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SESSÃO DE 9 DE JULHO DE 1869

Presidência do Ex.mo. sr. Conde de Castro, vice-presidente

Secretários - dignos pares Visconde de Soares Franco, Conde de Fonte Nova

(Assistiam os Srs. ministros do remo e da fazenda.)

Depois do meio dia, tendo-se verificado a presença de 19 dignos pares, declarou o Ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não se fez reclamação.

Não houve correspondencia que mencionar.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, visto achar-se nas cadeiras do governo o sr. ministro do reino, parece-me a proposito pedir a s. ex. a algumas explicações acerca do que ha, ou, para melhor dizer, do que se diz houvera em alguns pontos da ilha da Madeira, e não sei mesmo se na cidade do Funchal daquella mesma ilha. Espalhou-se o boato em Lisboa, com grande pezar de todos os que prezam o nosso paiz e as nossas tradições, que da ilha da Madeira fora trazida a noticia por alguns passageiros, vindos num navio inglez, de que ali se haviam dado graves acontecimentos, e dessas noticias têem-se occupado varios jornaes que, comtudo, nos não contam os pormenores, naturalmente porque os não sabem, e não podem asseverar se effectivamente occorreram ou não esses acontecimentos. Desejava pois, primeiro que tudo, que o sr. ministro do reino dissesse o que na verdade haja a esse respeito, para eu então, se o julgar necessario, fazer algumas considerações sobre o assumpto.

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): — E certo que hontem se espalhou uma noticia aterradora sobre um acontecimento grave que se dizia ter-se dado na ilha da Madeira. Vieram muitos Srs. deputados e pares do reino perguntar-me o que havia áquelle respeito, e eu respondi que não sabia de cousa alguma oficialmente; depois foram ter com o sr. presidente do conselho, mas s. exa. tambem nada sabia.

Procurando eu indagar a origem deste boato, não appareceu noticia official enviada a ministerio algum, assim como não me consta que alguma carta particular tivesse apparecido contando esse grave acontecimento, ou que a elle se referisse. Dizia-se que a noticia tinha vindo por um navio inglez, mas a origem não foi possivel descobrir-se; e comquanto hontem corresse geralmente essa noticia, hoje o boato está quasi inteiramente dissipado.

Repito, o governo não teve noticia alguma official nem extra-official, constou-lhe apenas o boato, cuja origem ignora, e por conseguinte nada mais poder dizer.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, pela resposta que acaba de dar o sr. ministro do reino, vejo que o governo não teve participação alguma ácerca dos acontecimentos que se dizia haverem occorrido na ilha da Madeira. Eu tinha comtudo ouvido dizer que as cartas recebidas pelo ultimo navio, vindo da Madeira, davam aquella ilha em grande agitação; e consta-me que um cavalheiro, o sr. Campos, havia recebido uma carta em que se firmava isto mesmo, e parece que não se dizia isto em segredo, antes declarando-se que effectivamente ali se deram certos movimentos em virtude de algumas medidas ou projectos apresentados pelo governo. Mas eu não posso exigir ao sr. ministro do reino uma declaração ácerca de uma cousa de que s. exa. diz nada sabe, porque essa exigencia seria um absurdo. No entanto como não tenho a honra de fazer parte do ministerio, e a este é que primeiramente virá qualquer noticia áquelle respeito, digo que se alguma chegar ao meu conhecimento, que corrobore o que já se divulgou, eu então pedirei explicações ao sr. ministro do reino.

O sr. Ministro do Reino: — Ainda direi algumas palavras. Eu supponho que os acontecimentos da ilha de S. Miguel, dos quaes tivemos noticia, e sobre que o governo já providenciou, é que naturalmente deram origem ao boato com respeito á ilha da Madeira, porque logo se espalhou que aquelles acontecimentos se haviam de repetir em outras ilhas, visto que a causa que se lhes assignava era a substituição dos dízimos pagos em genero pela contribuição em dinheiro. Não sei se essa é que foi a causa, mas o que sei é que é sempre difficil fazerem-se certas mudanças ou alterações no sistema de impostos, sem que haja algum acontecimento maior ou menor, e ás vezes mesmo grave e muito de lamentar.
Pode ser que na ilha da Madeira tivesse havido algum movimento, mas o governo por ora não o sabe, e talvez que a causa fosse outra, pois sabia-se que aquella ilha estava, dividida em duas fracções políticas, e de certo modo bastante pronunciadas uma contra a outra, apesar das instrucções dadas pelo governo ao governador civil, e que este havia tratado de pôr em pratica, para que as cousas caminhassem do melhor modo possivel, e até favorecendo a possibilidade da eleição de deputados por cada uma das suas parcialidades; mas tudo quanto se tentou neste sentido foi trabalho baldado. Mas tal era a agitação que havia já por causas antigas, que não foi possivel, apesar das diligencias empregadas pelo governador civil, concilia-los, em virtude das paixões que havia excitadas de parte a parte.

Ora, esta agitação, existindo como existia, é possivel que se manifestasse ali, como succedeu em S. Miguel. Entretanto o governo não tem até agora recebido participação alguma a tal respeito; mas tão depressa saiba alguma cousa, ha de dar as providencias, necessarias, como deve, para que a ordem publica seja restabelecida.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na

Continua a discussão do parecer n.° 12 sobre o emprestimo dos 18.000:000$000 réis

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par o sr. Ferrer.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, vou fazer algumas breves reflexões aos argumentos apresentados pelo sr. ministro da fazenda a ultima vez que fallou; mas antes disso permitta-me a camara que eu apresente o juizo que faço do modo como tem corrido a discussão, para o que fiz um esforço de memoria:

Sr. presidente, eu acho que a discussão tem tido differentes phases segundo as diversas interpretações que o sr. ministro da fazenda deu ao seu projecto e ao contrato.

Na outra casa do parlamento os membros da illustre commissão de fazenda sustentaram sempre que no projecto do sr. ministro, que se acha em discussão, não entrava o contrato Goschen, e tanto que esse contrato não foi votado.

Depois entrou o projecto em discussão nesta casa, e a verdade é que no principio desta discussão os dignos pares entenderam que o projecto não comprehendia o contrato Goschen, porque as palavras do artigo 1.° e do artigo 7.°, em que se estabelecem as condições, referem-se aos contratos futuros e não aos passados; mas houve tambem outros que entenderam o contrario, sendo de opinião que o contrato Goschen era comprehendido neste projecto, porque viam nelle a estipulação pela qual era obrigado o sr. ministro a apresentar o projecto á camara para ser auctorisado a ratifica-lo.

Destas incertezas de opinião resultou o ver-me obrigai

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do a dirigir ao sr. ministro algumas perguntas, isto é, se o projecto comprehendia ou não o contrato Goschen, e se approvado o projecto ficava ou não o governo auctorisado a ratificar este contrato.

O sr. ministro levantou-se e teve a bondade de declarar que os seis primeiros artigos do projecto se referiam ao contrato Goschen, e que o comprehendiam. Outra phase da discussão.

Nesta occasião levantou-se com muita rasão o sr. conde de Thomar, e disse: «Se o projecto se refere ao contrato Goschen, e se o comprehende, mando para a mesa uma emenda para que fique auctorisado o governo a ratifica-lo.»

Depois levantou-se o sr. ministro, e apesar de ter antecedentemente dito que concordava nessa emenda, declarou que a não podia aceitar, porque o contrato não era definitivo mas provisorio. Outra phase.

Collocada a questão nesta nova phase, de que o contrato era provisorio, disse eu = pois que o contrato é provisorio, e o sr. ministro confessa que nesse projecto se podem fazer modificações e alterações, não estamos hoje entre a espada e o muro, temos um horisonte mais largo, e podemos discutir mais á vontade e propor quaesquer modificações que entendermos são de conveniencia publica =; e neste sentido mandei para a mesa uma substituição ao artigo 1.° e uma .emenda ao artigo 5.°

Levanta-se o governo combatendo este argumento, temos uma nova phase, e dizendo que o projecto não era só provisorio, era provisorio e definitivo! Quer dizer, tinha duas naturezas, duas caras como Jano.

Sr. presidente, a opposição tem aceitado a discussão em todos os terrenos em que tem sido collocada, e aceitou-a neste ultimo terreno, no qual me parece que o sr. ministro não ficou em melhor situação do que estava anteriormente. O seu projecto não é provisorio nem definitivo, é simultaneamente provisorio ~e definitivo. Quando o sr. ministro fez esta declaração, o sr. conde de Thomar teve rasão, e procedeu logicamente, retirando o requerimento pelo qual tinha pedido "para retirar a substituição que offerecera ao artigo 1.°

Qual é, sr. presidente, o terreno em que se acha neste momento a questão? Segundo as interpretações erradas do sr. ministro da fazenda o terreno é este, o projecto inclue o contrato Goschen, o contrato Goschen não é inteiramente definitivo nem inteiramente provisorio, é em parte uma e em parte outra cousa.

Ora, sr. presidente, se elle em parte é definitivo e em parte provisorio, o que diz a carta? A carta constitucional diz que = ao parlamento pertence approvar os contratos =; por consequencia esta casa tem obrigação de approvar ou desapprovar o contrato Goschen na parte em que contem estipulações definitivas. Como ha de, e eu peço a attenção da camara, a camara delegar no governo o poder de ratificar um contrato que foi aqui apresentado, que tem sido discutido, e que tem sido apreciado? Ha de a camara dizer — fica o governo auctorisado a ratificar o contrato na parte em que é definitivo, e abdicar assim das suas prerrogativas? Ha de a camara dizer que não é capaz de dar um voto de approvação ou de desapprovação?

Esta camara pois, segundo a carta constitucional, ordena — ha de necessariamente, visto que esse contrato contem uma parte definitiva; ha de approvar ou desapprovar, porque, praticando de outra sorte, abdicaria das suas prerrogativas, o que não deve fazer depois que por uma larga e esclarecida discussão se mostrou que o projecto encerra essa parte definitiva.

Sr. presidente, este terreno em que se collocou o sr. ministro é muito escabroso, e tenho notado que s. exa. quasi nunca encontra terreno onde possa firmar os pés. Pois se o contrato é em parte definitivo e noutra parte provisorio, porque se não ha de descriminar qual é a parte definitiva, e qual a provisoria, para se approvar uma e dar auctorisação ao governo para modificar e alterar a outra?

Agora, pelo que diz respeito á emenda que eu tive a honra de mandar para a mesa, reduzindo o imprestimo de 4.000:000 a 3.000:000 libras, eu peço á camara que note sem quaes foram as reflexões que a tal respeito fez o sr. ministro da fazenda.

S. exa., respondendo ás considerações que eu então apresentei, declarou que effectivamente não eram precisos mais do que 2.000:000 libras para a amortisação da divida fluctuante externa, 1.000:000 para as despesas ordinarias e extraordinarias dos annos económicos de 1868-1869 e 1869-1870, e alguma cousa que sobejasse seria para a ajuda da desamortisação da divida fluctuante interna.

Ora, se o contrato é mau, como todos entendem que é, e como s. exa. já confessou que era, qual ha de ser a rasão por que se não ha de contrahir unicamente um emprestimo pela somma indispensavel, isto é, só os 3.000:000 - libras, para depois, mais tarde, se fazer um emprestimo em melhores condições?

A estas objecções responde o sr. ministro da fazenda que receia muito que o banqueiro Goschen não queira fazer a negociação com taes bases; mas seu creio firmemente que s. exa. está enganado. O banqueiro Goschen, segundo as informações que tenho, é um cavalheiro distincto, não é nenhum troca-tintas, e é impossivel que sendo elle um perfeito cavalheiro e um homem de honra, deixe de aceitar qualquer proposta do governo,- em que se lhe declare que bastam só 3.000:000 libras.

Mas, sr. presidente, onde nos leva esta doutrina do sr. ministro da fazenda? Parece que o banqueiro Goschen tem o poder moderador e por consequencia o direito de fazer caducar as deliberações do parlamento portuguez. Isto não póde ser. Eu sustento a minha proposta; e se o banqueiro Goschen for inexoravel nas condições consignadas no contrato, e quizer pôr o pé sobre os poderes publicos desta terra, não admittindo que o emprestimo seja de 3.000:000 libras, nesse caso declaro que a minha opinião é, que antes morte do que vergonha; pague o ministro da fazenda 57:500 libras, que nem por isso Portugal vae á vela, nem por isso a nau do estado vae ao fundo, e eu espero que se possa fazer um contrato sobre a base dos bens desamortisados, cora- taes vantagens que compensem o pagamento dessas 57:500 libras, havendo ainda lucro. Por este meio poder-se-ha ainda sustentar o nosso credito nas praças estrangeiras, emquanto que por isto que tratou o sr. ministro, o nosso credito fica pelas das da amargura.

