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SESSÃO DE 2 DE ABRIL DE 1875

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Augusto Cesar Xavier da Silva

(Assistiam os srs. presidente do conselho é ministro das obras publicas.)

Á uma hora da tarde, sendo presentes 19 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente julgou-se approvada, em conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Não houve correspondencia.

O ar. Menezes Pita: - Mando para a mesa uma declaração de voto. (Leu.}

Leu-se na mesa:

Declaração

Declaro que se estivesse presente á sessão nocturna de hontem votava contra a pena de morte.

Camara dos pares, 2 de abril de 1875. = E. de C. Menezes Pita.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.

Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer n.° 80, sobre o projecto de lei n.° 88.

Sobre a mesa está uma proposta do sr. conde de Rio Maior, que diz o seguinte. (Leu.)

Isto é um convite ao governo, que elle tomará na devida consideração, e responderá quando o julgar conveniente.

Não ha mais ninguem inscripto sobre a generalidade do projecto.

Por consequencia vou submette-lo á votação na sua generalidade.

Como a camara sabe, com este projecto entrou em discussão a substituição do digno par o sr. Miguel Osorio. Se for approvada a generalidade do projecto, fica prejudicada esta substituição.

Os dignos pares que approvam o parecer n.° 80, sobre o projecto n.° 88, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Recebeu-se na mesa uma communicação de um digno par, que se vae ler.

Foi lida na mesa.

Agora vae ler-se o artigo 1.° do projecto em discussão.

Leu-se na mesa e poz-se em discussão.

O sr. Costa Lobo: - Mostrou que o desejo dos melhoramentos materiaes não é privilegio de nenhuma escola, pois que todos os querem; mas elle, orador, pertence áquella que deseja esses melhoramentos quando as circumstancias financeiras do paiz os permitiam, e não á que os quer sem attender a esta importante circumstancia.

Pela sua parte deseja todos os melhoramentos materiaes, desejaria mesmo que se fizesse uma rede de caminhos de ferro maior do que a que se propõe, mas para isso era necessario que se tratasse primeiro de saber se o paiz estava no caso de os poder fazer.

Não basta só pedir caminhos de ferro, é necessario ter meios de os poder pagar, e como entende que as circumstancias não são muito lisonjeiras, parece-lhe que não as devemos ir ainda sobrecarregar com mais encargos do que os que já tem.

O sr. Miguel Osorio: - Peço a palavra sobre a ordem e sobre a materia.

O Orador: - Historiou largamente as causas do nosso desenvolvimento e prosperidade; observou ser elle devido a uma serie complexa de circumstancias, e não ao modo de administrar do governo, não negando todavia que elle tenha pela sua parte procurado utilisar esses beneficios.

Com respeito ao projecto, considera que devia antes ser apresentado quando o governo estivesse devidamente habilitado com os estudos respectivos, concluindo por mostrar que atraz d'este projecto estão necessariamente impostos, e não sabe se o paiz estará em condições, ou na disposição de os pagar.

O sr. Presidente: - O sr. Miguel Osorio pediu a palavra sobre a materia e sobre a ordem?

O sr. Miguel Osorio: - Se v. exa. me permitte usarei da palavra sobre uma e outra cousa.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Miguel Osorio: - Não extranhe v. exa. que eu use da palavra sobre a materia e sobre a ordem, visto que a minha moção de ordem se liga com a materia, e a materia da generalidade está ligada com o artigo 1.° do projecto.

Eu tive a infelicidade de vir mais tarde, por causa do meu relogio estar alguns minutos atrasado do da casa. Tudo anda em desharmonia; até os relogios. Quando eu contava chegar um quarto de hora antes da sessão começar, cheguei um quarto de hora depois, posto que hontem o meu relogio e o da casa estivessem certos.

Isto não é censura a ninguem, nem ao mau relogio, que não póde ser censurado, nem supponho que houvesse alguem mal intencionado que alterasse o relogio da casa, para que a opposição chegasse mais tarde.

Fiz todos os esforços para chegar aqui a horas, vim até de trem, mas quando cheguei já estava votada a generalidade do projecto.

Sinto e estimo.

Vou explicar esta especie de contradicção.

Sinto, porque queria justificar o meu voto, e explicar o motivo da minha substituição e da minha opinião n'este assumpto.

Estimo, porque assim me privo, talvez, de fazer considerações mais largas, que tinham cabimento na discussão da generalidade e não na especialidade, dando d'esta fórma mais uma prova de que a minha intenção não é pôr obstaculos ao governo.

Desejo mostrar ao paiz e aos meus collegas que, sem querer impedir o andamento dos negocios publicos, justifico sempre o meu voto, muito mais quando tenho necessidade de me apartar da maioria, a qual respeito, ainda que muitas vezes me tenho afastado da sua opinião.

Felizmente, sr. presidente, somos todos ministeriaes; hoje não ha opposição. A questão collocou-a o sr. ministro da guerra e presidente do conselho, e creio que ministro das obras publicas, porque o sr. Cardoso Avelino ainda não respondeu a nenhum dos argumentos que se teem apresentado contra o projecto que se discute. Singular cousa é esta, quando se falla com o sr. ministro da guerra, censurando-se o exercito pelo seu estado de indisciplina, e se combate a pena de morte, cala-se o ministro da guerra e ficam sem se conhecerem os fundamentos da opinião do governo; tratam-se objectos do competencia do sr. ministro das obras publicas; e nos assumptos em que este deve tomar a responsabilidade dos seus actos, falla o sr. ministro da guerra. Falla-se com o sr. ministro da justiça acerca das suas idéas de hoje estarem em opposição ás de hontem: passeia s. exa. nos corredores resistindo a toda o incitamento para vir tomar o seu logar e quando se trata de uma interpellação a s. exa., que nada tem coma allusão, a que não quiz attender, e que recusou ouvir, vem

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então responder, censurando que o accusassem na sua ausencia.

O sr. presidente do conselho é a summidade politica da situação, e deve se-lo, porque é uma summidade do paiz.

Não lhe recuso o preito e homenagem que me merece e ao publico.

Mas, agora, na questão dos caminhos de ferro, não me parece ser s. exa. que deva responder pelo seu collega, não é decoroso mesmo que o ministro das obras publicas deixe de ser responsavel e de defender este documento da sua iniciativa.

Não me parece em harmonia com o systema parlamentar que um ministro cautelosamente se mantenha n'um silencio estudado., quasi despresador das provocações continuadas dos oradores que têem fallado n'esta questão.

Eu lamento, e não invejo essa situação, reputa-o abaixo da dignidade de ministro e menos attenciosa para com a opposição; equivale a dizer que não são capazes de responder á opposição; não é por certo este o caso de dizer que o callado é o melhor. Vós tendes fallado, quando apresentastes o projecto; sustentae as vossas idéas e se elle não passar tomae a responsabilidade proveniente de não caminhardes com as ideas que dizeis indispensaveis para a vossa gerencia: tomae ainda a responsabilidade da falta de tempo que nos daes para analysar projectos d'esta importancia, fazei-nos calar com rasões e não com o vosso silencio. Não emendo, sr. presidente, este systema adoptado pelo governo.

O sr. ministro das obras publicas vê alterar pelas commissões o seu systema de idéas, e nem ao menos assim, diz porque adoptou o systema contrario; s. exa. teve já um systema de fazer face ás despezas necessarias para estas vias ferreas, que era a venda dos caminhos de ferro do sul e sueste.

Esta questão foi aqui ventilada, ha pouco tempo, por incidente, e o sr. ministro disse, em resposta ao sr. Carlos Bento, "ainda bem que tal cousa se não fez!" Ainda bem! pois a idéa do sr. ministro era tirar do producto da venda d'aquelles caminhos de ferro os meios que precisava para fazer outros, e vem o proprio ministro dizer que ainda bem que as suas idéas fóram nullificadas! Serafica humildade, mas pouco decorosa politica.

Hontem o sr. presidente do conselho, tomando a palavra em logar do sr. ministro das obras publicas, disse n'esta camara: "eu declaro a questão ministerial".

Fallou bem s. exa., como sempre falla, e tratou bem da questão, e mesmo quando eu ia passando junto de s. exa., ouvi-lhe dizer: "a questão ministerial é a auctorisação para construir estes caminhos de ferro, faze-los agora ou ámanhã, a camara tomará essa responsabilidade".

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Apoiado.

O Orador: - Eis a rasão por que eu digo que estamos todos ministeriaes. Quem é que não quer caminhos de ferro?

Façamos caminhos de ferro, disse o sr. Costa Lobo, muitos mais, um mesmo para cada uma das nossas casas, e neste ponto todos nós somos ministeriaes, mas esta questão não é só a conveniencia de haver muitos caminhos, é tambem uma questão economica. A questão ministerial é que nós declaremos que deve haver caminhos de ferro; pois bem, eu sou ministerial, digo que quero quantos caminhos de ferro possa haver; a questão de opportunidade não é ministerial; votemos contra este projecto, porque é inopportuno que se façam tantos caminhos ao mesmo tempo, sem se votarem os meios para se fazer face á despeza, e peior ainda, adiando esta para o fim da construcção, isto é, decretando a ruina da fazenda publica inevitavelmente, para um dado momento.

Tudo isto carece de explicações da parte do governo, mas elle não falla.

Os parlamentos nomeiam commissões para darem pareceres; as commissões são compostas de homens competentes encolhidos pela camara. Ora, que esses homens não fallem, sobretudo os que estão de accordo com o governo e com as idéas da commissão, porque têem o governo que responde, acho a cousa mais logica d'este mundo, mas que não fallem aquelles que se separam das idéas da commissão, e que assignaram com declaração, não percebo.

