DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 313
aios do que o poder legislativo substituir-se ao poder executivo e ao poder judicial, não só despachando um juiz por uma lei, o que é caso novo, mas dispensar a consulta do supremo tribunal de justiça sobre o merito d'esse juiz, o que equivale a declara-lo benemerito.
Quaes são os titulos pelos quaes a camara deva declamar benemerito o sr. Avelino? Quaes os documentos para resolver sobre o seu merecimento? Quaes os serviços prestados e devidamente comprovados? Pôde, pois, a camara, ou deve, votar um projecto d'esta ordem e d'aquelle alcance? Se julga que o sr. Cardoso Avelino merece qualquer recompensa pelos seus serviços, apresentem-se os documentos ou os factos que attestem esses serviços, e venham depois pedir ao parlamento essa recompensa ou remuneração; mas se querem fazer um favor d'esta ordem, em que a camara se colloca despoticamente acima dos outros poderes, julgando que tem auctoridade para postergar as disposições da carta e da legislação civil, então é preciso que revoguem a legislação em contrario, o que não se diz nem se declara no projecto.
A camara não deve votar um projecto como este que estamos discutindo, não só em virtude dos artigos da carta constitucional e codigo civil, que já li, mas por não ter auctoridade legitima para o fazer.
Houve direitos adquiridos sob a protecção da lei, é quanto basta para deverem ser respeitados, e muito principalmente pelos legisladores, que devem querer que as leis tenham realidade, e não sejam letra morta. Este projecto de lei, de excepção e de favor, prova bem claramente a existencia de direitos adquiridos, de outra forma seria desnecessario este projecto.
O que é que acontece, havendo direitos adquiridos e votando-se este projecto? Acontece fazer-se uma lei com effeito retroactivo, sendo necessario, para que tenha vigor, revogar o artigo 140.° da carta, e a disposição do artigo 8.° do codigo civil e a do artigo 2:173.°, que diz:
«A propriedade dos direitos adquiridos manifesta-se pelo exercicio ou posse d'elles, nos termos delarados na lei.»
A lei aqui é a de 21 de julho de 1855. Pela lei de 21 de julho de 1855, aos juizes que subiram á 2.ª classe conta-se-lhes a antiguidade desde a data da posse. O sr. Avelino não subiu ainda a essa classe, e por isso não se lhe podia contar antiguidade que não adquirir, e que só agora poderá obter por um acto odioso do parlamento que, em logar de uma lei, faz um despacho.
Esperarei, pois, que o sr. relator da commissão e o sr. ministro esclareçam a camara sobre estes pontos, que, pela sua gravidade, devem ser examinados com toda a seriedade e circumspecção. Como o sr. relator da commissão pediu a palavra, e sem duvida explicará, com os seus muitos conhecimentos, as minhas hesitações, eu limitar-me-hei á exposição .que fiz á camara, e a prevenir a objecção que o sr. Mártens Ferrão fará, de que o parlamento tem feito leis com effeito retroactivo. Effectivamente póde haver caso em que se de essa necessidade, mas são casos excepcionalissimos, em que a salvação do paiz ou circumstancias extraordinarias obrigam os poderes publicos a collocar-se tambem n'uma posição excepcional.
Não estamos, pois, em nenhum d'esses casos, e por isso devemos cumprir o nosso dever, respeitando as leis, e fazer aquellas que os interesse da nação reclamam, attendendo aos principios, e não esquecendo, nem a moralidade nem a justiça. As leis de excepção são sempre odiosas.
Se, pois, a lei de 21 de julho de 1855 não é justa, se as suas disposições não são acceitaveis, faça-se uma lei geral que regule o assumpto, e em que se providencie convenientemente, seguindo o direito, o justo e rasoavel. Assim, procedendo por esta forma, o parlamento está na orbita das suas attribuições, e faz o que é do seu dever, attender as necessidades publicas e melhorar a legislação. Mas a lei de 21 de julho de 1855 é muito sensata e judiciosa, e por isso não carece de modificações, e muito menos que as suas bem pensadas disposições sejam alteteradas por projectos odiosos, e similhantes ao que se discute.