Agora ha de dizer-se ainda mais, isto é, que tendo a discussão na camara dos pares mostrado que 3.000:000 libras era sufficiente, o sr. ministro da fazenda reconhecendo que assim era, entretanto aceitou e sustentou um emprestimo em taes condições para 4.000:000 libras!

Sr. presidente, o illustre ministro da fazenda, respondendo á demonstração que eu fiz, de que as corporações de mão morta não tinham propriedade, respondeu de um modo satisfactorio, por isso que disse que tal demonstração era escusada, visto que s. exa. tambem assim entendia; mas eu fiz aquella demonstração por causa da doutrina de s. exa. Pois o sr. ministro da fazenda professa a doutrina de que taes corporações não têem domínio nem propriedade nos bens immobiliarios, é apresenta na outra camara uma proposta tacanha que se reduz á venda de certos bens de raiz por inscripções! Porque não disse desde logo: «Não ha propriedade para corporações de mão morta, por consequencia os bens de taes corporações ficam desamortisados e encorporados nos bens nacionaes! Ora, agora quer-se ver a differença? Pela theoria do sr. ministro não resulta senão a vantagem económica da liberdade da terra mas não tira as vantagens financeiras para contrahir qualquer emprestimo com uma hypotheca solida e firme que nunca podia deixar de ser aceita.

Eis aqui explicado como foi que eu julguei necessario fazer aquella demonstração, pois que a doutrina do sr. ministro a respeito dos bens das corporações de mão morta,

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comquanto diga que está conforme com o que eu sigo, entretanto a apresentação da sua proposta o que mostra é que, pelo contrario, s. exa. fez uma transacção com a doutrina de que aquellas corporações, têem propriedade e por isso lhe quer subrogar os bens por inscripções! Emquanto que a doutrina verdadeira vae mais longe, porque constitue esses bens em bens nacionaes. Mas enfim eu estimo muito que o nobre ministro professe a verdadeira doutrina porque prevejo que ha de ser obrigado a modificar a sua proposta e vir a adoptar a que é a consequencia verdadeira e lógica do principio ha muito reconhecido de que as corporações de mão morta não têem propriedade.

Sr. presidente, o nobre ministro quiz fazer-me carga de uma doutrina que eu não professo quando me referi á bancarrota; mas é preciso que se saiba que eu não disse cousa alguma neste sentido, disse até o contrario. Li aqui uma tabella dos bens das corporações de mão morta que se acham inventariados, fallei nos que faltavam inventariar, e finalmente fiz um calculo approximado de que os bens que se devessem desamortisar importavam no melhor de réis 40.000:000$000, e acrescentei estas palavras formaes: quem póde dispor de uma somma tão grande como esta, não faz. bancarrota senão por uma inépcia indesculpável. Ora, quem diz isto, não diz que estamos proximos de uma bancarrota, porque todos sabemos que Portugal ainda tem muitos recursos; o caso está em saber usar delles, e não fazer economias rachiticas e tacanhas, que não dão quasi resultado nenhum. É necessario tratarmos da organisação dos serviços por meios suaves e não querer chegar a esse ponto por meios de que Deus nos afaste.

Sr. presidente, quem alludiu aqui á bancarrota foi o sr. ministro, que logo no primeiro dia em que entrou este projecto em discussão, pediu com grande urgencia a sua resolução, dando a entender que estávamos proximos do abysmo; isto em lingua vulgar é que se chama bancarrota. Por differentes vezes se tem querido attribuir a responsabilidade da demora da approvação do contrato á camara dos pares, ameaçando-nos com as consequencias dessa responsabilidade, e collocandonos entre a espada e a parede; estando de um lado a bancarrota e do outro a salvação.

Sr. presidente, fiz eu sentir, com dados estatisticos, tirados do boletim da secretaria d’Estado dos negocios eclesiásticos e de justiça, o desperdício que havia nos bens que se trata de desamortisar, desperdício espantoso, não só nos que se estão a extraviar pelo desaparecimento dos títulos, pela confusão dos foros, e dos limites dos prédios rústicos, mas sobretudo perdendo o rendimento de 280:000$000 réis, para fallar só nos conventos do sexo feminino, onde chega ao ponto de haver uma religiosa que tem 2:000$000 réis por anno, outras 1:000$000 réis, e outras 800$000 réis, etc., ao passo que outras estão a morrer de fome, e assim succederia se o governo lhes não desse um pequeno subsidio, quando a justiça pede que todas ellas estejam em circumstancias iguais. Disse eu então que o governo não só pelas leis antigas, mas tambem pela legislação nova tinha o direito de uma cousa a que se chama Jus principum circa sacra, porque o governo é o tutor das corporações de mão morta, e tem direito de inspecção e de corrigir os abusos que se derem na administração desses bens, por meio da sua tutela. E tem o governo feito isto? Quer a camara saber o que o governo tem feito para pôr cobro a estes desperdícios?

Diz o sr. ministro da fazenda que já apresentou na outra camara um projecto de lei para ser auctorisado o governo a despender até á somma de 20:000$000 réis com as despezas que são necessarias para se fazer a parte que falta a fazer do inventario desses bens. Pois remedeia isto até alguma forma os desperdícios que ha? Pois este é o remedio para o que se está dando, e que eu já aqui notei? Não faz o sr. ministro da fazenda parte de um ministério que se lançou no caminho da dictadura? Não tomou este governo providencias mil vezes menos urgentes do que esta? Então porque não publicou tambem em dictadura alguma medida a este respeito? Pois não se praticaram em dictadura alguns actos, não só menos urgentes, mas até contrarios a leis expressas, e mesmo tornando-se por fundamento leis derogadas? Não determinou, por exemplo, o governo que a idade requerida para eleitor fosse de vinte e cinco annos? E determinou-o fundando-se em que? Em um artigo da carta que está revogado pelo acto addicional! Parece impossivel que se escrevesse uma cousa destas! São cousas que só agora se vêem. Mas quando se fizeram todas estas cousas é que se podiam tambem tomar todas as providencias que se tornavam necessarias para evitar os abusos que eu tenho notado.

Porem, como havia de o governo fazer isso, se por outro lado acaba um convento por ter morrido a ultima religiosa, e o governo manda continuar a corporação! Isto fez um dos Srs. ministros: o da justiça ou o do reino, que é a quem mais directamente diz respeito. Isto é curioso! Temos em Portugal um convento que acabou porque morreu a ultima religiosa, e o governo determina que este convento continue a subsistir, entregando a administração e direcção delle a uma secular.

Quer dizer: o sr. ministro do reino, creou uma freira.
(O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.) Sr. presidente, a doutrina do sr. ministro da fazenda é outra: s. exa. declarou que entre as estipulações com a casa Goschen ha algumas definitivas, e entre ellas apontou a que estabeleceu a multa. Apontou muito bem. Se se não approvar o contrato ha de o governo pagar a multa. Não ha duvida; nesta parte o contrato é definitivo e acabado, mas se assim é, pergunto eu ao sr. ministro: com que auctoridade se comprometteu s. exa. a pagar 57:500 libras no caso de não ser approvado o contrato? Aonde estava a auctorisação que se deu a s. exa. para fazer uma tal concessão?

Pois o sr. ministro póde despender um ceitil, sem que esse ceitil esteja votado para uma despeza pelas Côrtes? Parece-me que não. A doutrina constitucional é esta, e o governo não a seguindo violou a carta constitucional. Não quero dizer que esta camara o accuse; a accusação pertence á outra camara, como a esta pertence converter-se em tribunal de justiça para julgar; mas a verdade é que o governo violou a carta neste ponto.

Sr. presidente, lastimo que o sr. ministro da fazenda não aceitasse a doutrina do sr. Ferrão, doutrina que devia aceitar para resistir ás pretensões do banqueiro Goschen.

O sr. Ferrão sustentou e sustentou muito bem, que todo e qualquer contrato feito pelo governo, emquanto não for approvado pelas côrtes é nullo. E pois que falta a este contrato a condição especial marcada pela constituição, isto é, a approvação das côrtes para elle ter validade, devia socorrer-se a esta doutrina, de que o contrato estava nulla pela falta desta approvação, para se oppor ás exigencias de Goschen. Portanto parece-me que o sr. ministro da fazenda não andou muito prudentemente, negando-se a aceitar a doutrina estabelecida pelo digno par o sr. Ferrão.

Sr. presidente, o nobre ministro da fazenda conveiu, como não podia deixar de convir, em que taes milhões sterlinos são sufficientes para a conversão da divida externa, que é aquella que nos assoberba mais, e que está pendente sobre a nossa cabeça como a espada de Damocles, e ainda lhe fica um milhão de libras para as despezas do contrato e para occorrer aos encargos dos dois annos económicos de que já fallei. Ora pois, se o sr. ministro convém nisto, porque não havemos de. deixar para tempo mais opportuno, com a magnifica base que temos para offerecer aos banqueiros, a negociação da somma precisa para outras despezas que não são tão urgentes, negociação que se poderá fazer em condições muito mais vantajosas, tomando para isto por fundamenta os bens desamortisados? A minha substituição para os 4.000:000 libras serem reduzidos a libras 3.000:000 era a consequencia da doutrina do sr. ministro da fazenda.

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S. exa. o que tem é receio do banqueiro Goschen. Já procurei desvanecer esse receio, e indiquei os meios de que devem valer-se neste negocio para determinar o banqueiro a reduzir a cifra do emprestimo de 4.000:COO libras a 3.000:000. Não tenho mais nada a dizer.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): — Vou ser breve. O tempo urge e esta discussão tem-se demasiadamente prolongado. Não entrarei pois em largas considerações para responder ao digno par, e limitar-me-hei a responder aos principaes tópicos do seu discurso.

Disse s. exa. que o contrato feito com Fruhling & Goschen tinha uma parte provisoria e outra definitiva; e disse tambem que essa parte definitiva carecia da approvação do corpo legislativo para ter effeito, e para o governo poder fazer uso della. Respondo ao digno par que a parte definitiva deste contrato é unicamente a que diz respeito ao supprimento de 500:000 libras. Para fazer este supprimento o governo não precisava auctorisação do parlamento, porque lá a tinha na lei da receita e despeza, e o governo podia fazer representar a receita pelos meios que a lei geral do orçamento lhe faculta. Portanto, levantando este supprimento, o governo não violou a carta, assim como não a violou em outros supprimentos que tem levantado.

Mas como se não violou nos outros supprimentos que se têem levantado, porque isso são operações que se fazem constantemente no ministério da fazenda, e para as quaes o governo está legalmente auctorisado pelo corpo legislativo, não é preciso que os contratos de supprimentos venham ao parlamento para depois os approvar. De outro modo era necessario que o parlamento estivesse constantemente reunido, e que fosse elle que governasse.

O poder executivo exerce as suas atribuições dentro dos limites das leis, e dentro delles não precisa do novo assenso do corpo legislativo. Mas, como o contrato se compõe de duas partes distinctas, uma que diz respeito ao supprimento e outra ao contrato de emprestimo, por isso disse e sustento que a parte que se refere ao supprimento é definitiva, por que produziu já, os seus effeitos; portanto, não vejo que me ache em terreno escabroso como disse o digne par.

Veiu depois a questão da bonificação, que, como o sr. Ferrão disse, pôde-se considerar um juro acima do estipulado, que tem de se pagar em certas circumstancias e que deixa de se pagar em outras.

Eu não vejo que haja limite algum na lei de receita e despeza, e que por elle se possa inferir que o governo violou a carta constitucional; esse limite está entregue á probidade, diligencia e esforços dos ministros, que necessariamente hão de empregar todos para que os juros sejam os mais modicos possives; e todos se devem convencer que quando um ministro se vê obrigado a levanta um supprimento com um juro elevado, é para elle muito doloroso. Desgraçadamente o preço dos dinheiros que o governo se vê obrigado a levantar dentro ou fora do paiz, depende de muitas circumstancias que não se poderão comprehender numa lei.

Considerava a questão debaixo deste ponto de vista, não sei como se possa dizer que o governo violou a carta. E necessario portanto que não exageremos, como se procura fazer, a aspereza do supprimento das 800:000 libras, aliás pouco agradável, mas imperiosamente indispensavel, porque se não se fizesse, as consequencias para o paiz seriam muito mais graves, pois que não havendo meios de pagar as letras que estão para se vencer, ellas se fiam protestadas, e os prejuízos haviam de ser muito maiores. Por consequencia, é necessario não accusar constantemente os ministros e censura-los por fazerem o que elles julgam, em sua consciencia, que devem fazer para salvar o paiz de uma crise gravissima.