O sr. Braamcamp esse sei eu que está doente, por consequencia não é a elle que se referem estas minhas asserções. Com relação aos cavalheiros que assignaram vencidos, sem querer irrogar censura a nenhum, direi que sinto que não tenham a caridade de ensinar aqualles que deviam suppor que precisavam ser ensinados.

Agora direi, sr. presidente, que estou persuadido que a rasão por que o sr. ministro das obras publicas não falla, é porque tem idéa differente, sobre a modestia, d'aquella que o sr. presidente do conselho hontem apresentou. O sr. Fontes entende que a excessiva modestia é ridicula, mas o sr. ministro das obras publicas não o entende assim,, de fórma que leva a sua modestia ao ponto de não se atrever a pedir a palavra para dizer alguma cousa sobre os motivos que o obrigaram a modificar tanto as suas idéas.

O anno passado já eu insisti n'esta questão do caminho de ferro, e pedi ao sr. ministro das obras publicas que mandasse para aqui os documentos sobre a receita do caminho de ferro do sul. Eu mortificava s. exa. fazendo requerimentos sobre requerimentos, mas nunca foi possivel vir um só documento.

Disse eu o anno passado ao meu amigo o sr. Vaz Preto, que considerava este caminho de ferro uma comedia. S. exa. levantou-se irado e rebateu triumphantemente as minhas palavras. Isto era o que diziam os jornaes, mas não era em parte exacto, porque usamos sempre reciprocamente um com o outro a maior urbanidade. Hoje ainda digo que o pensamento do governo é não fazer caminhos de ferro, mas sim ficar auctorisado a continuar a illudir o paiz. Se não fosse assim não apparecia este monstro que outra denominação não póde ter este projecto. A commissão que deu parecer sobre elle, modesta mas intelligente, e que tem muita competencia, diz no seu relatorio, o que não podia deixar de dizer, por mais caridade que quizesse ter com o governo, pois que se não dissesse nada, não resalvava o decoro da sua competencia e intelligencia: tanta humildade só a tem o sr. ministro das obras publicas.

"O plano poderia talvez ser mais acabado e melhor definido. "

Esta é a opinião da commissão, em quanto ao incompleto e absurdo do plano e é verdadeira. A commissão não podia deixar de dizer alguma cousa a respeito da parte economica, que tão desprezada é no projecto do governo, a commissão é benevola com o governo, mas, não deixa de lhe fazer sentir o perigo, lava as suas mãos da responsabilidade,, deixando-a toda ao governo e a este respeito dia:

"Todavia uma bem entendida prudencia recommenda-nos que não caminhemos com demasiada precipitação e que conciliemos o desenvolvimento dos nossos melhoramentos com as urgencias economicas e financeiras de modo que evitemos, qualquer abalo ou perturbação, que com quanto de pouca dura, poderia desequilibrar ou entorpecer por algum tempo o regular andamento das cousas publicas. As vossas commissões estão certas que o governo no uso da auctorisação que lhe é dada, não ha de deixar de attender a esta ordem de considerações."

Não podia faze-lo por menos a commissão, por mais ministerial que fosse, por mais desejo que tivesse de mostrar affeição ao governo; estar-lhe a sacrificar a sua intelligencia, a sua capacidade é a sua opinião ao porto de nem ao menos dar um brado pelo qual mostre a sua competencia e que conhece e avalia o perigo e o absurdo do projecto era impossivel, não havia ninguem que deixasse de o fazer.

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Eu não posso deixar de protestar contra este embroglio. O que quer o governo fazer, a ruina da fazenda publica?

O sr. ministro das obras publicas, pego perdão, o sr. presidente do conselho, porque o sr. ministro das obras publicas não toma parte n'este assumpto; s. exa. quer demonstrar que os caminhos de ferro hão de produzir uma receita espantosa, mas por mais que nos queira provar, que não precisâmos recorrer ao imposto para satisfazer aos encargos d'este caminho de ferro, por mais que se esforce em dizer que em quatro annos, apesar de não estarem ainda todos construidos, hão de dar para pagar a divida que vamos contrahir, por mais que se esforce, repito, argumentos desta ordem poderão convencer creanças, mas não a nós e a s. exa.

O sr. presidente do conselho sacrifica a administração da fazenda publica á vaidade de ter sido elle quem estabeleceu caminhes de ferro. Quando eu disse que isto era uma comedia, o sr. Vaz Preto, respondendo-me, dizia ter confiança em que o sr. presidente do conselho havia de levar por diante este projecto, pois que a sua gloria era ser o iniciador dos caminhos de ferro em Portugal e até o seu nome já figura citado no Perdonet. É n'isto que se cifra tudo. Pois não basta a s, exa. essa subida honra de ver no Perdonet citado o seu nome como iniciador dos caminhos de ferro, em um livro que corre o mundo, necessita ainda aspirar a ve-lo novamente n'aquellas paginas em alguma nova edição?

Valerá mais a vaidade do que os seus compromissos perante o parlamento; se a modestia é ridicula, como dizia hontem o sr. Fontes, a, vaidade não é virtude. O sr. Fontes tomou com a nação o compromisso de emendar os seus erros passados, espero que este compromisso, a sua experiencia, os seus cabellos brancos lhe façam conhecer a que perigo nos podem levar estas medidas imprudentes. Ha de propor tudo isto á vaidade de ler o seu elogio em nova edição do Perdonet? Não póde ser.

Sr. presidente, eu teria votado contra a generalidade d'este projecto se estivesse presente. Mas não me faça a camara a injustiça de suppor que sou adverso aos caminhos de ferro, e que partilho as idéas d'aquellas pessoas tementes a Deus, que o sr. presidente do conselho hontem referiu que diziam que não se podiam transportar toneis em caminhos de ferro, e que todos os passageiros que haviam de vir do Porto se podiam acommodar bem em uma carruagem. Não partilho estas idéas, sr. presidente, antes pelo contrario sou daquelles que estão persuadidos, se que sáem mais baratas as vias ferreas do que mesmo as proprias communicações fluviaes, quando tenham de fazer-se obras do importancia para as realisar, mas partilhando esta opinião favoravel ás vias ferreas, o que não quero é votar uma auctorisação que se não sabe o que é.

Eu não me farei cargo, não sei se isto é bom portuguez, mas a camara desculpará, dos boatos que correm sobre este projecto de lei dos caminhos de ferro, e dos motivos que o governo tem para attender ás differentes localidades ao mesmo tempo, sem maxima escolha de quaes os caminhos mais urgentes a fazer. O que é certo é que é projecto do governo era feito para ficar auctorisado a fazer o que lhe parecesse, os differentes interesses conheceram o risco de serem illudidos e por isso têem sujeitado-o governo a modificações no projecto que o tornam inexequivel, absurdo e ruinoso para o estado.

Apresenta-se o projecto do caminho de ferro das Beiras. Gritam os meus patricios, pedindo que elle parte de um ponto mais ou menos proximo de Coimbra.

Declaro francamente que me parece uma questão de insignificante importancia que o caminho de ferro passe por um ponto ou outro, mais ou menos afastado d'aquella localidade. Parece me, pelo contrario, que talvez para aquella cidade seja menos conveniente passar elle por ali, do que passar um pouco mais afastado, vindo pela margem direita, pois que tendo Coimbra já um caminho de ferro, todo o
que de novo se construir ha de necessariamente estar em contacto com o já construido. Agora, se a linha seguir a margem esquerda do Mondego, o resultado ha de ser que o pequeno commercio que ainda se faz em Coimbra, para fornecer todas aquellas localidades marginaes, se ha de deixar de fazer por ali, pois que ha de ser feito directamente com Lisboa ou Porto, e Coimbra ha de se resentir d'isso. Não serão meia duzia de passageiros que farão a fortuna commercial d'aquella cidade.

Na verdade, se eu não tivesse de combater o projecto em discussão, teria n'essa parte mais confiança no governo do que teem aquelles que o apoiam, e que, comtudo, querem que na lei fique consignada a ponto ou pontos por onde ha de passar a linha.

Um dos artigos da minha substituição denota bem o meu pensamento a respeito da escolha do ponto de partida das linha ferrea de que se trata; declara que dou a preferencia ao caminho da Beira Alta, porque o considero internacional.

Esse ponto, porém, será o que os estudos determinarem, digo eu n'essa substituição, que infelizmente não mereceu nenhuma consideração da commissão, nem ao menos a menção de que não tinha valor, que o primeiro caminho a construir será o da Beira Alta, passando nas proximidades de Santa Combadão, e ligando-se, na fronteira de Hespanha, ao caminho de Salamanca.

O governo, que r uma auctorisação para mandar construir os caminhos de ferro a que se refere este projecto, e despreza um dos caminhos mais essenciaes, e que elle trazia na sua proposta, que foi desattendido nas commissões, o qual lhe dava recursos mais immediatos. Esse caminho, que de tanta utilidade virá a ser quando se construa, é o que ligue o caminho de ferro do sul com a linha do norte. É um prolongamento que terá uns 50 kilometros, e pouco dinheiro poderá custar. Com elle se tornará muito mais valiosa a linha que é propriedade do governo, pôr-se-ha grande parte do Alemtejo em contacto com a nossa primeira linha de caminhos 4e ferro, e por isso com as outras provincias, e as duas linhas de norte e sueste se auxiliarão reciprocamente.

Este caminho, que é de grande interesse publico, como se vê, é um dos que poderá sair mais barato, e que se devia construir em .primeiro logar.

Sr. presidente, no projecto que Discutimos não vem o menor esclarecimento sobre as idéas que o governo tem com, relação á subvenção que tenciona dar para estes caminhos, nem sobre os meios com que conta para fazer face a esta despeza.

O adiar-se o pagamento para daqui a quatro annos, não é uma clausula que de mais luz á questão. Ora, se eu julgasse que a infelicidade d'este para fosse tanta que soffresse ainda mais quatro annos este governo, se eu tivesse essa certeza, quereria antes que o projecto se votasse, porque bastava tal circumstancia para fazer fugir os ministros. S. exas. emigravam logo, porque não ha governo que assuma a responsabilidade, n'um momento dado, de levantar os fundos necessarios para este pagamento.