O sr. Mártens Ferrão: — Adduziu novos argumentos, em sustentação da sua opinião.
O sr. Vaz Preto: — Succedeu o que eu esperava. Succedeu, que o meu collega, o sr. Mártens Ferrão, desenvolvesse muita erudição, muito estudo, fizesse largas considerações, e com o seu grande talento prendesse a attenção da camara e lhe fizesse ver este projecto sob um ponto de vista inteiramente diverso do que o que elle offerece.
Fallou muito, disse muito, fóra da questão, e por isso, em logar de esclarecer, deixou-a mais confusa e embaralhada; e não admira, porque, por mais talento e saber que o illustre orador tenha, as cousas são o que são, e não aquillo a que querem forçal-as a ser; e por isso s. exa. não pôde, nem poderia jamais destruir as leis, que estão escriptas, que são claras e precisas, e que, quando carecerem de interpretação, devem tel-a, em conformidade com os principios, attendendo ás fontes donde foram tiradas, e tendo em vista a intenção do legislador e a harmonia da lei em todas as suas disposições, que jamais se devem entender e interpretar isoladamente.
Disse o sr. relator, que afasta d'esta discussão o nome do magistrado a quem ella se refere, porque não costuma tratar as questões senão em geral e debaixo de um ponto de vista mais elevado, e segundo os principios. Estou completamente de accordo; e é por isso esta asserção ou desejo do sr. Mártens Ferrão mais um argumento contra o projecto.
Se o projecto trata de uma hypothese individual, se se refere exclusivamente ao sr. Avelino, como quer s. exa. afastal-o da discussão? Se elle é um favor pessoal, como pretende s. exa. evitar a discussão da pessoa pelo que respeita aos seus actos como funccionario? Como póde s. exa. evitar ou deixar de querer que se avaliem os serviços ou desserviços do sr. Avelino, visto que os pareceres das commissões tanto da camara dos pares como da dos senhores deputados alludem a elles? É attendendo aos actos do sr. Avelino que eu fico surprehendido de ver discutir hoje este projecto, quando eu esperava achar-me aqui, como juiz, para julgar com os meus collegas n'esta camara os actos do ministerio de que o sr. Avelino fazia parte, e cuja accusação devia partir da camara dos senhores deputados, pelas muitas e repetidas infracções de lei por elle commettidas.
O espectaculo que aqui presenceamos todos os dias, legalisando despezas feitas pelo ministerio transacto, despezas feitas sem que para isso o governo estivesse auctorisado, é doloroso, triste, e presagia um futuro mais triste e mais doloroso ainda.
Se o sr. Cardoso Avelino, como ministro, commetteu todas as infracções de lei que commetteram os seus collegas, pois era solidario com elles, não devia o sr. relator admirar-se, que, em logar d'este projecto de excepção e de favor odioso, nós estivessemos agora lavrando a sentença sobre os seus actos de ministro. Não posso, pois, acceitar a questão no terreno em que ella não deve ser discutida.
O projecto refere-se precisamente ao sr. Cardoso Avelino, e recompensa-lhe os seus actos, como ministro; ora eu, que o considerei detestavel ministro, e que combati com todo o vigor os seus actos, não posso deixar de me pronunciar contra esta odiosissima remuneração, que, alem d'este caracter, importa o mesmo que ser rasgado o nosso codigo fundamental, para que seja dada.
Sr. presidente, não careço de discutir os actos do ministerio transacto, nem os do sr. Avelino, como ministro, para condemnar o projecto em discussão; os principies e a doutrina sanccionada por todos os publicistas e estabelecida nas nossas leis fulminam-o de tal forma, que é inutil recorrer a qualquer outro- auxilio.
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