Perguntava-se tambem qual era a rasão por que, confessando eu, que 3.000:000 esterlinos eram sufficientes fui contratar um emprestimo de 4.000:000. Eu explico. O digno par na proposta que mandou para a mesa, separou a indemnisação á companhia de sueste, e auctorisa o governo a paga-la por outro modo: mas se incluirmos no emprestimo esta indemnisação, os 3.000:000 não chegam; e será possivel fazer o pagamento pela forma que o digno par quer? Essa é que é a questão. E o digno par por ora não está habilitado para poder avaliar essa questão.

Pois, sr. presidente, é sabido que esta questão está ligada com outras como tem estado quando se começou a resolver esta questão do caminho de ferro. Ora, se os 3.000:000 propostos pelo digno par são sufficientes para a divida fluctuante, para o déficit do anno corrente, porque o do anno passado já se suppriu de alguma forma, e ainda para alguma parte ínfima da divida fluctuante interna, quando tenha que incluir o pagamento á companhia do caminho de ferro, não comprehendendo ahi as despezas dos dois annos económicos...

O sr. Ferrer: — Como quer o governo pagar a consignação para o caminho de ferro?

O Orador: — Em mais de 500:000 libras importa a Indemnisação á companhia do caminho de ferro, incluindo a commissão e outros encargos. Diga o digno par quanto é?

O sr. Ferrer: — Dois mil contos.

O Orador: — Peço perdão; pois o digno par levanta 3.000:000 libras, e tendo de pagar differentes despezas, a consignação ao caminho de ferro, e mais de 2.000:000 de divida estrangeira, o que póde ficar? Não fica nada.

E demais quem diz ao digno par que os credores da divida interna tambem não venham exigir ao governo o seu pagamento? Não sabe s. exa. que todos os dias se estão fazendo exigencias para o pagamento dos escriptos do the souro? Hoje mesmo me foram pedir mais de 80:000$000 réis. Como posso eu dizer aos credores da divida interna que esperem que eu faça operações mais vantajosas para então lhes pagar. Não posso, porque aquelles credores hão de querer receber o seu dinheiro como os credores externos, mas elles vieram ao thesouro em virtude do meu contrato, e então o ministro não póde dizer senão que paga a sua divida. (O sr. Conde de Thomar: — Tem rasão.) Pois aqui dentro do paiz uns credores, 3ão privilegiados e outros não?

Pois, ar. presidente, desde o momento que se fizer um emprestimo como se ha de dizer aos capitalistas nacionaes que não venham inscrever-se neste emprestimo? E o digno par que tem desejos de conservar a lei, sabe que não se póde fazer isto. E preciso manter o credito dentro e fora do paiz. É o que o governo tem feito, e por isso tenho lutado com grandes difficuldades para obter esse fim.

Sr. presidente, é necessario attender a todas estas circumstancias, e o digno par sabe muito bem que temos obrigação de pagar tanto aos credores da divida externa como aos da interna (apoiados}.

Ora, se porventura os credores nacionaes não exigirem o seu pagamento, porque o seu juro é menos do que aquelle que pagamos lá fora, e mesmo porque elles têem bastante patriotismo para não fazerem exigencias ao thesouro, como fazem os estrangeiros, que têem rasões para terem patriotismo por este paiz, e attendem unicamente aos seus interesses, então é conveniente que o governo os possa tambem attender (apoiados). Disse-se que o governo estava auctorisado para consolidar estes titules; mas essa auctorisação tem limites pela lei; é a consolidação forçada ordenada pelo governo, mas a consolidação forçada ordenada pelos prestamistas, essa estamos nós obrigados a faze-la sempre que elles a peçam, quando a queiram fazer.

Ora, sr. presidente, o digno par disse que eu estava sustentando uma doutrina falsa, e foi necessario que s. Exa. me desse a prelecção sobre se as corporações da mão morta tinham ou não direito de propriedade. Eu disse na ultima sessão que não entrava na discussão desta questão, porque a occasião opportuna para isso linha passado quando se discutiu u lei de 4 de abril de 1861. Nesta ocasião foi essa questão discutida largamente. V. Exa., assistiu a este

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debate, e sabe como as cousas correram, as circumstancias que se deram, os argumentos que se apresentaram, e sabe tambem que as opiniões foram variadas. Eu parti dos principios estabelecidos nessa lei e na de 16 de julho de 1866, e entendi que não devia incluir no meu projecto outra doutrina se não a seguida por aquellas leis. Se eu tivesse alterado essa doutrina, se não me tivesse ligado ao principio seguido nas leis de desamortisação, ver-me ia na necessidade de apresentar a minha doutrina, e de me conformar ou não com a opinião do digno par; mas eu apresentei a proposta á camara dos senhores deputados, seguindo exactamente as regras e principios das leis anteriores. Por consequencia eu não tratei de discutir doutrinas, nem de entrar nas apreciações theoricas a que o digno par se referiu, e que tratou como professor distincto que effectivamente é. Portanto, sr. presidente, com relação a este ponto parece-me que tenho respondido, e agora limitar-se-ha a muito pouco o que tenho a dizer.

Sr. presidente, por parte do governo tem-se discutido esta questão como se tem sabido e podido. O governo apresenta nesta proposta de lei a solução que entende conveniente para a gravissima questão financeira, que actualmente nos afflige. O governo não quer fazer pressão nenhuma sobre os corpos legislativos, como já a não quiz fazer na outra camara nem a quer fazer tão pouco sobre esta. O que deseja é que a questão se resolva (apoiados), e que a camara rejeite ou approve a proposta do governo. O governo pelos meios que indica julga-se habilitado para poder resolver a questão financeira. Se a camara dos pares julga que ha outros meios mais conducentes para chegar ao mesmo resultado, que os adopte. Pressão é que o governo não exerce, nem a camara a admittiria (apoiados}. O governo está no^iireito de dizer a sua opinião, e a camara dos pares tomará a resolução que entender na sua alta sabedoria.

O sr. Costa Lobo: — Muito bem. (O orador não reviu os seus discursos.) O sr. Ferrer: — O sr. ministro da fazenda, fallando com vehemencia, suppoz que eu não queria ^que se pagasse a divida fluctuante interna, e exclamou que tinha tanto obrigação de pagar a interna como a externa. Eu disse o contrario do que s. exa. suppoz; disse que a divida fluctuante externa era de 2.000:000 libras ou 9.000:000^000 réis, e por consequencia ainda ficavam 4.500.000^000 réis para as despezas dos annos economicos e para o pagamento da divida interna.

- iio que eu não fallei foi no pagamento da indemnisação do caminho de ferro; nisso é que eu não fallei; nisso é que fallou o sr. ministro da fazenda, e eu disse que para isto é que não ha urgencia, porque é uma generosidade que o governo faz, e que a deve querer pagar quando estiver nas circumstancias de o fazer.

Já não foi pouca a generosa concessão °de 2.400:000$000 réis, sem tirarmos dahi proveito algum para o thesouro, e que nem ao menos serviu para se negociar um emprestimo em boas condições.

Eu digo que 13.500:000^000 réis chegam para pagar a divida fluctuante interna e externa, para as despezas dos dois annos economicos de 1868-1869 e 1869-1870, e que até neste ultimo anno o sr. ministro ha de ser ajudado com os importantissimos impostos, que tem proposto na outra casa do parlamento, que é uma fonte de receita sobre a qual se deve já calcular.

Sr. presidente, quando o sr. ministro me provar que a urgencia em pagar os 2.376:000^000 réis á companhia, do caminho de ferro é tão grande como a obrigação rigorosa de pagar a divida fluctuante interna e externa, direi que s. ox.-a tem rasão.

Para que é fazer pois grandes admirações sem funda mento? A verdade é que o sr. ministro é que está incurso nessas exclamações que fez, porque s. exa., pelo seu projecto, é que não quer pagar a divida fluctuante interna. É

necessario fallar com mais cautela, porque as palavras estão aqui escriptas, E eu vou ler á camara o artigo 5.° para se ver que as settas que me atirou o sr. ministro, no caminho voltaram-se contra o seu proprio coração. Não sou eu que não quero que se pague a divida fluctuante interna, é s. exa. que só quer que se pague quando o permittirem as circumstancias do thesouro. Não é quando o exigirem as necessidades dos mutuantes (leu).

O sr. ministro quer que se pague a divida fluctuante externa, porque os prestamistas a exigem; não é porque o .hesouro possa ou "não possa. Mas a divida fluctuante in-,erna, essa diz o sr. ministro que ha de ser paga, se as ne-iessidades e conveniencias do thesouro o permittirem. Não é se os credores internos o exigirem.

Portanto quem é que não quer o pagamento da divida fluctuante interna? Sou eu, que quero que se appliquem 4.500:000^000 réis para as despezas dos annos economi-os, de que trata o artigo, e para esta divida, ou é o sr. ministro que veiu aqui proclamar uma grande differença ntre a divida interna e e externa, e exclamar que eu não quero o pagamento da divida fluctuante interna?

O que eu não1 quero é que se ponha na mesma linha, e se considere com igual obrigação, o pagamento aos prestamistas da divida fluctuante interna e externa, e o pagamento de uma generosidade a uma companhia. Para isto não ha urgencia nenhuma. Para que vem pois o sr. ministro argumentar com o pagamento destes 2.400:000^000 réis para esta companhia, e o põe na mesma linha de rigor que o pagamento das dividas fluctuantes interna e externa, fazendo uma concessão gratuita, voluntaria, sem remunera-;ão de qualidade alguma, sem ao menos conseguir, como fez o sr. Carlos Bento, um emprestimo em condições mais vantajosas. E vem aqui dizer que a urgencia de pagar esta divida é tão grande, como o pagamento da divida interna externa?

Sr. presidente, repito que é necessario ter mais cautela quando se fazem grandes exclamações contra os oradores, para que as settas que lhes lançarem não vão cair sobre si proprios.

Agora, sr. presidente, se v. exa. me dá licença, mando para a mesa um parecer da commissão de administração, ácerca de um projecto de lei relativo á camara municipal de Guimarães. Escuso de o ler, porque estou cansado, e o sr. secretario me fará esse favor.

Leu-se na mesa, e mandou-se imprimir. O sr. Ferrão:—Depois de sustentar as doutrinas e.ºpiniões que tem apresentado,nesta discussão, leu e mandou para a mesa a seguinte declaração:

«A camara, dando a sua approvação ao projecto de lei, tendo por objecto auctorisar o governo a levantar um emprestimo até á somma de 18.000:000^000 réis, não entende confirmar nem ratificar directa nem indirectamente o contrato celebrado com mrs. Fuhling & Goschen, nem portanto algumas das condições necessarias do mesmo contrato. Sala das sessões, 9 de julho de 1869.=Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

(Entrou o sr. presidente do conselho de ministros.) O sr. Presidente: — O que o digno par, o sr. Silva Ferrão, acaba de mandar para a mesa, é uma declaração que s. exa. quer que se lance na acta?

O sr. Ferrão:—Eu requeiro que a minha declaração seja lançada na acta, mas proponho a v. exa. que a submetta á approvação da camara. Foi approvada.

O sr. Ministro da Fazenda (sobre a ordem):—Parece-me, sr. presidente, que seria melhor continuar a discussão do projecto, e depois delle votado discutir-se a moção.

O sr. Ferrão:—Eu não me opponho, sr. presidente, a

que seja tomada em consideração pela camara a declaração

que mandei para a mesa, mas nesse caso requeiro a v. exa.

que entre na discussão.

O sr. Costa Lobo: — Louva o sr, ministro da fazenda pela

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franqueza com que fallou no seu relatorio, o que lhe pareceu que era necessario para que, á vista da grandeza do mal, o paiz fizesse um esforço capaz de o salvar, o que só poderia por este meio obter-se.

Mostrou o que poderia seguir-se da não approvação do projecto, que não era só ter de pagar-se a bonificação, mas tambem que os 10.000:000$000 réis em inscripções, que servem de penhor ás 517:000 libras do supprimento, foram lançadas ao desbarate do mercado por não ter o governo meios para pagar a letra correspondente ao mesmo supprimento; e que se assim fosse, considerando-se por direito commercial vencidas todas as letras logo que uma e protestada, póde suppor-se quão grandes seriara as perturbações, e quão grave seria a responsabilidade em que a camara incorreria se negasse ao governo esta auctorisação que elle lhe pede.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum digno par inscripto, e então vae passar-se á votação; mas antes d'isso o sr. primeiro secretario vae ler a substituição ao artigo 1.°, mandada para a mesa pelos srs. Ferrer e Rebello da Silva.

O sr. Marquez de Vallada: - Proponho que a votação sobre a materia do artigo 1.° seja nominal.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: - Em conformidade do regimento vae votar-se o artigo 1.°, e depois se votará a substituição.