Disse aqui hontem o sr. presidente do conselho, que as melhores condições em que se acha o nosso estado financeiro, não eram um facto devido á actual administração, mas tambem a outras.

Isto é verdade, e talvez aos actuaes ministros pertença a menor parte no melhoramento das nossas finanças, pois s. exas. não têem feito senso augmentar as despezas. As economias, bem ou mal feitas, pertencem a outros governos.

A possibilidade de se levantar o credito, a extincção da divida fluctuante, que foi uma boa operação e que collocou o ministerio em circumstancias de viver mais desafogadamente, tudo isto não era facil se acaso a confiança publica não estivesse já restabelecida pelas economias feitas pelas administrações transactas. As economias não foram tão acer-

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tadas como podiam ser. A situação, infelizmente dirigida pelo sr. bispo de Vizeu, não conduziu as cousas pelo verdadeiro caminho; tem elle porém a gloria de ter encetado o caminho das economias e de ter feito com que as administrações que se lhe seguiram se vissem forçadas a manter e respeitar aquelle grande principio das economias, principio pelo qual se operou uma revolução pacifica n'este paiz, a mais brilhante e gloriosa que tenho visto, por mostrar quanto um povo pacificamente póde conseguir, quando se delibera a tomar uma resolução.

Não era o governo do sr. bispo de Vizeu que merecia as minhas sympathias. Fiz-lhe toda a opposição. Fui intransigente com as suas medidas dictatoriaes. Ninguem mais aqui as combateu; combati-as eu só. Quem, se não eu, se levantou n'esta casa contra as extorsões feitas ao palacio de crystal? Quem, se não eu, atacou a lei eleitoral, decretada por aquella dictadura? Movi-lhe toda a guerra que lhe podia mover no limite das minhas faculdades parlamentares; mas o que se não póde deixar de dizer é que o paiz estava repassado da necessidade da applicação do principio de economias aos dinheiros do estado, e que esse principio serviu de norma aquella administração.

Bastou que se fechasse meia porta dos negociantes, para que aquelle governo, perseguido pelos interesses illicitos, pelo despeito dos empregados publicos e de muitos interesses offendidos com as economias tivesse nova popularidade, achasse mais força, para que o governo que já ia em descredito tornasse a rehabilitar-se; aquelle governo era composto de homens honrados, mas que infelizmente não estavam á altura da sua missão revolucionaria, respeitavam porém a opinião publica e foi por isso, e só por isso, que se sustentaram.

Desprezar a opinião publica, é que faz com que os governos se achem em perigosa situação, que mais tarde compromette a fazenda e a tranquillidade do paiz.

Sr. presidente, não quero eu exagerar tanto esta minha opinião como o meu amigo, o sr. conde de Rio Maior, que na má administração das finanças quer filiar a revolução franceza.

Estou persuadido que revoluções como a revolução franceza não podem ser causadas por uma desorganisação financeira. As causas eram sociaes, ha muito tempo que estavam a accumular-se; é comtudo certo que as crises financeiras apressam esses cataclismos. Na actualidade póde acontecer o mesmo: quando começa a ser discutida a conveniencia ou não conveniencia das monarchias, quando os monarchas teem de descer a litigar o reconhecimento do seu direito perante a uma eleitoral, quando estes principios se estabelecem, as monarchias vão em decadencia, a democracia vae subindo. Eu considero a introducção das idéas democraticas no systema representativo como um grande meio de governo, de progresso, de segurança publica, mas tambem considero que a monarchia constitucional é um esteio firmissimo da nossa independencia, principalmente na actualidade.

Não ha temer das tempestades externas, quando se approximarem da nossa porta, se nós tivermos um bom governo, uma boa administração, uma prudente economia.

O nosso povo está congraçado com a idéa monarchica.

Mas quando as inscripções tiverem de baixar sem esperança de tornarem a subir, quando tiver de ser lançado um imposto excessivo e vexatorio, então, sr. presidente, é que eu muito terei de receiar não só da questão financeira, mas da questão monarchica; temo essas questões, e temo-as ainda mais pelo bem e pela independencia do meu paiz do que pela propria monarchia.

Caminhemos no progresso material, mas não queiramos caminhar muito depressa. Porque, como dizia D. fr. Caetano Brandão, quando visitava os parochos, e lhe pediam reformas, a muitos dizia: vamos de vagar, que temos pressa, quem caminha de vagar, caminha sempre, não cança e alcança; quem caminha depressa, cança antes de chegar ao fim da sua jornada.

Sr. presidente, eu não quero por fórma alguma tomar muito tempo á camara; por isso vou começar a justificar a minha proposta, que é uma proposta de adiamento.

Eu desejava que o sr. ministro das obras publicas fallasse, mas o sr. ministro não quer fallar; está no seu direito, o governo está silencioso, não teu nada a dizer! Comtudo, sr. presidente, é a primeira vez que um ministro não quer absolutamente tomar a palavra quando as suas idéas são tão impugnadas! Pergunta-se ao ministro competente a sua opinião, e elle não quer dizer nada. Este silencio equivale a dizer: façam o que quizerem, arrebentem a fallar como a cigarra a cantar no verão. Eu bem sei que isto não é uma desconsideração, é um pensamento reservado, para não gastar tempo, e para que a camara não possa tratar esta questão pausadamente, o que fazia com que não houvesse tempo de votar o projecto; é, por assim dizer, collocar-nos entre a espada entre a parede, ou havemos de deixar de votar ou havemos de nos calar porque o ponteiro inexoravel nos mostra a hora. Pois, sr. presidente, o debate não poderá durar senão uma hora ou hora e meia, e uma vez que o governo não quer discutir, o que ha de fazer a opposição? A opposição tem de se demorar mais n'elle, pois que tem de ponderar as rabões pró e contra.

A responsabilidade que vá a quem tocar, eu pela minha parte antes quero a responsabilidade de não votar por discutir, do que a de votar calando-me.

Sr. presidente, uma das causas mais justificativas do adiamento, que vou propor, é sem duvida, em primeiro logar, o não termos conhecimento do ponto exacto, em que esta linha tem que se encontrar com a do caminho de ferro hespanhol, e isto já o governo devia saber, para no-lo dizer.

Sr. presidente, uma das emendas que se fez na camara dos srs. deputados, foi por causa da quentão militar, circumstancia que era forçoso attender, n'um caminho de ferro internacional, e que está em contacto com a Hespanha.

Porventura já o governo marcou de accordo com o governo de Hespanha, a fórma por que se devia tratar este assumpto? Quaes são os trabalhos que o governo a este respeito tem feito? Eu desejava que o sr. ministro das obras publicas, ou em seu nome o sr. ministro da guerra me dissesse se effectivamente ha já alguns trabalhos combinados, ou decididos sobre este assumpto com a n'essa visinha Hespanha? Esperando a resposta de s. exa. eu continuarei depois o meu discurso: creio mesmo que já se nomeou uma commissão para este fim e que esta commissão fez alguns trabalhos.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Cardoso Avelino): - Por emquanto não ha trabalho algum positivo feito com o paiz vizinho, para marcar o ponto em que se devem encontrar os dois caminhos de ferro designados no projecto em discussão, com os caminhos de Hespanha, nem tão pouco os podia haver pois que é necessario que o governo esteja habilitado com a respectiva auctorisação das camaras para fazer estes caminhos, sem o que eram desnecessarias quaesquer transacções. Ha comtudo um tratado com a Hespanha, em que os dois governos se obrigam reciprocamente, a não construir caminho de ferro algum que tenha direcção ás fronteiras, sem que previamente uma commissão mixta de engenheiros portugueses e hespanhoes estude e determine o ponto onde devem ligar-se esses caminhos. Não embaraça porem esto tratado a construcção de quaesquer vias ferreas que os dois paizes intentem fazer no seu interior.

O Orador: - Eu agradeço ao sr. ministro das obras publicas o ter quebrado o seu silencio, que me parecia intencional, para me responder á pergunta que dirigi a s. exa., mas a sua resposta auctorisa-me e ida vez mais a que eu sustente o meu adiamento, visto que não ha ainda tratado algum feito com a Hespanha, e que ha um tratado pelo qual se resolveu que nós não poderiamos ir en-

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troncar os nossos caminhos nos da Hespanha sem previo accordo de uma commissão mixta. Porque se não faz pois esse accordo previo?

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Observarei ao digno par, se me permitte, que eu não disse que não havia nenhum tratado, o que eu disse foi, que o ponto da ligação dos caminhos de ferro é que ainda não estava determinado; mas ha um tratado já feito, do qual resulta que nenhum dos governos póde construir linhas ferreas em direcção á fronteira, sem que uma commissão mixta de engenheiros determine o ponto em que devem ligar-se. Isto foi o que eu disse ao digno par, e tambem que nenhum dos governos fica por isso inhibido de construir no seu interior os caminhos que entender dever construir.

O Orador: - Sr. presidente, ha um tratado para o que não era preciso e para o que era é que o não ha; isto é, nós podemos fazer hoje o que sempre podemos fazer, segundo as expressões do sr. ministro das obras publicas; isto é, dentro da nossa casa construimos o que quizermos sem precisar tratado; que admiração! nós podemos construir interiormente quantos caminhos quizermos, mas desde o momento em que estes caminhos toquem na fronteira, uma commissão mixta de engenheiros dos dois paizes ha de resolver o ponto onde se devem juntar, e exactamente para resolver este ponto é que não ha nada tratado positivamente, de maneira que se a nossa construcção não for approvada pela Hespanha nós ficâmos com um caminho inutil ou talvez mesmo prejudicial para os nossos interesses e para o nosso decoro nacional. Fazemos o acqueducto sem termos a propriedade da agua que queremos conduzir. Alem d'isso ha uma commissão nomeada pelo governo de Portugal e pelo de Hespanha para tratar largamente d'este assumpto. Os trabalhos d'esta commissão não sei se estão ou não completos. Não quero incommodar s. exa. com mais perguntas.

