque morreu a ultima religiosa, e o governo determina que este convento continue a subsistir, entregando a administração e direcção delle a uma secular.

Quer dizer: o sr. ministro do reino, creou uma freira.
(O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.) Sr. presidente, a doutrina do sr. ministro da fazenda é outra: s. exa. declarou que entre as estipulações com a casa Goschen ha algumas definitivas, e entre ellas apontou a que estabeleceu a multa. Apontou muito bem. Se se não approvar o contrato ha de o governo pagar a multa. Não ha duvida; nesta parte o contrato é definitivo e acabado, mas se assim é, pergunto eu ao sr. ministro: com que auctoridade se comprometteu s. exa. a pagar 57:500 libras no caso de não ser approvado o contrato? Aonde estava a auctorisação que se deu a s. exa. para fazer uma tal concessão?

Pois o sr. ministro póde despender um ceitil, sem que esse ceitil esteja votado para uma despeza pelas Côrtes? Parece-me que não. A doutrina constitucional é esta, e o governo não a seguindo violou a carta constitucional. Não quero dizer que esta camara o accuse; a accusação pertence á outra camara, como a esta pertence converter-se em tribunal de justiça para julgar; mas a verdade é que o governo violou a carta neste ponto.

Sr. presidente, lastimo que o sr. ministro da fazenda não aceitasse a doutrina do sr. Ferrão, doutrina que devia aceitar para resistir ás pretensões do banqueiro Goschen.

O sr. Ferrão sustentou e sustentou muito bem, que todo e qualquer contrato feito pelo governo, emquanto não for approvado pelas côrtes é nullo. E pois que falta a este contrato a condição especial marcada pela constituição, isto é, a approvação das côrtes para elle ter validade, devia socorrer-se a esta doutrina, de que o contrato estava nulla pela falta desta approvação, para se oppor ás exigencias de Goschen. Portanto parece-me que o sr. ministro da fazenda não andou muito prudentemente, negando-se a aceitar a doutrina estabelecida pelo digno par o sr. Ferrão.

Sr. presidente, o nobre ministro da fazenda conveiu, como não podia deixar de convir, em que taes milhões sterlinos são sufficientes para a conversão da divida externa, que é aquella que nos assoberba mais, e que está pendente sobre a nossa cabeça como a espada de Damocles, e ainda lhe fica um milhão de libras para as despezas do contrato e para occorrer aos encargos dos dois annos económicos de que já fallei. Ora pois, se o sr. ministro convém nisto, porque não havemos de. deixar para tempo mais opportuno, com a magnifica base que temos para offerecer aos banqueiros, a negociação da somma precisa para outras despezas que não são tão urgentes, negociação que se poderá fazer em condições muito mais vantajosas, tomando para isto por fundamenta os bens desamortisados? A minha substituição para os 4.000:000 libras serem reduzidos a libras 3.000:000 era a consequencia da doutrina do sr. ministro da fazenda.