Posto a votos o artigo

Disseram approvo - os dignos pares, Marquez de Sá da Bandeira; Condes, de Fornos, da Ponte, de Samodães e de Thomar; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazi, de Condeixa, de Monforte, de Porto Covo, de Villa Maior, D. Antonio José de Mello e Saldanha, Antonio de Sousa Silva - Costa Lobo, Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, Custodio Rebello de Carvalho, Felix Pereira de Magalhães, Jayme Larcher, José Augusto Braamcamp, José Joaquim dos Reis e Vasconcellos, José Lourenço da Luz, Rodrigo de Castro Menezes Pitta, Roque Joaquim Fernandes Thomás, Conde de Castro, Visconde de Soares Franco.

Disseram rejeito - os dignos pares, Duque de Palmella, Marquezes, de Ficalho, de Fronteira e de Vallada; Condes, das Alcáçovas,, de Ávila, da Louzã e do Rio Maior: Viscondes, de Fonte Arcada, de Seabra; Barão de Foscôa, Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho, Eduardo Montufar Barreiros, Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão, José Maria do Casal Ribeiro, Luiz Augusto Rebello da Silva, Manuel Vaz Preto Gerardes, Miguel Osorio Cabral de Castro, Vicente Ferrer Neto Paiva, Conde de Fonte Nova.

Ficando portanto approvado o artigo 1.° e seu § unico, por 24 votos contra 20.

Entrou em discussão o

Artigo 2.°

O sr. Ferrer (sobre a ordem): - Sr. presidente, eu mandei para a mesa uma emenda ao artigo 5.° para apresentar um pensamento completo; mas essa emenda comprehende a idéa de substituir a hypotheca dos direitos do tabaco pela hypotheca dos bens desamortisados. Por consequencia peço á camara que considere tambem aquella emenda como admittida ao artigo 2.° do projecto que trata desta materia.

Eu quiz fazer um pensamento completo, por isso apresentei a emenda com referencia ao artigo 5.°; mas como no artigo 2.° se trata da hypotheca dos direitos de tabaco, que eu quero substituir pelos bens desamortisados, peço a v. exa. e á camara permittam que a minha emenda que mandei para a mesa relativa ao artigo 5.°, seja considerada com relação ao artigo 2.°

O sr. Presidente: - Eu consulto a camara se entende que se deva tratar da emenda que o digno par propoz ao artigo 5.° na discussão do artigo 2.° do projecto.

Consultada a camara, resolveu-se affirmativamente.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco):- A emenda do digno par é esta (leu).

O artigo 2.° do projecto é o seguinte (leu).

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.º do projecto com a emenda do sr. Ferrer, e tem o sr. Casal Ribeiro a palavra.

O sr. Casal Ribeiro: - Tencionava pedir a palavra a v. exa., antes da votação do artigo 1.º, deste projecto, quando acabava de fallar o nobre relator da commissão, para responder em poucas palavras a algumas considerações que s. exa., faz, ainda que com toda a delicadeza que lhe é propria, com a referencia aos ministros que fizeram parte da administração a que tive a honra de pertencer, e com as quaes o digno par, permitta-me que o diga, foi algum tanto severo. Mas como eu não queria que se suppozesse que ia empregar uma dessas estrategias parlamentares, que se usava noutros tempos, e das quaes não gosto, por isso não tomei então a palavra; estas estrategias só são empregadas por quem tem fins, e eu que os não tenho, escuso de me servir desse meio.
Dada esta explicação, peço licença a v. exa., e a camara para declarar que pedi agora a palavra para dirigir tambem algumas perguntas ao sr. Ministro da fazenda sobre a materia geral do artigo 2.º, e aproveito esta occasião para, até certo ponto, ficarem respondidas algumas das considerações que fez o digno para o meu amigo o sr. Relator da commissão.
A camara entendeu na sua sabedoria que devia approvar o artigo 1.º deste projecto da forma como veiu da camara dos senhores deputados, ficando por consequencia rejeitada a substituição apresentada pelo nobre conde de Thomar; e do certo para tomar essa resolução foi levada pelo interesse do bem do paiz. Entretanto permitta-me ella dizer que a substituição apresentada pelo sr. Conde de Thomar era, a meu ver, um sentimento generoso da parte da opposição por ver que o governo até certo ponto tinha sido obrigado pela força da necessidade a fazer este contrato.
Desde, porém, que a camara não admittia esta reforma, e que proferiu as vantagens do laconismo do projecto, laconismo expresso em todas as condições; desde que a camara o resolveu debaixo da impressão, digamos a palavra, do terror, porque não foram outra cousa os argumentos apresentados da parte do illustre relator da commissão, e da dos srs. Ministros, e tanto assim que o illustre relator na sua peroração, para produzir impressão na camara, lhe mostrou que se o contrato não for realisado não temos só de pagar a multa, teremos desde logo de pagar o supprimento de 500:000 libras, com a comminação de um protesto, e de n'um certo praso lançar no mercado ao desbarato os titulos que serviam de garantia ao pagamento desse supprimento; desde que a camara votou debaixo desta impressão de terror, para usar do seu verdadeiro termo, porque isto não deshonra ninguem; deplora-se, mas não deshonra ninguem; quando a camara, digo, votou debaixo da impressão de terror este terrivel contrato, de certo a camara não quiz fazer com a sua votação que os termos da auctorisação fossem taes que obstassem por consequencia a ratificação do contrato, tal como se encontra, tal como se pretendeu a sua approvação da maneira a mais laconica; com tudo a substituição do sr. Conde de Thomar, que a camara não aceitou, era precisa.
Ora, eu tenho graves duvidas sobre ponto, e desejaria que o nobre ministro me declarasse categoricamente se entende que no artigo 2.º, de projecto da auctorisação estão comprehendidas as condições correspondentes ao contrato Goschen.
O artigo 2.º, diz (Leu)
Poderia já levantar uma duvida, e esta duvida se levantou na camara dos senhores deputados, até certo ponto com rasão, comparando-se a disposição deste artigo com a disposição do artigo 3º., do contrato, visto que neste artigo o governo consigna aos encargos do emprestimo os rendimentos do tabaco, e os contratantes aceitaram esta consignação, o que fazem sobre expressa declaração do governo

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de que o rendimento sobe a uma certa quantia de 500:000 libras e mais.

Esta declaração parece-me não ter sido introduzida inutilmente, porque de outra sorte poderia ficar o governo inhibido de fazer qualquer alteração, sobretudo alteração profunda na legislação que rege o imposto dos tabacos, pela qual podesse reduzi lo.

Ninguem ignora, independente da apreciação das conveniencias do paiz, que as circumstancias exteriores e as idéas economicas, que em um ou outro sentido predominem lá fora, nos podem aconselhar e quasi obrigar a uma resolução similhante. Esta duvida fica esclarecida completamente no projecto de auctorisação.

Entretanto, se nesta parte o projecto está perfeitamente de accordo com a disposição do contrato, que poderá parecer um pouco dura, e se é possivel obter modificações no contrato definitivo a que se ha de proceder com os contratadores, se elles se prestarem a isso, convem exigir uma declaração expressa e categorica que ponha o artigo em completa harmonia com o contrato, para que porventura não possa mais tarde servir de pretexto a qualquer reclamação de que o contrato não foi cumprido por não o ter o governo apresentado á ratificação das côrtes.

Mas não é sobre este ponto que eu quero particularmente chamar a attenção do sr. ministro. E sobre outro.

Pela disposição do contrato não se trata apenas de uma designação de vencimentos, como as consignações que se fazem á junta do credito publico, para attender aos encargos de outros emprestimos.

Ninguem ignora que sempre que se auctorisa uma emissão de titulos de divida interna ou externa, se consigna ao pagamento dos encargos dessa obrigação um certo rendimento que entra, á proporção que se cobra, na junta do credito publico. É pela lei organica que a rege, incumbe-lhe pagar os encargos da divida consolidada. Este encargo é permittido ajunta, cuja instituição, se a situação da nossa fazenda fosse normal, não se justificaria; foi creada como uma garantia aos credores, constituindo aquella corporação os representantes do poder legislativo, do poder executivo, e os juristas.

A lei que assim a organisou commetteu-lhe certas attribuições, e uma destas é o pagamento aos credores da divida consolidada. -

Mas o que acontece agora com o contrato Goschen? A velha junta acresce uma nova junta, e especial. A velha junta já não dá garantias. E necessario mais. E necessario que o rendimento não seja só hypotheca, mas entregue ao credor á proporção que se cobra mensalmente, ou ao seu representante, ou a um estabelecimento de credito para esse fim escolhido.

Pergunto eu ao sr. ministro: esta disposição do contrato acha-se porventura comprehendido no artigo da auctorisação? Esta attribuição que a lei confere á junta, de pagar os encargos da divida consolidada, acha-se revogada para o fim deste emprestimo? A auctorisação não diz nada. Com ella o sr. ministro não póde cumprir o artigo 3.º do contrato, ou tem de vir á camara pedir um bill de indemnidade.

Ora, parece que em presença destas circumstancias, conhecendo bem a camara qual é a situação do paiz, sujeitando-se ella a votar o contrato Goschen, parece-me, digo, que devemos consignar em um dos artigos do contrato uma disposição concernente á arrecadação do imposto dos tabacos, e ao pagamento das annuidades; porque tendo sido sempre o pagamento das nossas dividas feito por uma corporação portugueza que representava o paiz, vae agora ser feito por uma corporação estrangeira, pois que os artigos do contrato são clarissimos a este respeito. Os contratadores hão de receber mensalmente o imposto do tabaco e tambem elles é que hão de fazer o pagamento das annuidades, outro ponto tambem em que as leis orgânicas que regem entre nós são alteradas pelo contrato. O pagamento das annuidades não ha de ser feito pelo thesouro nem pela junta do credito publico, mas pelas mãos dos contratadores, e para este fim recebem uma bonificação de 9:000$000 réis, de maneira que, alem da commissão que por uma vez recebem, têem direito a 1/2 por cento sobre as annuidades que fazem; quer dizer, o pagamento das annuidades deste emprestimo vae custar mais caro do que a agencia financial de Londres, por onde se fazem todos os pagamentos dos encargos da nossa divida externa.

É portanto evidente que nós devemos consignar no artigo 2.° do contrato, ou em outro que parecer mais a proposito, uma disposição pela qual se modifique ou se faça uma excepção na lei organica da junta do credito publico, e nas leis que regem o methodo do pagamento das nossas dividas.

A proposito destas dividas alguma cousa poderia fazer sentir e dizer, porem não o farei.

Quanto ás allusões feitas ao passado pelo illustre relator da commissão de fazenda, qual será o motivo, a causa e a rasão por que a velha junta do credito publico, instituição como que de desconfiança, até certo ponto já não inspira confiança alguma aos prestamistas? Haverá aqui tambem alguma responsabilidade contrahida pelos actuaes ministros? Caberá aqui ainda melhor a nossa benevolencia?

Sr. presidente, lembra-se de certo o illustre relator da commissão que em janeiro ultimo o governo, á excepção do sr. ministro da fazenda que ainda então não fazia parte dos conselheiros da coroa, tendo-se querido ratificar ou legalisar uma operação de credito que havia sido intentada, foi necessario, caso inaudito, recorrer áquillo a que se chama emprestimo nacional, para se pagarem os juros da divida interna, para cujo fim ha rendimentos especiaes que, se se achassem depositados na junta do credito publico, não seria necessario recorrer á caridade publica para acudir naquelle transe angustioso e difficil em que estava o governo, e a que o tinha levado o systema péssimo de deixar chegar as cousas á ultima extremidade.

Ora, eu não quero dizer que a junta do credito publico não tenha feito em todos os tempos estas transacções com o governo, isso é uma cousa que toda a gente não ignora que se tenha feito, mas tem-se feito tambem a tempo e com muita prevenção, de maneira que nunca se chegou á necessidade e á extremidade de ser preciso implorar-se a caridade para satisfazer a certos encargos.

E como não bastasse isto, o governo publicou uma portaria com o fim de mandar pagar os rendimentos publicos que se achavam no thesouro, portaria que depois foi revogada.

Mas que effeito esperava o governo que lhe produzissem estes actos? Eu não sei o que elle esperava, mas o que aconteceu foi que na primeira operação de credito que pretendeu fazer, os prestamistas não se contentaram só com as garantias que são auctorisadas e protegidas pelas nossas leis, com os compromissos que sempre teem sido seguidos á risca, porque nós temos sempre cumprido religiosamente as nossas condições, é uma cousa que está na nossa indole e nos nossos costumes, mas nenhum se contentou com as condições usadas ha muito, e vieram exigir uma consignação de rendimento especial.