Se este negocio está decidido por uma commissão, qual é a rasão por que o parlamento não approvou esse tratado? Pois não é absolutamente necessario determinar primeiro o ponto de incidencia da linha, do que ir fazer uma questão internacional d'essa mesma linha? Pois já ternos um tratado que nos obriga a que todas as vezes que quizermos construir uma linha até a fronteira de Hespanha, uma commissão decida onde essa linha deve entroncar, e tratâmos de votar a linha sem cumprir o tratado? Em tudo andâmos ás vesgas.

Eu não sei qual é a linha internacional, porque os defensores da linha da Beira Baixa dizem que esta é a verdadeira linha internacional, e os da Beira Alta dizem que é esta, que deve entroncar em Salamanca. Mas eu não posso entrar agora n'essa questão, porque a fatal ampulheta está a marcar-me o tempo que tenho para poder fallar.

Tudo isto, porem, está sujeito a um accordo com o governo de Hespanha. Ámanhã projectam-se estas linhas, apparecem as companhias, fazem-se os traçados, mas as companhias não podem começar os trabalhos senão quando os projectos definitivos estiverem acabados. Mas, apesar de tudo isto, ainda assim a questão com Hespanha não está resolvida, porque temos com ella um tratado para se concordar onde é o ponto de entroncamento. Ora isto não póde ser. E demais, não se deu parte d'este tratado ao parlamento, e creio que nenhum dos meus collegas tinha ouvido fallar n'este assumpto.

Sr. presidente, este negocio é gravissimo, e isto mostra mais uma vez que o governo não tem em vista mandar construir estas linhas ferreas, e por consequencia este projecto é, como muitos outros que se têem approvado, quasi inutil para o paiz. Exceptuando a emancipação dos libertos, que teve iniciativa n'esta casa, a liberdade de matar, que não ha de exercer-se e mais um ou outro projecto, não sei o que fica nos fastos parlamentares da presente sessão legislativa, que mereça mencionar-se.

Tem-se votado talvez cento e tantos projectos, todos elles de pouca importancia, e á ultima hora, quando as camaras estão para fechar, é que se nos dá para discutir um projecto complicado, e sem termos conhecimento da questão.

Pelas poucas palavras que o sr. ministro das obras publicas ha pouco proferiu, demonstra-se que podemos fazer quantos caminhos de ferro quizermos no nosso paiz, mas com a obrigação de esperar pela decisão de uma commissão mixta, logo que elles tenham por fim collocar-nos em contacto com a Hespanha.

Pois se estamos rigorosamente na obrigação de esperar pela decisão de uma commissão mixta nomeada por Portugal e Hespanha, não é esta rasão forte para eu propor o adiamento? E votar-se este adiamento, não significa que nos oppomos á questão ministerial, porque ella, como o sr. presidente do conselho annunciou, é só para mostrar a necessidade que ha d'estes caminhos de ferro, e manter o credito do sr. ministro da guerra e verdadeiro ministro das obras publicas n'esta occasião, credito que lhe mereceu os elogios no Perdonet.

Sr. presidente, se este projecto se converter em lei, desde já faço uma prophecia, posto que ninguem possa ser propheta na sua terra; eu sou propheta n'este caso, se este projecto passar, não ha de ter execução. Eu tenho vaidade em ter dito o mesmo com relação á lei de liberdade da terra ou da desvinculação, quando aqui approvámos algumas disposições, que eu prophetisei, que os tribunaes não haviam de executar, e assim foi; diz aquella lei que não se provará a natureza vincular senão pelo registo, feito conforme as disposições d'aquella lei; não repetirei os motivos por que combati uma tal disposição, mas previ que os tribunaes haviam de julgar o contrario, e assim tem sido; agora tambem ouso affirmar que se este projecto passar n'esta camara, para ser depois convertido em lei do estado, ha de acontecer o mesmo que aconteceu aquella disposição da lei da desvinculação e que ha de acontecer ao codigo militar em relação á pena de morte, que eu tambem combati, e que estou certo que se não ha de executar. Então se verá que a minha substituição tinha rasão de ser. Podem suppor que a minha palavra não tem auctoridade, que as minhas idéas são retrogradas; os meus collegas podem dizer o que quizerem, porque sei que o meu voto não vale nada.

Mas os factos confirmarão que as minhas opiniões estão em harmonia com as necessidades publicas, que o governo não as acceita, não por falta de vontade, mas porque a politica está completamente desvairada, e não porque as condemne. O governo está sujeito a pressões, pressões muitas d'ellas ficticias e inventadas até pelo governo. O governo lembra-me compara-lo a uns povos da India que gostam de ser massados.

(Interrupção que se não percebeu bem.)

Houve agora aqui um aparte que julgo ser de pessoa estranha á camara. Eu não estou a massar, estou discutindo, e creio que os meus collegas d'esta camara que me têem dado sempre muitas provas de querer ouvir-me não são d'essa opinião (apoiados.) Portanto, sr. presidente, não são outras pessoas estranhas á camara, que podem dizer que sou massador, porque que quem não me quizer ouvir tem liberdade para se retirar, e emquanto v. exa. e a camara me não retirar a palavra, posso fallar (apoiados).

Peço perdão, eu tenho direito de fallar e ser ouvido religiosamente desde que v. exa. e os meus collegas não me digam que acabe já... diga-o um só que eu calo-me immediatamente.

Vozes: - Falle, falle.

Sr. presidente, dizia eu, foi isto que excitou o aparte a que me referi, que havia certos povos na India que tomavam como excitante por ser necessario n'aquelle clima o massarem se. Sentam-se pessoas destinadas para esse fim com almofadas nas mãos, e começam a massar o corpo d'aquelles que precisam d'esse remedio. O governo tem

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certa tendencia para ser massado... Inventa entidades politicas, cerca-as de auctoridades suas, colloca-as no fastigio do poder, dá-lhes bispos, governadores civis, secretarios geraes e administradores de concelho, e põe as localidades á sua disposição. Eu não faço allusões a ninguem, não fallo senão em geral, porque na minha localidade dá-se a mesma cousa. Depois de terem inventado estas entidades temem-se d'ellas. A lei eleitoral que fez o sr. bispo, contra a qual eu votei, e fui o unico que no para protestei contra ella, e vim aqui igualmente protestar, acabou com as influencias eleitoraes. Essas influencias, amortecidas pelo alargamento dos circulos, muitas vezes inutilisadas por outras mais poderosas, ficaram sem importancia, o tem-se mesmo convencido que é impossivel sustentarem-se; estão, pois, predominando mais do que nunca as influencias da auctoridade.

Apesar d'isso e em taes circumstancias o governo inventou essas entidades a que me referi, pelas quaes se deixa avassallar. Ainda quando ellas são respeitaveis e dignas da consideração publica e particular, e gosam de certa independencia, não querem nada para si, e só procuram os melhoramentos da sua localidade, o mal não é grau de; mas n'outras dá-se inteiramente o contrario. Por isso eu digo que o governo tem inventado estas entidades para o premir, note que eu não digo opprimir, digo premir: por consequencia isto mostra que o governo tem com os povos da India a necessidade de pressão.

Sr. presidente, estas entidades hão deixar de ser violentas e fortes no momento em que o sr. ministro das obras publicas, que tão timido e fraco se mostrou, amontoando artigos sobre artigos n'este projecto de lei para satisfazer todas essas entidades que se lhe afiguram poderosas, lembrando-se do que era quando exercia as funcções de procurador geral da corôa junto do ministerio das obras publicas, e das suas antigas tradições de respeitabilidade e rectidão, olhar para os interesses do paiz, sem se importar com nenhum d'esses mandões que hoje lhe impõem a sua vontade. Quando s. exa. tomar tal resolução, não ha de ser tão facil como agora é, levar o governo a trazer ao parlamento uma lei d'estas, que póde enganar um ou outro, mas que a mim não me engana.

Por este projecto parece que os dois caminhos das Beiras têem igual importancia: perguntaria eu ao sr. ministro das obras publicas, se elle quizesse romper mais uma vez o seu silencio, qual é o caminho de ferro internacional?

É o da Beira Alta ou o da Beira Baixa? Diga o governo a sua opinião a tal respeito, e desde já me comprometto a votar-lha aquelle que o governo classificar como tal. Isto, porém, não o faz o governo, porque se lhe desequilibram as pressões a que está sujeito e de que carece. Se diz que o internacional é o da Beira Alta que hão de elles ficar preferidos, e vice-versa. Este systema de contemporisações é inacceitavel. Já não é só a directriz que está sujeita ás influencias mais ou menos justificaveis das provincias, são tambem as estações. O meu projecto deixa desafogo ao governo para elle resolver estas difficuldades, denota mais confiança no governo de que elle tem em si proprio.

Vá o caminho passar ao pé ce Vizeu, vá passar pela Mealhada ou Mogofores, para mim é o mesmo, o que eu quero é que o governo fique com a responsabilidade da escolha.

Quer v. exa. saber uma cousa curiosissima? Até aqui os povos pediam e representavam para que os caminhos de ferro passassem pela sua localidade, o que é legitimo, porque cada um deseja ver desenvolver a sua terra; mas presentemente já se faz mais, sr. presidente, já ha povos que se contentam que o caminho de ferro lhas não passe pela porta, mas comtanto que não vá passar pela do vizinho, representando-se neste sentido, como fizeram os povos da Mealhada; estes têem pedido ao sr. ministro para não serem vencidos por Mogofores! Eis até aonde nos leva o systema das contemporisações.

Eu. Sr. presidente, só quero ser vencido pelos interesses do paiz. Se o governo me disser qual das linhas é a internacional, voto por essa sem fazer escolhas, porque não sou competente para apreciar a questão techinica. Voto pela linha que se me disser que é a internacional, deixando ao governo a responsabilidade do traçado. Tanto me importa que o caminho passe pela porta do sr. Francisco Mendes, como que deixe de passar, comtanto que siga a directriz que deva seguir. O sr. Francisco Mendes, pela estreita amisade que nos une, estou certo que me desculpa o citar o seu nome.

O que eu desejo, sr. presidente, é saber quaes os conhecimentos com que o governo está habilitado para poder resolver esta importantissima questão. Não entro, como disse, na questão dos traçados, o que desejo é que se me diga qual das linhas é a internacional, d'ahi é que resultam os beneficios que esperam os povos por onde ella passar. E isto o que os leva todos a querer que essa linha lhes passe pela porta. Este ponto é importante e carece de uma resposta.

O governo quer fazer todos os caminhos de ferro em quatro annos, e quer faze-los sem os estudos convenientes, e sem attender ás circumstancias do thesouro, sem se lembrar que a bolsa do contribuinte tem limites que não se podem impunemente affrontar. As lições de experiencia deviam fazer lembrar isto ao sr. Fontes.

Com estas suas imprudencias ha de ir cavando a sua ruina e a da fazenda. Esta apprehensão está no animo do publico, que bem comprehende que a feitura d'estes caminhos de ferro traz encargos extraordinarios, que só por meios extraordinarios tambem podem ser satisfeitos, antevendo-se atraz d'este projecto o levantamento de novos impostos, e todos nós comprehendemos a impossibilidade de os levantar.

Creio fazer justiça ao sr. ministro suppondo que o unico caminho de ferro que se ha de fazer é o da Beira Alta, e ha de fazer-se o que liga o caminho do norte com o do sueste.

Mas, sr. presidente, o que é indispensavel é que só se faça o que é compativel com as nossas circumstancias, dentro dos limites do que se póde e deve fazer.

Eu, na minha substituição, marcava quaes as linhas que se devem fazer primeiro, e ao mesmo tempo determinava as despezas que temos de effectuar, marcando qual deve ser o custo kilometrico que convem tomar por base da licitação. Essa base não póde ser taxada de excessivamente alta, nem excessivamente baixa, se fosse a de 24:000$000 réis por kilometro como foi a do contrato de 1860; mas supponho que se póde adoptar a de réis 20:000$000, e que por esse preço se poderia fazer a construcção pela rasão de que, na actualidade, se dão circumstancias favoraveis á concorrencia dos capitaes a esta empreza, e porque existem companhias organisadas que provavelmente se hão de apresentar a licitar.

Quanto ao caminho de ferro que ligue o de sueste com o do norte, propondo a subvenção kilometrica de 10:000$000 réis. Tambem supponho que por este preço se póde fazer aquelle caminho.

Acredite v. exa. e a camara que não são simples calculos aerios os que apresento. Consultei engenheiros respeitaveis que me declararam que realmente se podiam estabelecer estes preços.

Nós temos n'este projecto uma disposição absurda e sobre todas ruinosa:

«Art. 6.º A subvenção devidamente estipulada para cada um dos caminhos unicamente será paga pelo governo, depois de cada um d'elles estar concluido e em exploração.»

E no artigo 5.º outra altamente perigosa para o paiz, com a qual muito se póde justificar o meu adiamento:

«O praso marcado para a construcção de cada uma das

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linhas designadas no artigo 1.° d'esta lei não poderá exceder o periodo de quatro annos.»

Isto é impossivel. No espaço de quatro annos o trabalho não se póde fazer, não ha braços no paiz que comportem um tal trabalho. Os trabalhos agricolas hão de cessar ou os salarios subir a um ponto que a industria agricola não supporta. Desejo que os salarios subam, porque comprehendo que a subida d'elles é uma necessidade para a classe mais numerosa do paia.

Direi mais. Se se entende que a emigração é um mal, o unico meio efficaz que supponho haver para obstar a ella, é a subida constante e regular dos salarios.

Por mais que nomeiem commissões, por mais que preguem com a febre amarella e com a cholera morbus, como inimigos terriveis dos emigrantes, não impedem que centenares e centenares de individuos saiam do para todos os annos, para o Brazil á procura de melhor fortuna. E sabe a camara porque? E porque os que lá chegam, mandam pouco tempo depois trinta, quarenta ou cincoenta libras ás familias miseraveis, e isso seduz os que cá ficam, e os convidam a ir tambem. As libras é que são as boas rasões com que se convence aquella gente; como se vence este mal? Com o augmento progressivo de salario.

Ora, os meios economicos para se chegar á elevação do salario são a necessidade de braços para a industria e a instrucção.

Quando uma terra precisa de braços para ser cultivada, e não produz de modo que possa satisfazer as despezas feitas com os salarios, o lavrador não se póde manter. N'estes casos, a instrucção deve lhe ensinar que lhe é indispensavel mudar de cultura, e ir procurar n'outra mais rendosos productos para ir cobrir essa despeza, e tirar os meios precisos á sua existencia. Resulta d'aqui um augmento de riqueza publica e a subida dos salarios em vez de ser um mal, terá por consequencia o desenvolvimento d'essa riqueza. Estes principios são applicaveis ás outras industrias: portanto, se as culturas e as industrias de outra natureza se forem alterando segundo as necessidades o requererem, haverá grande augmento na prosperidade publica pela elevação dos salarios, e esta melhorará a condição das classes trabalhadoras.

Ora, tudo isto não se faz senão pelo meio da instrucção, e com o tempo, que vae desenganado os rotineiros isto assim pelo desenvolvimento natural das leis economicas não tem inconvenientes, nem transtornos para ninguem; a mudança que se opera nas culturas, e nas industrias, em consequencia da gradual e regular subida dos salarios, é um effeito salutar d'esta subida, porque d'ella resulta vantagem para todos e augmento de riqueza para o paiz, e não traz beneficio para uma classe com sacrificio dos outras.

Outro tanto porem não acontece, quando a elevação dos salarios, produzida por causas artificiaes, temporarias e rapidas, é uma elevação facticia, como será necessariamente a que vae promover a construcção d'estes caminhos de ferro, se porventura se levar a effeito em quatro annos. Os milhares de braços que deve exigir essa construcção, fugindo das lavouras e das industrias, para irem para os trabalhos da linha, hão de causar um grande desequilibrio, nas forças productivas do paiz, e a agricultura sobretudo ha de se resentir muito da falta d'esses agentes indispensaveis á sua existencia.

Foi esse systema que infelizmente Napoleão seguiu em França, e que deu como resultado um estado facticio para as classes operarias, que, no momento em que não houve obras para lhes continuar a dar, se viram a braços com a miseria, e depois lançaram o paiz nos horrores da anarchia.

Esta argumentação não póde ter resposta de qualidade alguma, nem economica nem politicamente.

Por consequencia, sr. presidente, insisto no adiamento. Não quero fatigar mais a camara, porque é natural que tenha ainda de tomar a palavra nas substituições que hei de mandar para a mesa aos differentes artigos do projecto.

Peço a v. exa. que ponha em discussão esta proposta de adiamento, que me parece estar plenamente justiçado com as palavras que proferi.

«Proponho o adiamento deste projecto até que o governo, de accordo com o de Hespanha, tenha determinado qual o ponto ou pontos da fronteira aonde se hão de encontrar as nossas linhas com as do reino vizinho. = M. Osorio.»

O sr. Presidente: - Para que este adiamento seja admittido á discussão, careço de consultar a camara.

Os dignos pares que admittem á discussão o adiamento proposto pelo digno par, o sr. Miguel Osorio, tenham a bondade de se levantar.

Não foi admittido.

O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, foi infeliz o meu adiamento, tão infeliz que nem o admittiram á discussão! Caso novo nesta camara, não se admittir á discussão uma proposta!

Os srs. ministros deram cunho ministerial a este negocio, votando tambem pela não discussão...

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu por minha parte não admitti o adiamento á discussão, porque julguei que não p podia admittir depois de ter a camara votado a generalidade do projecto.

Foi este o motivo do meu voto e não falta de consideração para com o digno par.

O Orador: - Valha-nos ao menos esta explicação. O silencio dos srs. ministros compromette-os; de maneira que não têem remedio senão ir respondendo pouco a pouco; se tivessem querido facilitar a discussão, respondiam, franca, leal e cavalheirosamente, como é costume, adduziam rasões contra rasões; mas não, senhores; o systema empregado pelo governo é conservar-se silencioso.

Agora, sr. presidente, vou apresentar a minha emenda ao artigo 1.°

«Artigo 1.° É o governo auctorisado, nos termos desta lei, a adjudicar, em hasta publica, e precedendo concurso de sessenta dias:

«l.° A construcção e exploração de um caminho de ferro, que parta de um ponto da linha do norte, que os estudos determinarem, siga pela Beira Alta, passando nas proximidades de Santa Combadão e termine na fronteira de Hespanha, ligando-se ao caminho de Salamanca;

«2.° A construcção e exploração do prolongamento da linha de sueste, desde Extremoz até á estação do Crato ou da Ponte do Sor, na linha de leste, como mais conveniente for.«

Este artigo foi desprezado na commissão, devia haver motivos poderosos.. .

(Áparte do sr. Lobo d'Avila.)

O meu projecto não foi presente á commissão?

(Áparte do sr. Lobo d'Avila.)

Vejo então que as deliberações da camara não se cumprem.

O meu projecto foi mandado imprimir com antecipação ainda quando o projecto do governo estava em discussão na camara dos senhores deputados. Distribuiu-se pelos dignos pares e devia ser remettido á commissão, para conjunctamente com o outro ella dar o seu parecer; foi isto o que aqui se deliberou.