Parece me que quando se dão factos desta ordem, não devemos ter muita benevolencia para com o governo, porque as difficuldades com que elle actualmente luta não podem ser completamente attribuidas ás administrações passadas, e com isto respondo eu tambem ás reflexões apresentadas pelo illustre relator da commissão, a quem não posso deixar de agradecer a benevolencia e côrtezia com que nos tem dado explicações a respeito desta discussão. Mas não é esta a occasião propria para recordar actos passados, posto que eu esteja prompto e habilitado para responder por aquelles que me dizem respeito. Ha difficuldades que vem de longe e ha difficuldades que vem de per

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to. De longe vem infelizmente a repugnancia ao imposto; j de longe vem os meios que por muitas vezes se indicaram, julgando-se que apenas só creava uma situação, um governo e uma politica; de longe vera essa repugnancia ao imposto; de longe infelizmente vem as excitações para exagerar a repugnancia que até certo ponto é natural, mas que por isso mesmo precisa ordinariamente mais ser esclarecida do que excitada; pela minha parte porem confesso, sem receio de ser convencido do contrario, que nunca tenho procurado por tal meio derribar os meus adversarios politicos quando estão no poder (apoiados).

Em 1860 coube-me a desagradavel missão de apresentar ao parlamento descripta a situação financeira, tal como eu a entendia e ella era; que bem mostrava a necessidade de alguns sacrificios que se pediam, mas o paiz foi excitado até ao ponto que se sabe, e entretanto nós entendemos que faziamos mais serviço saindo do que insistindo, e saindo legámos aos nossos successores, que não tinham sobre si o odioso de propor os impostos, a resolução dessa mesma questão, resolução que foi tomada com o concurso cio sr. conde d'Avila, que o deu com aquella forca de convicção e de amor pelo seu paiz, como elle em tantas occasiões tem sabido mostrar; a mudança pois, tendo effeito, foi um serviço que iniciaram os que sairam e que seguiram os que lhe succederam; coube porem mais tarde a outra situação, na qual v. exa. primeiro, e eu depois, tomámos parte com a mesma desagradavel missão de vir ainda propor os impostos, e seguiram-se as mesmas reluctancias, com os mesmos resultados infelizmente, mas então com a queda da situação; calou depois o reconhecimento da necessidade imperiosa, porque ha aqui uma grande verdade que se tem dito, e que é necessario que se repita: que os governos tem feito despezas largas e extraordinarias para seguir a chamada escola do fomento, que já não está tanto em voga como esteve, mas da qual eu sou dos primeiros a não querer abjurar, pois estou persuadido que se nós não abrirmos largamente as fontes de riqueza, não teremos onde ir colher; assim, se nós entrámos nessa escola, se executámos as suas máximas, foi para que o paiz colhesse os resultados; e a verdade é que o paiz pelos seus representantes todos os dias pedia estradas e caminhos de ferro.

Todos esses melhoramentos teem sido executados, tanto quanto possivel, e mais por ventura se teria conseguido se não tivessem sido as excitações a toda a forra a de reluctancia, ou manifestação de repugnancia! Não preciso referir-me a actos de ninguem, basta consultar a historia contemporanea; todos concordarão cada vez mais facilmente, em que as excitações teem obstado a que se pague a tempo o imposto, por consequencia com menor custo e com mais proficuidade; o caso é que assim se tem ido aggravando mais e mais as difficuldades financeiras. Basta porem emquanto á questão do imposto, mas alem disso ha a questão de credito, e nesta incumbe uma responsabilidade grave, não direi tanto aos ministros, mas á opinião falsa que se levantou atrás delles, e que os arrastou. For muito tempo entendeu-se que era um excellente meio para captar a popularidade, condemnar todos os accordos, beneficios ou equidades á companhia dos caminhos de ferro.

Tinha sido isto, a par da repugnancia que se tinha incutido nos povos em pagar novos impostos, uma das armas mais fortes da opposição; e nestas circumstancias o governo não podia com esses falsos preconceitos ca opinião publica (apoiados),

Sr. presidente, as economias são um bom principio de administração, que ninguem póde deixar de aceitar, que todos aceitam e que cada um trata de applicar o melhor possivel.

Eu não censuro de modo algum o governo por ter adoptado esse principio, nem me parece que seja esta a occasião opportuna de examinar esse ponto; com tudo não poderei deixar de notar que o nobre ministro do reino, fallando outro dia nesta casa e tratando de uma maneira agradável a questão, não poderei deixar de notar, repito, que o nobre ministro do reino sem desenvolver o seu calculo ou a sua afirmativa, pretendesse elevar as economias feitas pala actual administração a 200:000$000 réis mensaes. A demonstração não veiu, mas eu espero por ella, e emquanto não vier continuarei a estar persuadido de que o que effectivamente se póde chamar economia feita pela actual administração montará annualmente a pouco mais da quantia que se attribue a cada mez, e para isso havemos de levar em conta as deduccões feitas nos vencimentos dos empregados publicos, que monta a tresentos e tantos contos, deducção a que umas vezes se chama economia e outras imposto, conforme convem mais á discussão.

Se eu quizesse dar mais desenvolvimento a esta questão, poderia recorrer aos documentos officiaes, isto é, ao orçamento rectificado e mostrar que a economia de l.5OO:000$000 réis foi feita pelos homens dos desperdicios, pelo ministerio esbanjador. Isto é, a maior economia foi feita pelos dissipadores, porque nessas diminuições de despeza vão comprehendidas differentes quantias a cargo do ministerio da fazenda, resultado de operações que se fizeram em virtude de auctorisacões de 1867, para a consolidação de diversos emprestimos, para pagamento das classes inactivas e para o emprestimo de 400:000$000 réis; e é isso tudo somma do que chega a mais de 700:000$000 réis; isto é, mais de metade das economias do orçamento rectificado, do sr. ministro da fazenda.

Sr. presidente, sem discutir competências, fazendo justiça a cada um, e tendo complacencia com os seus defeitos; deixando a cada una o que realisou e os pensamentos que deixou de realisar, ou mesmo que deixou para os seus successores; façamos, em todo o caso, justiça a todos, e não se julgue que a ultima das economias foi a descoberta da pedra philosophal do actual gabinete, e que ella o póde absolver de toda a pecha, de toda a culpa e de todos os defeitos ou erros que tem commettido.

Não entro nas intenções de ninguem, essas respeito-as sempre e supponho que são boas; mas o facto é que ellas muitas vezes não mostram o accordo que era indispensavel ter em vista para bem do nosso credito.

Dou por concluido o que tenho a dizer, mas desejo que da parte do governo ou da parte da commissão sejam dadas algumas explicações, em relação á pergunta que fiz sobre a redacção do artigo.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Ministro da Fazenda: - Limitar-me-hei a responder aos pontos sobre que o digno par o sr. Casal Ribeiro deseja ser informado, não me fazendo cargo de entrar nas considerações que s. exa. tratou rã segunda parte do seu discurso. O assumpto principal é, se acaso o rendimento do tabaco ficava sujeito a não ser alterado; isto é, se as pautas actualmente existentes, não poderão ser alteradas durante o curso do pagamento das annuidades deste emprestimo.

Eu já fui sufficientemente explicito, tanto numa como noutra casa do parlamento, declarando que este rendimento não ficava sujeito á avaliação do imposto que actualmente pesa sobre o tabaco. Foi esta uma das condições que eu rejeitei no contrato provisorio cem esta casa bancaria; isto é; que o imposto do tabaco se mantivesse durante todo o tempo do pagamento, e demonstrei, como na realidade é bem facil demostrar, que esto systema era o mais anti-economico possivel; porque se EG queria que o tributo desse o rendimento preciso, não era com a immobilidade do mesmo imposto que elle se havia de ir assegurar, e por consequencia tal condição foi eliminada e posso assegurar á camara que não ha duvida alguma a este respeito.

Ainda nessa occasião se não davam as circumstancias que depois occorreram, e que hoje mais do que então ainda nos aconselhara a sermos cautelosos com a distribuição dos direitos sobre os generos que se importam no nosso paiz. Portanto muito acertadamenta andou a outra camara,

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pronunciando-se sobre o rendimento do tabaco não ficar sujeito á immutabilidade da pauta.

O outro ponto a que o digno par se referiu é a questão delicada do modo do pagamento da annuidade que se consigna para este emprestimo comparado com o systema que actualmente é seguido para o pagamento dos juros da divida interna e externa.

Julga o digno par que pelo systema que se pretende seguir neste emprestimo ficam alteradas as leis que regulam as transacções da junta do credito publico, no modo de fazer o pagamento da divida consolidada.

Ora, este emprestimo tem um caracter mixto; não é definitivo nem exclusivamente provisorio; é um emprestimo amortisavel de que nós encarregamos a junta do credito publico. Já se teem contrahido outros assim, como, por exemplo, foram esses a que o digno par se referiu, que foram depois consolidados em virtude de auctorisação das côrtes; isto deu-se com o emprestimo de 4.000:000$000 réis, que foi amortisavel por muitos annos, e que depois foi consolidado quando já se não deviam senão cerca de 700:000$000 réis.

O mesmo aconteceu com alguns emprestimos que se teem contrahido para obras publicas, como o emprestimo que se fez para obras de viação do Minho, e com o que se fez com applicação ás obras da doca de Ponta Delgada; esses emprestimos tambem foram depois consolidados.

Por consequencia já se vê que este emprestimo, se se realisar nas condições em que está, é da natureza desses outros; e nunca a junta foi encarregada do pagamento das annuidades que correspondiam a estes emprestimos por nenhuma lei especial. Portanto não vejo necessidade de se inserir no projecto nenhuma disposição para auctorisar a junta do credito publico para o pagamento desta annuidade; e julgo não ser necessaria nenhuma alteração nas faculdades concedidas á junta, porque ellas não a impedem de fazer este pagamento, e mesmo porque não vejo necessidade de que o pagamento das annuidades deste emprestimo amortisavel seja feito por aquella repartição.

O digno par quiz concluir das condições que se acham insertas no contrato para o pagamento destas annuidades, uma grande desconsideração e desconfiança com referencia á junta do credito publico, e para isto notou duas causas principaes que o seu espirito julgou terem contribuido para similhante descredito. Eu devo responder ao digno par que me parece que esta sua asserção é exagerada. Se o governo, quando eu ainda não fazia parte delle, em dezembro do anno passado, se viu obrigado a fazer uma subscripção pelas casas bancarias e capitalistas da capital e do Porto, para o habilitar a supprir á deficiencia das sommas de que a junta do credito publico podia dispor para pagamento do juro da divida externa, é porque, comquanto se achem consignados rendimentos especiaes para o pagamento desta sorte de divida, é certo que elles não chegam para tal pagamento. Até aquella epocha o digno par não aponta de certo nenhum facto pelo qual prova que o governo tivesse distrahido nem um só real da junta do credito publico, dos rendimentos que lhe estão consignados pela lei. Ora, se o governo não tinha distrahido nada desses rendimentos, e apesar disso a mesma junta não se achava habilitada no fim do semestre para pagar o juro da divida externa, é claro que os rendimentos que se acham .consignados ajunta, não chegam. A causa disto é que no orçamento são descriptas certas sommas num valor que depois na pratica se não realisa. Ainda neste semestre corrente succedeu a mesma cousa que o anno passado. A junta do credito publico póde apenas dispor de uma somma que não era sufficiente para o pagamento do juro da divida externa, e o governo como principal interessado na manutenção do credito e sustentação delle tanto externa como internamente, abonou á junta do credito publico toda a somma necessaria para aquelle pagamento do juro da divida externa; o da divida interna estava pago.

Sr. presidente, a verdade é que nós consignámos no orçamento do estado rendimentos que orçámos em certa importancia, e depois a cobrança não dá a mesma somma. Daqui resulta um déficit que o orçamento não accusa, mas que é accusado depois nas contas da gerencia e dos exercicios, e foi esta a rasão por que o governo se viu, no fim do anno passado, na necessidade de fazer um supprimento nesta praça e no Porto, e de faze-lo tambem neste semestre, mas desta vez foi com menos apparato, e menos conhecimento do publico, porque agora se fez o supprimento com uma ou duas pessoas, sem que desse noticia de tal operação ao paiz. Ora, este facto dos rendimentos consignados ajunta do credito serem insufficientes para o pagamento dos seus encargos, não prova em cousa alguma que haja descredito, nem desconsideração para com ella, porque se aquella corporação é altamente interessada em manter o credito do paiz, o governo é muito mais interessado, porque a sua responsabilidade é muito maior. Ajunta quando lhe faltam os meios recorre ao governo "orno aquelle, a quem compete supprir todas as faltas e que tem por missão especialmente, invariavelmente a segurança do nosso credito.

Tambem vieram á discussão duas portarias que eu, no mez de janeiro deste anno, me vi constrangido a mandar fazer, suspendendo por alguns dias os pagamentos á junta do credito publico.

Sr. presidente, por essa occasião o ministerio tinha pedido a sua demissão, e havia uma crise politica, eu não sabia qual seria; podia não me importar cousa alguma com os pagamentos correntes, e no estado de interinidade em que me achava podia deixar correr as cousas sem lhe prestar o auxilio que dependia da minha parte; porem, se por uma parte as circumstancias em que o governo se achava, e eu especialmente, me dispensavam de ter tomado este expediente, por outro lado eu tambem não queria que quando o meu successor viesse tomar o meu logar encontrasse suspensos os pagamentos. Nessa occasião o governo tinha supprido com meios extraordinarios todas as obrigações que estavam pendentes na junta do credito publico, e o pagamento dos juros da divida interna estava completo; a junta não precisa pois de recursos, porque o pagamento dos juros do semestre que acaba de findar ainda se demorava tres mezes. No estado de crise em que estava o governo não podia encontrar quem lhe confiasse os supprimentos necessarios para fazer face ás despezas correntes, e por isso entendeu dever suspender antes por um curto praso os pagamentos á junta, do que suspender os pagamentos; porque uma cousa que sempre tenho tido em vista é não deixar, quando cair, o meu successor em um estado que não possa ter uma resolução mais ou menos regular. Ás sommas que então se tiraram da junta foram restituídas apenas se resolveu a crise politica, e o ministerio actual continuou a ficar no exercido das suas funcções.

Estes dois factos não significam senão que a junta do credito publico, apesar de apparentemente bem dotada, não o está, e que é indispensavel manter o credito do paiz, que não depende só do pagamento dos juros da divida, mas de todas as suas outras obrigações, e não provam nada nem contra o governo nem contra a junta, nem que causasse desconfiança fora do paiz.

O resultado, porem, é que apesar de toda a crise por que temos passado, os nossos fundos não se tem resentido consideravelmente desde muitos mezes, e as noticias que ainda hontem vieram de Londres nos dão uma certa confiança, porque os nossos fundos, ex-dividendo, estão cotados a 35, o que corresponde a 36 l/2, e isto mostra que o nosso credito tem tendencia para melhor, e que ha de melhorar depois de paga a divida fluctuante.

Dada esta explicação, não entro agora em todas as. outras reflexões que fez o digno par com relação á opinião falsa que apoiava o governo, porque eu pela parte que me pertence declaro a v. exa. francamente que nunca fui op-

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posto ao accordo que se fez com a companhia cio caminho de ferro de sueste, nem fiz opposição ao ministerio de que o digno par fez: parte; e tanto que em relação a este objecto dei o meu apoio ao accordo feito pelo sr. coado d'Avila, e eu tambem da minha parte fiz um accordo com aquella companhia, por isso que sempre entendi que era uma dessas questões de equidade e de justiça, e alem disso era uma operação vantajosa, e portanto no que disse o digno par, pela minha parte não me póde caber a menor censura, e de resto não julgo necessario dizer mais nada.

O sr. Costa Lobo: - Pondera que, se ha casos em que á nação compete indicar ao governo o caminho do progresso, como acontece frequentemente na Inglaterra, outros ha em que ao governo incumbe impellir por elle a nação, e debaixo deste ponto de vista, e mediante as considerações que lhe eram por elle ministradas, sustentou a doutrina do artigo, combatendo todas as emendas.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo 2.° sobre a emenda do digno par.

Posto á votação o artigo, foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae votar-se a emenda do sr. Ferrer...

O sr. Ferrer: - A minha emenda está prejudicada pelo artigo.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 3.°

O sr. Secretario leu.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Desejo pedir uma explicação ao sr. ministro da fazenda.

Diz o artigo 3.°: "É o governo auctorisado a crear e emittir a somma necessaria em bonds ou obrigações com juro de 6 por cento, a começar a contar desde 1 de janeiro de 1869, para realisação do mesmo emprestimo.

"§ unico. Estes titulos serão isentos de quaesquer contribuições."

Eu pergunto se o rendimento dos titulos, que se vão crear para o emprestimo, que é um rendimento como o de qualquer outra propriedade, fica isento de se lhe poder lançar uma contribuição?

Aqui diz-se (leu o § unico}.

Peço pois a s. exa. que me explique se os rendimentos daquelles titulos podem ser collectados ou não? Porque, realmente, sr. presidente, é necessario que se saiba se só os rendimentos dos capitães empregados na industria e na propriedade é que devem pagar todas as despezas do estado. E necessario que todos os rendimentos de qualquer natureza que forem collectados paguem proporcionalmente para as despezas publicas; o § unico do artigo isenta ou não de qualquer imposto os juros dos capitães agora emprestados? O que seria uma injustiça flagrante.

Espero, pois, a resposta do sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: - Os titulos de divida publica fundada estão actualmente isentos de decimas ou quaesquer outras contribuições. Nem os titulos de divida fundada interna ou externa estão sujeitos a decimas ou contribuições de qualquer natureza que sejam, segundo a nossa legislação, desde que se fez a operação de 18 de dezembro de 1852. Até ahi, como v. exa. e a camara sabem, havia um certo imposto sobre o rendimento destes titulos. Este imposto foi abolido, e houve uma conversão de todos os titulos de differentes padrões em um só, ficando isentos de todas as contribuições.

Estes titulos de que se trata no projecto, gosam das prerogativas dos existentes; e não se lhes concede por este artigo mais nenhuma. E se um dia vier em que os poderes publicos julguem dever tributar estes rendimentos, podem faze-lo, estão no seu direito; mas na actualidade, estão na regra geral.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - O que eu perguntei foi se os rendimentos dos titulos que se vão emittir tinham privilegio de não serem collectados embora os outros viessem a sê-lo.

O que eu julgo necessario é que se entenda que todos os capitães que produzem rendimentos de qualquer origem que sejam devem pagar, e não deve ser só o industrial e o proprietário que paguem tudo.

Tambem desejo saber se s. exa., entende que deve tributar o rendimento dos titulos que actualmente nada pagam, porque é injusto que indo-se aggravar as contribuições da industria e da propriedade, se permita que haja capitães que têem um rendimento certo o que não estejam sujeitos ás contingencias que actuam sobro a propriedade e a industria, estejam gosando de um privilegio que de modo algum se póde justificar.

Agora em quanto a haver ou não privilegio para estes titulos que se vão crear para o emprestimo, declaro que não me satisfaz a resposta do sr. ministro, porque eu perguntei se os rendimentos dos titulos de divida publica antiga pagavam eu não contribuição dos seus rendimentos. O que perguntei foi se no caso do rendimento dos actuaes titulos de divida publica vierem a ser collectados, se os titulos deste emprestimo ficam ou não sujeitos a serem lhes collectados os seus rendimentos ou se têem privilegio para que o não sejam e ficarem isentos da qualquer imposto?

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidenta, poucas palavras tenho que dizer com referencia ás que acaba de proferir o digno par. Nós actualmente com os nossos titulos de divida fundada o que temos é o seguinte: os juros não estão sujeitos a contribuição alguma, mas o capital quando é legado por herança é sujeito a uma contribuição. Os endosses que se fazem nos titulos não pagam cousa alguma, isto é, a venda é livre pela legislação actual, no futuro não sei o que será, mas a transmissão per herança já agora paga contribuição de registo, assim coroo se fosse sobre outro qualquer valor. Estes titulos estão exactamente no mesmo caso do que aquelles que são legados por testamento ou doados por qualquer outra forma, e aos quaes a nossa legislação já lhe impõe o imposto de modo que hão de pagar necessariamente. Se porventura no futuro a legislação tributaria mudar e vier lançar o imposto sobre os titulos de divida fundada, não ha lei ou privilegio algum que livre os poderes publicos, durante o espaço de trinta annos, a tributarem estes titulos ou directamente ou pelo incomo fax como lhe chamam em Inglaterra, ou por outra qualquer forma.

Em conclusão, sr. president0, repito, que póde ser que para o futuro estes titulos sejam tributados, porem que actualmente a nossa legislação não os tributa, nem por uma nem outra forma.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - S. exa. acaba de dizer que os titulos de divida pagam direito de transmissão, mas é por herança ou divisão, como a outra propriedade. Mas as outras propriedades pagam tambem um imposto sobre o seu rendimento, o que os titulos de divida do estado não pagam, tanto os antigos como os que se vão crear, mas é necessario que todos, tanto os antigos como os novos, venham a ser collectados nos seus rendimentos, para que todos os capitães de qualquer natureza sejam collectados. E essencialmente necessario regular este objecto, a fim de não succeder que a industria e a terra pague tudo.

Agora vou fazer uma reflexão ácerca da maneira por que em Inglaterra se collecta o imposto sobre o rendimento de qualquer natureza que seja, o income tax.

Cada contribuinte paga aquelle imposto segundo as declarações que faz á auctoridade fiscal sobre os seus rendimentos de qualquer natureza que sejam; e aqui o imposto sobro o rendimento das propriedades, segundo a avaliação das matrizes, será feita segundo uma lei da dictadura que a camara approva, não segundo as informações e documentos, mas secundo o que o official fiscal julgar arbitrariamente que deve render cada propriedade, de maneira que a avaliação não póde ser contrariada pelo contribuinte, porque não gabe quaes foram os motivos que o official teve para avaliar os rendimentos da sua propriedade, mas uni-

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camente pelo que elle entende ou quer que ella valha, e as matrizes assim é que são feitas.

Refiro este facto unicamente para mostrar a maneira por que em Inglaterra se attende aos contribuintes, e aquella com que entre nós são tratados; e nada mais direi.

O sr. Presidente: - Como não se acha inscripto mais nenhum digno par, vae votar-se o artigo 3.° e seu §.

Posto á votação o artigo, foi approvado.

O sr. Miguel Osorio: - Requeiro a contraprova.

Procedendo se á contraprova verificou-se ter sido approvado o artigo por 19 votos contra 17.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.°

O sr. Rebello da Silva: - Mandou para a mesa a seguinte emenda, que sustentou.

Emenda ao artigo 4.°

Aonde se lê = e pela fórma que melhor convier ao estado = proponho = em títulos de 3 por cento pelo preço do mercado. = Rebello da Silva.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a emenda apresentada pelo digno par, o sr. Rebello da Silva.

O sr. secretario leu-a, e ficou em discussão com o artigo 4.°

Q sr. Ministro da Fazenda: - A proposta do digno par; o sr. Rebello da Silva, tem por fim restringir a auctorisação ampla que foi conferida ao governo na camara dos senhores deputados a respeito da proposta que está em discussão. O digno par considera que é mais vantagem para o governo pagar-se á companhia dos caminhos de ferro em titulos de 7 por cento, do que com os titulos do novo emprestimo a que se refere o artigo 4.° do projecto. Eu devo observar a s. exa. que até agora o governo ainda não veiu a um accordo com os liquidatarios officiaes da companhia.

Depois do decreto de 10 de março, pelo qual o governo tomou conta dó caminho de ferro, arbitrando-lhe uma indemnisação de 2.376:000$000 réis, a companhia julgou conveniente dissolver-se, entregou o negocio a um tribunal inglez, e nomeou um liquidatario official que a representasse. A principio julgou-se que todos os interessados nesta questão, tanto os accionistas como os portadores de obrigações e outros credores, estavam de accordo, e se entregavam a este liquidatario para que elle podesse contratar com o governo portuguez sobre a melhor forma de pagamento, reconheceu-se depois que havia grande desintelligencia entre elles, do que resultava não estar o liquidatario official revestido dos poderes necessarios para poder vir a um accordo com o governo. Mais tarde mandaram a Lisboa um emissário para ver a linha, e conversar com o governo sobre estes negocios. Fallando eu e o sr. ministro das obras publicas com elle, perguntamos-lhe se trazia plenos poderes da parte do liquidatario official, e se esse liquidatario tambem estava armado da respectiva auctorisação da parte de todos os interessados para poderem chegar a um accordo com o governo portuguez. Tendo-nos declarado que não, e que vinha unicamente para ver quaes eram as idéas do governo a similhante respeito, disse que ia ter com os interessados, e que depois nos daria uma resposta.

Effectivamente, depois de alguns dias de demora nesta cidade, partiu para Inglaterra, e ha poucos dias, talvez ha tres apenas, recebi uma resposta telegraphica delle, em que me dizia que, como os interessados eram muitos, e as opiniões divergentes, elle esperava dentro de poucos dias reuni-los e apresentar ao governo uma proposta sobre a forma de pagamento. Nestas circumstancias, não se achando o negocio resolvido, apesar de procurar o governo os meios para o resolver, eu não julgo acertado prender as mãos do governo e restringir-lhe a auctorisação, que foi concedida já pela outra camara, e que é melhor deixar antes o governo livre para resolver como tiver por melhor aos interesses do estado, por isso que isto não depende unicamente da forma de pagamento, que de prompto se julga mais conveniente, mas depende tambem da melhor solução da questão financeira, e da melhor e mais facil resolução da operação deste emprestimo.