Isto prova a consideração que a camara prestou ao meu pedido. Eu não sei como possa explicar-se, que depois de tudo isto, o sr. relator da commissão não tivesse conhecimento da minha proposta. Não faço considerações a tal respeito, deixo a v. exa. e á camara a apreciação do facto vejam como se cumprem as nossas deliberações.

O sr. relator da commissão acaba agora de dizer que não tinha conhecimento de tal.

Pois, sr. presidente, no projecto apresentado pelo governo á camara dos senhores deputados havia a construc-

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ção do ramal em prolongamento pelo Crato ligando os dois caminhos, como o sr. relator sabe muito bem. É isto mesmo que eu proponho na minha substituição; que fosse desprezada na commissão não me admira, mas que fosse desprezada pelo sr. ministro dão obras publicas, cujo era a idéa, isso é que muito me admira! E que nem ao menos nos diga qual a rasão da sua mudança de pensar, mais digno de admiração é!

Se o sr. relator da commissão acha inconveniente esta minha proposta, não tenho duvida em a retirar, roas emquanto me não disserem quaes são os inconvenientes d'ella, que era o primitivo pensamento do governo, insisto em a mandar para a mesa como emenda o que tinha apresentado como substituição.

O sr. Presidente: - Eu mandei distribuir pelos dignos pares a substituição de v. exa.

Leu-se na mesa a proposta do sr. Miguel Osorio.

O Sr. Presidente: - Eu creio que a intenção do digno par é apresentar esta proposta como emenda ao artigo que está em discussão.

Ora, eu devo declarar á camara que a proposta do sr. Miguel Osorio é rigorosamente uma emenda, porque, referindo-se á auctorisação que se dá ao governo, o digno par auctorisa o governo unicamente á construcção do caminho de ferro da Beira Alta e ao prolongamento do do Alemtejo, excluindo por ora o caminho de ferro da Beira Baixa e o do Algarve. Esta emenda carece de ser admittida á discussão. Vou, pois, consultar a camara.

Posta a votos, foi admittida á discussão.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, não tenho a vaidade de dizer cousa alguma que possa esclarecer o debate. Pedi a palavra unicamente para motivar o meu voto.

Eu, com muito custo, vim hoje á camara com intenção de votar contra a generalidade do projecto; julguei que chegaria a tempo, mas creio que a hora se mudou! Não importa, voto contra tudo, até contra as propostas do digno par que me precedeu.

Sr. presidente, eu nunca suppuz que aquelles que militaram num partido, no qual eu tambem tive a honra de militar, e que era um partido liberal, se negassem á discussão! Ou então couta-se só com o numero, o que não é proprio de s. exas., o que é brutal, e assim melhor será acabar com as discussões.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Ainda hontem fallei.

O Orador: - Tenho visto muitas discussões serias: mas em todas tenho tambem visto os responsaveis torrarem a palavra para esclarecerem o debate; aqui porém, não acontece isto, sr. presidente!

Não se fiam os srs. ministros nos seus argumentos, nas suas rasões para combaterem as idéas contrarias? Para que estamos nós aqui, não é para nos esclarecermos e reformarmos a nossa opinião quando ella for errada? Ou nós vimos já para aqui de peito feito para votar contra, tenhamos ou não rasão? Se não é para nós reformamos as nossas opiniões, quando ellas forem erroneas, então a discussão não serve para nada, é um mero divertimento como ao theatro.

Sr. presidente, ha tres ou quatro annos para cá tenho visto muitas modificações, e de tal ordem que me tem impressionado a um ponto que eu me afasto de todos os partidos e de todas as fracções.

Não é precisa já a discussão para nada! Sr. presidente, falla um digno par, apresenta objecções, argumentos serios, falla com convicção e força, e dos bancos dos srs. ministros não se levanta uma voz! Reina um silencio sepulchral!

Diz o paiz, e com rasão o dirá- as discussões do parlamento não servem de nada, porque já quando para lá vão levam a tenção formada. Disse o sr. presidente do conselho, eu não votei a admissão do adiamento proposto pelo digno par, o sr. Miguel Osorio, porque o projecto já se tinha votado na generalidade, e portanto me pareceu que não tinha logar aquella proposta.

Oh! sr. presidente, isto disse o sr. presidente do conselho! E o regimento da camara diz-nos exactamente o contrario, porque num dos seus artigos diz. - que em todo o estado da discussão póde ser proposto o adiamento, e ainda que Beja no ultimo artigo elle tem sempre logar.

S. exa. tem grandes recursos, grande saber, não precisava d'este insignificante embaraço parlamentar para vencer a causa; se ella é justa, deixe-a á apreciação da camara, apresente as suas rasões em contrario, e se não se convencer do que lhe for dado em replica vote contra.

Sr. presidente, o adiamento era bem proposto, este projecto é a continuação da serie de desperdicios n'um paiz, onde metade da sua renda publica é para pagar aos credores, e querem-se fazer ao mesmo tempo cinco caminhos de ferro! Isso é um contrasenso, sr. presidente. Pergunta-se em que condições se hão de fazer? E responde o governo com toda a ingenuidade, não sei; mas quero o voto de confiança plena. Esse voto podem dar-lh'o os seus amigos, a opposição não lh'o póde dar, e eu pelo menos não lho darei.

Ainda se hão de fazer os estudos definitivos, ainda se ha de fazer tratado com a Hespanha para se saber aonde os caminhos poderão ligar-se, como o sr. ministro das obras publicas acaba de dizer, e nós estamos aqui para ir votar já uma cousa d'estas, sem se saber senão que só querem caminhos do ferro e nada mais! Isto não póde nem deve ser. Se o paiz já precisa de metade dos Seus rendimentos publicos para os credores, feitos estes caminhos de ferro augmentarão os encargos do thesouro mais 1.000:000$000 réis cada anno, isto n'um paiz onde se não ha creado um fundo de amortisação, porque os srs. ministros não querem, com o pretexto de que os juros eram superiores em comparação ao que se amortisasse. Um paiz em que o governo chamou ha dois annos as reservas, e que as conserva algemadas sem necessidade, e que nem ao menos ouve o parlamento sobre essa necessidade que se pretexta, e continuação de sacrificio que se exige d'esses infelizes soldados!

Quando se tratou do chamamento das reservas votei com s. exa.; fui eu um dos que caíram n'essa falta; isto para elevar as despezas do exercito a 4.000:000$000 réis. E se se applicar ao exercito a theoria da marinha, em logar de um pimpão teremos vinte pimpões. Ora, se se arranjassem vinte pimpões ainda eu dava alguma cousa pelo negocio; mas infelizmente appareceu só um, e é a unica cousa com que o governo se ha de achar ou desenganar na occasião precisa.

Ora, eu pergunto á camara se depois d'isto póde votar o projecto? Eu não o voto, porque não quero tomar parte em uma falta tão grave. Parece-me que o maior serviço que a camara póde fazer ao paiz é votar contra este projecto, e com isso presta tambem um serviço ao sr. ministro, porque s. exa. ha de arrepender-se se o projecto passar, e tiver, por consequencia, de mandar proceder á construcção destas linhas ferreas. S. exa. querendo agradar a todos não agrada a final a ninguem.

O governo não está no poder para fazer favores aos amigos; e póde crer que não são seus amigos aquelles que estão constantemente a approvar-lhe todos os desperdicios; amigos são aquelles que desinteressadamente lhe dizem a verdade, e lhe mostram o bom caminho a seguir.

Todas as vezes que um governo, que deve representar a maioria, se acha n'estas circumstancias, tem d'estes resultados. É necessario que o governo seja o reflexo do par lamento, e este o do paiz. O que é verdade é que todas as vezes que o parlamento se mette a esmiuçar a sua intervenção até ao ponto de querer riscar com um lapis os traçados de caminhos de ferro o governo torna-se instrumento dos seus amigos; e apresentando um projecto d'esta ordem, sem ao menos dizer - eu entendo isto d'este ou

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d'aquelle modo, mostra que não tem opinião formada, nem conhecimento do assumpto, e que apenas o apresentou por exigencias dos amigos.

Será assim que o governo representa o paiz e é a sua expressão, ou representa só e é a expressão dos seus amigos?

Eu não conheço no estado responsabilidade senão nos homens que ali estão sentados. Respeito-os; mas não quero saber dos seus amigos, nem das auctoridades que por elles são nomeadas, boas ou más, não podendo deixar de o censurar pelas nomeações que tem feito, e que têem ferido as susceptibilidades publicas, e a minha, pelo caracter dos individuos e má escolha que tem feito, suggeridas talvez, e que lamento.

Peço aos srs. ministros que acreditem que no que disse não tive intenção de offender s. exas.; apenas me desempenhei do meu dever, como a intelligencia o permittiu. A respeito do projecto, voto contra todos os seus artigos e assim cumpro o meu dever.

Tenho concluido.

O sr. Lobo d'Avila: - Sr. presidente, pedi a palavra para dar algumas explicações por parte das commissões de fazenda e de obras publicas, e não para discutir o governo, porque o governo está callado quando entende que deve ficar callado, e fallará quando o julgar opportuno.

Em primeiro logar vou dar uma explicação ao nosso collega, sr. Miguel Osorio. A substituição do digno par não estava junta aos papeis que foram remettidos ás commissões e que ellas examinaram. Creio que não estava na camara quando essa substituição impressa foi distribuida; o que é certo é que eu nunca a recebi, naturalmente foi isto devido á confusão que resulta da demasiada affluencia de projectos e propostas n'estes ultimos dias de sessão, sem culpa intencional de ninguem. Esta é a verdade. E declaro a s. exa. que foi este o unico motivo pelo qual as commissões deixaram de dar parecer sobre a sua substituição ao projecto de lei pendente; não podia haver em ninguem a menor idéa de falta de deferencia, porque sabemos que o nosso dever é considerar tanto a s. exa. como a outro qualquer digno par. (Apoiados.)

O sr. Miguel Osorio: - Peço a palavra.

O Orador: - Sr. presidente, aqui ha duas questões: a primeira é a questão do systema governativo, que tem por norma dotar o paiz com boas vias de communicação para desenvolver a sua prosperidade; a segunda questão é a do melhor methodo a seguir para realisar estes melhoramentos.

Ha inividuos que julgam devermos esperar que melhore a nossa situação financeira, empregando para esse fim a reducção de despezas e o acrescimo de receita, para depois tentarmos então pausadamente e por partes o acabamento da nossa rede de caminhos de ferro.

Eu entendo, sr. presidente, que o modo de desenvolver a prosperidade e a riqueza do paiz é construir as vias de communicação, porque ellas são um meio economico sem o qual não poderá prosperar a fazenda publica. É esta uma verdade tão reconhecida por todos, e em todos os paizes da Europa quando se trata d'esta questão, que, se por acaso houvesse um individuo que a desconhecesse, seria o mesmo que querer negar a luz do sol. (Apoiados.)

Portanto já se vê, sr. presidente, que estando eu convicto d'estes principios não posso deixar de estranhar que o sr. conde de Cavalleiros diga que podemos passar sem caminhos de ferro. Reputo esta idéa completamente inexacta e contrariada pelos factos, pois está demonstrado que os caminhos de ferro entre nós têem dado em resultado o desenvolvimento da prosperidade publica. (Apoiados.)

Os 7.000:000, ou antes perto de 8.000:000 de passageiros, que têem transitado pelos nossos caminhos de ferro, e as 1.600:000 ou 1.700:000 tonelladas de mercadorias que se tem transportado por esses caminhos, desde que existem em exploração até ao anno passado, têem dado á economia publica uma reducção de despeza de transporte que se traduz num grande elemento de prosperidade nacional. (Apoiados.) Isso tem-nos habilitado a desenvolver as differentes industrias, a levar os productos dos focos de producção aos de consumo, o que d'antes era em muitos casos impossivel pelas enormes despezas de conducção, que oneravam as mercadorias.

Ainda n'outro dia ouvi um illustre deputado apresentar o calculo com referencia ao custo do transporte de 75:000 pipas de vinho do Douro para os armazens e depositos ou para os sitios do consumo, custo de transporte que pelos meios imperfeitos de que se usa custa 450:000$000 réis, e pelos meios aperfeiçoados custará 112:000$000 réis, o que dá uma economia de 337:000$000 réis.

Essa economia lá fica na mão do productor, e se se tem de lhe pedir algum imposto novo para um caminho de ferro não terá já essa economia de 300:000$000 réis, que deixa de pagar pelo transporte d'aquelle genero? O que se dá com o vinho dá-se com os mais productos. (Apoiados.)

A exploração das minas, por exemplo, seria impraticavel sem os caminhos de ferro.

Como se havia de transportar assa grande quantidade de minerio em bruto não havendo caminho de ferro que proporcione transporte barato? Seria impossivel.

Ha uma infinidade de industrias que se têem creado, que seria absolutamente impossivel sustentarem-se e desenvolverem-se sem haver communicações acceleradas.

Portanto, é necessario completar a nossa rede de caminhos de ferro, não só em consequencia d'estas doutrinas altamente racionaes, cuja utilidade é comprovada pela experiencia, mas porque é uma necessidade impreterivel da nossa situação. Depois de termos algumas das nossas principaes linhas ferreas, se não completâmos a rede, não aproveitâmos todos aquelles capitaes que ali estão empregados do modo mais efficaz e conveniente á economia publica.

Devemos, pois, construir os caminhos de ferro da Beira e devemos ligar o caminho de ferro de sueste com o do norte; depois devemos ligar o caminho de ferro da Beira Alta com o caminho de ferro do Douro, prolongado até Traz os Montes, e formar assim uma rede de caminhos de ferro.

Agora querer parar no caminho encetado, depois de se terem obtido já tão bons resultados para a prosperidade nacional, e quando tudo faz esperar que o complemento da rede muito maior incremento traria a essa prosperidade, seria um acto irracional. (Apoiados.)

O sr. Costa Lobo: - S. exa. disse que todos desejam caminhos de ferro, o que não desejam é que se façam com precipitação, sem attender ás circumstancias financeiras do paiz, trazendo á camara projectos confusos para se votarem.

O Orador: - Quem é que quer que se caminhe com precipitação?

O sr. Costa Lobo: - S. exa. estranhou que o governo proponha nesta camara a construcção de caminhos de ferro, confessando ao mesmo tempo que nada conhece a esse respeito.

O Orador: - A ordem de idéas que eu tenho visto aqui apresentar é principalmente financeira, quer dizer que se julga que o paiz não tem recursos e que se deve estar á espera que haja os meios necessarios para occorrer a essa despeza.

O sr. Costa Lobo: - O digno par interrompeu o orador para lhe fazer sentir que não tinha dito o que s. exa. lhe attribue.

O Orador: - Eu não estou sóa responder ao digno par. Permitta-me s. exa. que lhe diga que, por muita consideração que eu tenha pelas observações do digno par, não posso sómente dirigir-me a s. exa. Eu estou aqui respondendo ás diversas idéas que se apresentaram. Por exemplo ao sr. conde de Rio Maior.

Ora eu folgo muito que o digno par peça a palavra,

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porque estou convicto da verdade das idéas que sustento, e quando tenho essa convicção, não só não temo nunca o debate, mas estimo-o. (Apoiados.) Os dignos pares porém devem reflectir que nós estamos no fim de uma sessão, e aquelles que estiverem convictos de que é util o não se adiar este projecto, como eu o estou, podem não querer protrahir a discussão, não por falta de convencimento das suas idéas, mas para não demorar o debate, como succede. (Apoiados.)

É necessario que se faça justiça ás intenções de cada um, aliás póde tambem dizer-se que os que combatem o projecto o fazem por espirito politico, pretendendo adiar a sua approvação por isso e não pelo interesse publico.

Sr. presidente, como disse, ha duas ordens de questões a descriminar n'este assumpto; a primeira já a expuz; a segunda reduz-se a saber como, e quando se derem fazer esses caminhos, de ferro.

Será muito cedo para se fazer o caminho de ferro das duas Beiras?

Tem-se clamado, tem-se dito que se vão agora fazer mais 600 kilometros de uma vez com grave risco para o thesouro. Não me parece que os caminhos na Beira, que são 374 kilometros, cuja subvenção a rasão de 50 por cento do seu custo, o que é calcula-la alto, anda por 16:000$000 a 17:000$000 réis o kilometro, possa trazer os inconvenientes apontados, pois poderá apenas aggravar a despeza publica com mais um encargo annual de 350:000$000 a 400:000$000 réis, com o qual de certo não perigam as nossas finanças.

Os kilometros que supponho subvencionar suo os 374, porque o caminho de ferro do Algarve da extensão do 128 kilometros não haverá facilmente empreza que o tome com via larga, e ha de fazer-se provavelmente com via estreita, o que reduzirá a despeza em 50 por cento proximamente. Para os ramaes de Vizeu e Covilhã, que devem ser de via estreita, póde ser que não seja necessaria a subvenção. Para a despeza dos novos caminhos de ferro temos tambem o producto da venda do caminho de ferro de sueste, que decerto dará mais de 3.000:000$000 réis, ou proximamente metade do total das subvenções a pagar. Muito convinha que se fizessem os prolongamentos na linha de sueste que a devem ligar com a do norte, porque da ligação dos caminhos de ferro é que resulta o maior desenvolvimento da circulação, e o seu melhor aproveitamento. Eu supponho que o governo está auctorisado para a construcção d'esses prolongamentos com o producto do rendimento do caminho de ferro de sueste, e estou certo que o sr. ministro das obras publicas não ha de descurar um melhoramento d'esta ordem.

No caso daquelle rendimento não ser sufficiente, poderá o governo levantar sobre elle os fundos necessarios para construir com maior brevidade o referido prolongamento. Parece-me que o governo, dentro das faculdades que tem, poderá realisar esta operação sem necessitar para isso auctorisação especial.

Quanto á emenda do digno par o sr. Miguel Osorio, direi que, estando a terminar a sessão, não se adiantava cousa alguma inserindo-a n'esta occasião no projecto que está em discussão, porque n'esse caso teria de voltar á outra camara, e por consequencia deixaria de ser approvado. Já se vê, pois, que n'esta sessão não ha meio de realisar a idéa do digno par.

Sr. presidente, eu tambem desejaria que os planos e estudos para a construcção das linhas ferreas de que trata este projecto de lei estivessem já feitos, e só podesse votar sobre cousas definidas (apoiados). Não occultei este pensamento no parecer que relatei, pelo contrario manifestei-o com toda a franqueza e lealdade (apoiados). Mas tambem não julgo que haja inconveniente em votar o projecto conforme está, por isso que os caminhos de ferro, cuja construcção n'elle se auctorisa, não serão contratados em primeiro se fazerem os projectos definitivos, e o governo tem que dar no anno proximo conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Sr. presidente, não quero prolongar mais o debate, em presença da urgencia do tempo, e dou por findas as reflexões que tinha a fazer.

O sr. Miguel Osorio: - Tenho em primeiro logar a agradecer ao meu nobre e antigo amigo o sr. Lobo d'Avila a benevolencia com que se dignou explicar os motivos que teve, para não apresentar no seu relatorio parecer ácerca da minha substituição. Deploro que as deliberações d'esta camara e as ordens de v. exa. se não executem como deve ser. A camara determinou que a minha substituição fosse á commissão, v. exa. de certo deu as ordens n'esse sentido, e todavia a commissão não a recebeu.