Se este negocio do emprestimo não estivesse mais ou menos ligado com a operação relativa ao negocio do caminho de ferro, se estivéssemos completamente desassombrados de toda e qualquer influencia que os interessados possam ter no mercado inglez, não havia duvida de que o governo fixasse a forma desde logo com que devia fazer o pagamento. Effectivamente a melhor forma era a que eu indiquei numa das sessões anteriores; mas, como esta questão está ligada, isto é, para evitar todos os attritos e emissão de um novo fundo, de maneira que não se apresente obstaculo algum, é a rasão por que o governo e a camara dos senhores deputados entendemos conveniente esta amplitude.

O que se conclue pois das breves reflexões que acabo de fazer, em resposta ao que propunha o digno par o sr. Rebello da Silva, é que na questão financeira não podemos aceitar qualquer emenda que restringisse esta amplitude, embora podesse completar o pensamento do decreto de 10 de março.

Com referencia á indemnisação da companhia do caminho de ferro, podia deixar de comprehender o pensamento da casa financeira com relação á emissão do emprestimo; e esta é a rasão por que cautelosamente não aceitei a emenda, e julguei que a camara, pela mesma rasão, a não deveria aceitar. Comtudo, sujeito-me á decisão que se tomar.

O sr. Braamcamp:- Vejo-me constrangido a entreter à camara por alguns instantes, em vista da obrigação que contrahi pela maneira como assignei o parecer com declaração a este artigo.

Entendi, sr. presidente, que o artigo, tal qual estava, confrontado com as condições correlativas do contrato, offerecia, por assim dizer, uma contradicção. Mas depois, no decurso da discussão, parece ter sido removida a condição de ser um banqueiro estrangeiro, depositário de uma somma importante do governo portuguez, de ser esse banqueiro, o juiz da occasião em que devia fazer entrega do deposito, e por ultimo incumbido de apreciar a especialidade daquelle a quem o ha de entregar.

Isto segundo a declaração feita na antecedente sessão pelo sr. ministro, que a camara ouviu com toda a attenção, não só pela importancia do assumpto, como pela respeitabilidade da pessoa que proferia essa asserção.

Muito embora existisse essa entidade, que se denomina liquidatario da companhia, as funcções que lhe competem limitam-se a promover um accordo entre os interessados, e quando esse accordo não podesse effectuar-se, a pendencia tem forçosamente de ser resolvida em Lisboa no foro portuguez, porque só elle é competente para proceder á liquidação de uma companhia que se constituiu com essa expressa condição. Pela minha parte muito estimarei que assim se entenda a referida declaração.

Alem da reluctancia que eu tinha em aceitar as estipulações do contrato, nesta parte, existe ainda outro ponto sobre o qual até agora não ouvi explicações nenhumas que me satisfaçam.

Esse segundo ponto é o seguinte:

Não entendo em minha consciencia que haja vantagem ou necessidade de realisar desde já .uma somma avultada para o pagamento á companhia do caminho, de ferro, pois ao que me parece bastava que se realisasse aquella quantia quando chegasse a occasião de se effectuar o pagamento, tanto mais que todas as liquidações são demoradas, e esta offerece por certo a perspectiva de muitas delongas.

Que necessidade ha de onerar o paiz com a realisação desta somma de prevenção? Vale mais o deposito dessa quantia do que a palavra da nação portugueza expressa em uma lei?

Não me parece isso admissível, e como ouvi tambem que a auctorisação lata que se dá não obsta a que o emprestimo se realise por partes ou em differentes emissões, requeiro que os fundos necessarios para o pagamento ao caminho de ferro só se levantem quando forem necessarios. Eu votei a auctorisação na generalidade e na especial

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dade dos antecedentes artigos, a fim de proporcionar ao governo a maior faculdade para obter condições vantajosas; Dei ao governo esta arma de credito para que usasse della discreta e prudentemente, juntando-a, aos outros recursos que já aqui teem sido apontados, e que não enumero para não fatigar a camara.

Na realidade, sr. presidente, nenhuma rasão na plausivel para nos imporem condições tão duras, para nos obrigarem a juros fabulosos, quando temos sido exactissimos na satisfação de todas as nossas obrigações, quando temos pago religiosamente todos os nossos encargos. Com os recursos de que o governo vae dispor, facil será contratar em boas condições.

Alem dos recursos já enumerados, ainda existe outro que deverá dar resultados immediatos e assegurar o futuro do paiz. Refiro-me á necessidade de crear economicamente riqueza tributavel. Similhante pensamento porem julgo eu que não está prevalecendo, e designadamente era assumpto de que tenho mais immediato conhecimento.

Em resumo, sr. presidente, receiando que a disposição do artigo esteja prejudicada pela estipulação do contrato, e considerando lesivo e menos decoroso o deposito antecipado da quantia destinada ao caminho de ferro, não posso conformar-me com o artigo que está em discussão.

O sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: - Sr. presidente, não posso votar a proposta nem o artigo 4.°, porque não posso reconhecer uma divida que não devemos, nem me parece que a camara a possa reconhecer.

Estas são as consequencias de um ignominioso e infame contrato que se fez em 14 de outubro. Eu levantei a minha voz, gritando que aquella companhia tinha já quebrado, e se ella tinha quebrado o contrato estava nullo; mas a minha voz não foi ouvida e as consequencias ahi estão.

A que titulos havemos nós de dar a uns aventureiros dois mil e tantos contos de réis, se nunca existiu companhia? O que se sabe é que uns poucos de homens se reuniram instigados por um dictado portuguez, e vieram contratar com o governo sem comtudo terem capitães para construírem as obras a que se obrigavam; e o mais é que se lhe não exigiram as indispensaveis garantias. Eu não queria que se lhe exigisse um capital de muitos milhões, mas ao menos aquella quantia correspondente ás obrigações a que se sujeitava.

Estou plenamente convencido de que aquelles aventureiros não desembolsaram uma unica libra, e que tudo quanto fizeram foi á custa da subvenção do governo que pagou religiosamente o que prometteu.

Onde estão as contas dessa imaginaria companhia? Apresente-as e demonstre quaes foram os capitães que despendeu na construcção das obras, para ficarmos sabendo quanto foi que se gastou, e se esse capital despendido era ou não aquelle que o governo entregava.

Estou persuadido que depois de feitas e examinadas bem as contas, aos aventureiros ainda ficou dinheiro. Por estas considerações entendo que embora se vote o emprestimo, o sr. ministro da fazenda não deve sei auctorisado a envolver-se nessa questão do caminho de ferro, que deve ser reservada para se tratar como me parece que o deve ser.

O sr. ministro tem dado a conhecer que não houve mais rasão alguma para se fazer o peior dos emprestimos, senão esta rasão de os banqueiros se andarem embrulhando de volta uns com os outros; e s. exa. diz que por meio deste emprestimo fica tudo liquidado. Já sabemos porque é que devemos pagar; mas a nação não devia nada a esses aventureiros que vêem aqui fazer um caminho de ferro sem despenderem dinheiro. Provem que despenderam dinheiro seu... Qual despenderam! pelo contrario a subvenção era muito mais importante do que eu supponho que fosse necessaria para se fazer aquelle caminho de ferro.

O rei de Itália, Victor Manuel, contratou o caminho de ferro das Calabrias por 8:000$000 réis por kilometro, e o governo aqui deu 32:000$000 réis por kilometro, e depois da companhia faltar ás condições do seu contrato, ainda o governo teve de dar 2.400:000$000 réis para ficar com o caminho.

O sr. Rebello da Silva: - Não avalia a legalidade da concessão, quer sómente regular a forma de pagamento...

O sr. Barão de Villa Nova, de Foscôa: - Mas a camara não póde querer reconhecer a legalidade dessa concessão.

O Orador: - A concessão foi decretada pelo governo em dictadura, e o seu acto foi sanccionado por uma lei do poder legislativo.

Depois de varias considerações disse que aceitava a declaração do sr. ministro, pois confiava na sua probidade e patriotismo, e apresentara a sua emenda como lembrança e a expressão do seu desejo.

O sr. Vaz Preto: - Proponho que a votação sobre a emenda do digno par, o sr. Rebello da Silva, seja nominal.

O sr. Presidente: - O sr. Rebello da Silva parece-me que disse que retirava a sua emenda, e portanto é simplesmente o artigo que se ha de votar.

Vozes: - Não retirou.

O sr. Vaz Preto: - O sr. Rebello da Silva não retirou a sua emenda; portanto insisto em pedir que haja votação nominal sobre ella.

O sr. Presidente: - Na mesa ouviu-se outra cousa.

O sr. Rebello da Silva: - Explicou as suas palavras, para mostrar que não tinha dito que retirava a sua emenda, e ainda agora mesmo não a retirava.

O sr. Vaz Preto: - Segundo o regimento, as emendas votam-se primeiro; e torno a pedir a votação nominal para a do sr. Rebello da Silva.

O sr. Secretario (Soares Franco): - O regimento é o que se vae executar.

O sr. Presidente: - A mesa não póde ficar neste terreno. Eu podia interpretar mal as palavras do sr. Rebello da Silva; mas se as interpretei mal, foi porque s. exa. disse que = apresentava a emenda como uma lembrança, como a expressão de um sentimento =, e por isso que me levou a julgar que a retirava.

Vae ler-se a emenda do sr. Rebello da Silva; mas antes consultarei a camara se quer que haja sobre ella votação nominal.

A camara resolveu negativamente.

O sr. Secretario (Soares Franco): - Leu o artigo 4.º e a emenda do sr. Rebello da Silva.

Posta á votação a emenda do sr. Rebello da Silva, foi rejeitada, e em seguida foi votado o artigo 4.º.

Leu-se o artigo 5.°

O sr. Rebello da Silva: - Offereceu varias considerações sobre este artigo.

O sr. Ferrer: - No artigo que está em discussão estabelece-se aqui o pagamento da divida fluctuante interna se fará como as conveniencias do thesouro o permittirem. É esta uma distincção que não merecem os credores portuguezes. Assim como se paga aos credores estrangeiros, deve-se igualmente pagar aos nacionaes. Aquelles consigna-se a obrigação para o governo de pagar logo que elles a exijam; esta obrigação se deve estabelecer tambem para os prestamistas portuguezes. Não mando para a mesa proposta neste sentido, porque vejo que a maioria da camara está disposta a levar a cruz ao Calvario, approvando todo este projecto; mas desejo que fique bem consignada esta minha doutrina, que póde servir de resposta á accusação que me fez o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: - Creio que o digno par está em erro na intelligencia que dá aos termos deste artigo, O que elle quer dizer é que do producto deste emprestimo infallivelmente se ha de pagar toda a divida fluctuante externa. Ainda mesmo que os credores do governo queiram reformar as suas letras, abaixando o juro, e tornando o seu credito menos oneroso, o governo não aceita

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reforma alguma, e paga infallivelmente a divida fluctuante externa. Ê esta a mente do projecto e o espirito que resulta da discussão na outra camara.

Foi que o governo com o producto deste emprestimo infallivelmente havia de pagar toda a divida fluctuante externa, - e a interna tambem se havia de pagar, se ficassem sobras depois de pagos os deficits dos dois annos economicos de que trata o artigo, a concessão á companhia de sueste e os encargos proprios do emprestimos; mas como o emprestimo não póde chegar para tudo, é a rasão pela qual o artigo auctorisa o governo para aproveitar o excesso que houver, depois de pagos os encargos obrigatorios e segundo as conveniencias e necessidades do thesouro, no pagamento da divida fluctuante interna. Portanto a intelligencia que se deve dar a este artigo é esta e não a que deu o digno par.

Não ha aqui desconsideração para os credores nacionaes, porque o producto do emprestimo não chega para todos os encargos, e então claro está que se hão de satisfazer de preferencia os encargos obrigatorios, sendo o principal o pagamento da divida fluctuante externa, embora os mutuantes queiram reformar as letras nos dias dos seus vencimentos, porque a mente do governo e da camara dos senhores deputados foi que não ficasse divida fluctuante externa alguma, e quanto á interna, como ella não tem sido tão exigente, que se de ao governo auctorisação ampla para a ir pagando conforme o julgar conveniente e as circumstancias do thesouro o permittirem, sem contudo forçarem os credores a serem embolsados dos seus creditos.

O sr. Conde d'Avila: - Eu voto o artigo, mas não pelas explicações que deu o sr. ministro da fazenda, nem pelas duvidas que apresentou o sr. Ferrer. S. exa. quer que no artigo, em logar de se estipular que o producto é applicado de preferencia á divida fluctuante externa, se declare que tambem é applicado á divida fluctuante interna. (O sr. Ferrer: - De preferencia ao pagamento de 2.400:000$000 réis á companhia de sueste.) O que eu tenho a dizer a este respeito, é o seguinte: o governo ha de ir pagando as letras do thesouro, de que os portadores pedirem pagamento, e não poderá dar preferencia ás letras quer da divida externa, quer da interna. Pois apresenta-se uma letra da divida interna e o possuidor exige o pagamento, ha de pagar-se por força, porque o contrario equivale á bancarota, que o governo por certo não quer fazer (apoiados).

É um dos defeitos d'este emprestimo em cuja analyse não quero entrar de novo agora. Este emprestimo deixa a descoberto nos encargos deste anno economico, uma somma superior a 6.400:000$000 réis, que ha de obrigar o governo a uma outra operação muito mais gravosa do que esta. Esse emprestimo está, porem,, já approvado e nós os que votámos contra, devemos respeitar as decisões da camara.

O interesse do sr. ministro da fazenda é pagar de preferencia a divida fluctuante externa, mas se porventura os portadores da divida interna exigirem o seu pagamento, s. exa. ha de pagar-lhes por força; e deve contar com esse pagamento, porque quem tem dinheiro entregue hoje ao thesouro a 7 1/2 por cento, não ha de contentar-se com esse juro, quando se vae contrahir um emprestimo que offerece muito mais, e para o qual se poderá subscrever.

Portanto, o melhor é approvar-se o artigo, e o sr. ministro o executará como poder.

Eu, sr. presidente, votei ha pouco contra uma emenda que foi mandada para a mesa pelo meu amigo, o sr. Rebello da Silva, e aproveito esta occasião para dar a rasão do meu voto.

Votei contra a emenda do digno par, porque a julguei Inutil desde que se concedeu auctorisação ao governo para pagar á companhia de sueste pelo modo mais conveniente ao thesouro. É claro que se o governo poder pagar com titulos de 3 por cento, de uma maneira vantajosa para o thesouro, o fará, e não havia portanto necessidade de voltar este projecto á outra camara, como aconteceria se essa emenda fosse approvada.

Por esse mesmo motivo limitar-me-hei a fazer no ultimo artigo do projecto uma recommendação ao governo, que poderia ser objecto de um artigo especial; e contentar-me-hei com a declaração do sr. ministro, de que ha de attender em occasião opportuna a essa recommendação.

O sr. Ferrer: - Eu tambem estou de accordo com o que disse o digno par: desejo que o sr. ministro pague a todos os credores da divida nacional, quando peçam o seu pagamento, mas isto tem duas dificuldades. A primeira é que o artigo pela sua redacção manda pagar á companhia do caminho de ferro sejam quaesquer que forem as urgencias do thesouro, e aos prestamistas nacionaes, ha de se lhe pagar conforme o permitiam as conveniencias e necessidades do thesouro. Eu desejava saber a rasão por que é mais sagrado e importante o pagamento á companhia do caminho de ferro do que aos credores da divida nacional, quando exigirem que sé lhes pague, e as urgencias do thesouro o não permitiam?

A segunda difficuldade, pela doutrina do sr. conde de Ávila, é nada menos do que a que resulta da redacção do artigo que diz - que se pagará aos credores da divida fluctuante interna quando elles se apresentarem a pedir o seu pagamento, se as circumstancias e urgencias do thesouro o permittirem.

Ora, o sr. ministro armado com esta .auctorisação, póde dizer: não, senhor, as circumstancias do thesouro não permittem, e por consequencia não pago. Esta é que é a difficuldade, porque o artigo está mal redigido.

Eu desejava que me dissessem, mas ainda não disseram, qual é a rasão por que se ha de pagar com preferencia á companhia do caminho de ferro, quando se lhe fez já uma generosidade, por assim dizer, que não estava no rigor do direito, para serem pagos pelo producto deste emprestimo, e aos prestamistas nacionaes, que tambem são credores do estado, só se lhes ha de pagar quando as conveniencias e necessidades do thesouro permittirem.

Ainda não se me explicou a rasão desta differença.

(O orador não reviu os seus discursos.)

Vozes: - Votos, votos.

Posto á votação o artigo 5.° foi approvado.

Foram approvados, sem discussão, os artigos 6.° e 7.° e § unico.

Leu-se o artigo 8.°

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 8.°, e tem o sr. conde d'Avila a palavra.

O sr. Conde d'Avila: - O que vou dizer referia-se mais ao artigo 1.° e talvez ao artigo 7.°, e por consequencia talvez que pareça deslocado, mas contento-me, como disse já, com a declaração do sr. ministro, e por isso não mandarei para a mesa nenhuma proposta.

A camara vê que o projecto que acaba de ser approvado offerece duas hypotheses, e eu podia mesmo dizer tres; mas fallarei só de duas. A primeira hypothese é que o governo ratifique o contrato já feito. Com relação a esta hypothese não haveria necessidade do que vou dizer, porque está prevenido o inconveniente que desejo que se côrte; na segunda hypothese porem, isto é, no caso que se não ratifique o contrato Goschen, e o governo, servindo-se da auctorisação que lhe concede o artigo 1.°, faça outro emprestimo, é evidente, que determinando este artigo que o encargo não poderá exceder a 10 1/2 por cento: para que esta disposição seja effectiva entendo que é indispensavel que o sr. ministro insira no contrato que fizer que o governo se reserva o direito de amortisar pelo sorteio os titulos, quando estes estiverem acima do par. Se o governo não fizer esta declaração vae ter uma questão com os portadores dos titulos, como tem havido noutros paizes quando se não tem feito essa reserva, questão que é preciso evitar.

V. exa. sabe que quando se tratou em França da reduc-

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cão do juro dos titulos de 5 por cento que estavam acima do par, esta medida foi contrariada por alguns dos interessados e nas camarás, sustentando-se que quando o governo faz emprestimos emittindo titulos de divida fundada, vende rendas, e pela mesma rasão que o governo não tem obrigação, quando os titulos, estão abaixo do par, de os pagar pelo seu valor nominal, tambem não terá direito de obrigar os possuidores a entregar estes titulos ao par quando elles estão acima do par. Para evitar esta questão é que insisto em que o governo deve declarar no titulo novo, no caso de fazer uma operação diversa do contrato Goschen, que se reserva o direito de amortisar por sorteio os titulos quando estes estiverem acima do par.

Espero que o sr. ministro aceitará o meu conselho para evitar questões de futuro", e não mando proposta para a mesa para não demorar o andamento do projecto.

O sr. Ministro da Fazenda: - Ouvi com toda a attenção as observações apresentadas pelo digno par, o sr. conde d'Avila. Esta questão póde apresentar se debaixo de differentes formas. Se adoptamos a do emprestimo contratado pela forma do artigo l.°, 2.° e 3.°, a amortisação é feita ao par, por sorteio, quer os titulos estejam a baixo, quer acima do par se tomamos a da auctorisação do artigo 7.°, temos duas hypotheses. Uma, se se faz o emprestimo em titulos de 3 por cento com amortisação; outra, se se faz em titulos de 3 por cento sem ella. Se o emprestimo se faz em titulos de 3 por cento com amortisação, ha dois systemas, amortisação ao par, e amortisação por fundo de amortisação. Se ha o systema de amortisar ao par, é claro que estamos na hypothese dos titulos de 6 por cento. Se temos amortisação por fundos amortisaveis, nesse caso o governo destina uma certa somma para amortisar, e compra no mercado os titulos pelo preço que ali se acharem.

Por consequencia aqui estão as duas hypotheses em que se decompõe a questão. E no caso de não haver amortisação, temos um emprestimo ordinario como todos os outros em que não ha amortisação forçada, mas póde have-la voluntaria como já houve, e é minha opinião que deve continuar a haver, não já, mas no futuro, com o fim mesmo de diminuir os encargos do que para sustentar a alta do credito.

Portanto, parece-me que não é necessario esclarecer mais a lei a este respeito. E estou de accordo com o digno par em que ha obrigação da parte dos prestamistas de aceitarem os titulos ao par, ou mesmo quando estejam acima do par. Isso estipula-se no contrato e é uma cousa em que estamos de accordo.

O sr. Conde d'Avila: - Eu declarei que não mandava para a mesa nenhuma moção escripta para o projecto não ter que voltar á outra camara, e contentar-me apenas corri a declaração de v. exa. de que nos novos titulos se ha de inserir a clausula de que o governo reserva o direito de fazer a amortisação por sorteio, quando esses titulos estejam acima do par. Se isto estiver escripto nos novos titulos, quem os compra sabe logo que teem essa condição.

Diz-se que esta prescripção está no artigo 1.°, mas não está. E eu que tenho procurado evitar que se faça um emprestimo com más condições para o thesouro, não posso deixar de insistir na necessidade desta declaração.

Sr. presidente, se o governo ratificar o contrato Goschen, não ha necessidade alguma desta declaração, porque ella lá se acha; mas se não poder ratificar esse contrato, e fizer outro dentro dos limites do encargo de 10 1/2 por cento, é indispensavel que essa declaração venha nos titulos, porque ella não está na auctorisação que se acaba de votar.

Qual é o artigo do projecto onde está essa estipulação?
Não ha nenhum.

Sr. presidente, torno a repetir que este negocio é grave, e talvez eu não tenha tido a fortuna de me explicar bem. Se pelo artigo 1.° do projecto o governo póde ratificar o contrato Goschen, esta difficuldade está prevenida, porque O contrato diz no artigo 12.° (leu).

Ora, desde que ha tiragem á sorte é para amortisar ao par, quer os titulos estejam a baixar, quer estejam acima do par; e como eu não supponho possivel que a casa Goschen aceite as alterações que foram feitas no contrato, podendo portanto o governo fazer outro com outros banqueiros em virtude desta auctorisação, e como não está dito em parte alguma que quando os fundos estiverem acima do par, o governo terá direito de os amortisar ao par e por sorteio, contento-me que o sr. ministro diga que fará inserir nos novos titulos esta disposição, e assim se evitará que este projecto volte á outra camara.

O sr. Ministro da fazenda: - Tenho pouco a acrescentar ao que acaba de dizer o digno par; só direi que não ha emprestimo em titulos de 6.

O sr. Conde d'Avila: - Parece-me que o sr. Ministro não me comprehendeu.

O sr. Ministro da Fazenda: - Peço perdão ao digno par, bem sei o que s. exa. quer dizer.

O sr. Conde d'Avila: - Segundo o valor que teem os fundos em toda a parte, nada mais natural que titulos de 6 por cento com uma amortisação certa, venham acima do par. E como quer o sr. ministro continuar a amortisação ao par sem esta declaração que eu indico?

O sr. Ministro da Fazenda: - Torno a pedir desculpa ao digno par. Como se tratava do artigo 7.°, eu julgava que s. exa. se referia aos titulos amortisaveis com juro de 3 por cento.

O sr. Conde d'Avila: - Esses não.

O sr. Ministro da Fazenda: - Isso é que me parecia absolutamente impossivel dar-se o caso de irem acima do par.

O sr. Conde d'Avila: - Impossivel não, mas não era provavel.

O sr. Ministro da Fazenda: - Eu acho que não era possivel, nem mesmo que cheguem ao par; muito bom seria que chegassem a metade do par. Agora percebi eu a idéa do digno par. S. exa. disse que se o governo não ratificar o contrato, mas fizer um emprestimo analogo com titulos de 6 por cento, é necessario que nos titulos se diga que hão de ser amortisados ao par, quando mesmo tenham preço superior.

Ha duas formulas: é a da amortisação pelo tempo marcado no contrato e pela annuidade correspondente (e nesse caso não se faz a amortisação senão pelas formas dessa mesma annuidade), e a amortisação voluntaria por parte do governo, quando o governo julgue que é conveniente não só applicar a annuidade que estiver vencida, mas alem disso outra qualquer somma com que o governo julgue acabar mais depressa os encargos.

Supponhamos que d'aqui a dez ou doze annos os titulos de 6 estavam a 104; o governo amortisava o que podia pelas forcas que tinha para isso, mas se queria fazer uma conversão, se queria amortisar os titulos do emprestimo, então não podia comprar no mercado a 104. Mas o digno par póde estar certo de que o governo se usar da auctorisação do artigo 1.°, ha de inserir a clausula a que s. exa. se refere, para que a amortisação seja feita por sorteio, pois que esse é o seu interesse.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo 8.°

Posto a votação, foi approvado.

Leu-se na mesa o artigo 9.°, que foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - A primeira sessão é na segunda feira, e começará ás duas horas, na forma ordinaria.

Está levantada a sessão.
Eram mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão
de 9 de julho de 1869

Os exmos srs.: Conde de Castro; Duques, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira,

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de Vallada, de Vianna; Condes, das Alcáçovas, d'Avila, de Fonte Nova, de Fornos, da Louzã, da Ponte, do Rio Maior, de Samodães, de Thomar; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Monforte, de Porto Covo, de Seabra, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Villa Nova de Foscôa; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Teixeira de Queiroz, Rebello de Carvalho, Montufar Barreiros, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Larcher, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Miguel Osorio, Menezes Pitta, Fernandes Thomás, Ferrer.

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