Eu não estou muito ao facto dos tramites que seguem os projectos de lei para chegarem ás mãos das commissões: mas parece-me, que tendo ellas ordinariamente presidente, secretario e relator, a alguma d'estas entidades podia ser dirigido o meu projecto.

O sr. Lobo d'Avila deu cabal satisfação de si. Declarou que não lhe foi enviado o projecto, nem até lhe foi distribuido, e esta falta de execução das ordens de v. exa. prejudica a regularidade dos trabalhos.

Sinto pois muito, que a minha substituição não chegasse ás mãos do sr. relator da commissão: é porém impossivel que não fosse distribuida a algum dos membros da mesma commissão, como foi a quasi todos os dignos pares.

Em todo o caso, chamo a attenção de v. exa. para o facto da não execução da deliberação da camara e das ordens de v. exa., para que se não repita, porque póde trazer grandes inconvenientes, já não digo por mim, nem pela minha proposta que é insignificante; mas porque póde acontecer com outros dignos pares em negocios de maior importancia.

Se a minha substituição tivesse ido á commissão, veja que teria no meu amigo o sr. Lobo d'Avila um apostolo para a defender. S. exa. concordou na necessidade de construir uma linha que ligue o caminho de ferro de sueste, com o caminho de ferro de leste.

Mas s. exa. mesmo reconhece a necessidade da minha proposta e julga que ella podo ser dispersada, porque o governo tem meios para a attender, independente d'esta lei; é esta a opinião de s. exa., mas não teve o sr. relator a habilidade de fazer com que o sr. ministro das obras publicas saísse do seu calculado silencio.

Se s. exa. me dissesse que esse é o sentir do governo, visto que o governo não tem falla, se s. exa. me dissesse que o governo tem esta opinião, muito bom: seja s. exa. o interprete do governo, seja o tutor d'elle. Porque o governo não falia, o governo não tem idéas, e, se as tom, e só para as deixar interpretar pelas maiorias, não se dignando mesmo dizer porque acceitou a amputação das suas, como n'este caso.

S. exa. diz que o plano podia talvez ser mais bem acabado e melhor definido. Se s. exa. fosse ministro da fazenda, eu acceitava como sufficiente a sua opinião. Sei que s. exa. tem energia e idéas; mas com estes ministros, que deixam a cada passo o rumo, por causa das conveniencias de momento, não posso prescindir da proposta a não ser que o sr. relator tomando o papel de ministro mo diga que toma a responsabilidade pelo governo da opinião que sustenta. Nada mais tenho a acrescentar.

O que deploro é que nem o sr. relator da commissão, nem nos fossemos capazes de alcançar que o sr. ministro das obras publicas fallasse. Eu mesmo assim fui mais feliz, porque ao menos obtive que o sr. ministro, sem pedir n, palavra, mas n'uma interrupção, dissesse alguma cousa; mas s. exa. apesar de declarar que só podia responder, como relator, pela idéa da commissão, mas não pela do governo, nem assim obteve o que eu obtive.

O sr. Gosta Lobo: - O digno par achou altamente procedente para a illustração do assumpto em questão o dia-

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curso que ha pouco proferiu o sr. relator da commissão, no qual disse que o governo era virtude do artigo, pelo qual é obrigado a dar conta ás côrtes do uso que fizer da auctorisação d'esta lei, involve tambem o dar conta dos estudos, s. exa. pergunta ao governo se acceita esta interpretação do artigo.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Sem duvida nenhuma, o governo acceita essa interpretação do artigo.

O Orador: - O digno par, registando a resposta do sr. ministro das obras publicas de que acceitava a interpretação que o sr. relator deu ao artigo do projecto em discussão, disse que se o governo declarasse que retirava este projecto, que veiu da outra camara, attendendo aos interesses do paiz, que são os unicos que o levam a impugnar este parecer, elle seria o primeiro a dar o seu voto.

(O digno par não devolveu os seus discursos.)

O sr. Conde de Rio Maior: - Tambem eu não quero cansar mais a camara, nem desejo que se diga que pretendo impedir o voto da assembléa; pedi a palavra apenas para dar uma explicação.

Rogo aos srs. ministros que ponham de parte alguma expressão menos agradavel que hontem houvesse por ventura no meu discurso, e peço ao sr. presidente do conselho que me permitia dizer que s. exa. não destruiu, nem de leve, os argumentos por mim apresentados, nem respondeu á minha pergunta com relação ao caminho de ferro internacional. Tinha muito que dizer em resposta ás observações de s. exa.; falta-me o tempo, e por isso requeiro do governo que declare muito categoricamente qual é a linha que elle considera como internacional, porque sem elle o declarar não posso dar o meu voto ácerca do projecto, e n'este caso voto antes pela substituição do sr. Miguel Osorio. Eu não ia tão longe.

Sr. presidente, não quero obstar, não acceito a accusação, que foi repetida, e que não tem rasão de ser, de que a opposição não quer caminhos de ferro. Isto realmente é uma idéa que não cabe nas nossas cabeças nem na de ninguem (apoiados). Todos nós queremos caminhos de ferro, mas queremos que sejam feitos de modo que não perigue a causa publica (apoiados). Eu pergunto, explicita e categoricamente, ao governo qual é a linha internacional, porque sem ma dizerem não posso votar.

Tenho dito.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Desejo unicamente perguntar ao meu antigo collega, o sr. Lobo d'Avila, se nas expressões que dirigiu áquelles que combateram o projecto, que está em discussão, havia alguma idéa de que eu partilhasse o pensamento de impedir a votação d'esta lei por eu estar ligado a algum partido? Se s. exa. disse isso eu invoco o testemunho dos srs. ministros e da camara toda, que muito respeito, que digam se pensam que eu tenha a mais pequena idéa politica de embaraçar o andamento deste projecto. Reporto-me ao que decidirem a camara e os srs. ministros, nada mais.

O sr. Vaz Preto: - Cabe-me a palavra no fim da sessão quando os momentos são poucos para eu exprimir tudo quanto tinha que dizer em resposta a algumas considerações que apresentou o sr. Miguel Osorio. S. exa. disse que este projecto indicava bem que o fim do governo era illudir o paiz, e que elle não queria fazer nenhum caminho de ferro, e se algum fizesse havia de ser o que o digno par propõe. Parece impossivel que s. exa. dissesse isto, porque, se o digno par estivesse convencido e nutrisse a esperança de que o governo não faria estes caminhos, por certo não tinha empregado umas poucas de sessões, para impedir que este projecto passasse, por isso que tinha a certeza que o governo só faria, approvada que fosse esta auctorisação, o caminho de ferro que s. exa. indicava. Mas, sr. presidente, o governo quando tomou sobre si a responsabilidade de apresentar á camara este projecto foi porque estava convencido que é necessario attender aos interesses de todas as provincias, porque todas ellas concorrem paca as despezas em geral, e têem direito de serem contempladas igualmente na distribuição dos beneficios publicos. Não hão de umas ser dotadas com caminhos de ferro, ter direitos a certos melhoramentos, e outras ficarem privadas d'elles, não podendo concorrer facilmente com os seus productos aos grandes centros de consumo. É o que acontece com a Beira Baixa.

Emquanto o Alemtejo tem um caminho de ferro para poder levar os seus productos aos principaes mercados, a Beira Baixa está privada d'esse grande agente de riqueza publica. S. exa. disse que não se tratava aqui dos interesses do paiz.

S. exa. não tem fundamento nenhum para fazer uma tal asserção; se vamos a devassar as intenções de cada um tambem se poderia dizer que o digno par não tratava aqui dos interesses de todo o paiz, e que s. exa. veiu apresentar uma substituição ao projecto do governo, com a qual no meu entender não teve por fina senão sustentar os interesses de uma companhia de que é director.

(O digno par não reviu este discurso.)

O sr. Miguel Osorio: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - As palavras, que o digno par acaba de pronunciar, podem parecer offensivas ao digno par o sr. Miguel Osorio, e por isso no interesse da boa harmonia que deve reinar entre os membros d'esta camara peço a s. exa. que as explique, ou as retire.

O sr. Vaz Preto: - Eu me vou explicar.

Eu entendo que as cousas se devem dizer claramente, e quando se quer fazer uma censura, em logar de se estar a dirigir elogios e empregar todas as palavras as mais amaveis, para depois se apresentar a censura mais acre, é melhor ser logo franco. Repito, eu não gosto de dizer as cousas senão como ellas são.

(O digno par não reviu este discurso.)

O sr. Presidente: - Sinto muito ter que interromper o digno par. A hora está a dar, e por consequencia tenho que observar á camara que daqui a poucos minutos devo fechar a sessão. A camara sabe que a sessão real de encerramento deve ter logar hoje ás cinco horas da tarde.

O sr. Miguel Osorio: - Eu preciso que v. exa. me de a palavra, porque as palavras do digno par não podem ficar sem que eu lhe de explicação.

Vozes: - Deu a hora.

O sr. Presidente: - Deu a hora.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 2 de abril de 1875

Exmos. srs.: Marquez d'Avila e de Bolama; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Cabral, de Cavalleiros, de Fornos de Algodres, de Linhares, da Louzã, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Farrobo, da Torre, de Paraty, de Fonte Nova; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Monforte, dos Olivaes, de Ovar, da Praia Grande, de Soares Franco, da Silva Carvalho, de Porto Covo da Bandeira; Barão do Rio Zezere; Ornellas de Vasconcellos, Moraes Carvalho, Correia Caldeira, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Xavier Palmeirim, Carlos Bento, Engenio de Almeida, Sequeira Pinto, Silva Torres, Jayme Larcher, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Lobo d'Avila, Sá Vargas, Vaz Preto Geraldes, Franzini, Miguel Osorio, Menezes Pita, Gamboa e Liz, Custodio Rebello, Mello e Carvalho, Pinto Bastos.

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